SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.35 número6Doença de Peyronie: a importância de identificar para tranquilizarResposta da autora do editorial “A necessidade do ensino do profissionalismo” [Rev Port Med Geral Fam. 2019;35(4):258-60] e do Editor-chefe da Revista, sob a forma de comentário índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.35 no.6 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v35i6.12755 

CARTA AO DIRETOR

A necessidade do ensino do profissionalismo

Teaching professionalism

Ivone Gonçalves Gaspar*

*Médica de Família. USF Dafundo, ACES Lisboa Ocidental e Oeiras. Comissão de Ética ARSLVT. Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.


 

Caríssimo Sr. Editor da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (RPMGF),

Li com muito interesse e entusiasmo o editorial do volume 35 da RPMGF, da autoria da colega Raquel Braga,1 partilhando as suas preocupações relativamente à necessidade do ensino do profissionalismo quer em contexto pré-graduado, quer pós-graduado. Saliento, no editorial, a importância da necessidade de um ensino que utilize modelos de profissionalismo que potenciem a aquisição de competências, entendidas como um conjunto de conhecimentos, aptidões e atitudes, pelos alunos ou internos de medicina.

Gostaria de acrescentar algumas ideias que poderão ser úteis na reflexão sobre esta temática.

O desempenho médico de excelência é caracterizado por critérios que foram definidos quando, nos anos 80 do século XX, surgiu o conceito de profissionalismo como movimento ético no contexto académico norte-americano.2 Em 2002, e na consolidação desse movimento, a American Board of Internal Medicine Foundation,em conjunto com outras instituições, publica o documento Medical Professionalism in the New Millennium: A Physician Charter,3 definindo três princípios fundamentais do profissionalismo - o bem-estar do doente, a sua autonomia e a justiça social. Este documento espelha a evolução do conceito de profissionalismo e o seu vínculo direto às mudanças da relação médico-utente e ao papel do médico na sociedade.

Um modelo de profissionalismo assente na tradição do juramento Hipocrático é claramente insuficiente para dar uma resposta adequada aos conflitos éticos que surgem na relação assistencial diária. Este modelo surge no contexto de uma relação médico-utente paternalista,4 que evidencia o poder do médico e a dependência do utente e que coloca a beneficência no centro da decisão ética.

As mudanças de valores culturais da sociedade e as consequentes alterações na relação médico-utente impelem o nascimento de um Novo Profissionalismo que, mais do que centrado no paternalismo médico ou na autonomia do utente, implica o estabelecimento de uma relação deliberativa.5 Esta relação deliberativa estabelece-se quando, no encontro de valores de médico e utente, surge uma decisão que respeita o máximo de valores dos dois intervenientes.

As semelhanças entre o Novo Profissionalismo e a bioética são várias e frequentemente surgem como conceitos mesclados. No entanto, a sua clarificação é importante para responder à pergunta: será o ensino do profissionalismo suficiente para dar resposta ao dever de excelência do médico?

O profissionalismo é um conceito que nasce da reflexão dos profissionais de saúde em resposta aos desafios crescentes do desempenho da profissão. Em suma, trata-se de um contrato que a medicina estabelece com a sociedade,3 surgindo do interior da profissão para o exterior. Embora, os objetivos sejam claramente de benefício do utente e da sociedade, o profissionalismo poderá ser associado a questões problemáticas como o elitismo e a manutenção do poder.6

A bioética, disciplina que se traduz na aplicação da ética às questões da vida e da medicina, nasce por imperativo de uma realidade social que necessitava de respostas multidisciplinares, numa sociedade moralmente pluralista.7 De forma simples, tem origem na sociedade e invade a relação assistencial, num movimento centrífugo.

Podemos dizer que o Novo Profissionalismo tem as suas origens nos fundamentos da bioética, não esvaziando a totalidade dos seus conteúdos; por outro lado, a bioética não pode converter-se ou reduzir-se à ética profissional.8

Em conclusão, o ensino da bioética em contexto pré e pós-graduado, preferencialmente integrando o curriculum formal, é essencial para a excelência do desempenho profissional no contexto de uma sociedade e das suas instituições em evolução. Potter, citado por Daniel Serrão,9 considera que a bioética, como nova disciplina do pensamento humano, constitui uma estratégia de sobrevivência. A apreensão desta estratégia de sobrevivência dotará os futuros profissionais de competências que lhes permitirão afrontar os obstáculos crescentes ao profissionalismo, incluindo a pressão assistencial, a utilização de tecnologias de informação e as relações profissionais, institucionais e interinstitucionais.

Finalmente, a utilização de metodologias de ensino que promovam a deliberação ética, possibilitarão aos alunos/internos e futuros profissionais de saúde a aquisição de competências na resolução de problemas éticos, problemas de conflitos de valores que surjam no contexto assistencial.

 

REFERÊNCIAS

1. Braga R. A necessidade do ensino do profissionalismo. Rev Port Med Geral Fam. 2019;35(4):258-60.         [ Links ]

2. Borrell-Carrio F, Epstein RM, Pardell-Alentà H. Profesionalidad y professionalism: fundamentos, contenidos, praxis y docencia. Med Clin. 2006;127(9):337-42.         [ Links ]

3. ABIM Foundation, American Board of Internal Medicine, ACP-ASIM Foundation, American College of Physicians, American Society of Internal Medicine, European Federation of Internal Medicine. Medical professionalism in the new millennium: a physician charter. Ann Intern Med. 2002;136(3):243-6.         [ Links ]

4. Siegler M. Las tres edades de la medicina y la relación médico-paciente. Barcelona: Fundació Víctor Grífols i Lucas; 2011.         [ Links ] ISBN 9788469431832

5. Gracia D. Values and bioethics. In: Serna-Bermúdez P, Seoane JA, editors. Bioethical decision making and argumentation. Springer; 2016. p. 17-29.         [ Links ] ISBN 9783319434193

6. Salloch S. Same same but different: why we should care about the distinction between professionalism and ethics. BMC Med Ethics. 2016;17(1):44.         [ Links ]

7. Cortina A. Hasta un pueblo de demonios: ética pública y sociedad. Taurus Ediciones; 1998.         [ Links ] ISBN 9788430602988

8. Couceiro-Vidal A. Enseñanza de la bioética y planes de estudios basados en competencias [Teaching bioethics in outcome-based curricula]. Educ Med. 2008;11(2):69-76. Spanish

9. Serrão D. Comissões de ética: o desafio metodológico [Ethics commissions: the methodology challenge]. Nascer Crescer. 2008;17(4):249-52. Portuguese

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons