Servicios Personalizados
Revista
Articulo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Accesos
Links relacionados
- Similares en SciELO
Compartir
Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
versión impresa ISSN 2182-5173
Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.1 Lisboa feb. 2015
ARTIGOS BREVES
Herpes zoster em crianças saudáveis: o rosto inocente da controvérsia
Herpes zoster in healthy children: the innocent face of controversy
Tânia Pereira,* Luís Sousa,** Tahydi Valle***
*Médica Interna de Medicina Geral e Familiar
**Médico Interno de Medicina Geral e Familiar
***Médica Especialista de Medicina Geral e Familiar USF + Carandá - ACES do Cávado I - Braga
Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
RESUMO
Introdução: O herpes zoster (HZ) surge esporadicamente por reativação do vírus Varicella Zoster (VVZ), latente na raiz dorsal dos gânglios sensoriais ou dos pares cranianos, após a infeção primária que se manifesta clinicamente como varicela. A sua incidência aumenta com a idade, sendo rara na infância.
Descrição do caso: É descrito o caso de uma criança de nove anos, do sexo masculino, previamente saudável, trazida à consulta por dor e exantema vesicular localizado no dermátomo T1, clinicamente compatível com HZ. Foi medicada com aciclovir, com boa evolução clínica e desaparecimento das lesões cutâneas após três semanas.
Comentário: Em crianças imunocompetentes, a aquisição precoce de HZ é rara. O principal fator de risco é a ocorrência de varicela durante a gestação ou no primeiro ano de vida. Numa criança pequena, previamente saudável, a exclusão de imuno-deficiência subjacente não é mandatória, exceto em casos de recorrência. Pelas suas características, o HZ infantil pode suscitar dúvidas no momento do diagnóstico e na orientação terapêutica.
Palavras-chave: Herpes zoster; Zona, Varicela, Vírus Varicela Zoster; Criança.
ABSTRACT
Introduction: Herpes zoster (HZ) emerges sporadically by reactivation of the varicella zoster virus (VZV). It lies latent within the dorsal root of sensory ganglia or cranial nerves after primary infection, which manifests clinically as varicella. Its incidence increases with age and is rare in childhood.
Case report: We describe the case of a 9-year-old previously healthy male, brought to medical consultation for pain and vesicular exanthema in the T1 dermatome, compatible with HZ. He was treated with acyclovir and improved clinically after three weeks.
Discussion: In healthy children, HZ is rare. The main risk factor for childhood onset of HZ is primary VZV infection during gestation or the first year of life. It is not necessary to exclude underlying immunodeficiency, except in cases of recurrence. Due to its characteristics, childhood HZ is a disease that raises questions at diagnosis and regarding appropriate treatment.
Keywords: Herpes zoster; Shingles, Varicella; Varicella zoster virus, Infant.
Introdução
O herpes zoster (HZ), popularmente designado de zona, é causado pela reativação do vírus varicella-zoster (VVZ). O VVZ tem a capacidade de infetar o ser humano e causar duas patologias distintas: a varicela, que é a infeção primária e ocorre habitualmente na infância, benigna e altamente contagiosa, com taxas de transmissão aos contactos suscetíveis de 61 - 100%;1 e o HZ, que é o resultado da reativação do vírus latente nos gânglios sensoriais após a infeção primária.2 Este manifesta-se sob a forma de um exantema vesicular distribuído segundo o dermátomo sensorial atingido.2-3
Segundo dados do 2º Inquérito Serológico Nacional (Portugal Continental), cerca de 95% dos portugueses possuem anticorpos contra o VVZ.4 Qualquer pessoa com história prévia de varicela está em risco de desenvolver HZ. A incidência aumenta com a idade, sendo rara a sua aquisição precoce na infância.2
Devido à raridade desta patologia em idade pediátrica, descrevemos o caso clínico de HZ numa criança de nove anos, previamente saudável, discutindo fatores de risco, diagnósticos diferenciais e as controvérsias quanto à conduta terapêutica adequada para a população infantil.
Descrição do caso
G. é uma criança de nove anos do sexo masculino, caucasiana, natural e residente em Braga, a frequentar o 4º ano com bom aproveitamento escolar, primeiro numa fratria de dois. Pertence a uma família nuclear na fase IV do ciclo de Duvall e encontra-se no terceiro nível da classificação de Graffar. É trazido pela mãe a uma consulta de doença aguda tendo sido observado pelo seu médico de família na Unidade de Saúde Familiar a que pertence. A mãe relata que a criança apresenta queixas álgicas no membro superior direito com sete dias de evolução e que notou o aparecimento há quatro dias de várias crostas pruriginosas na zona de dor. A dor é descrita como sendo em queimadura.
A criança é fruto de uma gravidez de baixo risco, sem intercorrências, vigiada nos Cuidados de Saúde Primários, com parto eutócico às 39 semanas, em meio hospitalar. A criança é seguida em consulta de vigilância infantil com desenvolvimento estaturoponderal e psicomotor adequado para a sua idade. O calendário do Programa Nacional de Vacinação (PNV) encontra-se atualizado, sem registo de qualquer vacina extraplano. Como antecedentes pessoais destaca-se episódio de varicela aos nove meses de idade e surtos esporádicos de herpes labial. Os antecedentes familiares são irrelevantes para o caso que se apresenta.
Ao exame físico apresentava-se com bom estado geral, apirético e com lesões maculopapulares e vesiculares de base eritematosa bem definidas, pruriginosas, localizadas no ombro direito e distribuídas ao longo da axila e região antero-inferior do braço ipsilateral, correspondente ao dermátomo T1 (Figuras 1 e 2).
Pela elevada suspeição clínica, diagnosticou-se HZ afetando o dermátomo T1 à direita. Foi medicado com analgésico (paracetamol 10mg/kg/dia em SOS) e aciclovir (80mg/kg/dia) por via oral (suspensão oral de 80mg/ml) durante sete dias.
Seguimento do caso clínico
Nas três semanas que se seguiram à consulta foram realizados contactos por via telefónica com a mãe para acompanhar a evolução clínica da criança. Esta relatou que apenas necessitou de administrar o analgésico durante cinco dias por resolução do quadro álgico. As lesões cutâneas despareceram gradualmente e três semanas após a consulta não eram visíveis. A mãe confessou que ao sétimo dia de tratamento antiviral dirigiu-se a um pediatra, em regime privado. Este confirmou o diagnóstico e a benignidade da doença, assegurou que as lesões se encontravam em fase de resolução e manteve o plano terapêutico definido inicialmente pelo médico de família.
A criança foi posteriormente observada na consulta de vigilância dos dez anos, cerca de cinco meses após o desaparecimento do exantema, apresentando apenas diminutas manchas hipopigmentadas cicatriciais.
Comentários
O HZ é raro na infância. Vários estudos apontam para uma incidência que varia de 0,2 a 0,74 casos por 1.000 pessoas/ano em crianças com menos de dez anos, comparativamente a 4,5 casos por 1.000 pessoas/ano em adultos acima dos 75 anos.3,5 A incidência da doença, no entanto, poderá estar subestimada dado o curso benigno e autolimitado desta patologia em crianças saudáveis.
Condições que diminuem a imunidade celular e humoral podem levar ao desenvolvimento de HZ como manifestação secundária.3 Nos lactentes e crianças imunocompetentes deve-se sobretudo a imaturidade imunológica e interferência do sistema imunitário do lactente com os anticorpos maternos, nos casos de varicela na grávida,3 condicionando o aparecimento de varicela subclínica em cerca de 2% dos lactentes.3 Este facto determina que, perante um exantema vesicular com alto grau de suspeição, a ausência de história prévia de varicela não é impeditivo de diagnóstico de HZ. A infeção por VVZ durante a gestação e no primeiro ano de vida é então o fator de risco mais frequente para o aparecimento de HZ em idade pediátrica, como ocorreu no caso clínico descrito.3
O HZ na criança é geralmente benigno, bem tolerado e autolimitado. Afeta menos os pares cranianos e raramente cursa com nevralgia pós herpética.3,6-7 Clinicamente, quando ocorre reativação do VVZ no gânglio sensorial do dermátomo afetado há disseminação do vírus ao longo do nervo sensitivo até à superfície cutânea, causando a dor prodrómica. Surgem posteriormente pequenas pápulas, que aumentam de tamanho formando vesículas. Estas tornam-se pustulares e ulceram, com o desenvolvimento de crostas após sete a dez dias. O exantema geralmente regride ao fim de três semanas.8 Pode ser acompanhado de febre, prurido, irritabilidade, mal-estar geral, hipersensibilidade local, sensação de queimadura e adenopatias regionais. Os dermátomos mais atingidos são os da região torácica, cervical, lombar e craniano, como aconteceu no caso descrito.3,6 O HZ oftálmico, com envolvimento do nervo trigémio, pode causar dor grave e complicar com lesão do nervo, inflamação crónica ou infeção viral direta (cerebelite ou encefalite), sendo critério para referenciação e tratamento a nível hospitalar.3,7 As complicações mais frequentes são a sobreinfeção bacteriana e a hipopigmentação cicatricial.3,9
O diagnóstico geralmente é clínico. Em casos duvidosos, com apresentação atípica (e.g., mielite), como doença disseminada, envolvimento de mais de dois dermátomos, sobreinfeção bacteriana significativa da face e com exantema moderado a severo, deve referenciar-se para os cuidados hospitalares para diagnóstico diferencial (impetigo bolhoso ou infeção por herpes simples) e terapêutica antiviral endovenosa.3,10 O diagnóstico laboratorial é facilitado pela presença do vírus nas vesículas, que também confere o único risco de transmissão interpessoal conhecido do vírus durante a infeção secundária, quando manipulados sem os cuidados de assepsia necessários.
Devido ao percurso benigno da doença, alguns autores defendem que a terapêutica antiviral, em crianças saudáveis, deve limitar-se a situações específicas,3,6 nomeadamente os casos que cursam com exantema moderado a grave, dor intensa ou envolvimento dos pares cranianos.3,7 Outros defendem que os antivirais reduzem a formação de novas vesículas, a duração da doença e o aparecimento de complicações, existindo benefício para todos os doentes, independentemente da fase em que é iniciado.10 Em idade pediátrica, o único antiviral utilizado é o aciclovir, que em ambulatório deve ser administrado na dose de 80mg/kg/dia (cinco tomas diárias com 4 horas de intervalo, sem a toma noturna) durante sete dias ou até dois dias após o aparecimento de novas lesões.3,6,9 Em relação ao caso descrito, a decisão pela terapêutica antiviral poderia ser questionada. O exantema moderado pode justificar a sua introdução. Contudo, a tomada de decisão conjunta, devidamente fundamentada, entre o médico, os pais e o doente foi decisiva para a sua administração. Foram alertados para os possíveis efeitos adversos e dos benefícios clínicos modestos nesta fase e forma de apresentação de HZ. Ainda que reforçado o curso autolimitado e benigno da doença, os pais optaram pela terapêutica antiviral. Pese embora alguma ansiedade por parte dos progenitores, a evolução clínica da criança ocorreu na sua forma previsível.
Embora neoplasias ou infeção por VIH estejam associadas a HZ, o seu aparecimento na infância não implica a existência de uma imunodeficiência. Não é necessário realizar estudos imunológicos em crianças previamente saudáveis que tenham tido o primeiro episódio de HZ. Apenas se justifica caso haja recorrência da doença.3
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Ulrich H, Seward JF. Varicella. Lancet. 2006;368(9544):1365-76. [ Links ]
2. Pinchinat S, Cebrián-Cuenca AM, Bricout H, Johnson RW. Similar herpes zoster incidence across Europe: results from a systematic literature review. BMC Infect Dis. 2013;13:170. [ Links ]
3. Rodrigues V, Gouveia C, Brito MJ. Herpes zoster na infância (Herpes zoster in infancy). Acta Pediatr Port. 2010;41(3):138-40. Portuguese
4. Direção-Geral da Saúde. Avaliação do programa nacional de vacinação e melhoria do seu custo-efetividade: 2º inquérito serológico nacional, Portugal Continental 2001-2002. Lisboa: DGS; 2004. ISBN 9726751012 [ Links ]
5. Guess HA, Broughton DD, Melton LJ 3rd, Kurland LT. Epidemiology of herpes zoster in children and adolescents: a population-based study. Pediatrics. 1985;76(4):512-7. [ Links ]
6. Kurlan JG, Connelly BL, Lucky AW. Herpes zoster in the first year of life following postnatal exposure to vaicella-zoster virus: four case reports and a review of infantile herpes zoster. Arch Dermatol. 2004;140(10):1268-72.
7. De Freitas D, Martins EN, Adan C, Alvarenga LS, Pavan-Langston D. Herpes zoster ophthalmicus in otherwise healthy children. Am J Ophthalmol. 2006;142(3):393-9. [ Links ]
8. Sampathkumar P, Drage LA, Martin DP. Herpes zoster (shingles) and postherpetic neuralgia. Mayo Clin Proc. 2009;84(3):274-80. [ Links ]
9. Leung AK, Robson WL, Leong AG. Herpes zoster in childhood. J Pediatr Health Care. 2006;20(5):300-3. [ Links ]
10. Janniger CK, Eastern JS, Hospenthal DR, Moon JE. Herpes zoster treatment & management. Medscape Med News. 2014 May 27. Available from: http://emedicine.medscape.com/article/1132465-treatment [ Links ]
Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
Tânia Marlene Ramos Pereira Gomes
Avenida Antero de Quental, bloco 18, 5º A, 4710-353 Braga
E-mail: tania771983@gmail.com
Conflitos de interesses
Os autores declaram não ter conflito de interesses.
Recebido em 10-06-2014
Aceite para publicação em 12-11-2014