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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.5 Lisboa Oct. 2015

 

EDITORIAL

A internacionalidade de quem não publica em inglês

Maria da Luz Antunes*, Paula Seguro-de-Carvalho*

*Bibliotecárias. Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa (ESTeSL), Instituto Politécnico de Lisboa.

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Os investigadores sentem grande pressão em mostrar trabalho e em publicar, em especial, nas últimas décadas. Muito provavelmente esta situação não se alterará, na medida em que os processos de avaliação do trabalho científico e académico, inicialmente muito confinados às ciências naturais, abrangem cada vez mais todas as disciplinas. Desde meados do séc. XX que os resultados da investigação privilegiam a comunicação em formato de artigo científico devido à rapidez e à facilidade de publicação e de recuperação da informação (bases de dados, plataformas científicas, repositórios e, mais recentemente, redes sociais), revolucionando o tradicional ecossistema de comunicação científica. Como nas últimas décadas se desenvolveram novos meios de difusão, também o conceito de internacionalidade das revistas científicas adquiriu outra importância e tem sido usado como um indicador da sua qualidade.1

A maioria das ciências, e as ciências da saúde não são exceção, avalia a qualidade das suas revistas pela inclusão em bases de dados e pelos índices de impacto científico. As bases de dados são rigorosas nos seus critérios, interessa-lhes incluir a investigação mais relevante, pelo que descartam o que sobra2 - como a MEDLINE. Ao seguir este modelo, as revistas, além de conferirem prestígio aos autores que publicam, recompensam aqueles que lhes asseguram a sua própria existência e acabam por ser um registo público e quase oficial da ciência.3

Para além da Internet, dever-se-á ainda realçar o papel determinante do acesso aberto na alteração de paradigma do processo de comunicação científica. De facto, a possibilidade de acesso gratuito, independentemente do local e da hora, a conteúdos em texto integral revolucionou e disponibilizou o acesso a muitas revistas científicas. Muitas delas optaram por se tornar bilingues ou por publicar exclusivamente na versão inglesa, de modo a potenciar a sua visibilidade na comunidade científica; outras continuaram a publicar na sua versão original - o que evidenciou, uma vez mais, a questão linguística: será o inglês a língua exclusiva e final da divulgação da ciência?

A pressão para publicar o conhecimento na língua inglesa é amplamente reconhecida e é muitas vezes assumida como um dado adquirido em contextos predominantemente anglófonos. Trata-se de uma característica inevitável no cenário global de produção de conhecimento. Ainda que os números variem de acordo com as fontes de dados utilizadas, o predomínio do inglês parece claro. A Web of Science, que indexa mais de 22.000 revistas científicas em 32 idiomas, assinala que 17% são publicadas noutra versão que não a inglesa e que 63% das revistas indexadas não são editadas nos Estados Unidos.4 O uso da língua inglesa é uma das estratégias usadas pelas revistas para reforçar a sua internacionalidade, mas também para aumentar o número de potenciais leitores e para receber originais de autores estrangeiros.5 Quando as revistas optam por editar conteúdos numa versão bilingue assumem que querem conservar uma identidade e uma fidelidade (e.g., revistas científicas em língua castelhana permitem conservar leitores habituados ao idioma, mas também assegurar a sua difusão em todo o continente latinoamericano e junto daqueles que entendem o espanhol, mas compreendem mal o inglês).6 Esta estratégia pode, porém, assumir custos difíceis de gerir: em primeiro lugar, garantir as traduções em tempo útil, sem perda da sua atualidade e, depois, suportar os custos financeiros desta tradução. Porém, nas ciências da saúde, um estudo de 2015 refere a progressiva adoção da língua inglesa nas revistas espanholas da área, destacando que o inglês foi escolhido como língua principal em 19 revistas e outras 37 enveredaram pelo caminho bilingue.7

Mas, se a língua inglesa pode ser um meio privilegiado de comunicação global das publicações científicas e académicas, ela não deve ser um dado adquirido. E os investigadores, de nacionalidades que não a anglófona, disso estão conscientes. São bem evidentes os constrangimentos políticos, materiais e linguísticos, designadamente: a) a posição privilegiada ocupada pelas revistas de língua inglesa e, por arrastamento, a posição destas no seio dos sistemas de avaliação, construídos em função dos artigos científicos, e as complexas equações de medição de fatores de impacto que acabam, por sua vez, por realçar a produção científica de centros de investigação anglófonos, garantindo o investimento da sua investigação futura;8 b) o acesso diferenciado aos recursos de informação e o acesso à informação mais atual para garantir a continuidade da investigação; c) a diversidade da prática linguística, em que as falhas no domínio da língua inglesa em processo de investigação, na elaboração de informação e na apresentação de resultados podem ser um obstáculo.9

Em resumo: Se, para avaliação académica e científica, a internacionalidade é um fator importante, o que garante exatamente a internacionalidade de uma revista? Qual a relação com o fator qualidade?

É inegável que as revistas científicas precisam de ser indexadas, seja numa base de dados seja numa plataforma científica. Para isso precisam cumprir os seus critérios. Também podem ser depositadas em repositórios, que têm igualmente critérios e que exigem mais metadados. Também devem ter um site; não podem ser publicadas exclusivamente em papel ou tornar-se-ão invisíveis. Esse site deve potenciar a existência da revista, dos artigos e dos autores, dar-se a conhecer às redes sociais que, no seu processo de partilha, estão a divulgar, sem custos, a ciência.

A internacionalidade de uma revista é o reconhecimento público, é uma certificação e essa certificação deve ser realizada pelos pares; os conteúdos devem ser submetidos à análise e avaliação de outros investigadores. Pode não ser um processo absolutamente perfeito, mas continua a ser a melhor garantia de controlo de qualidade de tudo o que se publica.

Para os autores, uma forma de garantir a internacionalidade do seu trabalho será a agregação a grupos internacionais de investigação - um processo sempre difícil e que exige do investigador ser portador de um currículo invejável ou trazer o financiamento de um mecenas. Mais fácil será preencher o seu perfil de investigador no ResearchGate, no ORCID, no ResearcherID, no Mendeley ou no Google Scholar e alimentar uma rede de contactos e de potenciais parceiros de investigação espalhados um pouco pelo mundo, sobretudo quando sabemos que o financiamento da investigação vê com muito bons olhos esta parceria internacional.

A garantia de internacionalidade de uma revista passa também por publicá-la numa modalidade de acesso aberto, assegurando o fator visibilidade. A simplicidade do processo permite o reconhecimento e a validade do investigador. E esta é uma preocupação comum a todos os investigadores: a sua carreira depende da sua produção científica, da visibilidade e do impacto do seu trabalho na comunidade científica.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Zych I, Buela-Casal G. Indice de internacionalidad de las revistas iberoamericanas de psicología incluidas en la Web of Science (Internationality index of iberoamerican psychology journals included in the Web of Science). Rev Mex Psicología. 2007;24(1):15-22. Spanish

2. Jiménez-Contreras E. La selección de la literatura científica en el ámbito biomédico: el factor de impacto (The selection of scientific literature in the biomedical field: the impact factor). Educ Med. 2004;7(Suppl 2):S27-35. Spanish

3. Delgado-López-Cózar E, Ruiz-Pérez R, Jiménez-Contreras E. La edición de revistas científicas: directrices, criterios y modelos de evaluación. Granada: Universidad de Granada, Grupo de Investigación EC3-Evaluación de la Ciencia y de la Comunicación Científica; 2006. Available from: http://www.revistacomunicar.com/pdf/2011-04-Delgado.pdf Spanish         [ Links ]

4. Vellay S. Web of Science: global overview. Philadelphia: Thomson Reuters; 2015.         [ Links ]

5. Cremades-Pallas R, Burbano P, Valcárcel-de-La-Iglesia MA, Burillo-Putze G, Martín-Sánchez FJ, Miró O. Impacto de la inclusión de artículos escritos en inglés en revistas biomédicas españolas de edición multilingüe (Impact of English-written articles included in multilingual-edited Spa-nish journals). An Sist Sanit Navar. 2013;36(3):467-70. Spanish

6. González-de-Dios J, Flores-Canoura A, Jiménez-Villa J, Gutiérrez-Fuentes JA. Qué revistas médicas españolas leen y cómo se informan los médicos de atención primaria (Which Spanish journals are read and how primary care doctors keep informed). Aten Primaria. 2011;43(12):629-37. Spanish

7. Abad-García MF, González-Teruel A, Argento J, Rodríguez-Gairín JM. Ca-racterísticas y visibilidad de las revistas españolas de ciências de la salud en bases de datos (Features and visibility of Spanish health sciences journals in selected databases). Prof Inf. 2015;24(5):537-50. Spanish

8. Lillis T, Magyar A, Robinson-Pant A. An international journal’s attempts to address inequalities in academic publishing. Compare. 2010;40(6):781-800.         [ Links ]

9. Flowerdew J. Attitudes of journal editors to nonnative speaker contributions. TESOL Q. 2001;35(1):121-50.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

E-mail: mluz.antunes@estesl.ipl.pt

 

Conflito de interesses

As autoras declaram não ter conflitos de interesses.

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