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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.6 Lisboa dez. 2014

 

CARTA À DIRECTORA

Hipercalciúria e suplementação com vitamina D

Hypercalciuria and vitamin D supplementation

Eduarda Resende*

*Médica Interna de Endocrinologia, Hospital Central do Funchal

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

Excelentíssima Senhora Diretora da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar:

O artigo “Cálcio a mais? Riscos da suplementação com cálcio e vitamina D na pós-menopausa”, publicado no Clube de Leitura do volume 30, nº 4 (2014) da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, fala sobre os riscos da suplementação com cálcio e vitamina D, nomeadamente no que diz respeito à ocorrência de hipercalcemia e/ou hipercalciúria. Neste estudo, cujo objetivo era avaliar a hipercalcemia e/ou hipercalciúria em doentes tratadas com suplementação de cálcio e diferentes doses de vitamina D, concluiu-se que estes parâmetros não parecem estar dependentes da dose de vitamina D ou dos seus níveis séricos, mas com a suplementação isolada de cálcio ou associada à vitamina D.

Neste âmbito, existe um estudo1 que sugere que a suplementação com cálcio sem adição de vitamina D em mulheres saudáveis pós-menopáusicas não resultava num aumento da excreção urinária de cálcio; no entanto, a suplementação conjunta de cálcio e de vitamina D causava um aumento significativo dos níveis de cálcio urinário, embora sem aumento do risco de nefrolitíase.

Para fomentar a discussão refere-se o caso de uma doente de 53 anos, sexo feminino, que foi enviada a uma consulta de Endocrinologia por apresentar numa ecografia cervical um nódulo sugestivo de ser um adenoma da paratiróide. Como antecedentes relevantes tinha: menopausa há cerca de 3 anos e redução da densidade mineral óssea a nível da coluna lombar (T score de -2,0). Estava medicada com colecalciferol (8 gotas diárias - 5336UI/dia), sem suplementação com cálcio. Desconhecia litíase renal e não tinha qualquer estudo pedido a nível do metabolismo do cálcio e da vitamina D (apesar de estar medicada com colecalciferol). Foi pedido estudo analítico que revelou uma função renal normal, cálcio sérico de 9,30 mg/dl (8,9 - 10,30), fósforo sérico de 3,19 mg/dl (2,40-4,70), PTH de 25,3 pg/ml (15-88), vitamina D de 47 ng/ml e calciúria das 24h aumentada: 429,60 mg/24h (<250).

Perante estas análises excluiu-se a hipótese de hiperparatiroidismo primário; no entanto, verificou-se que esta doente, apesar de normocalcémica, tinha hipercalciúria, o que a colocava em risco de vir a desenvolver nefrolitíase, pelo que foi reduzida a administração de vitamina D (estava com doses superiores à dose máxima recomendada diária) e foi instituída uma dieta hipossalina e com restrição proteica. De realçar que esta doente tinha hipercalciúria com suplementação isolada de vitamina D.

Existe discordância quanto à questão se a suplementação com vitamina D induz ou exacerba a hipercalciúria.2 No estudo já citado1 sugere-se que uma dieta rica em sal e proteínas em mulheres pós-menopáusicas poderá ser prejudicial no metabolismo do cálcio em pessoas com um determinado genótipo de recetor de vitamina D. Outro estudo3 apoia esta hipótese, evidenciando que o tratamento com vitamina D, mesmo em altas doses, não desencadeia hipercalciúria a não ser que estejam presentes outros fatores na dieta.

A hipercalciúria idiopática manifesta-se por um aumento global do turnover do cálcio, com aumento da sua absorção intestinal, diminuição da sua reabsorção renal e uma tendência para aumento da sua reabsorção óssea, com níveis de cálcio sérico frequentemente normais; um aumento da resposta tecidular aos efeitos da vitamina D poderá ser responsável por estas manifestações,4 pelo menos em alguns doentes - o que nos leva a questionar se não será o caso desta doente.

Por outro lado, é também importante referir que esta doente não tinha mais de 65 anos; no entanto, estava na pós-menopausa e na densitometria óssea apresentava osteopenia da coluna lombar. É conhecido que uma das medidas mais importantes na prevenção da osteoporose é o aporte adequado de cálcio e de vitamina D (os níveis séricos de vitamina D são considerados suficientes quando acima de 30 ng/ml). É importante realçar que nesta doente foi instituída terapêutica com colecalciferol sem serem avaliados previamente os níveis séricos de vitamina D.

Também os efeitos pleiotrópicos da vitamina D são cada vez mais enfatizados, estando a deficiência de vitamina D implicada no desenvolvimento de doenças cardiovasculares, hipertensão, neoplasias, diabetes, demência, esclerose múltipla, entre outras patologias, o que demonstra o papel crucial desta vitamina na manutenção da saúde. No entanto, o rastreio de deficiência de vitamina D só se revelou custo-efetivo em algumas populações específicas - mulheres na pós-menopausa, idosos, institucionalizados e grávidas.5

Assim, embora a suplementação generalizada com vitamina D possa parecer inócua, é importante relembrar que também poderá ter os seus riscos e que deve ser administrada criteriosamente a doentes com uma avaliação prévia do metabolismo fosfocálcico, como está descrito no artigo comentado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Domrongkitchaiporn S, Ongphipphadhanakul B, Stitchantrakul W, Piaseu N, Chansirikam S, Puavilai G, et al. Risk of calcium oxalate nephrolithiasis after calcium or combined calcium and calcitriol supplementation in postmenopausal women. Osteoporos Int. 2000;11(6):486-92.         [ Links ]

2. Hathcock JN, Shao a, Vieth R, Heaney R. Risk assessment for vitamin D. Am J Clin Nutr. 2007;85(1):6-18.         [ Links ]

3. Okamoto N, Aruga S, Tomita K, Takeuchi T, Kitamura T. Chronic acid ingestion promotes renal stone formation in rats treated with vitamin D3. Int J Urol. 2007;14(1):60-6.         [ Links ]

4. Worcester EM, Coe FL. New insights into the pathogenesis of idiopathic hypercalciuria. Semin Nephrol. 2008; 28(2):120-32.         [ Links ]

5. Alves M, Bastos M, Leitão F, Marques G, Ribeiro G, Carrilho F. Vitamina D - importância da avaliação laboratorial (Vitamin D - Importance of laboratory evaluation). Rev Port Endocrinol Diabetes Metab. 2013;8(1):32-9.         [ Links ] Portuguese

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Eduarda Resende

Serviço de Endocrinologia

Hospital dos Marmeleiros

Estrada dos Marmeleiros, 9050 - Funchal

E-mail: edu.bene84@gmail.com

 

Agradecimentos

Margarida Ferreira (Médica Assistente Graduada de Endocrinologia), Maritza Sá (Médica Assistente Hospitalar de Endocrinologia) e Silvestre Abreu (Assistente Graduada Sénior de Endocrinologia), todos do Hospital Central do Funchal.

Conflito de interesses

A autora declara não ter conflitos de interesse.

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