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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.32 no.6 Lisboa dez. 2016

 

CARTA À DIRECTORA

Revisão por pares: para melhorar o manuscrito?

Does peer review improve a manuscript?

Bruno Santos Maia*

*Médico Interno de Medicina Geral e Familiar e Mestre em Saúde Pública, USF Eça de Queirós - ACeS Póvoa de Varzim/Vila do Conde

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

Em maio de 2016 submeti um manuscrito sobre suplementação com vitamina D na gravidez para publicação na secção «Clube de Leitura» da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (RPMGF). A recusa da equipa editorial teve dois motivos: primeiro, por ter sido submetido outro clube de leitura abordando o mesmo artigo original, Vitamin D supplementation during pregnancy: what is the clinical significance?,1 mas em “vantagem cronológica”, pois esse outro artigo foi submetido mais cedo; e, segundo, porque, após uma revisão crítica, ambos os artigos estavam muito bem escritos mas o outro apresentava uns poucos pontos a seu favor. Discordando da decisão editorial pretendo, com esta carta, discutir os aspetos não realçados no clube de leitura publicado.

A vitamina D é única, pois funciona como uma hormona e pode ser sintetizada na pele a partir da exposição à luz solar. Para além dos seus efeitos no metabolismo fosfocálcico, existe evidência que associa níveis insuficientes de vitamina D com um risco aumentado de desenvolvimento de outras patologias não ósseas.2-3 A deficiência de vitamina D parece ser um problema de saúde comum em todo o mundo e também na gravidez,4 pelo que considero que a suplementação com vitamina D é um tema atual e pertinente. A falta de consenso entre as principais sociedades internacionais relativamente à sua suplementação na gravidez motivou, e bem, um comentário à atualização da meta-análise da Cochrane.5 No entanto, o referido clube de leitura, com uns poucos pontos a favor, apresenta várias incorreções, mesmo após a revisão por pares, que merecem ser salientadas e que motivaram a presente Carta ao Diretor da RPMGF.

De acordo com os autores do clube de leitura, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda apenas a suplementação vitamínica na gravidez com ácido fólico e vitamina D. Esta afirmação não é verdade, pois a OMS recomenda a suplementação com ácido fólico,6 mas não recomenda a suplementação com vitamina D, exceto se houver deficiência documentada da mesma durante a gravidez.7 De acordo com a OMS, a suplementação diária com ácido fólico na gravidez é recomendada como parte dos cuidados pré-natais, iniciada o mais cedo possível e mantida durante toda a gravidez, na dose de 400 μg.6 A OMS refere que não existe evidência suficiente para recomendar a suplementação com vitamina D na gravidez, nomeadamente quanto aos seus riscos e benefícios.7

A seguir, os autores referem a recomendação da administração diária de 10mg de vitamina D. Mais uma afirmação incorreta pois, independentemente da recomendação ser ou não apoiada, a dose de 10mg de vitamina D é muito superior àquela recomendada, por exemplo, pela OMS em caso de deficiência de vitamina D documentada na gravidez, na dose de 5 μg ou 200UI por dia (ou de acordo com as orientações nacionais).7 Esta afirmação pode originar o aconselhamento incorreto por parte dos profissionais de saúde relativamente à suplementação com vitamina D na gravidez, numa dose cerca de 100 mil por cento superior à dose diária recomendada pelo National Institute for Health and Care Excellence (NICE).8

Por último, os autores referem que a meta-análise da Cochrane serviu de base para o novo Programa Nacional para a Vigilância da Gravidez de Baixo Risco. Ora, a meta-análise foi publicada em janeiro de 20165 e o programa nacional foi publicado no final de 2015,9 pelo que esta afirmação, mais uma vez, não é verdade. Este programa não refere sequer a suplementação com vitamina D, referindo apenas que as grávidas com dietas vegan devem ser aconselhadas sobre fontes alternativas dos nutrientes, nomeadamente de vitamina D (cereais e bebida à̀ base de soja, margarinas vegetais enriquecidas).9

Desta forma, aproveito para relembrar alguns dos pontos descritos nas instruções para os autores relativamente às normas para submissão de artigos à RPMGF, em particular a declaração de ética e de boas práticas na publicação.10 De acordo com as mesmas, os editores devem avaliar os manuscritos exclusivamente com base na sua mais-valia académica e científica e os revisores, com acesso a informação privilegiada através de revisão por pares, devem emitir comentários ou correções de forma objetiva e as observações formuladas devem ser claras e devidamente argumentadas, para que os autores possam usá-las para melhorar o manuscrito. Enquanto autor, fiquei sem perceber quais os poucos pontos a favor do clube de leitura publicado, com a agravante de o mesmo conter informações incorretas que passaram na revisão por pares e que em nada enaltecem a qualidade da RPMGF.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Olivença R, Martins M, Mendes V, Castanheira L. Suplementação de vitamina D na gravidez: qual a evidência? (Vitamin D supplementation during pregnancy: what is the clinical significance?). Rev Port Med Geral Fam. 2016;32(4):283-5. Portuguese

2. Caprio M, Infante M, Calanchini M, Mammi C, Fabbri A. Vitamin D: not just the bone. Evidence for beneficial pleiotropic extraskeletal effects. Eat Weight Disord. 2016 Aug 23. (Epub ahead of print).         [ Links ]

3. Borges MC, Martini LA, Rogero MM. Current perspectives on vitamin D, immune system, and chronic diseases. Nutrition. 2011;27(4):399-404.         [ Links ]

4. Palacios C, Gonzalez L. Is vitamin D deficiency a major global public health problem? J Steroid Biochem Mol Biol. 2014;144 Pt A:138-45.

5. De-Regil LM, Palacios C, Lombardo LK, Peña-Rosas JP. Vitamin D supplementation for women during pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. 2016;(1):CD008873.         [ Links ]

6. World Health Organization. Guideline: daily iron and folic acid supplementation in pregnant women (Internet). Geneva: WHO; 2012 (cited 2016 Aug 10). ISBN 9789241501996. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/77770/1/9789241501996_eng.pdf?ua=1        [ Links ]

7. World Health Organization. Guideline: vitamin D supplementation in pregnant women (Internet). Geneva: WHO; 2012 (cited 2016 Aug 10). ISBN 9789241504935. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/85313/1/9789241504935_eng.pdf         [ Links ]

8. National Institute for Health and Care Excellence. Vitamin D: increasing supplement use in at-risk groups (Internet). London: NICE; 2014 (cited 2016 Aug 10). ISBN 9781473108530. Available from: https://www.nice.org.uk/guidance/ph56/         [ Links ]

9. Direção-Geral da Saúde. Programa nacional para a vigilância da gravidez de baixo risco (Internet). Lisboa: DGS; 2015 (cited 2016 Aug 10). Available from: http://www.dgs.pt/em-destaque/programa-nacional-para-a-vigilancia-da-gravidez-de-baixo-risco.aspx         [ Links ]

10. Conselho Editorial da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. Normas para submissão de artigos à Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. Rev Port Med Geral Fam. 2015;31(1):64-76.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

E-mail: bsmaia@msn.com

 

Conflito de interesses

O autor declara não ter conflitos de interesse.

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