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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.5 Lisboa Oct. 2014

 

CLUBE DE LEITURA

Rastreio do cancro colorretal: mais vale tarde do que nunca?

Colorectal cancer screening: better late than never?

Ângela Neves

Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Lagoa, Unidade Local de Saúde de Matosinhos


 

Van Hees F, Habbema JD, Meester RG, Lansdorp-Vogelaar I, van Ballegooijen M, Zauber AG. Should colorectal screening be considered in elderly persons without previous screening? A cost-effectiveness analysis. Ann Intern Med. 2014;160(11):750-9.

Introdução

A U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF) recomenda o rastreio do cancro colorretal (CCR), com recurso à pesquisa de sangue oculto nas fezes (PSOF), sigmoidoscopia ou colonoscopia, aos utentes com idades compreendidas entre os 50 e os 74 anos, não sendo recomendado o rastreio a pacientes com mais de 75 anos adequadamente rastreados. Embora esta recomendação da USPSTF não contemple os utentes sem rastreio prévio suscitou na comunidade médica a perceção de que não se deveria proceder ao rastreio do CCR a pacientes com mais de 75 anos. No entanto, e porque estes utentes sem rastreio prévio se encontram em maior risco para o CCR comparativamente a idosos rastreados, a sua inclusão no rastreio do CCR poderá ser suscetível de ser custo-efetiva até uma idade mais avançada.

Objetivo

Determinar até que idade o rastreio do CCR deverá ser considerado em pessoas idosas sem rastreio prévio e qual o método de rastreio mais indicado para cada idade.

Métodos

Foi desenvolvido um modelo estocástico de simulação da história natural do CCR numa grande população, calibrado para a idade, estadio, incidência específica e localização do CCR, sendo utilizado para explicar e prever as tendências do CCR, incidência e taxas de mortalidade, quantificar os efeitos e custos da prevenção primária e da triagem deste cancro e vigilância após polipectomia. Para cada faixa etária entre os 76-90 anos simulou-se uma coorte de 10 milhões de pessoas idosas sem rastreio prévio e sem comorbilidades ou com comorbilidades moderadas ou graves.

Foram classificados como tendo comorbilidades moderadas os utentes portadores de úlcera, doença reumatológica, doença vascular periférica, diabetes, paralisia, doença cerebrovascular ou história de enfarte agudo do miocárdio; como tendo comorbilidades graves os portadores de doença pulmonar obstrutiva crónica, insuficiência cardíaca congestiva, doença hepática moderada ou grave, insuficiência renal crónica, demência, cirrose e hepatite crónica ou síndroma da imunodeficiência humana adquirida (SIDA); e sem comorbilidades todos os pacientes que não apresentavam nenhuma dessas condições.

Resultados

Em pessoas idosas sem rastreio prévio e sem comorbilidades, o rastreio do CCR demonstrou ser custo-efetivo até aos 86 anos, sendo a colonoscopia o método de rastreio mais indicado até aos 83 anos, a sigmoidoscopia até aos 84 anos e a PSOF até aos 85-86 anos. Em utentes não rastreados e com comorbilidades moderadas, o rastreio mostrou ser custo-efetivo até aos 83 anos (colonoscopia indicada até aos 80 anos, sigmoidoscopia até aos 81 anos e PSOF até aos 82-83 anos). Em pacientes não rastreados com comorbilidades graves, o rastreio foi custo-efetivo até aos 80 anos (colonoscopia indicada até aos 77 anos, sigmoidoscopia até aos 78 anos e PSOF até aos 79-80 anos).

Discussão

O rastreio do CCR em pacientes sem rastreio prévio continua a ser benéfico para além dos 75 anos, demonstrando-se custo-efetivo até aos 86 anos em idosos sem comorbilidades (até aos 83 anos para os portadores de comorbilidades moderadas e 80 anos para aqueles com comorbilidades graves), sendo a colonoscopia indicada como método de rastreio na maioria das idades. O rastreio permanece benéfico até uma idade mais avançada em utentes sem comorbilidades comparativamente aos que se apresentem com comorbilidades, dado que a sua expectativa de vida mais favorável aumenta a probabilidade do rastreio impedir o CCR, aumentando assim a sua eficácia e simultaneamente reduzindo os custos com os cuidados dirigidos a este cancro. A incidência de CCR aumenta com a idade, porém a relação custo-eficácia do rastreio declina com o acréscimo dos anos, pois com o aumento da idade acresce o risco de outras causas de morte, o que reduz a probabilidade de o rastreio evitar as mortes por CCR, além de que o risco de danos induzidos pelo rastreio como complicações inerentes à realização da colonoscopia e, mais importante, o sobrediagnóstico e tratamento excessivo de CCR aumentam com a idade, ao mesmo tempo que o sobretratamento do CCR induz um aumento dos custos à medida que a idade aumenta.

COMENTÁRIO

As recentes estimativas da Agência Internacional de Investigação do Cancro apontam o cancro colorretal como sendo o cancro mais comum na Europa com 432.000 novos casos relatados anualmente e a segunda maior causa de morte com 212.000 mortes relatadas em 2008.1 Em Portugal, o CCR apresenta igualmente uma elevada incidência e mortalidade, com uma taxa de incidência em propensão crescente com o decorrer dos anos e, enquanto a mortalidade por tumores malignos do reto tem vindo a apresentar alguma estabilidade, já a mortalidade por cancro do cólon manifesta uma tendência crescente, tendo-se registado em 2011 cerca de 2.668 óbitos por cancro do cólon e 881 por cancro do reto no nosso país.2

A sobrevivência global dos pacientes com CCR aos 5 anos aproxima-se dos 50%; porém, esta poderá facilmente superar os 90% no caso de um diagnóstico precoce.3 Assim se compreende a importância do rastreio do CCR na redução da mortalidade através da sua deteção precoce e na redução da sua incidência por meio da deteção e excisão endoscópica de lesões pré-malignas.4

A European Guidelines for Quality Assurance in Colorectal Cancer Screening and Diagnosis recomenda o rastreio oportunístico do CCR aos utentes assintomáticos com idades compreendidas entre os 50 e os 74 anos,5 não fazendo qualquer menção que designe ou explicite o procedimento a adotar em pacientes com mais de 75 anos mas sem rastreio prévio.

Nesse sentido, o artigo exposto revela-se de grande pertinência para a prática clínica da Medicina Geral e Familiar já que, não raramente, os Médicos de Família se deparam com utentes que não foram incluídos no rastreio do CCR.

Diferentes estudos demonstram o declínio da eficácia e o aumento do risco de complicações do rastreio do CCR com o aumento da idade.6-7 Porém, em nenhum deles são considerados os custos associados ao sobrediagnóstico e sobretratamento desta neoplasia, que serão certamente os principais efeitos adversos deste rastreio a pessoas idosas e cujo risco aumenta em simultâneo com o aumento da idade. Assim, o artigo apresentado marca a diferença ao atender não apenas à eficácia do rastreio ao longo das diferentes idades e pelos diferentes métodos de diagnóstico, mas também aos custos associados às complicações decorrentes do rastreio, sobrediagnóstico e tratamento excessivo desta patologia.

Posto isto, poder-se-á considerar vantajoso, em idosos sem rastreio prévio e devidamente selecionados, o rastreio do CCR em idades para além dos 75 anos, porém, sem nunca perder o censo crítico e sem descurar as boas práticas médicas, não vá a busca incessante pela doença causar dano maior.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ferlay J, Shin HR, Bray F. Cancer incidence and mortality worldwide. Lyon: International Agency for Research on Cancer; 2010. Available from: http://globocan.iarc.fr        [ Links ]

2. Miranda N, Nogueira PJ, Silva AJ, Rosa MV, Alves MI, Afonso D, et al. Doenças oncológicas em números, 2013: programa nacional para as doenças oncológicas. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2013. Available from: http://www.dgs.pt/estatisticas-de-saude/estatisticas-de saude/publicacoes/portugal-doencas-oncologicas-em-numeros-2013.aspx .         [ Links ] Portuguese

3. Gatta G, Capocaccia R, Sant M, Bell CM, Coebergh JW, Damhuis RA, et al. Understanding variation in survival for colorectal cancer in Europe: a EUROCARE high resolution study. Gut. 2000;47(4):533-8.         [ Links ]

4. Rex DK, Johnson DA, Anderson JC, Schoenfeld PS, Burke CA, Inadomi JM. American College of Gastroenterology guidelines for colorectal cancer screening 2009. Am J Gastroenterol. 2009;104(3):739-50.         [ Links ]

5. Segnan N, Patnick J, von Karsa L, editors. European guidelines for quality assurance in colorectal cancer screening and diagnosis. Luxembourg: Publications Office of the European Union; 2010.         [ Links ] ISBN 9789279164354

6. Ko CW, Sonnenberg A. Comparing risks and benefits of colorectal cancer screening in elderly patients. Gastroenterology. 2005;129(4):1163-70.         [ Links ]

7. Lin OS, Kozarek RA, Schembre DB, Ayub K, Gluck M, Drennan F, et al. Screening colonoscopy in very elderly patients: prevalence of neoplasia and estimated impact on life expectancy. JAMA. 2006;295(20):2357-65.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

A autora declara não ter conflito de interesses.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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