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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versión impresa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.32 no.3 Lisboa jun. 2016

 

CLUBE DE LEITURA

Exercício físico no doente crónico: qual o papel do médico de família?

Physical activity in the patient with chronic disease: what is the role of the family physician?

Sílvia Colmonero

Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, Unidade de Saúde Familiar Lagoa – Unidade Local de Saúde de Matosinhos


 

Hoffmann TC, Maher CG, Briffa T, Sherrington C, Bennell K, Alison J, et al. Prescribing exercise interventions for patients with chronic conditions. CMAJ. 2016;188(7):510-8. doi: 10.1503/cmaj.150684

Introdução

O exercício físico (EF) tem demonstrado benefício na morbimortalidade de doenças crónicas, particularmente na prevenção secundária e reabilitação de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, na prevenção da diabetes e na redução da morbilidade associada à lombalgia e osteoartrite (OA). Contudo, continua a ser subprescrito comparativamente à intervenção farmacológica e cirúrgica por escassa formação médica sobre prescrição de intervenções efetivas, complexa descrição das intervenções na literatura científica e carência de programas de educação dos pacientes sobre os benefícios do EF. Algumas das intervenções podem ser prescritas pelos médicos de família (MF) (e.g., prevenção de quedas). Outras implicam a referenciação a especialista em prescrição de EF. Foi realizada uma revisão, objetivando sintetizar a evidência do benefício do EF em algumas doenças crónicas com elevada morbilidade, salientando os principais outcomes resultantes da prática de EF.

Considerações gerais

Os pacientes com doenças crónicas devem ser educados sobre os benefícios do EF e submetidos a avaliação individual antes de iniciarem um plano de EF, sendo definido o tipo de exercícios, número, frequência e duração das sessões. Devem receber uma supervisão inicial com estabelecimento de metas, reforço positivo e promoção da adesão a longo prazo.

As intervenções podem ser realizadas por médicos, fisioterapeutas e profissionais com competências em EF. Decorrem em instituições de saúde ou comunitárias, complementadas com atividades autoadministradas pelo paciente no domicílio.

Não há contraindicações absolutas na maioria das patologias descritas, relatando-se as exceções.

Osteoartrite da anca e joelho

O EF melhora a dor e função física, visando o fortalecimento muscular.

Duas revisões sistemáticas (RS) da Cochrane avaliaram o score de dor e função física em doentes com OA, após instituição de intervenções de EF. Uma incluiu 54 ensaios clínicos randomizados (ECR), avaliando pacientes com OA do joelho e demonstrou melhoria da dor e função física (evidência moderada a elevada), que não se mantiveram após suspensão das intervenções. A outra incluiu 10 ECR, avaliando pacientes com OA da anca e revelou melhoria dos mesmos outcomes (evidência elevada), sustentados temporalmente após suspensão das intervenções. Em ambas as RS houve pouca ou nenhuma evidência de benefício na qualidade de vida (QV).

Lombalgia crónica inespecífica

O EF alivia a dor, fortalece os músculos e o equilíbrio, incorporando exercícios de controlo motor (e.g., ioga) e princípios de terapia cognitivo-comportamental. Apresenta-se contraindicado apenas na presença de condições graves (fraturas, infeções, neoplasias, síndroma da Cauda Equina).

Uma RS da Cochrane, envolvendo 43 ECR, revelou melhoria da dor e função física nos pacientes com lombalgia crónica. Não avaliou outros outcomes nem atribuiu níveis de evidência.

Prevenção de quedas

O EF na prevenção de quedas é especialmente dirigido a idosos. Foca-se na melhoria do equilíbrio, controlo postural e força muscular, sendo o programa de exercícios Otago uma opção adequada. O Tai Chi tem sido também efetivo. Para evitar eventual queda, o paciente deverá realizar os exercícios próximo de um suporte e adaptar-se individualmente ao nível de dificuldade, tornando os exercícios desafiantes, mas seguros.

Numa RS da Cochrane, as intervenções (incluindo Tai Chi) mostraram reduzir as quedas em 30% dos idosos. Em pacientes institucionalizados ou na presença de fatores de risco para quedas (e.g., prejuízo da visão), o EF não foi tão efetivo.

Doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC)

O EF visa a reabilitação pulmonar (RP), ensinando a gerir a dispneia de esforço e melhorando a capacidade de EF e a QV. Deverão ser referenciados para profissionais com treino em RP quando a condição está estável ou após exacerbação aguda.

Duas RS da Cochrane avaliaram o benefício da RP comparativamente ao EF usual ou não prescrito. Uma englobou 65 ECR, avaliou pacientes com DPOC estável e mostrou que a RP melhorava a QV (evidência moderada) e a capacidade de exercício máxima (evidência baixa). A outra incluiu 9 ECR, avaliou pacientes com DPOC após exacerbação aguda com necessidade de hospitalização e demonstrou que a RP reduzia a mortalidade e readmissão hospitalar (evidência moderada).

Diabetes mellitus tipo 2 (DM2)

O EF objetiva o controlo glicémico e das comorbilidades. Recomenda-se a prescrição de EF aeróbio e de resistência combinados, pois apresentam benefício metabólico semelhante. Os exercícios devem ser realizados coincidindo com os picos glicémicos pós-prandiais. O EF moderado a vigoroso está contraindicado na presença de retinopatia proliferativa, insuficiência cardíaca (IC) terminal, arritmias ou aneurisma inoperável.

Uma meta-análise com 47 ECR verificou que o exercício aeróbio e de resistência, combinado com a dieta alimentar, durante doze semanas, em doentes com DM2 associou-se a diminuição da hemoglobina glicosilada.

Síndroma de fadiga crónica

O EF perspetiva a reversão do descondicionamento físico e da intolerância ao exercício.

Está indicada a prescrição de atividades (caminhada, natação, Tai Chi), gradualmente, por profissional com competências em terapia de exercício graduado (TEG).

Uma RS da Cochrane, incluindo oito ECR, mostrou que a TEG, comparativamente ao EF usual, treino de flexibilidade ou relaxamento, reduzia a fadiga (evidência moderada). Houve também melhoria da qualidade do sono e função física (evidência baixa).

Doença cardíaca coronária

O EF pretende melhorar o risco cardiovascular e a função cardíaca através de exercício aeróbio e de resistência. Os benefícios mais consistentes obtêm-se em pacientes de maior risco (história de enfarte agudo do miocárdio – EAM –, comorbilidades e IC avançada). Existem contraindicações ao EF na presença de angina instável, valvulopatia grave, IC descompensada, arritmias, hipertensão ou diabetes descontroladas.

Uma RS da Cochrane, incluindo 47 ECR, mostrou que a reabilitação cardíaca reduzia a mortalidade global e cardiovascular em pacientes com coronariopatia após um ano de intervenção. Contudo, não reduziu o risco de EAM e o impacto na QV não foi conclusivo. Outra RS, envolvendo 33 ECR, demonstrou melhoria da QV.

Conclusão

Os médicos devem prescrever intervenções de EF baseadas na evidência, adaptadas ao indivíduo e à condição. Estas devem realizar-se de forma estruturada, como descrito nos ECR, para não comprometer a sua efetividade.

Os MF carecem de formação na prescrição de EF, mas devem conhecer os princípios de uma intervenção baseada na evidência, discuti-la com o paciente e referenciá-lo apropriadamente. É também essencial corrigir conceitos, medos e motivações desadequadas face ao EF.

COMENTÁRIO

Em Portugal, as doenças crónicas são responsáveis por 85% da carga global de doença e a inatividade física está entre os principais fatores de risco.1

A última sondagem do Eurobarómetro revelou que Portugal é o terceiro país (entre 28 países estudados) em que a população prática menos EF. Algumas razões apontadas foram a escassez de tempo e motivação, presença de incapacidade/doença, custos elevados e ausência de infraestruturas para praticar EF.2

Parece fundamental a cooperação do governo com os setores da saúde e sociais, na melhoria do meio ambiente para praticar EF, na promoção da mobilidade ativa, na equidade do acesso à prática de EF e na influência da comunidade pela comunicação social.3 É também essencial a educação sobre os benefícios do EF nas escolas e no trabalho.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, os cuidados de saúde primários (CSP) são “o pilar” da prescrição de EF.4 Esta prescrição, em CSP, é efetiva através de intervenções breves, orientadas por metas, adaptadas às preferências e necessidades do paciente.4-5 Isto parece ser facilitado pela relação médico-doente longitudinal e confiante, criando-se um momento oportuno para aumentar a literacia em saúde e promover a modificação de comportamentos.

Muitos países têm desenvolvido programas de aconselhamento estruturados sobre EF. Estes ainda não foram desenvolvidos em Portugal e cada MF realiza aconselhamento baseado na sua experiência.6

É essencial solidificar as competências dos MF em técnicas de comunicação e mudança de comportamentos em saúde, superar as barreiras à prescrição de EF (falta de tempo e qualificação) e criar protocolos de aconselhamento sobre EF nos CSP, dirigidos à população portuguesa saudável.6

No âmbito da prevenção secundária deverá esclarecer-se o papel do MF na prescrição de EF em pacientes com patologia crónica comum, cuja gestão integra os programas prioritários da sua prática clínica, bem como definir-se os critérios de referenciação desses pacientes e para que entidades competentes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Direção-Geral da Saúde. A saúde dos Portugueses: perspetiva 2015. Lisboa: DGS; 2015.         [ Links ]

2. TNS Opinion & Social. Sport and physical activity: special Eurobarometer 412. Brussels: European Commission; 2014.         [ Links ] ISBN 9789279368363

3. Baptista F, Silva AM, Santos DA, Mota J, Santos R, Vale S, et al. Livro verde da atividade física. Lisboa: Instituto do Desporto de Portugal; 2011.         [ Links ] ISBN 9789898330024

4. Khan KM, Weiler R, Blair SN. Prescribing exercise in primary care. BMJ. 2011;343:d4141.         [ Links ]

5. Martin SN, Crownover BK, Kovach FE. What’s the best way to motivate patients to exercise? J Fam Pract. 2010;59(1):43-4.         [ Links ]

6. Carneiro D. Prescrição de exercício físico: a sua inclusão na consulta (The prescription of physical exercise: inclusion in the office visit). Rev Port Clin Geral. 2011;27(5):470-9. Portuguese

 

Conflitos de interesse

A autora declara não ter conflito de interesses.

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