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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.34 no.4 Lisboa ago. 2018

 

RELATOS DE CASO

Abordagem familiar: quando, como e porquê? Um caso prático

Family assessment: when, how and why? A case study

Lisa Teresa Moreira,1 Ana Castro Rollo,1 Ricardo Torre,2 Maria Antónia Cruz3

1. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. ACeS Tâmega II, USF Nova Era

2. Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. ACeS Grande Porto I, USF Veiga do Leça.

3. Médica Assistente graduada em Medicina Geral e Familiar. ACeS Tâmega II, USF Nova Era.

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Introdução: A abordagem familiar é uma importante componente da avaliação médica, em especial na medicina geral e familiar. Este caso pretende reforçar a sua importância e promover a sua utilização quando pertinente.

Descrição do caso: J., 14 anos, 9º ano de escolaridade. J. está incluído num meio familiar diferente da «família comum». Vive com os avós desde os 12 meses de vida, após o pai ter sido preso e a mãe ter negado as responsabilidades parentais. Esta situação tornou-se particularmente sensível nesta nova etapa de vida: a adolescência.

Comentário: A abordagem em quatro fases - suspeita e deteção de um possível problema, avaliação das características estruturais da família, avaliação da funcionalidade familiar e avaliação da rede social de apoio e dos recursos do utente - possibilitam uma avaliação global do utente e um ponto de partida para a terapia familiar. A utilização integrada da avaliação familiar na consulta possibilita identificar uma possível disfunção familiar e atuar na capacitação do utente para a resolução dos problemas.

Palavras-chave: Família; Abordagem familiar; Saúde familiar; Disfunção familiar


 

ABSTRACT

Introduction: Family assessment is an important component of medical evaluation, especially in Family Medicine. This case report seeks to reinforce its importance and promote its use when relevant.

Case report: J. 14 years old, 9th year of schooling. J. is included in a different family environment. He has lived with his grandparents since he was 12 months old, after his father was arrested and his mother denied parental responsibilities. This situation has become particularly sensitive in his new stage of life, the adolescence.

Comment: The four-step approach, suspicion and detection of a possible problem, evaluation of the family's structural characteristics, evaluation of the family functionality, and evaluation of the social network of support and resources of the patient, allows a global evaluation of the patient and is a possible starting point for family therapy. The integrated use of family assessment in the consultation makes it possible to identify a possible family dysfunction and to promote patient empowerment on the resolution of his problems.

Keywords: Family; Family characteristics; Family health; Family conflict.


 

Introdução

A família é uma forma de grupo organizacional, intermédio entre a sociedade e o indivíduo.1 Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o conceito de família não pode ser limitado a laços de sangue, casamento, parceria sexual ou adoção. Qualquer grupo, cujas ligações sejam baseadas na confiança, suporte mútuo e um destino comum, deve ser encarado como família.2

Numa família os seus elementos encontram-se em constante interação dinâmica. O bom ou mau funcionamento familiar influencia as interações entre os seus elementos e, desse modo, o estado de saúde ou doença pode ser alterado. As interações em família nunca são por isso unilaterais, mas circulares. A ação de A afeta B e, neste, produzem-se mudanças comportamentais que, por sua vez, afetam A e assim sucessivamente. Passa-se do tradicional conceito de causalidade linear com caráter unidirecional ao conceito circular onde o comportamento de cada elemento influencia o dos outros e este também é influenciado retroativamente. Toda a ação é uma reação.1,3

Esta visão da família como um sistema (teoria sistémica da família) inclui ainda a distinção em vários subsistemas: individual (constituído pelo elemento), parental (constituído pelos elementos que assumem a responsabilidade dos mais novos, em geral os pais), conjugal (o casal) e fraternal (os irmãos). Cada subsistema organiza-se e interrelaciona-se de forma específica.1-2

A abordagem familiar é uma componente da avaliação médica, em especial na medicina geral e familiar e tem como objetivo identificar uma componente familiar que possa estar relacionada ou ser origem da disfunção orgânica, psicológica e/ou psicossocial que o indivíduo apresenta.

A abordagem familiar deve ser realizada durante o decorrer da consulta de forma integrada com os restantes elementos avaliativos tradicionais (como a anamnese ou a revisão de sistemas). Qualquer ato médico, como a auscultação, pode ser causa de grande ansiedade no utente; as avaliações familiares não são exceção, pelo que devem ser realizadas de forma integrada, quando a situação o justifique e associadas a um potencial plano de ação futuro em caso de necessidade.

Dada a indubitável importância na prática clínica do médico de família da abordagem familiar, é objetivo dos autores salientar a sua relevância e promover a sua utilização quando pertinente.

Descrição do caso

Dados base do utente

J., sexo masculino, 14 anos, natural e residente em Paredes, frequenta o 9º ano de escolaridade.

J. vive com os avós maternos desde os 12 meses de vida, após o pai ter sido preso. A mãe reside noutra cidade e visita-o de três em três meses. Tem um irmão mais velho que reside com os avós paternos.

Apresenta excesso de peso (percentil 85-97) desde os 10 anos, sem outros antecedentes pessoais de relevo. Sem consumos tabágicos, etílicos ou toxicofílicos. Não faz medicação habitual.

Motivo da consulta

Queixas álgicas lombares.

Descrição da consulta

Na anamnese, o utente refere dor ligeira, «em moinha», na região lombar esquerda, sem irradiação, de características mecânicas e de predomínio vespertino desde há sete dias, após esforço na aula de educação física.

O exame objetivo completo revelou-se normal à exceção de dor à palpação dos músculos para-vertebrais lombares à esquerda.

Parâmetros antropométricos: estatura de 168cm (percentil 50-85), peso 65kg e IMC 23,03kg/m2 (percentil 85-97, mantendo o excesso de peso).

Durante a consulta, J. manteve evicção do olhar, cabisbaixo, sendo as queixas maioritariamente relatadas pela avó que o acompanhou à consulta. Quando questionados acerca deste comportamento, a avó respondeu que J. estava triste porque a mãe tinha prometido visitá-lo no fim-de-semana; no entanto, já tinha avisado que não iria. A avó desculpou-se, afirmando: “A minha filha é muito ocupada e uma cabeça no ar!”, despoletando uma reação emocional de irritação por parte de J., que prontamente diz: “Não é nada disso, ela é que não quer saber!”

Dado que, segundo os critérios de Janet Christie-Seely, o utente refere o aparecimento de doença na fase de transição do ciclo de vida familiar e, perante o comportamento de J. na consulta e o seu «desabafo», o modelo biomédico revela-se insuficiente tornando-se pertinente a realização de uma abordagem familiar.

Caracterização familiar

Família constituída por três elementos - J., a avó e o avô - pertencente à classe média, de acordo com a escala de Graffar (14 pontos).

Trata-se de uma família nuclear, a experienciar tarefas na etapa V do ciclo de vida familiar (família com filhos adolescentes), com a particularidade de que neste caso não temos a situação clássica «de pais e filhos», mas «avós e neto».

Genograma familiar e psicofigura de Mitchell (Figura 1)

 

 

Apresentam-se três gerações, não se verificando história de consanguinidade.

Não se identificam padrões de repetição.

 

Círculo familiar de Thrower (Figura 2)

 

 

O utente foi convidado a desenhar o círculo familiar de Thrower. Desenhou-se e aos restantes elementos em forma de círculos, todos de igual tamanho e no interior do círculo que lhe foi apresentado.

No fim do desenho, J. foi questionado se estava satisfeito com a forma como representou a sua família, referindo que “Sim, porque já está habituado a estar longe do pai, da mãe e do irmão”. Quando questionado se mudava alguma coisa na sua família, diz: “Gostava de ter o meu pai por perto”. Perguntou-se ainda a quem J. recorria quando tinha um problema ou quando precisava de desabafar, ao que respondeu: “Eu não falo com ninguém”.

No Apgar familiar de Smilkstein, o utente pontua 9 pontos (família altamente funcional). Neste parâmetro pontuou 4 das 5 questões com nota máxima (quase sempre), exceto a questão «Estou satisfeito com o modo como a minha família manifesta a sua afeição e reage aos meus sentimentos, tais como irritação, pesar e amor», a qual classificou com pontuação média (algumas vezes).

A Escala de Satisfação com o Suporte Social (Figura 3) mede a satisfação no geral e em quatro dimensões do suporte social: a satisfação com os amigos, a intimidade, satisfação com a família e atividades sociais.4 A pontuação total nesta escala varia de 15 a 75, não havendo pontos de corte que possam ser considerados deficitários. Uma pontuação mais alta corresponde a uma perceção de maior suporte social.4 Nesta escala, J. pontuou na satisfação geral um total de 27 pontos (em percentagem, 45%).

 

 

Pontuação total de 27 em 75 pontos possíveis.

Pontuação estratificada:

- Satisfação com amigos (Questões 3, 12, 13, 14, 15; Pontuação mínima 5 e máxima 25) = 6 (30%)

- Intimidade/suporte social íntimo (Questões 1, 4, 5, 6; Pontuação mínima 4 e máxima 20) = 11 (69%)

- Satisfação com a família (Questões 9, 10, 11; Pontuação mínima 3 e máxima 15) = 4 (33%)

- Atividades sociais (Questões 2, 7, 8; Pontuação mínima 3 e máxima 15) = 6 (50%)

J. é um adolescente que está incluído num meio familiar diferente da «família comum». Vive com os avós desde os 12 meses de vida, após o pai ter sido preso. Esse foi o acontecimento marcante na família, tendo ditado a separação dos irmãos, cada casal de avós ficou responsável por um dos filhos do casal, já que a mãe de R. e J., não aceitou assumir a responsabilidade pelos filhos. Atualmente, J. visita todos os fins-de-semana o pai na prisão e o irmão na casa dos outros avós, mantendo uma relação de amizade com ambos. A mãe vive no Porto e vem visitar os filhos de três em três meses, o que tem sido um fator desestabilizador para J. que, com a entrada na adolescência, começa a questionar-se: “Porque a mãe, que está em liberdade, os visita menos do que eles visitam o pai?”, “Porque ela não vem visitá-los quando até mora perto?” Estas e outras questões começam a surgir a J., sem que sejam respondidas, associadas ao facto de não haver um confidente com quem partilhar estas preocupações.

Notou-se na consulta simultânea (J. e avós) uma espécie de «conspiração do silêncio», em que os avós evitavam falar da situação familiar (da mãe e do pai de J.) em frente ao utente para não o lesar. No entanto, na consulta confidencial, J. falou abertamente da situação familiar, demonstrando que tem perfeito conhecimento do que se passa, mas tem dificuldades em gerir estes sentimentos sozinho.

Com o acordo do utente foi abordado o «tema sensível» com os avós, conduzindo-os a exprimirem-se perante J. No final, ambas as partes revelaram sentir-se melhor por terem finalmente abordado o assunto. Este foi um passo importante na relação avós-neto ao promover a confiança e a aceitação.

Durante a consulta foi aplicado ainda o acrónimo HEEADSSS (Home, Education/employment, Eating, Activities, Drugs, Sexuality, Suicide/depression e Safety). Não existem conflitos no seio familiar próximo; tem bom aproveitamento escolar e ambiciona ser engenheiro mecânico; a alimentação é equilibrada e não existe imagem corporal desajustada; não tem atividades extracurriculares; sem consumo de drogas ou amigos consumidores; negou contactos sexuais; sem alterações do sono ou ideias autolesivas; e sem comportamentos que ponham em risco a segurança individual ou dos outros.

J. foi questionado relativamente às atividades extracurriculares que gostaria de frequentar, tendo respondido que gostava de jogar futebol e de fazer natação. Foi promovida a realização destas atividades junto à avó, cuja renitência se devia a motivos de transporte. Chegou-se ao consenso de que seria o avô a levar J. e que, nos dias em que este não pudesse, este iria de transporte público.

J. ainda confidenciou gostar de estar mais com os amigos, fora da escola, o que nunca acontecia. Foi abordada esta questão com os avós, tendo sido sugerido pela avó que aos sábados, entre as 14 e as 17h, J. podia visitar os amigos ou trazê-los a casa desde que tivesse os trabalhos de casa resolvidos.

Relativamente ao problema que motivou a consulta, J. foi aconselhado a realizar repouso, calor local e ibuprofeno 400mg, de 8/8horas durante três dias.

Foi agendada nova consulta para o 2º período de escola (seis meses depois). Nessa consulta veio acompanhado pela avó. J. não voltou a ter queixas álgicas lombares. Iniciou natação na piscina municipal, estando a gostar de frequentar essa atividade. Não tem saído aos fins-de-semana porque não tem cumprido com a sua parte do acordo (realizar os trabalhos de casa). Houve um agravamento preocupante do rendimento escolar, tendo tirado cinco negativas nas disciplinas de matemática, português, história, físico-química e francês. Quando questionado sobre esta mudança, J. assume a responsabilidade do mau rendimento escolar por não se ter aplicado e não ter estudado em casa. Acrescenta que não se sente motivado para estudar, por haver uma grande componente teórica comparativamente à componente prática, a qual seria para ele mais cativante. Não revela outros motivos secundários para o agravamento do rendimento escolar.

Foi decidido manter um acompanhamento mais próximo, tendo-se agendado consulta no prazo de um mês. O objetivo da próxima consulta é a avaliação do percurso escolar.

De salientar outros temas a trabalhar nas consultas subsequentes, como a presença de um adulto de referência distante ou as tarefas a ultrapassar na fase do ciclo de vida familiar respetivo (pelo adolescente: alteração das relações com os pais, companheiros e formação da identidade sexual; pela família: flexibilidade de fronteiras).

Discussão

Uma abordagem familiar pode subdividir-se em quatro fases. Primeiro, a suspeita e deteção de um possível problema. Segundo, efetuar a avaliação das características estruturais da família e a sua relação com o problema. Terceiro, analisar a funcionalidade da família. E, por último, avaliar a rede social de apoio e os recursos do utente. Poderá eventualmente existir uma quinta fase: a do tratamento onde se inclui a terapia familiar.

Primeira fase

A suspeita, de que uma alteração familiar possa ser a origem do problema em análise, tem em conta as situações que propiciam maior suscetibilidade de disfunção familiar, constituindo critérios para avaliação familiar (Quadro I) - no caso de J., “o aparecimento de doença na fase de transição do ciclo de vida familiar com demonstração de tristeza e irritabilidade”.

 

 

Após identificadas estas situações devemos prosseguir para a fase seguinte: a avaliação das características estruturais da família e a sua relação com o problema.

Segunda fase

A situação em que a família se encontra no momento em que surge o problema é outra etapa importante na abordagem familiar. A análise da estrutura familiar faz-se através dos instrumentos de avaliação familiar, que permitem avaliar a família ao longo do tempo (genograma),5 no momento (círculo familiar de Thrower),6-7 as dinâmicas dentro da família (psicofigura de Mitchel),8 a presença de crises normativas (ciclo de vida familiar)3 e a presença de crises não normativas/acontecimentos de vida stressantes.

À luz do caso clínico, J. pertence a uma família nuclear não tradicional, constituída por «avós e neto» (genograma - Figura 1). Refere boas dinâmicas dentro da família (psicofigura de Mitchel - Figura 1) mas, apesar disso, no final da realização do círculo familiar de Thrower revela: “Gostava de ter o meu pai por perto” e “Eu não falo com ninguém”. A somar às experiências a vivenciar na etapa V - filhos adolescentes (ciclo de vida familiar) - associam-se as ausências da mãe e a prisão do pai como acontecimentos de vida stressantes. O impacto dos acontecimentos de vida stressantes (AVS) está dependente não apenas do indivíduo e da avaliação que este faz do evento stressor e dos seus recursos pessoais para lidar com ele (personalidade, estratégias de coping, experiências pessoais prévias ou crenças pessoais), mas está dependente também das características familiares, quer seja ao nível da tipologia estrutural, etapa do ciclo de vida familiar, relações interpessoais, experiências familiares prévias ou crenças familiares, fatores que vão modular a resposta familiar de forma positiva ou negativa.1,9

A presença de um AVS implica interações/mudanças na vida do paciente que obrigam a uma adaptação familiar. A adaptabilidade familiar é colocada em prova e, não havendo capacidade de superar as necessidades encontradas, origina-se uma crise familiar. Mantendo-se a inadaptabilidade, a crise pode progredir para disfunção familiar.1

Dada a relação de causalidade circular, este processo de inadaptabilidade não se limita a produzir sintomas na pessoa afetada pelo AVS, mas os restantes membros da família poderão também manifestar sintomas patológicos, associados a eventuais problemas de comunicação e relação na família.1

Terceira fase

A terceira fase implica avaliar a funcionalidade familiar. Esta caracteriza-se pela capacidade de a família cumprir e conciliar as suas funções, de forma apropriada à identidade e vocação dos seus membros, de forma realista em relação aos perigos e oportunidades que prevalecem no meio social, sendo funcionais aquelas que oferecem condições para que os seus membros atinjam esses objetivos.10

Dada a abrangência do conceito de funcionamento familiar, não existem instrumentos que permitam avaliá-la de forma global, mas apenas de forma parcial. O modelo de Olson1,8 avalia a funcionalidade familiar através da capacidade de adaptação (habilidade do sistema familiar em mudar a sua estrutura de poder, relações de papéis e regras de relacionamento), o nível de coesão familiar (grau de autonomia individual e ligação emocional existente entre os seus membros) e a comunicação (que é facilitadora dos processos de mudança).

A comunicação na família de J. foi um dos itens mais trabalhados. “Notou-se na consulta simultânea (J. e avós) uma espécie de «conspiração do silêncio» em que os avós evitavam falar da situação familiar”, “foi abordado o «tema sensível» com os avós, conduzindo-os a exprimirem-se perante J. No final, ambas as partes revelaram sentir-se melhor por terem finalmente abordado o assunto.” O Apgar familiar1,3 avalia a satisfação do indivíduo relativamente ao funcionamento familiar. Esta ferramenta é dependente do insight do indivíduo ao avaliar a perceção que o próprio tem da sua família relativamente às diferentes dimensões avaliadas (adaptação, participação, crescimento, afeto e resolução). No caso clínico, J. pontua a sua família como altamente funcional.

Quarta fase

A rede de apoio social pode influenciar de forma positiva ou negativa os problemas psicossociais. A presença de uma boa rede de apoio social funciona como mecanismo protetor dos efeitos prejudiciais dos AVS. Permite proteger a pessoa de sofrer de um problema de saúde psicossocial e, se este surgir, diminui o seu impacto na vida do indivíduo. Já uma rede de apoio social deficiente levará a que o efeito de um AVS sobre a saúde psicossocial do indivíduo seja maior. O tamanho, composição e dimensão da rede de apoio social são fatores que influenciam a resposta a este recurso.1,3,9

Este foi um ponto importante na abordagem familiar de J. Quando questionado a quem recorria quando tinha um problema ou precisava de desabafar respondeu: “Eu não falo com ninguém!” O que não só revelou uma rede de apoio social deficiente, como salientou as dificuldades de comunicação no meio familiar.

Na escala de satisfação com o suporte social, uma pontuação geral de 45% confirmou esta lacuna como ajudou a identificar as componentes, amigos (30%) e família (33%) como as mais deficitárias.

Em alguns casos o apoio social não está na família ou na rede social, mas nos recursos do próprio indivíduo. O nível de resiliência pessoal refere-se à capacidade que o indivíduo tem de se adaptar a mudanças, lidar com problemas ou superar adversidades. A resiliência constrói-se com o acumular de experiências prévias em que se encontraram soluções eficazes. Este leque de experiências positivas leva a que o indivíduo atribua uma importância cada vez menor ao problema, mitigando o efeito negativo dos AVS.1,3,9

A rede social de apoio e recursos do próprio utente permitem manter o equilíbrio/homeostasia familiar, reforçando a sua função e identificando estratégias de coping [utilização da escala de satisfação com o suporte social (ESSS)4 ou Eco-Mapa]8 (Quadro II).

 

 

Conclusão

A abordagem familiar permite identificar uma componente familiar que possa estar relacionada ou mesmo ser origem de disfunção no indivíduo. A sua correta estruturação possibilita uma interpretação mais fácil dos resultados obtidos, a identificação dos recursos disponíveis e uma maior capacidade de intervenção.

Como avaliação médica, que é, deve ser realizada sempre de forma integrada na consulta e associada a um plano de atuação. Este plano visa a aquisição, por parte do utente, de competências para a resolução dos problemas, seja através da terapia familiar ou de outro método.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Lisa Teresa Moreira

E-mail: lisamoreira1@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-0390-836X

 

Conflito de interesses

Os autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

 

Recebido em 22-07-2017

Aceite para publicação em 11-05-2018

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