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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versión impresa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.32 no.3 Lisboa jun. 2016

 

ESTUDOS ORIGINAIS

Estudo PreSBurn: prevalência de síndroma de burnout nos profissionais dos cuidados de saúde primários

PreSBurn study: prevalence of burnout syndrome in primary care professionals

Célia Mata,1 Susana Machado,2 Ana Moutinho,1 Denise Alexandra3

1Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF Santiago, Leiria

2Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. UCSP da Marinha Grande

3Médica Especialista em Medicina Geral e Familiar. USF Santiago, Leiria

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Objetivos: Determinar a prevalência de burnout entre médicos, enfermeiros e secretários clínicos do Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) Pinhal Litoral.

Tipo de estudo: Estudo transversal, descritivo com componente analítica, realizado entre 15 de outubro e 15 de dezembro de 2014.

Local: ACeS Pinhal Litoral.

População: Profissionais dos cuidados de saúde primários (CSP) do ACeS Pinhal Litoral.

Métodos: Foi utilizado um questionário contendo dados sóciodemográficos e o Inventário de Burnout de Maslach (MBI-HSS) traduzido e validado para português.

Resultados: Dos 434 profissionais de saúde que trabalhavam no ACeS obteve-se uma taxa de resposta de 60,1%. Quanto às dimensões do burnout, 41,0% apresentaram um score alto de exaustão emocional (EE), 28,4% de despersonalização (DP) e 22,6% um score baixo de realização pessoal (RP). Tendo em conta a definição de burnout utilizada, estimou-se uma prevalência nesta amostra de 5,7%, sendo superior nos enfermeiros (9,9%) seguida dos médicos especialistas (7,2%). Encontrou-se associação entre burnout e os seguintes fatores: idade (>45 anos para DP e ≤45 anos para RP), tempo de atividade profissional (>20 anos para DP e ≤20 anos para RP), intenção de mudar de profissão (para todas as dimensões), intenção de mudar de instituição (para EE e DP), unidade de saúde (análise bivariada - USF para DP; regressão logística - CS/UCSP para DP).

Conclusão: Fatores individuais e laborais contribuem para o desenvolvimento de burnout, tornando necessária uma intervenção pessoal e abordagem institucional.

Palavras-chave: Burnout; Profissional; Cuidados de Saúde Primários.


 

ABSTRACT

Objectives: To determine the prevalence of burnout among physicians, nurses and medical secretaries of the ACeS Pinhal Litoral primay health care centres.

Type of study: Cross-sectional study conducted between 15 October and 15 December 2014.

Setting: ACeS Pinhal Litoral.

Participants: Primary health care professionals.

Methods: The Maslach Burnout Inventory (MBI-HSS), translated and validated for use in Portuguese, was used in this study.

Results: A response rate of 60.1% of the 434 health professionals working in the ACeS was obtained. Regarding the dimensions of burnout, 41.0% had a high emotional exhaustion (EE) score, 28.4% had a high depersonalization (DP) score and 22.6% had a low personal accomplishment (PA) score. The prevalence of burnout in this sample was 5.7%. It was higher among nurses (9.9%) and medical specialists (7.2%). An association was found between burnout and the following factors: age (>45 years for DP and ≤45 years for PA), seniority (>20 years for DP and ≤20 years for PA), intention to change profession (for all dimensions), intention to change institution (for EE and DP), and health unit (by bivariate analysis of Family Health Care Unit for DP and by multivariate analysis of Personalized Health Care Unit for DP).

Conclusion: Individual and organizational factors are associated with the presence of burnout.  Personal and institutional approaches are necessary for intervention in this issue.

Keywords: Burnout, Professional; Primary Health Care.


 

Introdução

O stress é tão antigo quanto a existência humana e está intrinsecamente ligado à sobrevivência da espécie.1 Estima-se que 50 a 60% das baixas médicas na Europa sejam causadas por stress relacionado com o trabalho, incutindo um custo económico de cerca de 20 biliões de euros.2

Freudenberger utilizou pela primeira vez o termo burnout em 1974, definindo-o como um estado de exaustão ou frustração resultante da dedicação a uma causa, modo de vida ou relação que não teve o resultado esperado.3-4 Maslach e Jackson (1981) defendem que o burnout deriva de um envolvimento prolongado em situações de elevada exigência emocional no local de trabalho.3 A síndroma acaba por se desenvolver na fase final de um longo processo de exposição do indivíduo ao stress no trabalho, inicialmente adaptativo.5

O burnout pode ter manifestações físicas (espasticidade cólica, dispepsia, gastrite, cefaleias, mialgias,2,5 aumento das condições inflamatórias, diminuição da imunocompetência, agravamento dos fatores de risco cardiovasculares e de diabetes tipo 2)6 e psíquicas (ansiedade, angústia, insónia, disfunção sexual, fadiga crónica, etc.).2,5

Alguns fatores causais podem estar subjacentes ao burnout, sobretudo de índole organizacional como a hierarquia, sobrecarga de trabalho, remuneração inadequada, falta de progressão na carreira, políticas e atos burocráticos excessivos, avaliação do desempenho baseado apenas em aspetos quantitativos, má organização, rotinas de trabalho, “sensação de controlo” do funcionário, inexistência de grupos de apoio ou grupos de trabalho coesos, etc. Também as características individuais podem influenciar, nomeadamente o sexo, estado civil, ter ou não descendência e tipo de personalidade.3,5,7

O burnout é definido como uma tríade sintomática: exaustão emocional (EE), despersonalização (DP) e redução de realização pessoal (RP).3-4,7

Para Leiter e Maslach, a EE é a primeira dimensão do burnout a desenvolver-se, desencadeada pelas exigências profissionais. Essa exaustão pode levar à DP como estratégia adaptativa ao stress. Quando os sintomas de DP persistem, os objetivos profissionais podem falhar, podendo contribuir para uma fraca RP.8

O burnout afeta principalmente profissões de ajuda, onde a matéria-prima do trabalho são as pessoas,3 ou seja, profissionais cujo trabalho assenta na prestação de serviços, nomeadamente os profissionais de saúde, educação, segurança pública, etc. Os profissionais da área da saúde são particularmente atingidos por tentarem resolver problemas de pessoas doentes, aos quais não conseguem (nem devem) ser completamente indiferentes.5 Estes podem desenvolver um conflito entre a profissão que desempenham, a satisfação profissional e a responsabilidade face ao utente.5

Os profissionais dos cuidados de saúde primários (médicos, enfermeiros e assistentes técnicos) têm demonstrado elevados níveis de exaustão, sendo os médicos os que parecem apresentar níveis mais elevados de burnout.9-10 Para além disso, usualmente médicos e enfermeiros não pedem ajuda perante os problemas, automedicando-se e aderindo pouco aos tratamentos, facto que pode prejudicar o seu desempenho e perpetuar o burnout.3,10-11

A prevalência de burnout em médicos de família tem aumentado nas últimas décadas.

Em 2008, um estudo europeu de burnout (estudo EGPRN) mostrou que 12% dos médicos de família apresentava níveis altos de burnout nas três dimensões.7 Outros estudos apresentam prevalências variando entre 12% e 70%,8,12-15 sendo tendencialmente inferior em Portugal (entre 4,2% e 32,4%, num estudo de 2012).11

Apesar da prevalência de burnout e dos seus efeitos noutros profissionais da saúde estarem menos estudados, sabe-se que estes estão expostos aos mesmos desafios relativos à insatisfação profissional9 e o simples facto de lidarem diretamente com o público coloca-os numa posição de risco para o desenvolvimento de burnout.2,5

Tendo em conta as consequências do burnout e o facto de que a qualidade dos serviços está diretamente relacionada com a satisfação dos profissionais5,10 é importante melhorar o conhecimento sobre os fatores de risco envolvidos no burnout e conhecer possíveis medidas preventivas.9

Na tentativa de estudar esta temática surgiram vários instrumentos de avaliação do burnout, entre os quais o questionário MBI (Maslach Burnout Inventory).3-4 Este questionário tem sido largamente utilizado em estudos mundiais sobre este tema, sendo constituído por 22 questões relativas a emoções e atitudes experienciadas no ambiente laboral, respondidas através de uma escala de Likert. O MBI pode ser dividido em três subescalas, refletindo as três dimensões do burnout. Em 2013, o questionário MBI-Health Services Survey4 foi traduzido e validado para a língua portuguesa, apenas na classe médica, possibilitando a sua utilização e comparação dos estudos com os de outros países.

O objetivo deste trabalho foi determinar a prevalência de burnout entre médicos, enfermeiros e secretários clínicos do Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) Pinhal Litoral, utilizando o questionário MBI-HSS e compreender alguns dos fatores pessoais e organizacionais com ele relacionados.

Material e métodos

Efetuou-se um estudo transversal, descritivo com componente analítica, realizado entre 15 de outubro e 15 de dezembro de 2014 a profissionais dos cuidados de saúde primários (CSP): médicos especialistas, médicos internos, enfermeiros e secretários clínicos que trabalhavam nas unidades de saúde do ACeS Pinhal Litoral (Unidades de Saúde Familiar - USF, Centros de Saúde/Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados - CS/UCSP, Unidades de Saúde Pública - USP).

Foi utilizado um questionário composto por duas secções, a primeira correspondendo a dados sóciodemográficos e a segunda contendo o Inventário de Burnout de Maslach (MBI-HSS), traduzido e validado para a língua portuguesa. Os dados sóciodemográficos avaliados foram: idade, sexo, estado civil, categoria profissional, unidade de saúde, carga horária semanal, tempo de exercício profissional global e na instituição atual, vontade de mudar de profissão, vontade de mudar de instituição, relação com as outras classes profissionais dentro da mesma instituição. Para a avaliação da satisfação de cada classe profissional em relação às restantes utilizou-se uma escala de Likert de cinco pontos, cotada de zero (“muito insatisfeito”) a quatro (“muito satisfeito”). O MBI-HSS apresenta-se sob a forma de um questionário multidimensional de autorresposta, contendo 22 questões cujas respostas se baseiam numa escala de Likert de sete pontos, cotada de zero (“nunca”) a seis (“todos os dias”). É composto por três sub-escalas que avaliam possíveis manifestações de burnout:

• Exaustão emocional (EE) avaliada por nove itens (questões 1, 2, 3, 6, 8, 13, 14, 16, 20) que exprimem sentimentos de esgotamento e cansaço emocional no trabalho;

• Despersonalização (DP) avaliada por cinco itens (questões 5, 10, 11, 15, 22) que exprimem sentimentos de desvalorização da própria existência, sentido ou interesse;

• Realização pessoal (RP) avaliada por oito itens (questões 4, 7, 9, 12, 17, 18, 19, 21) inclui sentimentos de competência e realização pessoal no trabalho.

Foram usados os seguintes cut-offs para definir os níveis de burnout em cada dimensão do MBI-HSS: - EE: baixo ≤13; médio 14-26; alto ≥27; - DP: baixo ≤5; médio 6-9; alto ≥10; - RP: baixo ≤33; médio 34-39; alto ≥40 (escala inversa).7

Definiu-se como burnout a combinação de altos níveis de EE e DP com baixo nível de RP.

Previamente à realização do estudo foi solicitado o consentimento à Diretora Executiva do ACeS Pinhal Litoral e obtido parecer da Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde do Centro.

O questionário foi enviado através do endereço eletrónico disponibilizado por email a cada participante, sendo os resultados anónimos e acessíveis apenas às investigadoras. Adicionalmente, as investigadoras deslocaram-se aos locais considerados para o estudo, disponibilizando exemplares em papel do mesmo questionário a serem preenchidos pelos participantes que, por algum motivo, não tenham tido a possibilidade de participar via online. Estes questionários foram igualmente anónimos e recolhidos numa mesma caixa fechada, garantindo a sua confidencialidade.

Análise estatística

Relativamente à análise dos resultados, estes foram registados em base de dados eletrónica, construída pelas investigadoras no programa Microsoft Office Excel 2007® e SPSS versão 20.0 (IBM SPSS statistics).

• Prevalência de burnout e scores de cada componente de burnout/Principais características dos participantes:

Foi realizada análise estatística descritiva para apresentar a prevalência de burnout e os scores de cada dimensão para a totalidade da amostra e para cada sexo em separado, com intervalo de confiança de 95% (IC). Os resultados foram expressos como mediana (intervalo interquartis) ou número (percentagem) do total dos participantes. As comparações foram efetuadas com o teste não paramétrico Mann-Whitney para os dados quantitativos e com o Qui-quadrado para os dados qualitativos.

• Fatores associados a cada componente de burnout:

Foram exploradas associações entre cada uma das características (variáveis categóricas) e as três componentes do burnout (EE, DP e RP). Foi efetuada análise estatística multivariável com a aplicação do teste Qui-Quadrado para um nível de significância de 0,05. A idade foi explorada como uma variável categórica. A unidade funcional USP foi excluída desta análise por corresponder apenas a uma minoria de participantes (n=5).

Foi ainda realizada a regressão logística multivariável para determinar fatores individuais e independentes (sexo, estado civil, idade, anos de profissão, tipo de unidade funcional), usando o SPSS para calcular o odds ratio (OR) como medida de associação. Foram usados intervalos de confiança a 95% para os parâmetros estimados.

Resultados

O ACeS Pinhal Litoral era composto, à data do estudo, por 434 profissionais de saúde, incluindo médicos, especialistas em medicina geral e familiar (MGF) e saúde pública, internos da especialidade, enfermeiros e assistentes técnicos.17 Foram disponibilizados os questionários a todos os profissionais, tendo sido recolhidos 261 questionários, correspondendo a uma taxa global de resposta de 60,1%, dos quais 83 questionários foram preenchidos online. Quanto à categoria profissional verificou-se uma maior taxa de resposta dos médicos internos (92,3%, dos quais 87,5% responderam online). As restantes categorias profissionais apresentaram taxas de resposta global e online semelhantes (médicos especialistas 60,1%, 28,9% online; enfermeiros 54,0%, 28,4% online; secretários clínicos 58,3%, 21,4% online).

Dos respondentes, 81,6% eram mulheres, 41,0% eram médicos, sendo destes 9,2% internos de formação específica de MGF, 31,0% eram enfermeiros e 26,8% eram secretários clínicos. Relativamente às unidades funcionais, 67,0% trabalhavam em CS/UCSP, 30,7% em USF e 1,9% em USP.

A idade média dos profissionais de sexo masculino (49,9 anos) foi superior à do sexo feminino (45,6 anos). O tempo de atividade profissional e o número de horas de trabalho semanal foram superiores no sexo masculino. A idade média dos médicos especialistas foi de 50,5 anos, dos médicos internos 29,4 anos, enfermeiros 43,3 anos e secretários clínicos 50,2 anos. A maioria dos participantes (73,8%) eram casados/união de facto.

Quando questionados acerca da vontade de mudar de local de trabalho ou profissão, 43,3% gostaria de mudar de instituição e cerca de um terço (36,8%) gostaria de mudar de profissão.

As principais características dos participantes encontram-se descritas no Quadro I.

 

 

Quanto às dimensões do burnout verificou-se que os homens tinham maior nível de EE (score médio de 25,0 vs 23,0, p<0,05), DP (score médio de 6,0 vs 5,0, p<0,05) e nível mais baixo de RP (score médio de 39,0 vs 40,0, p<0,05), embora as diferenças não sejam estatisticamente significativas.

No presente estudo também se avaliou a satisfação que cada classe profissional tem relativamente às restantes (Figura 1). De um modo geral, os indivíduos classificam a sua relação com os restantes profissionais como satisfatória, não se verificando diferenças estatisticamente significativas entre os vários grupos.

 

 

Quanto às dimensões do burnout, 41,0% dos participantes apresentaram um score alto de EE, 28,4% de DP e 22,6% um score baixo de RP, como demonstra o Quadro II. Tendo em conta a definição de burnout utilizada estimou-se uma prevalência de burnout nesta amostra de 5,7%.

 

 

Na análise multivariável verificou-se diferença estatisticamente significativa entre a idade e score de DP e RP. Os níveis altos de DP foram mais frequentes nos participantes com mais de 45 anos (34,2 vs 20,9, p<0,05), enquanto os mais jovens (≤45 anos) apresentaram mais frequentemente baixo nível de RP (18,5 vs 27,8, p<0,05).

Os profissionais com menos de 20 anos de atividade apresentaram um baixo nível de RP em relação ao grupo com mais de 20 anos de atividade profissional (19,2 vs 26,2, p<0,05), sendo esta diferença também estatisticamente significativa.

Relativamente às unidades funcionais estudadas verificou-se que altos níveis de DP eram mais frequentes nos trabalhadores de USF (40,0 vs 22,9, p<0,05), sendo a diferença estatisticamente significativa.

A vontade de mudar de profissão parece estar relacionada com todas as dimensões de burnout (EE: 58,8 vs 41,1; DP: 47,3 vs 52,7; RP: 59,3 vs 45,7, p<0,05). No entanto, a vontade de mudar de instituição de saúde apresentou apenas diferença estatisticamente significativa para as dimensões EE (64,5 vs 35,5, p<0,05) e DP (54,1 vs 45,9, p<0,05).

Foi realizada regressão logística multivariável para avaliar eventual relação entre cada uma das dimensões do burnout e características sóciodemográficas separadamente, análise esta que se encontra sumariada no Quadro III. Neste estudo demonstrou-se que trabalhar numa CS/UCSP, ter idade superior a 45 anos e ter mais de 20 anos de atividade profissional são fatores individuais e independentes. Os dois primeiros são protetores e o terceiro é de risco de DP. Para as outras variáveis não se verificou associação com os componentes de burnout. No entanto, existe uma tendência positiva na relação entre o sexo masculino, o estado civil casado/união de facto e altos níveis de DP. Verificou-se essa mesma tendência para as dimensões de EE e RP com a idade superior a 45 anos, ter mais de 20 anos de atividade profissional e trabalhar em CS/UCSP.

 

 

Considerando a definição de burnout utilizada neste estudo, estimou-se uma prevalência de burnout superior na classe profissional dos enfermeiros (9,9%) seguida dos médicos especialistas (7,2%), como se observa no Quadro IV. Dos médicos internos incluídos no estudo nenhum apresentou níveis de burnout.

 

 

Discussão

O contexto económico atual tem diminuído os recursos na saúde levando, deste modo, a crescentes problemas psicossociais dos utentes e dos profissionais.5

Alguns autores consideram o burnout como uma doença ocupacional que prejudica a qualidade de vida do profissional e o seu desempenho assistencial, colocando, no caso da medicina, tanto os médicos como os doentes em risco.3,6

Esta temática tem surgido em vários estudos na última década, avaliando principalmente a classe médica. Dois estudos foram realizados mais recentemente: um amplo estudo europeu que incluiu 12 países (estudo EGPRN, 2008)7 e um estudo português realizado em 2012,11 ambos a médicos de família.

No entanto, outros grupos de profissionais de saúde que lidam diretamente com o utente não são isentos de risco de desenvolver burnout. Neste contexto, considerámos importante incluir neste estudo as principais classes profissionais dos CSP - médicos, enfermeiros e secretários clínicos -, o que lhe confere originalidade.

Para a classe médica, os resultados obtidos foram similares à bibliografia consultada em relação às várias dimensões do burnout, como demonstrado no Quadro V. Relativamente às dimensões DP e RP verificou-se maior concordância com os resultados apurados a nível nacional. No entanto, na dimensão EE, os resultados do nosso estudo aproximaram-se mais do estudo europeu.

 

 

Em relação à média europeia (12%),7 no ACeS Pinhal Litoral a prevalência de médicos especialistas com burnout foi inferior (7,2%).

No estudo europeu EGPRN7 verificou-se que altos níveis de burnout estavam mais relacionados com baixa satisfação profissional e intenção de mudar de profissão. Também na nossa amostra se verificou associação positiva entre as várias dimensões do burnout com a vontade de mudar de profissão e/ou de instituição de saúde.

A variável sexo não foi, neste estudo, um fator independente para o desenvolvimento de burnout; no entanto, verificou-se uma relação positiva, embora não estatisticamente significativa, entre o sexo masculino e as três dimensões do burnout, sendo estes resultados similares aos encontrados no estudo nacional de 2012.11

Embora se tenha verificado uma tendência para menores níveis de burnout nos profissionais casados/união de facto, o estado civil não evidenciou ter relação estatisticamente significativa com o desenvolvimento de burnout. Alguns fatores têm sido apontados para explicar essa tendência, como o fator protetor da família e dos filhos. Aparentemente, passar pouco tempo com a família ou ter um fraco suporte familiar pode ser um fator de risco para desenvolver burnout.11

Embora se tenha demonstrado com este estudo que o tempo de atividade profissional (˃20 anos) tenha efeito de risco para o desenvolvimento de DP, a idade (˃45 anos) demonstrou, por outro lado, ter efeito protetor para DP. Em outros estudos já realizados,11 a idade e o tempo de atividade parecem potenciar todas as dimensões do burnout.

Vários estudos têm demonstrado que o espírito de grupo e trabalho em equipas coesas são uma importante estratégia contra o burnout nos CSP.9 As USF têm sido desenvolvidas de forma a promover o trabalho em equipa, tendo os seus profissionais maior autonomia de horários e na tomada de decisões, fatores aparentemente protetores de burnout. Contudo, este estudo demonstrou que, no ACeS Pinhal Litoral, os profissionais pertencentes a USF apresentam maior DP do que os que trabalham em CS/UCSP, tendo relação estatisticamente significativa. No entanto, pela análise da regressão logística multivariável, trabalhar em CS/UCSP constituiu um fator individual e independente para o desenvolvimento de DP. Alguns estudos11,14 apresentam as USF como bons modelos de trabalho na prevenção contra o burnout.

Quanto aos vários grupos profissionais estudados, parecem ser os enfermeiros que apresentam mais burnout (9,9%). No entanto, esta classe profissional manifestou melhor relação entre pares, facto que aparentemente seria protetor. Um estudo realizado em Portugal apenas a enfermeiros, em 2011, evidenciou níveis médios de EE e baixos níveis de DP e RP.3 Os secretários clínicos foram a classe profissional que apresentou menor prevalência de síndroma de burnout (1,4%), segundo a definição utilizada neste estudo. No entanto, é importante referir que o questionário utilizado para apurar a síndroma de burnout foi apenas validado em Portugal para médicos. Por outro lado, não foram encontrados estudos que avaliem esta temática no grupo profissional dos secretários clínicos.

Apesar do interesse manifestado pelos profissionais no tema, admitimos que a taxa de resposta possa ter sido inferior ao esperado. A falta de tempo e o receio de alguns profissionais serem identificados (sobretudo nos locais com poucos trabalhadores fixos) foram limitações que podem justificar a taxa de resposta, embora estivesse assegurada a confidencialidade e o anonimato do estudo.

Mais de 40% dos profissionais gostariam de mudar de local de trabalho e mais de um terço gostaria de mudar de profissão. Estes dados preocupantes são reveladores de insatisfação, refletindo-se nas diferentes dimensões de burnout, o pode conduzir a pior desempenho e riscos para profissionais e utentes.

O facto dos médicos internos não apresentarem síndroma de burnout nesta amostra pode estar relacionado com os poucos anos de atividade assistencial, serem profissionais que se mantêm ativamente em formação, tornando a sua atividade mais motivante, estimulando o espírito crítico e o trabalho de equipa.

O burnout, uma vez instalado, é de difícil tratamento e resolução; deste modo, os resultados obtidos colocam a tónica na prevenção. Nos CSP podem desenvolver-se algumas medidas preventivas, como ações de formação em equipa, grupos Balint, promoção de diálogo interpares, etc., que visem melhorar a qualidade de assistência ao utente, fomentar as relações interpessoais e aumentar a satisfação dos profissionais. Este aspeto deve ser encarado como um problema da instituição e todos os profissionais devem ser envolvidos.

O burnout é um importante problema de saúde que afeta várias classes profissionais, necessitando não só de uma intervenção pessoal mas também de uma abordagem institucional.

No presente estudo apurou-se uma prevalência de burnout nos profissionais de saúde dos CSP de 5,7%, variando nas diferentes classes profissionais e sendo os enfermeiros a classe mais atingida. Verificou-se que tanto fatores individuais como organizacionais contribuíram para o desenvolvimento de burnout, nomeadamente a idade, estado civil, tempo de atividade profissional, intenção de mudar de profissão ou instituição e local de trabalho.

Justifica-se a realização de mais estudos que permitam encontrar outros fatores que se relacionem com o burnout, de forma a melhorar a prevenção desta síndroma.

 

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Célia Mata

USF Santiago - Estrada da Mata nº56, Marrazes

2419-014 Leiria

E-mail: celiaffmata@gmail.com

 

Conflito de interesses

Os autores declaram não ter conflitos de interesses.

Comissão de ética

Estudo realizado após parecer favorável da Comissão de Ética da ARS Centro.

 

Recebido em 03-12-2015

Aceite para publicação em 21-05-2016

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