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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versión impresa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.34 no.6 Lisboa dic. 2018

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v34i6.11983 

REVISÕES

Patologia anogenital por papilomavírus humano em doentes com vírus da imunodeficiência humana

Anogenital pathology by human papillomavirus in patients with human immunodeficiency virus

Álvaro Rodrigues Teixeira,1 João Borges da Costa2-3

1. Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Rodrigues Miguéis, ACeS Lisboa Norte.

2. Unidade de Investigação em Dermatologia e Clínica Universitária de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa.

3. Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa.

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Objetivo: Analisar o efeito da terapêutica Highly Active Antiretroviral Therapy (HAART) nas infeções por Papilomavírus Humano (HPV) em doentes com vírus da imunodeficiência humana (VIH) positivos, nomeadamente homens que fazem sexo com homens (HSH). O objetivo secundário é valorizar a importância do médico de família no rastreio destas infeções, atendendo ao seu impacto na qualidade de vida dos doentes.

Fontes de dados: Guidelines Finder, National Guidelines Clearinghouse, UpToDate, The Cochrane Database, Medscape, MEDLINE/PubMed.

Métodos de revisão: Foi realizada uma pesquisa bibliográfica em base de dados de sites de medicina baseada na evidência. Foram utilizados como termos MeSH “HPV”, “HIV”, “HAART” e pesquisados artigos publicados após 2005 nas línguas portuguesa e inglesa. Foram selecionados os artigos que cumpriam o objetivo do trabalho e os critérios de inclusão. Foi também consultado o arquivo de fotografias da consulta de venereologia do Hospital de Santa Maria.

Resultados: Da pesquisa efetuada foram selecionados seis artigos (cinco revisões sistemáticas e uma norma de orientação clínica). A terapêutica HAART diminuiu a incidência de doenças oportunistas, mas não teve efeito na diminuição das infeções provocadas por HPV. As alterações anogenitais mais comuns são os condilomas acuminados, mas podem ocorrer lesões pré-malignas e malignas como a neoplasia intraepitelial anal e o cancro anal. A incidência e a prevalência das alterações dermatológicas por HPV têm vindo a aumentar nos doentes com infeção por VIH, nomeadamente em HSH.

Conclusão: As lesões provocadas pelo HPV, em doentes infetados pelo VIH, têm vindo a aumentar. Não se verificou benefício nesse aspeto por parte da terapêutica HAART. A elevada morbilidade e mortalidade associada a estas lesões torna importante a criação de programas de rastreio, de modo a diagnosticar precocemente estas alterações e implementar o tratamento mais adequado para um melhor prognóstico.

Palavras-chave: HPV; VIH; HAART; Anogenital.


 

ABSTRACT

Objective: To analyse the effect of Highly Active Antiretroviral Therapy (HAART) on human papillomavirus (HPV) infections in patients with positive human immunodeficiency virus (HIV), namely men who have sex with men (MSM). The secondary objective is to assess the importance of the family doctor in the screening of these infections in view of their impact on patients' quality of life.

Data sources: Guidelines Finder, National Guidelines Clearinghouse, UpToDate, The Cochrane Database, Medscape, MEDLINE/Pubmed.

Methods: A literature search was performed in the databases of evidence-based medicine sites. The MeSH terms used were “HPV”, “HIV”, “HAART” and articles published after 2005, in Portuguese and English languages were searched. Articles that fulfilled the objective of the study and the inclusion criteria were selected. The photo archive of the venereology department of Hospital de Santa Maria (HSM) was also consulted.

Results: Six articles were selected (five systematic reviews and one clinical guideline). HAART therapy reduced the incidence of opportunistic diseases, but had no effect on the decrease of HPV infections. The most common anogenital lesions are condylomata acuminata, but premalignant and malignant lesions such as anal intraepithelial neoplasia and anal cancer may occur. The incidence and prevalence of dermatological changes by HPV have been increasing in patients with HIV infection, namely in MSM.

Conclusion: HPV lesions in patients infected with HIV have been increasing. In this aspect, there was no benefit resulting from HAART therapy. The high morbidity and mortality associated with these lesions highlights the importance of creating screening programs in order to diagnose these changes early and to implement the most appropriate treatment for a better prognosis.

Keywords: HPV; HIV; HAART; Anogenital.


 

Introdução

Portugal afigura-se como o país da Europa Ocidental com a taxa mais elevada de doentes infetados pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH) apresentando, na sua maioria, coinfecção com papilomavírus humano (HPV). Com o aumento da esperança de vida destes doentes, graças à terapêutica antirretroviral, os médicos de família (MF) serão cada vez mais abordados e confrontados por patologias existentes nestes doentes, nomeadamente patologia anogenital associada ao HPV, que não tem obtido benefícios com o tratamento Highly Active Antiretroviral Therapy (HAART).

Objetivo

O presente artigo tem como objetivo analisar o efeito da terapêutica HAART nas infeções por HPV em doentes infetados pelo VIH, nomeadamente HSH. O objetivo secundário é valorizar a importância do médico de família no rastreio destas infeções, atendendo ao seu impacto na qualidade de vida dos doentes.

Métodos

Procedeu-se a uma pesquisa bibliográfica de meta-análises, revisões sistemáticas, ensaios clínicos controlados e aleatorizados e normas de orientação clínica nas bases de dados MEDLINE/PubMed, Guidelines Finder, National Guidelines Clearinghouse, UpToDate, The Cochrane Database, Medscape. Foram utilizados como termos MeSH “HPV”, “HIV”, “HAART” e selecionados artigos publicados desde janeiro de 2005 até fevereiro de 2016. Foram incluídos artigos nas línguas portuguesa e inglesa que respeitassem os seguintes critérios de inclusão: doentes infetados por HPV e VIH, sob terapêutica HAART, com o objetivo de avaliar o efeito desse tratamento nas lesões anogenitais provocadas pelo HPV.

Foram excluídos artigos com data anterior a janeiro de 2005 que não cumprissem os critérios de elegibilidade e que divergissem do objetivo do estudo.

Foram identificadas 180 publicações nas fontes de informação selecionadas, das quais 82 foram excluídas por leitura do título. Após leitura do abstract e aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados seis artigos (cinco revisões sistemáticas e uma norma de orientação clínica) para a redação do presente artigo.

Foi também consultado o arquivo de fotografias da consulta de venereologia do Hospital de Santa Maria.

Resultados

Entre 1983 e 2015 foram diagnosticados em Portugal 54.297 casos de infeção por VIH, dos quais 21.177 com síndroma da imunodeficiência adquirida (SIDA). Apesar de existir uma tendência decrescente de novos diagnósticos desde 2008, Portugal tem apresentado as mais elevadas taxas de novos casos de infeção VIH e SIDA da Europa Ocidental ao longo de vários anos. Nos anos mais recentes tem-se observado um aumento do número de novos diagnósticos em homens que têm sexo com homens (HSH), mais jovens que os indivíduos diagnosticados nas restantes categorias de transmissão. No ano de 2015 foram diagnosticados em Portugal 990 novos casos de infeção por VIH. Os casos em HSH correspondem a 69,7% dos diagnósticos em indivíduos de idade inferior a 30 anos e a 39,2% do total dos diagnósticos realizados.1

Após a introdução da terapêutica HAART, a morbilidade e mortalidade associada ao VIH diminuiu drasticamente. Diminui a prevalência de infeções oportunistas, aumentando a esperança de vida destes doentes e os carcinomas tornaram-se a principal causa de morbimortalidade.2-4 Com a terapêutica introduzida e com o aumento do tempo de vida dos doentes registou-se uma diminuição das doenças definidoras de SIDA e aumentaram os cancros em comum com a população seronegativa, como o cancro da mama, da próstata, cólon. Ao longo dos anos tem-se verificado que determinados cancros ocorrem com maior frequência em pessoas infetadas com VIH, como o cancro do pulmão, carcinoma hepatocelular, cancro anal, cancro orofaríngeo, linfomas e cancro da pele não-melanoma.2,6

Uma larga proporção de indivíduos com VIH encontra-se co-infetada com o HPV, uma das infeções sexualmente transmissíveis mais comuns e importante causa de neoplasia anogenital e lesões pré-neoplásicas.5 A terapêutica HAART, apesar de ter diminuído a prevalência da maioria das infeções, não demonstrou ter efeito positivo na diminuição de infeções genitais pelo HPV. Estas infeções estão geralmente presentes na região anogenital da maioria dos indivíduos infetados pelo VIH, nomeadamente nos HSH.3,10

O HPV anal é extremamente prevalente em HSH, principalmente em indivíduos VIH positivos. Estes doentes estão frequentemente afetados por múltiplas estirpes de HPV, sendo as 6 e 11 as que mais frequentemente originam condilomas e a 16 associada a maior risco de progressão para cancro.5,7

As alterações dermatológicas associadas à infeção por HPV em doentes infetados pelo VIH podem manifestar-se como lesões anogenitais ou não-genitais. A manifestação cutânea anogenital mais comum do HPV são os condilomas acuminados (CA). Podem também surgir outras condições, como o tumor Buschke-Loewenstein ou CA gigante, que é uma variante do CA que possui comportamento maligno pelo seu crescimento, podendo ser localmente destrutivo, a neoplasia intraepitelial anal (AIN), a neoplasia intraepitelial do pénis, vagina ou vulva; as neoplasias intraepiteliais de alto-grau, como a doença de Bowen e cancro invasivo anal, do pénis ou vulva.4

Condilomas acuminados

Os CA são a apresentação mais comum da infeção genital por HPV e a sua incidência tem vindo a aumentar. O CA ou verruga genital é provocado pelos tipos de HPV não oncogénicos, nomeadamente os tipos 6 e 11 que são responsáveis por cerca de 90% destas lesões. Os locais mais frequentes são aqueles mais suscetíveis a trauma durante as relações sexuais como a região do introito, a perianal e mucosa intra-anal.4 As lesões são frequentemente multifocais e podem-se estender para o reto, uretra e, nas mulheres, para a vagina e colo do útero. As lesões podem assumir uma coloração rosada ou da tonalidade normal da pele (Figura 1). Podem variar desde pápulas achatadas lisas até uma aparência verrucosa papiliforme (Figura 2). A maioria das lesões anogenitais é assintomática mas, quando sintomáticas, as queixas podem passar por prurido, hemorragia, dor, ardor e variam em função do número de lesões e da sua localização. A sobreinfeção bacteriana, sobretudo em lesões extensas, também é frequente. Homens e mulheres com verrugas anogenitais frequentemente sofrem de perturbações psicológicas que afetam as relações sexuais.5 O tratamento dos CA não tem como objetivo erradicar o vírus, mas remover as verrugas de modo a aumentar o conforto e a qualidade de vida.4,7-8

 

 

 

 

Lesões pré-malignas e cancro anal

Conforme referido anteriormente, a taxa de HPV é extremamente elevada em indivíduos infetados por VIH, nomeadamente HSH. A infeção com estirpes de alto risco de HPV é o principal fator de risco para o cancro anal e para o seu precursor, a AIN. Como tal, é natural que a população VIH+ apresente uma taxa elevada destas patologias.2 Mesmo com a introdução da HAART não se verificou a regressão das AIN e, pelo contrário, com o aumento da esperança de vida destes doentes poderá haver um aumento da incidência destas patologias.6-7 A doença de Bowen é uma forma de neoplasia intraepitelial de alto de grau, com manifestações genitais e extragenitais e que pode ser provocada por múltiplas estirpes de HPV, como o 16, 18, 31, 32, 34, entre outras (Figura 4). O carcinoma espinocelular (CEC) anogenital é raro na população geral; no entanto, o risco relativo de desenvolvimento de CEC é 40 vezes superior em HSH e VIH positivos em comparação com a população no geral e 20 vezes superior em HSH não infetados pelo VIH (Figura 3, Figura 5 e Figura 6). Em mulheres infetadas com VIH, a incidência de CEC é sete a 28 vezes superior à população em geral.2

 

 

 

 

 

Conclusão

O HPV é um vírus que afeta apenas humanos e é uma causa comum de infeções cutâneas e da mucosa. Em HSH, a taxa de infeção por VIH e outras infeções sexualmente transmissíveis é mais elevada do que na população em geral. Sabe-se que as relações com múltiplos parceiros sexuais aumentam o risco de infeção por HPV e que o preservativo não protege completamente a transmissão de HPV.2 Sabe-se também que o tabagismo é fator de risco para cancro do colo do útero e cancro anal. O médico de família deve conhecer estes riscos e alertar todos os utentes para que se evite a exposição a esses fatores de risco.

Em doentes infetados pelo VIH, apesar do início do tratamento HAART e do aumento da esperança de vida, a incidência e prevalência de condilomas e neoplasias anogenitais não diminuiu. Esta terapêutica não apresentou o efeito desejado sobre as infeções por HPV, que são extremamente comuns na região anogenital de doentes com VIH, nomeadamente HSH. Após o diagnóstico inicial de infeção por VIH, a citologia anal deve ser realizada a cada seis meses até se obterem dois resultados normais. Posteriormente é recomendado realizar o rastreio, anualmente, através de inspeção visual e toque retal. Em doentes com VIH e história de condilomas ou lesões anogenitais deve ser realizada citologia anal anual e, se alterada, anuscopia com biópsia das lesões suspeitas.2 Se diagnosticadas numa fase precoce pode-se obter um melhor resultado com o tratamento, sendo que o prognóstico depende do estadio na altura do diagnóstico.2-3,9

Dada a elevada taxa de morbilidade e mortalidade associada à doença anal em doentes VIH+, é essencial que estes doentes façam rastreios de alterações dermatológicas anogenitais e não-genitais, de modo a diagnosticar alterações cutâneas pré-malignas ou malignas da infeção por HPV nos estadios iniciais.7

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Álvaro Rodrigues Teixeira

E-mail: alvaro.rc.teixeira@gmail.com

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

 

Recebido em 10-05-2017

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