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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versión impresa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.6 Lisboa dic. 2015

 

EDITORIAL

Cuidados de saúde centrados na pessoa e tecnologias de informação e comunicação: perspetivas atuais e futuras

Liliana Laranjo*

*Médica de família, MD, MPH, PhD. Postdoctoral Research Fellow Australian Institute of Health Innovation, Centre for Health Informatics Macquarie University, Australia

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

Cuidados de saúde centrados na pessoa

Centrar os cuidados de saúde na pessoa/doente/paciente é cada vez mais considerado um elemento essencial num serviço de saúde de qualidade. Colocar o paciente no centro dos cuidados significa respeitar as suas preferências, necessidades e autonomia, bem como envolvê-lo nas decisões de saúde de acordo com as suas escolhas. Sabe-se que intervenções que promovem este foco no paciente estão associadas a melhorias em diversos processos e resultados em saúde.1

Um aspeto crucial dos cuidados centrados na pessoa é a partilha de tomada de decisões (shared decision-making), onde médico e doente assumem um papel igualmente importante no processo de decisão.1 Outro elemento necessário num serviço de saúde centrado no paciente passa por facilitar o acesso dos pacientes à sua informação de saúde, contida nos processos clínicos.2 Esta partilha da informação clínica permite a redução da assimetria de informação entre médico e doente, promovendo a progressiva democratização da medicina.3

Num passado não muito distante, a informação contida nos processos clínicos era vista como propriedade do médico ou das instituições de saúde, refletindo uma perspetiva paternalista da prestação de cuidados de saúde. Existe agora uma vasta coleção de evidência que demonstra as vantagens do acesso dos doentes aos seus processos clínicos, nomeadamente na melhoria da ativação (patient activation),4 literacia em saúde, comunicação com os profissionais de saúde, segurança e adesão à medicação, entre outros benefícios.2-3,5-6 Assim, proporcionar aos pacientes o controlo da sua informação de saúde é cada vez mais reconhecido como um passo importante na melhoria da qualidade em saúde.1,5

Um dos benefícios do maior envolvimento dos doentes nos seus cuidados de saúde é a melhoria do seu nível de ativação que, por sua vez, está associado a melhores resultados e processos de saúde, nomeadamente estilos de vida mais saudáveis, melhor compreensão de informação de saúde e melhor utilização dos serviços de saúde.4 Ativação representa o conhecimento, capacidade técnica, confiança e motivação de um paciente para a autogestão da sua saúde e/ou doença.4

O conceito de ativação é particularmente importante na doença crónica, uma vez que o doente crónico passa em média uma hora por ano com o médico, sobrando cerca de 8.800 horas em que a própria pessoa tem de gerir a sua doença.1 Efetivamente, o doente ativado (activated patient) é um elemento central no Modelo da Doença Crónica (Chronic Care Model),7 o qual tem sido associado a melhorias nos processos e resultados em saúde, bem como na qualidade dos cuidados prestados aos doentes crónicos.1,8

Tecnologias de informação e comunicação

As tecnologias de informação e comunicação (TIC) têm um enorme potencial na promoção de cuidados de saúde centrados na pessoa e na melhoria da qualidade em saúde.1 Por um lado, as TIC têm sido progressivamente utilizadas para facilitar o acesso atempado dos pacientes a cuidados de saúde, fora dos moldes tradicionais da consulta presencial.1,9 Por outro lado, o interesse na utilização de TIC para facilitar a autogestão e para promover a ativação dos doentes também tem crescido.10

A Internet oferece várias vantagens como ferramenta para disseminar intervenções de saúde, permitindo: o acesso rápido e conveniente a informação em tempo-real; a personalização de programas educacionais de acordo com as necessidades dos pacientes; e atingir uma audiência ampla e distante, utilizando menos recursos humanos do que intervenções tradicionais.

Cada vez mais os pacientes recorrem à internet e a outras TIC para os apoiarem na tomada de decisões de saúde. O termo e-paciente (e-patient, em inglês) representa pacientes ‘equipados’, ‘emancipados’ e ‘envolvidos’ na sua própria saúde, capazes de utilizar as TIC para participar ativamente nos cuidados de saúde, bem como para se fazerem ouvir por outros pacientes, médicos e profissionais de saúde.11 Desta forma, os “e-pacientes” são pessoas que conseguem utilizar as TIC de forma estratégica, sendo capazes de filtrar a informação que encontram online e vendo o médico como um parceiro nos seus cuidados de saúde.

O médico de família tem cada vez mais um papel importante na promoção da utilização inteligente das TIC pelos seus pacientes. Um paciente que utiliza o Google para pesquisar informação de saúde é frequentemente visto como uma fonte de frustração adicional para um médico sobrecarregado e limitado no tempo de consulta. No entanto, criticar esta procura de informação na Internet por parte do paciente é um desincentivo à sua autonomia e envolvimento nos cuidados de saúde. Em vez de criticar os doentes por utilizarem o Google, será importante ajudá-los a utilizar esta ferramenta estrategicamente, bem como fornecer uma lista de links para sítios com informação de saúde de confiança. O médico de família é um veículo importante na promoção da literacia em saúde e da autonomia dos seus pacientes. Com a progressiva transformação eletrónica no mundo da saúde, essa função acaba por envolver necessariamente o aconselhamento na utilização inteligente e estratégica, não só da Internet, mas também das novas TIC.

Atualmente, duas novas ferramentas TIC centradas no paciente estão a revelar-se particularmente promissoras: os sistemas personalizados de informação de saúde e as redes sociais eletrónicas.

Os sistemas personalizados de informação de saúde (SPIS), em inglês conhecidos como personal health records, são ferramentas eletrónicas que permitem aos indivíduos aceder, gerir e partilhar a sua informação de saúde, de forma privada e segura.12 Uma função essencial destes sistemas passa por promover o acesso dos doentes à sua informação de saúde, bem como o seu envolvimento no processo de cuidados.

Os SPIS são cada vez mais comuns, estando disponíveis atualmente em diversos formatos, como portais web, software de computador ou aplicações de telemóvel, entre outros. Em Portugal, os primeiros passos na área dos SPIS têm sido dados por algumas empresas privadas, bem como pelo Ministério da Saúde, que lentamente tem transformado o portal do utente num SPIS, embora este ainda se encontre numa fase muito primordial.

Notoriamente, os SPIS são uma ferramenta promissora na promoção de cuidados de saúde centrados na pessoa, bem como na progressiva ativação dos doentes e na sua transformação em “e-pacientes”. A evidência da eficácia dos SPIS na melhoria da qualidade em saúde tem vindo a crescer e a sua utilização na gestão de doenças crónicas tem relevado resultados promissores.13

As redes sociais eletrónicas, como o Facebook, estão a tornar-se uma constante no dia-a-dia de milhões de pessoas, o que as torna especialmente apelativas para intervenções no âmbito da saúde pública. Por um lado, estas apresentam uma oportunidade de baixo custo para a potencial disseminação viral de informação de saúde baseada na evidência. Por outro lado, as redes sociais podem adicionalmente promover suporte e influência sociais, facilitando a sua utilização em intervenções para mudança de comportamentos de saúde.14

A aplicação de redes sociais eletrónicas na área da saúde tem demonstrado grande potencial. Ao nível da população, as redes sociais estão atualmente a ser utilizadas para vigilância epidemiológica, tanto de doenças comunicáveis como não comunicáveis.15 Ao nível individual, estas redes permitem o acesso facilitado a informação de saúde e a suporte social, estando a ser utilizadas para promover decisões de saúde informadas e melhoria de estilos de vida.14-15

Apesar de tudo, num mundo cada vez mais tecnológico, é importante garantir que as desigualdades em saúde não sejam exacerbadas pelas TIC. Nesse sentido, facilitar o acesso universal à Internet e promover a literacia digital tornam-se missões fundamentais no presente e futuro imediatos para que possa ser alcançado um sistema de saúde equitativo e centrado no paciente.

Conclusão

A promoção dos cuidados de saúde centrados na pessoa pode ser realizada a vários níveis, nomeadamente através da promoção da partilha de decisões de saúde e da facilitação do acesso do paciente ao seu processo clínico. As tecnologias de informação e comunicação apresentam um enorme potencial nesse processo de melhoria da qualidade dos cuidados, através da utilização estratégica de SPIS, redes sociais eletrónicas e outras ferramentas baseadas na web. No entanto, é preciso não esquecer que as novas tecnologias não são um fim em si mesmas, mas potenciais alavancas de mudança na direção de um objetivo maior - um sistema de saúde de qualidade, equitativo e centrado na pessoa.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Institute of Medicine. Crossing the Quality Chasm: a new health system for the 21st century. Washington: National Academy Press; 2001.         [ Links ] ISBN 0309072808

2. Laranjo L, Neves AL, Villanueva T, Cruz J, Brito de Sá A, Sakellarides C. Acesso dos patientes aos seus processos clínicos (Patients’ access to their medical records). Acta Med Port. 2013;26(3):265-70. Portuguese

3. Topol E. The patient will see you now: the future of medicine is in your hands. Philadelphia: Basic Books; 2015.         [ Links ] ISBN 9780465054749

4. Greene J, Hibbard JH. Why does patient activation matter? An examination of the relationships between patient activation and health-related outcomes. J Gen Intern Med. 2012;27(5):520-6.         [ Links ]

5. Topol E. The creative destruction of medicine: how the digital revolution will create better health care. New York: Basic Books; 2013.         [ Links ] ISBN 9780465061839

6. Delbanco T, Walker J, Bell SK, Darer JD, Elmore JG, Farag N, et al. Inviting patients to read their doctors’ notes: a quasi-experimental study and a look ahead. Ann Intern Med. 2012;157(7):461-70.         [ Links ]

7. Bodenheimer T, Lorig K, Holman H, Grumbach K. Patient self-management of chronic disease in primary care. JAMA. 2002;288(19):2469-75.         [ Links ]

8. Bodenheimer T, Wagner EH, Grumbach K. Improving primary care for patients with chronic illness. JAMA. 2002;288(14):1775-9.         [ Links ]

9. Bates DW, Bitton A. The future of health information technology in the patient-centered medical home. Health Aff (Millwood). 2010;29(4):614-21.         [ Links ]

10. Samoocha D, Bruinvels DJ, Elbers NA, Anema JR, van der Beek AJ. Effectiveness of web-based interventions on patient empowerment: a systematic review and meta-analysis. J Med Internet Res. 2010;12(2):e23.         [ Links ]

11. deBronkart D. From patient centred to people powered: autonomy on the rise. BMJ. 2015;350:h148.         [ Links ]

12. Tang PC, Ash JS, Bates DW, Overhage JM, Sands DZ. Personal health records: definitions, benefits, and strategies for overcoming barriers to adoption. J Am Med Inform Assoc. 2006;13(2):121-6.         [ Links ]

13. Ammenwerth E, Schnell-Inderst P, Hoerbst A. The impact of electronic patient portals on patient care: a systematic review of controlled trials. J Med Internet Res. 2012;14(6):e162.         [ Links ]

14. Laranjo L, Arguel A, Neves AL, Gallagher AM, Kaplan R, Mortimer N, et al. The influence of social networking sites on health behavior change: a systematic review and meta-analysis. J Am Med Inform Assoc. 2015;22(1):243-56.         [ Links ]

15. Coiera E. Social networks, social media, and social diseases. BMJ. 2013;346(7912):f3007.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

E-mail: liliana.laranjo@gmail.com

 

Conflito de interesses

A autora declara não ter conflitos de interesse.

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