SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 número6Uma vacina contra a Neisseria meningitidis sorogrupo B: lidar com a incertezaQuimioprofilaxia no refluxo vesico-ureteral: uma opção actual? índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.6 Lisboa dez. 2014

 

CLUBE DE LEITURA

Abordagens eficazes para a higiene do sono na infância: uma revisão sistemática

Effective education for sleep hygiene in children: a systematic review

Maria João Macedo*

*Médica interna de Medicina Geral e Familiar, USF de Ronfe, ACeS Alto Ave


 

Halal CS, Nunes ML. Education in children’s sleep hygiene: which approaches are effective? A systematic review. J Pediatr (Rio J). 2014;90(5):449-56.

Introdução

A prevalência dos distúrbios do sono na infância é elevada, afetando cerca de uma em cada três crianças em idade escolar e podendo acarretar dificuldades de aprendizagem, alterações do comportamento, aumento da predisposição para lesões acidentais e para a obesidade. Os Médicos de Família desempenham um papel crucial na promoção da qualidade do sono nas crianças, necessitando assim de conhecer e ser capazes de transmitir métodos eficazes para essa promoção.

Objetivo

Proceder à revisão sistemática de medidas de promoção da higiene do sono, sua efetividade e aplicabilidade na prática clínica para que possam ser usadas no aconselhamento parental.

Métodos

Foi efetuada, em março e abril de 2014, uma pesquisa de artigos portugueses, ingleses e espanhóis nas bases de dados PubMed, LILACS e SciELO, utilizando as palavras-chave sleep hygiene, sleep education e children school-aged. Excluíram-se artigos de revisão e estudos que incluíssem crianças com mais de 10 anos de idade e/ou populações com comorbilidades (hospitalizações durante o estudo, doenças respiratórias, neurológicas ou psiquiátricas). Encontraram-se 6.621 artigos e, após aplicação dos critérios de seleção, foram incluídos sete artigos, sendo quatro destes considerados relevantes. Da leitura das suas respetivas referências bibliográficas foram incluídos seis outros estudos.

Métodos para a promoção da higiene do sono

Os métodos mais estudados são descritos abaixo. Estes parecem ser mais eficazes em crianças com dois ou mais anos de idade.

Extinção: Os pais devem deixar a criança na cama à hora pretendida e ignorá-la até uma determinada hora da manhã, mantendo monitorização da criança. Baseia-se na eliminação de atos que reforçam alguns comportamentos (como chorar ao acordar). A maior dificuldade desta estratégia está na falta de perseverança dos pais e na ansiedade gerada. Alguns autores defendem que esta estratégia pode ser executada com os pais presentes no quarto, mas sem responderem às solicitações da criança enquanto ela adormece.

Extinção gradual: Consiste em ignorar as solicitações da criança por períodos, sendo a duração desses períodos determinada pela idade e temperamento da criança e pela tolerância dos pais ao seu choro. O reconforto deve durar entre 15 a 60 segundos. Esta técnica pretende promover a capacidade da criança se acalmar e voltar para o sono sem que haja intervenção parental. Verificou-se um aumento estatisticamente significativo da duração do sono e uma redução do número de despertares noturnos utilizando este método.1 Comparando a eficácia do método da extinção com o da extinção gradual, verificou-se que os pais que utilizavam o método de extinção tinham mais dificuldades em manter o método durante a segunda semana de aplicação (p=0,02) mas, findo esse período, a adesão ao método pelos pais e a qualidade de início e manutenção do sono da criança é semelhante em ambos os grupos (p<0,01).2

Verificação mínima com extinção sistemática: Método semelhante ao da extinção, mas em que a criança pode ser verificada a cada 5 a 10 minutos e os pais podem reconfortar a criança sempre que necessário e por um período breve. Verificou-se uma redução do número de despertares noturnos de forma estatisticamente significativa em relação ao controlo.3

Rotinas positivas: Este esquema baseia-se no desenvolvimento de rotinas agradáveis e relaxantes (e.g., tomar banho, receber uma massagem) aproximadamente 30 minutos antes de deitar. Outra opção é adiar a hora de dormir garantindo, assim, que quando a criança for para a cama irá adormecer rapidamente; quando o hábito de adormecer rapidamente estiver enraizado, antecipa-se a hora de dormir 15 a 30 minutos a cada dia até que seja atingida a hora pretendida. Este método pode ser usado conjuntamente com outros métodos. Induz uma redução do número de despertares noturnos das crianças e uma redução da prevalência de depressão, fadiga das suas mães de forma estatisticamente significativa.4 Está associado a uma maior rapidez de consolidação de hábitos de sono das crianças e uma melhoria da relação emocional dos casais comparativamente ao da extinção gradual, embora ambos os métodos sejam eficazes a longo prazo.5

Despertar programado: Consiste em acordar a criança 15 a 30 minutos antes da hora habitual do despertar noturno e posteriormente reconfortá-la até que volte a adormecer. O número de despertares forçados deve corresponder ao número de despertares espontâneos da criança, verificando-se a sua redução gradual estatisticamente significativa, mas mais lentamente do que com o método da extinção gradual.6

Modelar do sono: Este método impede que ocorram sestas diurnas que possam interferir com o sono noturno. Nas crianças com idade em que necessitem de duas sestas por dia, estas devem ocorrer até 4 horas antes de ir dormir e, nas que necessitam de uma sesta por dia, até 6 horas antes. Este método mostrou ser eficaz no aumento do período de sono noturno.1

De forma estatisticamente significativa, independentemente da forma como os pais recebem as recomendações (forma escrita ou presencialmente por um médico), os efeitos são semelhantes.7

Discussão

O número de estudos publicados acerca de crianças com distúrbios do sono e sem comorbilidades é escasso. Alguns estudos observaram que grupos de crianças que não receberam qualquer intervenção também sofreram melhorias na qualidade do sono, podendo tal estar relacionado com a maturação neuronal e dos mecanismos circadianos fisiológicos que, por si só, melhoram a qualidade do sono ao longo do tempo. É notório que crianças intervencionadas mostram consistentemente melhorias significativas na qualidade do sono, reforçando a importância ambiental na maturação do sono.

As intervenções sugeridas são simples e efetivas, representando um conjunto de medidas educacionais sem custos adicionais para os pais ou para o sistema de saúde. Estas intervenções podem representar uma diminuição de custos, por promoverem uma redução do número de consultas de saúde infantil motivadas por distúrbios do sono.

O papel do Médico de Família inclui conhecer a fisiologia e processo de maturação do sono da criança, questionar e verificar a sua qualidade de sono de forma sistemática e fornecer informação que permita a prevenção e o tratamento de comportamentos patológicos.

COMENTÁRIO

O sono é um estado fisiológico ativo cuja ausência ou alteração produz efeitos adversos.8 Foram demonstradas relações entre a privação de sono na criança e a ocorrência de lesões acidentais, alterações do comportamento, aumento do risco de obesidade, depressão e ideação suicida em adolescentes.9

A definição de distúrbios do sono na criança é difícil pelos diferentes padrões de sono que ocorrem ao longo do seu desenvolvimento e pela diferente tolerabilidade dos pais ao padrão de sono dos seus filhos.10 Alguns desses distúrbios têm origem comportamental, podendo ser prevenidos e tratados através de medidas de higiene do sono que incluem mudanças ambientais e comportamentais dos pais e da criança que podem promover um sono de boa qualidade e duração suficiente.

Face às possíveis graves consequências das alterações do padrão de sono nas crianças e aos efeitos destas alterações na qualidade de sono e de vida dos pais, salienta-se a fácil, inócua e económica aplicabilidade das medidas propostas neste artigo. As várias técnicas sugeridas podem ser aplicadas isolada ou conjuntamente, consoante as preferências da família e mediante os resultados obtidos.

Este artigo e esta temática salientam-se pela importância do conhecimento e da transmissão destas técnicas face ao potencial benefício que uma intervenção eficaz a este nível trará à criança e aos pais. O Médico de Família deve incluir o despiste destes distúrbios na anamnese da prática clínica diária, bem como ser capaz de transmitir conhecimentos sobre estas técnicas para que possam ser reproduzidas pelos pais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Skuladottir A, Thome M, Ramel A. Improving day and night sleep problems in infants by changing day time sleep rhythm: a single group before and after study. Int J Nurs Stud. 2005;42(8):843-50.         [ Links ]

2. Reid MJ, Walter AL, O’Leary SG. Treatment of young children’s bedtime refusal and nighttime wakings: a comparison of ‘‘standard’’ and graduated ignoring procedures. J Abnorm Child Psychol. 1999;27(1):5-16.         [ Links ]

3. Adachi Y, Sato C, Nishino N, Ohryoji F, Hayama J, Yamagami T. A brief parental education for shaping sleep habits in 4-month-old infants. Clin Med Res. 2009;7(3):85-92.         [ Links ]

4. Mindell JA, Telofski LS, Wiegand B, Kurtz ES. A nightly bedtime routine: impact on sleep in young children and maternal mood. Sleep. 2009;32(5):599-606.         [ Links ]

5. Spanier GB. The measurement of marital quality. J Sex Marital Ther. 1979;5(3):288-300.         [ Links ]

6. Rickert VI, Johnson CM. Reducing nocturnal awakening and crying episodes in infants and young children: a comparison between scheduled awakenings and systematic ignoring. Pediatrics. 1988;81(2):203-12.         [ Links ]

7. Eckerberg B. Treatment of sleep problems in families with small children: is written information enough? Acta Paediatr. 2002;91(8):952-9.         [ Links ]

8. Sánchez-Carpintero Abad R. Trastornos del sueño en la niñez. In Narbona J, Casas C, editors. Protocolos diagnósticos terapéuticos de la AEP: neurología pediátrica. Asociación Española de Pediatría; 2008. p. 255-61.         [ Links ]

9. Crispim JN, Boto LR, Melo IS, Ferreira R. Padrão de sono e factores de risco para privação de sono numa população pediátrica portuguesa (Sleep pattern and risk factors for sleep deprivation in a portuguese pediatric population). Acta Pediatr Port. 2011;42(3):93-8.         [ Links ] Portuguese

10. Thiedke CC. Sleep disorders and sleep problems in childhood. Am Fam Physician. 2001;63(2):277-84.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

A autora declara não ter conflito de interesses.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons