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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.1 Lisboa fev. 2015

 

CARTA À DIRECTORA

A propósito do artigo “O que classificar nos registos clínicos com a Classificação Internacional de Cuidados Primários?”

Regarding: “What should we code in health records with the International Classification of Primary Care?”

Liliana Valente Heleno*

*Médica Interna de Medicina Geral e Familiar

USF Marginal, São João do Estoril

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

Exma. Senhora

Diretora da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Numa recente edição da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (número cinco, volume 30 de 2014) foi publicado um artigo de prática intitulado “O que classificar nos registos clínicos com a Classificação Internacional de Cuidados Primários?”1

Este artigo vem esclarecer questões práticas com que no dia-a-dia o médico de família se depara, quer por falta de treino formal na utilização da ICPC quer pela carência de recomendações específicas que uniformizem a prática de codificação clínica diária em cuidados primários.

A ICPC faculta a utilização de uma linguagem nacional e internacional comum em Cuidados de Saúde Primários (CSP), permitindo identificar rapidamente doentes com os mesmos problemas de saúde, convocar doentes com doença crónica ou necessidade de avaliação periódica, realizar auditorias para avaliação de áreas definidas, analisar problemas para desenhar programas de formação ou recolher dados para investigação clínica.

Não sendo o objetivo primordial da ICPC, é contudo expectável que a sua utilização generalizada permita conhecer melhor a morbilidade nacional, através da caracterização epidemiológica da população utilizadora dos CSP em Portugal.2

Torna-se, assim, evidente a necessidade imperiosa de padronizar a utilização sistemática da classificação ICPC e potenciar a consequente melhoria da qualidade dos registos clínicos e da gestão de episódios, permitindo uma maior fiabilidade e reprodutibilidade no planeamento, organização, monitorização e avaliação da clínica diária dos médicos de família.3 A não uniformização desta prática pode transformar a excelente ferramenta que é a ICPC num exercício heterogéneo, sob pena de comprometer a informação acerca da carga de doença existente no nosso país e consequentemente as medidas de planeamento em saúde.4

Foi interessante ver desmistificado no artigo supracitado a prescindível codificação de motivos de consulta e procedimentos e justificada a sua necessidade apenas no contexto de investigação ou de prática formativa, não devendo ser exigida como critério de qualidade ou auditoria.1,3

A lista de problemas proporciona uma visão de conjunto integrada do estado de saúde passado e presente do utente. Esta é considerada o ingrediente mais importante do Registo Médico Orientado por Problemas, quando considerado isoladamente.3

Saliento, no entanto, a minha discordância com o seguinte parágrafo transcrito: “A ICPC pode também ser utilizada para classificar os problemas identificados nos antecedentes familiares, apesar de tal se afigurar de menor utilidade prática na gestão do utente e avaliação da morbilidade na população”. A codificação de certos antecedentes familiares pode ser feita através de rúbricas como A21-Fator de risco de malignidade, K22-Fator de risco de doença cardiovascular, entre outras. Esta codificação, principalmente se completada na lista de problemas com informação mais detalhada acerca desse fator de risco (por exemplo: “mãe faleceu aos 62 anos com cancro da mama” ou “pai sofreu enfarte agudo do miocárdio aos 55 anos”), pode ser muito útil na aplicação de estratégias preventivas direcionadas, como a realização de rastreios, o aconselhamento dirigido aos fatores de risco individualizados ou, inclusive, detetar os utentes candidatos a aconselhamento genético. Na nossa prática clínica, a verificação das listas de problemas é procedimento sistemático antes da consulta, pelo que este tipo de codificação funciona como rápido alerta e possibilita uma gestão do utente mais eficiente. Este tipo de codificação tem-se revelado uma experiência bastante facilitadora da prática diária da micro-equipa que integro, com ganhos em saúde bastante evidentes ao permitir destacar na lista de problemas antecedentes pessoais/familiares e/ou de fatores de risco clínico relevantes, que alertam o médico para a tomada de atitudes preventivas dirigidas, quando e como deve um indivíduo de 45 anos com antecedentes familiares de carcinoma colorrectal iniciar o rastreio oncológico em relação à indicação da população em geral.

Este tipo de codificação não se esgota no planeamento de determinadas estratégias preventivas, podendo ser utilizada como instrumento de apoio à decisão clínica. A intensificação terapêutica nos casos de dislipidemia familiar (devido ao seu alto risco cardiovascular), em relação aos casos de dislipidemia de causa não hereditária, pode ser um exemplo.5 Neste caso, o código K22 suportado pela informação antecedente familiar de dislipidemia familiar pode adquirir maior relevância na lista de problemas do utente que nos chega à consulta com hipercolesterolemia, orientando-nos para uma investigação e tratamento mais adequados.

Esta codificação permite, ainda, ser utilizada na avaliação de fatores de risco de uma população, com impacto na morbilidade da mesma.

Os sistemas de informação e registos clínicos são uma componente essencial na matriz em que está assente a governação clínica e da saúde, sendo imprescindível a sua uniformização. Seria interessante estudar futuramente a importância da codificação de fatores de risco de doença na organização e agenda de medidas preventivas, diagnósticas e terapêuticas adequadas a cada utente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Pinto D. O que classificar nos registos clínicos com a Classificação Internacional de Cuidados Primários? (What should we code in health records with the international classification of primary care?) Rev Port Med Geral Fam. 2014;30(5):328-34. Portuguese

2. Comité de Classificações da Organização Mundial de Ordens Nacionais, Academias e Associações Académicas de Clínicos Gerais/Médicos de Família (WONCA). Classificação Internacional de Cuidados de Saúde Primários. 2ª ed. Lisboa: Administração Central do Sistema de Saúde; Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral; 2011.         [ Links ]

3. Melo M. O uso da ICPC nos registos clínicos em medicina geral e familiar. Rev Port Med Geral Fam. 2012;28(4):245-6.         [ Links ]

4. Administração Central do Sistema de Saúde. Melhoria do registo de morbilidade nos cuidados de saúde primários. Lisboa: ACSS; 2010. Available from: http://www.acss.minsaude.pt/Default.aspx?TabId=108&language=pt-PT        [ Links ]

5. Direção-Geral da Saúde. Abordagem terapêutica das dislipidemias: norma de orientação técnica nº 19/2011, de 28/09/2011, atualizada a 11/07/2013. Lisboa: DGS; 2013.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Liliana Valente Heleno

Rua Egas Moniz, nº 9010, piso 2, 2765-618 São João do Estoril

E-mail: lilianascvalente@hotmail.com

 

Agradecimentos

Presto um agradecimento à Dra. Ana Ferrão por ter chamado à atenção para este artigo e o ter comentado numa reunião da USF Marginal, tendo assim levado a esta reflexão e ao meu orientador, Dr. André Biscaia, pelo apoio e revisão.

Conflito de interesses

A autora declara não ter conflitos de interesse.

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