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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.4 Lisboa ago. 2015

 

CLUBE DE LEITURA

Triagem telefónica na gestão de pedidos de consulta urgente

Telephone triage for management of same-day consultation requests

Catarina Viegas Dias*, Joana Silva Abreu**

*Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Dafundo - ACES Lisboa Ocidental e Oeiras

**Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Conchas - ACES Lisboa Nortes


 

Campbell JL, Fletcher E, Britten N, Green C, Holt TA, Lattimer V, et al. Telephone triage for management of same-day consultation requests in general practice (the ESTEEM trial): a cluster-randomised controlled trial and cost-consequence analysis. Lancet. 2014;384(9957):1859-68. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61058-8

Introdução

Os sistemas de triagem telefónica são cada vez mais usados para gerir o volume de trabalho nos cuidados de saúde primários. O objetivo deste estudo foi produzir evidência acerca da eficácia e consequências económicas da triagem realizada por médicos de família e enfermeiros com apoio de sistemas informáticos, comparada com o procedimento habitual, em doentes que solicitam consulta no próprio dia no âmbito dos cuidados de saúde primários.

Métodos

Foi realizado um ensaio aleatorizado por clusters e controlado e subsequente avaliação económica, entre 1 de março de 2011 e 31 de março de 2013, em 42 centros de saúde no Reino Unido.

Os centros foram aleatoriamente atribuídos a cada um dos grupos de estudo, através de uma sequência gerada aleatoriamente para triagem médica, por enfermeiros ou procedimento habitual (1:1:1). Foram incluídos os doentes que, durante este período, solicitaram consulta do dia com um médico de família.

Os doentes, profissionais de saúde e os investigadores não estavam cegos para a alocação, mas a distribuição das clínicas por grupo foi ocultada do estatístico.

O outcome primário era o volume de trabalho em cuidados de saúde primários (n.o de contactos feitos pelos doentes, incluindo contactos no serviço de urgência) nos primeiros 28 dias após o pedido de consulta inicial.

Os outcomes secundários eram a ocorrência de cada tipo de consulta contribuindo para o outcome primário (contacto direto com médico ou enfermeiro, contactos indiretos por telefone, consultas domiciliárias ou modo não especificado; contacto com profissional não especificado; atendimento em serviço de urgência), a segurança (mortes, internamentos hospitalares e atendimento em serviço de urgência) e outcomes reportados por doentes (experiência, resolução do problema, satisfação e estado de saúde).

A análise estatística foi realizada por intenção-de-tratar e por protocolo.

Resultados

Quarenta e duas clínicas médicas foram distribuídas aleatoriamente pelos grupos de triagem por médico de família (n=13), triagem por enfermeiro (n=15) ou método habitual (n=14) e 20.990 doentes foram aleatorizados (n=6.695 vs 7.012 vs 7.283). Destes, foram obtidos dados para o outcome primário de 16.211 (77%) doentes (n=5.171 vs 5.468 vs 5.572).

A triagem por médicos de família estava associada a um aumento de 33% no número médio de contactos por pessoa nos primeiros 28 dias, comparada com o método habitual (2·65 (SD 1·74) vs 1·91 (1·43); rate ratio (RR) 1·33, 95% CI 1·30-1·36) e a triagem por enfermeiros com um aumento de 48% (2·81 (SD 1·68); RR 1·48, 95% CI 1·44-1·52).

Embora as intervenções de triagem estivessem associadas a um aumento dos contactos, os custos estimados durante 28 dias foram semelhantes entre os três grupos (aproximadamente 75£/101€  por doente).

Oito doentes morreram nos primeiros sete dias após o contacto inicial, cinco no grupo da triagem por médico de família e um no grupo controlo; no entanto, estas mortes não foram associadas ao grupo ou aos procedimentos do ensaio clínico.

Discussão

A introdução de triagem telefónica realizada por um médico de família ou enfermeiro estava associada a um aumento de contactos em cuidados de saúde primários nos primeiros 28 dias após o pedido de consulta inicial, com custos semelhantes aos do método habitual de cuidados.

Embora a triagem por médico de família estivesse associada a um aumento do volume de trabalho, em comparação com os métodos habituais, houve uma redução substancial no número de contactos diretos.

Após a introdução de triagem médica verificou-se uma redistribuição do trabalho dos contactos diretos (face-a-face) para os contactos telefónicos; após a introdução de um sistema de triagem por enfermeiros verificou-se uma redistribuição dos contactos médicos para os contactos com enfermeiros. A triagem por enfermeiros parecia estar associada a uma menor satisfação relatada pelos doentes em comparação com o grupo de triagem médica e o grupo do cuidado habitual.

Apesar destas mudanças no padrão de trabalho, não parece haver diferenças nos custos associados durante os primeiros 28 dias após o pedido de consulta inicial.

Embora houvesse evidência prévia de que um sistema organizado de triagem pudesse estar associado a uma redução imediata de 40% do volume de trabalho em cuidados de saúde primários, as taxas de reconsulta nas primeiras quatro semanas aumentam numa magnitude semelhante.

Estes achados sugerem que, de uma forma geral, um sistema organizado de triagem deve ser introduzido com consciência plena de todas as implicações, particularmente em relação à distribuição do volume de trabalho e considerando a experiência e a satisfação relatadas pelos doentes.

COMENTÁRIO

Dados de estudos anteriores ao ESTEEM sugeriam que a triagem telefónica por médicos ou enfermeiros estava associada a uma redução significativa do volume de trabalho imediato.1-2 Em 2009, Bunn e colegas relataram os resultados de uma revisão sistemática que analisava o efeito da triagem telefónica e consultas indiretas (por telefone) nos serviços de saúde e na satisfação dos utentes e sugeriram que os sistemas de triagem telefónica reduziam o número de contactos médicos imediatos.2 No entanto, a evidência relativa à satisfação dos utentes e à taxa de reconsultas era inconsistente.3

Num comentário ao próprio estudo, os autores do ensaio ESTEEM consideraram esta revisão sistemática e realizaram uma pesquisa alargada sobre o tema, não tendo encontrado outros ensaios clínicos aleatorizados que não estivessem incluídos na revisão de 2009.1-2 Os autores analisaram ainda a possibilidade de realizar uma metanálise, que não concretizaram devido a diferenças metodológicas consideráveis entre os estudos.

Os resultados do estudo ESTEEM mostram que, apesar da aparente redução imediata dos contactos, a taxa de reconsulta e subsequentemente o volume de trabalho a médio prazo (primeiros 28 dias após o contacto inicial) aumenta numa magnitude semelhante (ou até superior) à redução inicial.

Estes dados mostram que, ao contrário do que a evidência prévia sugeria, a introdução de um sistema de triagem por telefone parece aumentar e redistribuir o volume de trabalho nos cuidados de saúde primários. No entanto, esta redistribuição de trabalho pode ser relevante. Se a prioridade for diminuir o volume de trabalho dos médicos, a introdução de um sistema de triagem por enfermeiros poderá ser útil; se a prioridade for diminuir os contactos diretos (por exemplo, por falta de gabinetes disponíveis), a introdução de triagem médica poderá revelar-se vantajosa.

Esta evidência recente torna o caso da triagem telefónica comparável à introdução de outros métodos de inovação, como, por exemplo, o caso dos registos médicos eletrónicos; apesar de ganhos inequívocos na prestação de cuidados, estes foram inicialmente proclamados como poupadores de tempo e recursos, tendo-se verificado paradoxalmente um aumento do volume de trabalho diário.

Por outro lado, o facto de a triagem médica ou por enfermeiros gerar um aumento do número de consultas sugere que o pessoal administrativo pode representar uma barreira que diminui inapropriadamente a acessibilidade às consultas do dia.

Em todo o caso, a procura crescente por consultas de urgência significa que devemos encontrar novas formas de encorajar o autocuidado e a literacia em saúde e fomentar investigação que oriente competências de triagem e decisão clínica em cuidados de saúde primários.

Em conclusão, a triagem telefónica de doentes que solicitam consulta do dia pode oferecer suporte na prestação de cuidados aos doentes e pode ser útil na redistribuição do tipo de trabalho em cuidados de saúde primários, tendo em conta o contexto e os recursos de cada unidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Campbell JL, Fletcher E, Britten N, Green C, Holt TA, Lattimer V, et al. Telephone triage for management of same-day consultation requests in general practice (the ESTEEM trial): a cluster-randomised controlled trial and cost-consequence analysis. Lancet.  2014;384(9957):1859-68.         [ Links ]

2. Bunn F, Byrne G, Kendall S. Telephone consultation and triage: effects on health care use and patient satisfaction. Cochrane Database Syst Rev. 2004 Oct 18;(4):CD004180.         [ Links ]

3. Campbell JL, Britten N, Green C, Holt TA, Lattimer V, Richards SH, et al. The effectiveness and cost-effectiveness of telephone triage of patients requesting same day consultations in general practice: study protocol for a cluster randomised controlled trial comparing nurse-led and GP-led management systems (ESTEEM). Trials. 2013;14:4.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

As autoras declaram não ter conflito de interesses.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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