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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.5 Lisboa Oct. 2014

 

REVISÕES

Rastreio do aneurisma da aorta abdominal - revisão baseada na evidência

Screening for abdominal aortic aneurysm - an evidence-based review

Vítor Portela Cardoso,* Paula Mendes**

*Interno de Medicina Geral e Familiar. Mestrado Integrado em Medicina pela Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho. Unidade de Saúde Familiar Gualtar.

**Interna de Medicina Geral e Familiar. Mestrado Integrado em Medicina pela Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho. Unidade de Saúde Familiar Maxisaúde.

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Objetivo: Rever a evidência sobre a mortalidade e os efeitos laterais do rastreio do aneurisma da aorta abdominal (AAA) em adultos assintomáticos.

Fontes de Dados: National Guideline Clearinghouse, Guidelines Finder, Canadian Medical Association Practice Guidelines, Cochrane, DARE, Bandolier, MEDLINE e Índex de Revistas Médicas Portuguesas.

Métodos: Realizou-se uma pesquisa de meta-análises (MA), revisões sistemáticas (RS), ensaios clínicos aleatorizados e controlados (ECAC) e normas de orientação clínica (NOC), publicados entre 01/01/2003 e 23/03/2013, nas línguas portuguesa, espanhola, inglesa e francesa, utilizando os termos MeSH: abdominal aortic aneurysm e mass screening. Adotou-se a escala Oxford Centre for Evidence-Based Medicine (CEBM) para avaliação da qualidade dos estudos e atribuição dos níveis de evidência (NE).

Resultados: Foram obtidos 337 artigos, tendo sido incluídas 2 MA, 1 RS e 7 NOC. A RS e as MA selecionadas demonstraram que o rastreio diminuía significativamente a mortalidade por AAA nos homens com idades entre os 65-75 anos, mas não nas mulheres. A diminuição da mortalidade por todas as causas foi observada numa MA, tendo sido estimado um número necessário para rastrear de 156, inferior a programas de rastreios oncológicos atualmente instituídos. O rastreio duplicou o número de cirurgias eletivas e diminuiu para cerca de metade o número de cirurgias de emergência por rotura de AAA.

Conclusões: A evidência encontrada foi consistente e de boa qualidade, demonstrando a redução da mortalidade por AAA através do rastreio do AAA em homens assintomáticos com idades ≥ 65 anos (NE1). O tratamento do AAA está associado a riscos significativos de morte operatória e complicações que poderão ser aceitáveis nos indivíduos de alto risco.

Palavras-chave: Aneurisma da Aorta Abdominal; Rastreio; Mortalidade; Efeitos Laterais.


 

ABSTRACT

Objective: Review the evidence of mortality and adverse effects of screening for abdominal aortic aneurysm (AAA) in asymptomatic adults.

Data Sources: National Guideline Clearinghouse, Guidelines Finder, Canadian Medical Association Practice Guidelines, Cochrane, DARE, Bandolier, MEDLINE and Index of Portuguese Medical Journals.

Methods: We conducted a search for meta-analyses (MA), systematic reviews (SR), randomized clinical trials (RCT) and clinical practice guidelines (CPG), published between 01/01/2003 and 03/23/2013 in the Portuguese, Spanish, English and French languages, using the MeSH terms abdominal aortic aneurysm and mass screening. We used the Oxford Centre for Evidence-Based Medicine (CEBM) scale for assessment of levels of evidence (LE).

Results: Of 337 articles obtained, 10 met the inclusion criteria (2 MA, 1 SR and 7 CPG). The SR and the MA selected showed that screening for AAA significantly decreased mortality in men aged between 65-75 years old, but not in women. A reduction in all-cause mortality was observed in one MA, which estimated a number needed to screen of 156. This is lower than the number needed to screen in current cancer screening programs. Screening doubled the number of elective surgeries and decreased the number of emergency surgeries for ruptured AAA by half.

Conclusions: Consistent, good quality evidence demonstrated a reduction in mortality from AAA by screening asymptomatic men aged ≥ 65 years (LE1). The treatment of AAA is associated with significant risk of death and surgical complications, which may be acceptable in individuals at high risk.

Keywords: Abdominal Aortic Aneurysm; Mass Screening; Mortality, Side Effects.


 

Introdução

Um aneurisma arterial é definido como uma dilatação localizada maior ou igual a 50% do diâmetro normal.1 Como o diâmetro da artéria aorta infrarrenal é usualmente de 2cm, considera-se um AAA quando o diâmetro da aorta abdominal infrarrenal é maior ou igual a 3cm.2-5

Os valores da prevalência de AAA foram resultado de estudos de rastreio em vários países e variam entre 4-9% nos homens e 1% nas mulheres, aumentando com a idade.3,6-7 Estima-se que, de todas as mortes em homens com mais de 65 anos, 1-2% sejam causadas pela rotura de um AAA até então desconhecido.6

São fatores de risco major para o AAA a idade avançada, o sexo masculino, o tabagismo e a história familiar.1,4 O risco de AAA é 2-4 vezes superior nos familiares de primeiro grau de parentesco do sexo masculino a pacientes com AAA.1 Nos familiares do sexo feminino os dados são contraditórios.1,3 Outros fatores de risco associados ao desenvolvimento de AAA parecem ser: a história de outros aneurismas vasculares, estaturas mais elevadas, doença arterial coronária, doença cerebrovascular, aterosclerose, hipercolesterolemia e hipertensão arterial - apesar de a informação dos estudos para alguns destes fatores ser inconsistente.4 A diabetes mellitus, os indivíduos do sexo feminino ou de raça negra ou asiática estão associados a um menor risco de desenvolvimento de AAA.4,7

O AAA forma-se através de mecanismos biológicos complexos ainda não totalmente compreendidos, manifestados pela degeneração da parede do vaso.3 A história natural dos aneurismas arteriais caracteriza-se pela expansão gradual e/ou esporádica do seu diâmetro e pela acumulação de trombos murais causados pelo fluxo sanguíneo turbulento na periferia. Estas características contribuem para as três complicações mais comuns dos aneurismas: rotura, eventos isquémicos trombo-embólicos e a compressão ou a erosão de estruturas adjacentes, as quais são habitualmente bastante específicas na sua localização.3

Mais de 80% dos AAA são assintomáticos e frequentemente detetados como um achado ecográfico incidental.5 Quando sintomáticos, a dor é a queixa mais frequente e geralmente situa-se no hipogastro ou na região dorsal/lombar.3 É usualmente constante, com duração de horas a dias e caracterizada como “a roer”.3 A rotura caracteriza-se por um início abrupto de uma dor nas costas e abdominal, sendo que a tríade patognomónica de dor abdominal/dorsal, massa abdominal pulsátil e hipotensão apenas ocorre em cerca de um terço dos casos.3 A sintomatologia de uma rotura de aneurisma pode simular uma cólica renal, diverticulite ou uma hemorragia gastrointestinal, levando assim a erros de diagnóstico que podem custar um tempo precioso.3 Um exame físico completo deve incluir a palpação do abdómen e das artérias dos membros inferiores na tentativa de detetar pulsos alargados que sugerem a presença de aneurismas.3 A palpação dos AAA é segura e não foi relatada como precipitante de rotura.3 Porém, a deteção de uma massa abdominal pulsátil não é específica da presença de um AAA, podendo esse achado corresponder a uma aorta abdominal tortuosa ou à transmissão das pulsações da aorta a uma massa não-vascular.1

Apesar do comportamento habitualmente silencioso do AAA, se não tratado estima-se que um em cada três AAA sofra uma rotura2 - evento ao qual está associado uma mortalidade de 50 a 80%.6 Nos homens, quase todas as mortes por rotura de AAA ocorrem acima dos 65 anos de idade e quase todas as mortes relacionadas com o AAA ocorrem abaixo dos 80 anos.7 Nas mulheres, a maioria das mortes relacionadas com o AAA ocorre após os 80 anos.7 A probabilidade de rotura de um AAA depende do seu tamanho, sendo este o fator de risco independente mais importante.3-4,7-9 Outros são: sexo feminino, tabagismo, hipertensão arterial, taxa de expansão do AAA e o pico de stress da parede do AAA.4 Nos 5 anos que se seguem ao diagnóstico, a rotura ocorre em aproximadamente 2% dos aneurismas com menos de 4cm e em cerca de 25% naqueles maiores que 5cm. Assim, após o diagnóstico de AAA, duas abordagens são prática corrente: cirurgia eletiva nos aneurismas de grandes dimensões (≥ 5,5cm) ou vigilância ecográfica regular naqueles com < 5,5cm, orientando para a cirurgia caso o aneurisma cresça mais do que 1cm/ano ou atinga os 5,5cm.3-4,8-9

O benefício de se identificarem os AAA precocemente assenta na possibilidade de poderem ser reparados cirurgicamente antes de ocorrer uma potencial complicação, diminuindo assim a mortalidade por AAA.6,9 A taxa de mortalidade após rotura de um AAA atinge os 80%, o que é muito superior à taxa de mortalidade hospitalar da cirurgia eletiva de reparação do AAA, que ronda os 4,2%.10 A esta cirurgia está ainda associada uma taxa de complicações de 32,5%, algumas importantes como o enfarte agudo do miocárdio.2 O benefício do rastreio será, assim, máximo nos indivíduos com alto risco de desenvolver um AAA suficientemente grande para ter indicação cirúrgica.7

A ecografia abdominal é o exame recomendado para o rastreio do AAA, uma vez que a sensibilidade é de 95% e a especificidade aproxima-se dos 100%, é de fácil acesso, não invasivo, com um preço relativamente baixo e inócuo de radiações ou outros riscos.1-2,4,11 Apresenta, ainda assim, desvantagens como o facto de ser um exame operador dependente e poder ser limitado pelo biótipo do doente.4 Não existem contraindicações absolutas para a realização de ecografia abdominal; porém, na suspeita de dissecção ou rotura aneurismática a ecografia não é o exame de eleição.8

Atualmente são várias as organizações científicas internacionais que recomendam o rastreio do AAA através da ecografia6,12-13 e, em 2008, foi iniciado no Reino Unido um programa de rastreio nacional com base nos procedimentos do ensaio clinico MASS.14 Paralelamente foram iniciados programas similares na Suécia e nos Estados Unidos da América (Medicare).7,15 Em Portugal, entre junho de 2011 e março de 2012, foi levado a cabo o primeiro rastreio nacional do AAA, promovido pela Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular, destinado a homens com mais de 65 anos de idade e com fatores de risco de AAA.16

Atendendo a estes factos, a questão que se coloca neste trabalho é se em adultos assintomáticos o rastreio do AAA reduz a mortalidade por AAA e por todas as causas, sem efeitos laterais valorizáveis.

Métodos

Foi realizada uma pesquisa de meta-análises (MA), revisões sistemáticas (RS), ensaios clínicos aleatorizados e controlados (ECAC) e normas de orientação clínica (NOC) nas fontes de dados: National Guideline Clearinghouse, Guidelines Finder, Canadian Medical Association Practice Guidelines, Direção-Geral da Saúde, Cochrane, DARE, Bandolier, MEDLINE e Índex de Revistas Médicas Portuguesas, publicados entre 1 de janeiro de 2003 e 23 de março de 2013, nas línguas portuguesa, inglesa, francesa e espanhola, utilizando os termos MeSH: abdominal aortic aneurysm e mass screening; ou os termos DeCS: aneurisma da aorta abdominal e rastreio.

Os critérios de inclusão dos artigos consistiram numa população adulta, assintomática, cuja intervenção fosse o rastreio do AAA, comparativamente a não rastrear. Os resultados avaliados foram a mortalidade por todas as causas e a mortalidade relacionada com o AAA. Os resultados secundários foram os efeitos laterais do rastreio. Não foram avaliados os resultados orientados para a qualidade de vida ou a relação custo-efetividade. Foram excluídos os estudos que tivessem tido como alvo crianças, indivíduos sujeitos anteriormente a reparação de um AAA ou com doenças graves/terminais.

Foi adotada a escala “Oxford Centre for Evidence-Based Medicine (OCEBM) 2011” para avaliação da qualidade dos estudos e atribuição dos níveis de evidência (NE).17

Resultados

Obtiveram-se 337 artigos tendo sido selecionadas 1 RS,9 2 MA18-19 e 7 NOC,3-5,7,22-24 após exclusão dos artigos que não cumpriam os critérios de inclusão, os artigos repetidos e os estudos originais que foram alvo de análise nas RS ou MA incluídas na presente revisão.

As RS e MA selecionadas incluíam os mesmos 4 ECAC. Tratou-se de ECAC não cegos que avaliaram o rastreio do AAA de base populacional. Dois tiveram lugar no Reino Unido (Chichester e MASS), um na Dinamarca (Viborg) e um na Austrália (Western Australia). Os participantes foram distribuídos aleatoriamente por computador para receber o convite do rastreio, ou não, e as informações sobre a mortalidade foram colhidas a partir da combinação de dados hospitalares e registos nacionais. O seguimento variou entre 3,5-15 anos, não tendo sido reportada uma perda significativa no seguimento em nenhum ECAC. Apesar destes ensaios terem sido realizados em diferentes países e com diferentes coortes de pacientes, os resultados não tiveram grande divergência.18 A United States Preventive Services Task Force (USPSTF) classificou como Good o estudo MASS e como Fair os restantes 3 ECAC.7

A RS selecionada tem a chancela da Cochrane (quadro I) e demonstrou que o rastreio diminuía significativamente a mortalidade por AAA nos homens, mas não nas mulheres.9 Cosford et al demonstraram que a redução da mortalidade por AAA se devia essencialmente à diminuição na incidência de roturas aneurismáticas verificada nos homens (OR=0,45; IC95% 0,21-0,99), o que não aconteceu nas mulheres.9 Não foi detetado um efeito significativo na redução da mortalidade para todas as causas.9 Uma RS da USPSTF (Fleming et al), publicada anteriormente, tinha já obtido resultados sobreponíveis.2 O tabagismo associou-se a um aumento de 3-5 vezes na prevalência de AAA e no aumento do risco da mortalidade relacionada com AAA.2 Estimaram ainda que, se se rastreassem apenas esses homens, a redução da mortalidade para o AAA seria 89% daquela obtida no rastreio de todos os homens com idades entre os 65 e 74 anos.2

 

 

A RS da Cochrane não refere malefícios físicos associados ao rastreio através de ecografia.9 Porém, ocorreu um aumento significativo das cirurgias eletivas a AAA nos homens (OR=2,03, IC95% 1,59-2,59), procedimento que se associou a uma morbi-mortalidade significativa, com uma taxa de mortalidade de 4,2% e uma taxa de complicações de 32,4% (enfarte agudo do miocárdio, insuficiência respiratória e renal e alterações do estado funcional dos indivíduos).2,9 O risco de morte e complicações neste contexto aumentava com a idade.2,9

Takagi et al publicaram, em 2010, uma MA (quadro II) que incluiu apenas os dados do seguimento a longo prazo (acima dos 10 anos) dos 4 ECAC descritos.18 A fim de maximizar a homogeneidade do estudo, a MA deste grupo incluiu unicamente os indivíduos do sexo masculino, excluindo o único ECAC que analisou mulheres (Chichester). Os autores demonstraram o efeito na redução da mortalidade relacionada com AAA de 4 em 1.000 homens com idades ≥ 65 anos, atribuindo-lhe um número necessário para rastrear (NNR) de 238.18 No que diz respeito ao efeito do rastreio em diminuir a mortalidade por todas as causas afirmavam que, apesar de verificarem uma forte tendência, o rastreio a longo prazo não diminuía significativamente esta mortalidade (NNR = 217).18 Após a publicação do artigo final do ECAC MASS, em outubro de 2012,14 Takagi et al atualizaram a sua MA (quadro II), que apenas analisou a mortalidade por todas as causas. Concluíram que o rastreio diminuía significativamente essa mortalidade em 2,7% (OR=0,973; IC95% 0,95-0,997) em homens com idades ≥ 65 anos, atribuindo-lhe um NNR de 156.19 Esta conclusão já tinha sido obtida numa MA anterior (Lindholt et al);10 porém, os seus resultados foram muito contestados, tendo vários investigadores apontado erros não só a esta MA, como também a alguns aspetos da RS da Cochrane, uma vez que nestas revisões foram incluídos dados relativos às mortes de um ECAC (Western Australia) não ajustados para a idade.18,20

 

 

Foram ainda incluídas 7 NOC, a maioria realizadas no norte da América (quadro III). Ferket et al realizaram uma análise qualitativa de muitas das NOC incluídas nesta revisão, tendo sido aquelas com pontuações de rigor mais elevadas a da USPSTF (79%), da American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) (63%) e a do National Screening Committee (NSC) (41%).21

 

 

Provavelmente neste sentido, várias organizações adotaram as recomendações da USPSTF, entre as quais a American College of Preventive Medicine (ACPM), a American Academy of Family Physicians (AAFP) e a University of Medicine and Health Sciences (UMHS).6,12-13

Apenas duas NOC incluídas foram desenvolvidas com base numa revisão sistemática (ACC e USPSTF).3,7 As restantes foram desenvolvidas a partir de uma seleção não sistemática de revisões sistemáticas já realizadas ou de uma pesquisa primária. A ecografia abdominal foi unanimemente recomendada como método de rastreio, sendo que apenas uma NOC (ACC/AHA)3 incluiu o exame físico como ferramenta de rastreio em associação à ecografia.

Parece existir um consenso entre as NOC a favor do rastreio ecográfico único nos homens idosos, a maioria recomendando como idade de início do rastreio os 65 anos. Inversamente, não houve unanimidade sobre se uma história de tabagismo deva ou não estar presente, com a NOC da ACC/AHA a recomendar o rastreio em homens que já fumaram (definido como qualquer hábito tabágico ativo ou passivo) e a NOC da USPSTF a exigir nas suas recomendações o consumo de pelo menos 100 cigarros ao longo da vida.3,7

Relativamente à história familiar, apesar de a USPSTF não emitir recomendações relativamente a este fator de risco, ele é reconhecido mas considerado de menor impacto comparativamente à idade, o sexo e os hábitos tabágicos.7 A USPSTF enfatiza a importância do médico individualizar os cuidados para cada consulente, avaliando os seus fatores de risco, inclusive história familiar, e os potenciais benefícios a obter com o rastreio.7

Na abordagem dos AAA de pequenas dimensões não houve concordância entre as NOC ou não eram emitidas recomendações. À exceção da USPSTF, todas as NOC continham recomendações acerca dos intervalos de vigilância para aneurismas com diâmetros inferiores à indicação para cirurgia eletiva (5,5cm). A Society for Vascular Surgery (SVS) e a German Society for Vascular Surgery (GSVS) emitiram recomendações concordantes: em AAA com < 3cm não recomendavam mais exames; AAA entre 3-4cm, ecografia anual; AAA entre 4-4,5cm, ecografia semestral e AAA > 4,5cm sugeriam a referenciação ao especialista vascular.5,22

Conclusões

Do processo de pesquisa, os autores consideram ter obtido artigos robustos de encontro aos objetivos deste trabalho.

A RS e as MA incluíram ECAC de boa qualidade, com resultados congruentes entre si e orientados para o paciente. Assim, o corpo de evidência encontrado foi robusto em benefício do rastreio do AAA em homens assintomáticos com idades superiores ou iguais a 65 anos, uma vez que demonstrou reduzir a mortalidade por AAA (NE 1) e por todas as causas (NE 2). Esta conclusão vai naturalmente de encontro às NOC elaboradas por entidades americanas e europeias.

No que concerne ao efeito do rastreio do AAA na mortalidade por todas as causas, a evidência mais recente traduz um efeito favorável, mas ainda ficam algumas questões por responder. Todos os ensaios demonstraram reduções pequenas ou não significativas da mortalidade por todas as causas com o rastreio, inclusive o ensaio MASS, considerado o mais importante. Após a publicação deste ECAC,14 a equipa de Takagi et al actualizou a sua MA,19 concluindo que o rastreio ao AAA diminuía significativamente a longo prazo a mortalidade por todas as causas em homens com idades superiores ou iguais a 65 anos. Uma vez que a mortalidade atribuída ao AAA assoma um pequeno contributo (2%) para todas as mortes nos homens idosos, será provável que a diminuição da mortalidade por AAA poderá não contribuir diretamente para a redução da mortalidade por todas as causas. Os investigadores Mastracci e Cinà defendem a hipótese de que este resultado poderá ser devido à redução de fatores de risco cardiovasculares associados ao estilo de vida a que os participantes do rastreio estiveram sujeitos.24

Os artigos selecionados permitem concluir que o rastreio populacional do AAA é marcadamente eficiente, comparando os NNR estimados com os de outros programas de rastreio já estabelecidos. Por exemplo, acerca do rastreio do cancro da mama através de mamografia, uma RS da Cochrane em 2011 mostrou uma redução significativa da mortalidade por cancro da mama, sem redução significativa da mortalidade por todas as causas após 13 anos.25 Assim, em 2.000 mulheres convidadas para o rastreio ao longo de 10 anos, uma teve a sua vida prolongada, 10 foram diagnosticadas com cancro da mama apenas porque realizaram o rastreio, tendo sido tratadas desnecessariamente e mais de 200 experienciaram um stress psicológico importante relacionado com os falsos positivos.25 Uma outra RS da Cochrane indicou que o rastreio do cancro colorrectal diminuía em 16% o risco relativo de mortalidade, num seguimento entre os 8 e 18 anos (1,5/1.000; NNR 671), sem diferenças na mortalidade por todas as causas.26 Relativamente ao controverso rastreio do cancro da próstata, o NNR estimado ronda os 1.245 aos 9 anos.27 O rastreio do AAA, num seguimento de 10 a 15 anos, reduziu a mortalidade relacionada com o AAA e a mortalidade por todas as causas com um NNR estimado em 238 (4/1.000) e 156, respetivamente.5,14,18-19,28

A ecografia foi usada nos ECAC e nos programas de rastreio realizados, revelando deter as características de um exame de rastreio ideal, sendo simples, seguro, confiável, válido e bem aceite pela população em geral.5,24 Apesar de existirem consensos quanto aos intervalos de reavaliação de um AAA em vigilância, baseados nos ensaios clínicos, aguarda-se evidência científica que indique os intervalos ótimos, seguros e custo-eficazes.4 Na verdade, a história natural do AAA, a sua formação e expansão não estão completamente compreendidas. A patogénese é complexa e multifatorial, sendo necessários mais estudos.

À luz da evidência atual não parece haver evidência para apoiar o rastreio do AAA em mulheres, uma vez que este não demonstrou diminuir a mortalidade (NE 3). Há que considerar, porém, que apenas um ECAC foi realizado em mulheres (Chichester) e que, atendendo à baixa prevalência de AAA neste sexo, este ensaio pode não ter tido o poder suficiente para detetar qualquer benefício do rastreio. Adicionalmente, o tabagismo, como o principal fator de risco para AAA, tem vindo a aumentar nas mulheres, desconhecendo-se a incidência futura de AAA em mulheres fumadoras. Desta forma, seria pertinente a realização de estudos acerca do benefício do rastreio em mulheres fumadoras.

A história familiar de AAA aumenta o risco de AAA em cerca de duas vezes.1,4 O rastreio de indivíduos com história familiar de AAA poderá ser aconselhável (NE 3), desconhecendo-se a idade a partir da qual o rastreio será mais vantajoso.

Todos os ECAC rastrearam indivíduos aos 65 ou mais anos, como sendo a idade na qual a prevalência de AAA é elevada o suficiente para haver benefício no rastreio, tendo em conta o baixo risco de rotura numa idade anterior e os custos de repetir o rastreio mais tarde. Nenhum estudo avaliou, porém, a idade ótima na qual o benefício é maior em termos de vidas salvas e de custo-benefício.

Um dos aspetos a refletir nos rastreios é a sustentabilidade do seu benefício ao longo dos anos. Isto pode ser ameaçado se, por exemplo, indivíduos com idades ≥ 65 anos, que tiveram um rastreio negativo, vierem a sofrer uma rotura de um AAA posteriormente. A RS da USPSTF, que incluiu ECAC com um seguimento até aos 5 anos, concluiu que um rastreio ao AAA negativo aos 65 anos virtualmente excluía o risco de uma rotura de AAA, uma vez que a morte por essa complicação seria posteriormente rara, com uma taxa de incidência estimada para um novo AAA de cerca de 0-4% em 10 anos.2,7 Porém, numa análise a longo prazo, dois dos quatro ECAC incluídos nas RS e MA verificaram um aumento das roturas de AAA a partir dos 8 anos de seguimento nos homens que tinham tido um rastreio negativo (especialmente nos indivíduos com diâmetros da aorta no limite superior do valor diagnóstico), com uma taxa de cerca de uma rotura aneurismática em 1.000 por ano.14 Esta taxa mantinha-se até aos 13 anos de seguimento e, ainda que sendo baixa em termos absolutos, foi suficiente para diminuir o benefício do rastreio a longo-prazo. Os autores do ECAC MASS concluíram que estes eventos não produziam uma diminuição significativa no benefício do rastreio em reduzir a mortalidade por AAA.14 De qualquer forma, a evicção destes eventos poderá passar pela repetição do rastreio ao fim de 10 anos a todos os homens com diâmetros da aorta abdominal normais ou integrar aqueles com diâmetros no limite superior da normalidade em programas da vigilância.

Relativamente aos efeitos laterais do rastreio, o efeito nocivo provavelmente mais importante é o risco de mortalidade associado à intervenção cirúrgica e/ou de complicações. Houve duas vezes mais cirurgias eletivas a AAA no grupo convidado para rastreio do que no controle; no entanto, o número de cirurgias de emergência reduziu para metade.2,9-10,14 Não se identificaram diferenças nas taxas de mortalidades associadas a estes procedimentos entre o grupo rastreado e o de controlo.14

A mortalidade associada à cirurgia de reparação eletiva (4,2%), apesar de ser bastante inferior àquela associada a uma rotura de AAA (34,1%), não é insignificante.2,9,14 Assim, ao reparar um aneurisma, um paciente é exposto a um risco importante quando o seu AAA (mesmo se grande) poderia não ser a causa da sua morte. O balanço entre o risco de rotura e os riscos da cirurgia eletiva (morte e outras complicações) é difícil de julgar em indivíduos assintomáticos. Por outro lado, serão diagnosticados pequenos aneurismas a muitos indivíduos saudáveis aos quais a cirurgia não está recomendada nem existe um tratamento efetivo na redução ou interrupção do crescimento do AAA, o que poderá gerar sentimentos de ansiedade.9 Estes indivíduos poderão viver com o peso de um diagnóstico potencialmente fatal e estar sujeitos a uma vigilância periódica, o que poderá afetar negativamente a sua qualidade de vida.

O rastreio pode ainda causar uma sobrecarga ao nível dos serviços de cirurgia vascular, os quais para tornar o rastreio seguro deverão proporcionar tratamentos de reparação cirúrgica com baixas taxas de mortalidade.

Dado que todos os ensaios clínicos decorreram fora de Portugal, a possibilidade de generalizar os resultados para a população portuguesa não é clara.

Apesar da melhor evidência exposta neste trabalho, na recomendação deste rastreio há que considerar várias questões. Os indivíduos alvo terão que ser suficientemente semelhantes àqueles dos ECAC. Por outro lado, o rastreio deve claramente trazer um benefício clinico relevante que ultrapasse os danos e dever-se-á questionar se existirá outro melhor. Há que considerar a aceitabilidade e os valores dos pacientes tendo em conta os possíveis riscos inerentes ao rastreio e ao tratamento. Não interessará a um paciente saber, por exemplo, os benefícios/malefícios do rastreio do AAA se este se negar a ser sujeito a uma intervenção cirúrgica. Estas posições carecem de uma tomada de decisões partilhada entre o doente e o médico. Será ainda necessário aprofundar a análise sobre a qualidade de vida, complicações cirúrgicas, expectativa de vida e relação custo-efetividade, cujos dados existentes parecem ser insuficientes.9

 

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Vítor Bruno Portela Lopes Cardoso

Rua João Gomes Leite n.º 37, Real. 4700-276 Braga

E-mail: muxmail@gmail.com

 

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer à Dra. Magda Cardoso e à Dra. Cláudia Melo pela revisão crítica do artigo.

Conflitos de interesses

Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.

 

Recebido em 20/09/2013

Aceite para publicação em 20/08/2014

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