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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versión impresa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.37 no.3 Lisboa jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v37i3.12790 

Estudos originais

Carcinoma colorretal nos cuidados de saúde primários em Portugal: indicadores de rastreio e frequência.

Colorectal carcinoma in portuguese primary health care: screening and frequency indicators.

Luiz Miguel Santiago1  2  , Professor Associado
http://orcid.org/0000-0002-9343-2827

José Miguel Paiva3 

1 USF Topázio, ACeS Baixo Mondego. Coimbra, Portugal.

2 Professor Associado. Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal.

3 Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal.


Resumo

Introdução:

O carcinoma colorretal (CCR) é a terceira neoplasia com maior incidência no mundo e a que mais vezes é diagnosticada em Portugal. A sua incidência pode ser controlada através de programas de rastreio. A plataforma BI-CSP congrega informação diversa relativa à atividade clínica nos cuidados de saúde primários em Portugal. O presente trabalho teve como objetivo verificar a relação entre a proporção de utentes com idade entre 50-75 anos com rastreio de cancro colorretal efetuado e a proporção de utentes com novo diagnóstico e a sua prevalência de cancro do cólon e reto em Portugal nos anos de 2017 e 2018, com base no BI-CSP pelo total nacional por região e por ACeS selecionados para ser percebida a distribuição dos valores da região com os ACeS selecionados.

Materiais e Métodos:

Foi consultada a matriz de indicadores do BI-CSP, sendo selecionados os indicadores 2013.046.01 FL, MORB.245.01 FL e MORB.217.01 FL. Para cada um deles estudaram-se os anos de 2017 e 2018 à data de 31 de dezembro, colhendo-se dados por total nacional, por Administração Regional de Saúde e, nestas, por Agrupamento de Centros de Saúde.

Resultados:

A proporção de utentes elegíveis rastreados aumentou de 47,01% para 50,90%, de 2017 para 2018. Identificou-se, para o ano de 2017, diferença estatisticamente significativa (p<0,001) na análise por região. A incidência de cancro colorretal reduziu 0,02% entre os anos em estudo, tendo a prevalência aumentado 0,03%.

Discussão:

Proporção de utentes rastreados, incidência e prevalência estarão na dependência de múltiplos fatores. Na ausência de mais dados salienta-se a existência de plataforma agregadora.

Conclusão:

O aumento da proporção de indivíduos rastreados fica ainda aquém do desejável. Deverá prosseguir o desenvolvimento de trabalho de contínua monitorização dos resultados disponíveis.

Palavras-chave: Neoplasia colorretal; Rastreio; Colonoscopia; Pesquisa de sangue oculto nas fezes; Indicadores de saúde

Abstract

Introduction:

Colorectal cancer is the third most incident cancer in the world and the most diagnosed in Portugal. Its incidence may be controlled through a screening program. The BI-CSP platform contains varied information related to the clinical activity in primary care in Portugal. This essay aims to check the correlation of the number of beneficiaries in the age range of 50-75 with the existing colorectal cancer screening and the ratio of beneficiaries newly diagnosed with colorectal cancer in Portugal in 2017 and 2018.

Materials and Methods:

The BI-CSP Matrix was consulted and the 2013.046.01 FL, MOR.245.01 FL, and MORB.217.01 FL indexes were chosen. For each one of them, the years of 2017 and 2018 were studied until December 31st, and data by a national level, by the Regional Health Administration, and from them by the Health Center Grouping were collected.

Results:

The proportion of eligible beneficiaries increased from 47.01% to 50.90% from 2017 to 2018. In 2017 the study has shown a statistically significant difference (p<0.001) in the analysis per region. The incidence decreased 0.02% in the years studied, and the prevalence increased 0.03%.

Discussion:

Proportion of screened patients, incidence, and prevalence is dependent on multiple factors. In the absence of more data, there is an aggregating platform.

Conclusion:

The increasing proportion of people screened is still fallen short of what is expected. Permanent work should be developed on monitoring the available results.

Keywords: Colorectal neoplasms; Screening; Colonoscopy; Fecal occult blood test; Fecal immunochemical test; Flexible sigmoidoscopy; Health indicators

Introdução

O carcinoma colorretal (CCR) é a terceira neoplasia mais diagnosticada em todo o mundo. A sua incidência e mortalidade apresentam uma grande variabilidade geográfica, correspondendo ao terceiro tumor maligno mais comum entre homens e segundo em mulheres.1-2 Cerca de 55% dos novos casos são diagnosticados em países desenvolvidos; porém, é em países menos desenvolvidos que a mortalidade é maior, provavelmente por maior escassez de recursos de saúde.1 A nível mundial, em 2018 registaram-se 1.849.518 novos casos de CCR, sendo a incidência apenas superada pela neoplasia do pulmão e mama.3 Desses, 499.667 foram identificados na Europa, constituindo aí a segunda neoplasia mais incidente.3-4

Em Portugal, o CCR é o principal diagnóstico de neoplasia em 2018, com 10.270 (17,6%) casos registados. Portugal é o segundo país Europeu com rácio bruto de novos casos mais elevado, ocupando a primeira posição no grupo dos países mais a sul do continente europeu. Relativamente à prevalência aos cinco anos, registavam-se 28.130 casos no ano de 2018, perfazendo uma prevalência de 273,3/milhão de habitantes, apenas ultrapassado pela Hungria, Dinamarca e Noruega.3

A maioria dos casos de CCR desenvolve-se a partir de pólipos adenomatosos. A sua deteção atempada e polipectomia reduzem a incidência de cancro em 90%.5-6 A estratégia preventiva poderá ser realizada por rastreio (diagnóstico precoce de doença em indivíduos assintomáticos) ou vigilância (controlo a longo prazo de indivíduos de alto risco).4 O rastreio poderá ser programado ou oportunístico.7 A elegibilidade do CCR para um programa de rastreio tem como base: elevada taxa de incidência; longo período pré-clínico; lesões precursoras identificáveis e tratáveis; correlação entre o estádio do tumor e a mortalidade.1 O rastreio pode fazer-se de modo indireto por pesquisa de sangue oculto nas fezes por Guaiaco (gPSOF), pesquisa de sangue oculto nas fezes por método imunoquímico (iPSOF) ou teste de DNA fecal (FIT-DNA) ou pode ser realizado por inspeção direta do cólon por sigmoidoscopia flexível ou colonoscopia total. Pode ainda ser realizada imagiologia do cólon por ressonância magnética nuclear ou por vídeo-cápsula e por colono TAC, entre outras.8-10

Recomenda-se, para uma população de risco moderado, o início de um programa de rastreio aos 50 anos.2 Na União Europeia está preconizada a sua realização entre os 50 e 74 anos, por pesquisa de sangue oculto nas fezes (gPSOF/iPSOF) a cada um ou dois anos9,11 tendo alguns países adotado a colonoscopia como teste primário.12-13

Em Portugal, os programas de rastreio têm evoluído com aumento da cobertura geográfica, indivíduos rastreados e taxa de adesão,14 estando preconizada a realização de pesquisa de sangue oculto nas fezes na população assintomática entre os 50-74 anos e, sem outros fatores de risco, de dois em dois anos. A colonoscopia encontra-se reservada a doentes cujo teste primário seja positivo.15 O rastreio de base populacional teve início no ano de 2009 na região Centro. Em 2011 foi implementado no Alentejo e no final de 2016 iniciou-se, em projeto-piloto, na região Norte.13-14 Na região Norte o teste primário é a PSOF pelo método imunoquímico, ao passo que na região Centro se adotou o teste guaiaco modificado por Greegor e no Alentejo a PSOF pelo método imunoquímico quantitativo. Os casos positivos são submetidos a colonoscopia em todas as regiões.14 Em 2017, a cobertura em Portugal Continental pelo rastreio de CCR era de 11%, subindo para 19% ao incluir as regiões autónomas.14,16 De 2011-2015, o número de óbitos por esta neoplasia aumentou; porém, com tendência a ocorrer em idades mais avançadas, sendo o Alentejo Litoral a região que regista valores mais elevados.16 As taxas de adesão têm variado, fixando-se em cerca de 61%, segundo os dados mais recentes.14

O BI-CSP (Bilhete de Identidade dos Cuidados de Saúde Primários) é uma plataforma integrada no Portal do Serviço Nacional de Saúde, introduzida em dezembro de 2017, assumindo-se como instrumento de gestão do conhecimento, prestação de contas, governação clínica e de saúde. Permite consultar, no que concerne aos cuidados de saúde primários, informação relativa a constituição, características e desempenho das diversas unidades de saúde.17

O presente trabalho teve como objetivo verificar a evolução comparativa de 2017 e 2018 dos indicadores «Proporção de utentes com idade entre [50; 75[ anos, com rastreio de cancro do cólon e reto efetuado» (2013.046.01 FL), «Proporção de utentes com novo diagnóstico de neoplasia maligna do cólon/reto» (MORB.245.01 FL) e «Proporção de utentes com o diagnóstico de neoplasia maligna do cólon/reto» (MORB.217.01 FL), com base no BI-CSP pelo total nacional por região e por ACeS selecionados para ser percebida a distribuição dos valores da região com os ACeS selecionados.

Métodos

Num estudo observacional, transversal, em 2019, realizou-se consulta dos dados contidos na matriz de indicadores do BI-CSP para os anos de 2017 e 2018, acessível no portal do Serviço Nacional de Saúde, que recolhe e integra, a nível nacional, da Administração Regional de Saúde (ARS), por Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS). A métrica de todos os indicadores é definida pela Autoridade Central dos Sistemas de Saúde. Foram selecionados dados relativos aos indicadores «Proporção de utentes com idade entre [50; 75[ anos, com rastreio de cancro do cólon e reto efetuado» (2013.046.01 FL), «Proporção de utentes com novo diagnóstico de neoplasia maligna do cólon/reto (MORB.245.01 FL) e «Proporção de utentes com o

diagnóstico de neoplasia maligna do cólon/reto» (MORB.217.01 FL), em dezembro de cada ano de avaliação.

Para cada indicador foram extraídos valores do total nacional, de cada ARS e de cada ACeS.

A nível de ARS recolheram-se dados das cinco Regiões de Saúde de Portugal Continental: Norte; Centro; Lisboa e Vale do Tejo; Alentejo; e Algarve. No que aos ACeS respeita procedeu-se a sorteio de metade e mais um para cada Região de Saúde, segundo listagem por ordem alfabética crescente. Deste modo, foram analisados os seguintes ACeS:

ARS Norte: Alto Minho; Ave/Famalicão; Barcelos/Esposende; Douro Sul; Espinho/Gaia; Gaia; Gondomar; Maia/Valongo; Marão e Douro Norte; Matosinhos; Porto Oriental; Vale do Sousa Norte; Vale do Sousa Sul. ARS Centro: Baixo Mondego; Baixo Vouga; Pinhal Interior Norte; Pinhal Interior Sul; Pinhal Litoral. ARS Lisboa e Vale do Tejo: Almada/Seixal; Amadora; Arco Ribeirinho; Cascais; Lezíria; Lisboa Central; Loures/Odivelas; Médio Tejo. ARS Alentejo: Alentejo Litoral; Baixo Alentejo; São Mamede. ARS Algarve: Algarve Central; Algarve Sotavento.

Foram estudados os indicadores:

2013.046.01 FL, exprimindo a proporção de utentes inscritos com idades compreendidas entre [50-75[ anos com rastreio de cólon e reto efetuado. Assim, para numerador consideram-se doentes da referida faixa etária com registo de, pelo menos, um resultado de PSOF nos últimos dois anos, retosigmoidoscopia nos últimos cinco anos ou colonoscopia nos últimos dez anos. Para denominador são elegíveis todos os utentes do grupo etário em estudo, com inscrição ativa na unidade de saúde no ano de referência do indicador. A proporção é expressa sob a forma de percentagem. MORB.245.01 FL, que se refere à proporção de utentes com novo diagnóstico de carcinoma do cólon/reto. O numerador compreende os utentes inscritos que têm diagnóstico de neoplasia maligna do cólon/reto registada na lista de problemas, com estado «ativo» e iniciado no último ano. Como denominador é usada a contagem de utentes inscritos. O resultado aparece sob a forma de permilagem. MORB.217.01 FL, que representa a proporção de utentes inscritos com diagnóstico de carcinoma do cólon/reto. Considera os utentes inscritos que têm diagnóstico de neoplasia maligna do cólon/reto registada na lista de problemas em percentagem do total para a faixa etária.

A análise estatística foi realizada com recuso ao software Statistic Package for the Social Sciences (SPSS), v. 25. Realizou-se análise descritiva para cada um dos três indicadores em estudo segundo o ano para o total nacional, a ARS e os ACeS para os três indicadores.

Para diferença significativa considerou-se o valor de p<0,001, utilizando-se estatística não-paramétrica de U de Mann-Whitney, Kruskal Wallis e correlação de Pearson.

Resultados

Distribuição

A distribuição calculada dos indicadores para os anos de 2017 e 2018 mostra que o indicador 2013.046.01 FL não apresenta uma distribuição (Kolmogorov-Smirnov de uma amostra; p=0,031), sendo-o para os outros dois indicadores, MORB.245.01 FL, p=0,178 e MORB. 217.01 FL, p=0,060. Optou-se por realizar, em consonância, análise estatística não-paramétrica para todos os indicadores.

Verifica-se uma correspondência muito elevada entre os resultados da amostra estudada nesta análise e os resultados nacionais presentes no BI dos indicadores, com uma correlação de Pearson de 0,968 (p<0,001) para o indicador 2013.046.01 FL, de 0,972 (p<0,001) para o indicador MORB.245.01 FL e de 0,969 (p<0,001) para o indicador MORB.217.01 FL.

Análise em função do ano

Não se verificaram diferenças significativas a nível nacional entre os anos de 2017 e 2018 nos indicadores estudados (Tabela 1).

TABELA 1 Variação dos indicadores entre os anos de 2017 e 2018 

Legenda: (*) teste de Mann-Whitney U; 2013.046.01 FL «Proporção de utentes com idade entre [50; 75[ anos, com rastreio de cancro do cólon e reto efetuado»; MORB.245.01 FL «Proporção de utentes com novo diagnóstico de neoplasia maligna do cólon/reto»; MORB.217.01 FL «Proporção de utentes com o diagnóstico de neoplasia maligna do cólon//reto».

Verificou-se uma heterogeneidade regional significativa com maior cobertura do rastreio na região Norte e menor no Alentejo em ambos os anos. Esta diferença não foi aparente ao nível da incidência e da prevalência do cancro colorretal (Tabela 2).

TABELA 2 Variação por região de saúde nos anos de 2017 e 2018 

Legenda: (*) teste de Kruskal-Wallis; 2013.046.01 FL «Proporção de utentes com idade entre [50; 75[ anos, com rastreio de cancro do cólon e reto efetuado »; MORB.245.01 FL «Proporção de utentes com novo diagnóstico de neoplasia maligna do cólon/reto»; MORB.217.01 FL «Proporção de utentes com o diagnóstico de neoplasia maligna do cólon/reto».

Verificou-se correlação moderada negativa e significativa entre os indicadores 2013.046.01 FL e MORB.245.01.FL em 2017 (ρ=0,549; p=0,001), o mesmo não se verificando para o ano de 2018. A dinâmica e crescimento entre 2017 e 2018 para estes indicadores estudados revelou não haver diferenças significativas por região.

Discussão

Com recurso a uma ferramenta oficial, recentemente introduzida (BI-CSP), estudou-se o estado de implementação do programa de rastreio do CCR em Portugal Continental, bem como se aferiu o seu impacto no que concerne a novos diagnósticos. Relativamente ao indicador 2013.046.01 FL constatou-se que os métodos e periodicidades de rastreio validáveis para cálculo da proporção em estudo corresponderam a PSOF bienal, retosigmoidoscopia de cinco em cinco anos ou colonoscopia a cada dez anos. O método de PSOF não é especificado, pelo que será considerado gPSOF e iPSOF.17 Segundo a literatura, o iPSOF será ligeiramente mais sensível na deteção de CCR e adenomas de alto grau, reduzindo a incidência de CCR comparativamente com gPSOF.18-19 Por outro lado, o iPSOF estará também associado a uma maior adesão dos doentes pelo facto de não requerer restrições alimentares.2 Em consonância, é recomendação mais atual em Portugal a adoção do método iPSOF como método de rastreio de base populacional, a realizar de dois em dois anos.20 A periodicidade bienal adotada corresponde à recomendada a nível europeu em programas idênticos,13 ainda que guidelines americanas recomendem um menor intervalo temporal, com realização de PSOF anual.21-22 De modo idêntico, em Portugal, a periodicidade anual de PSOF também se encontra indicada nos casos de rastreio oportunístico, mantendo-se o método iPSOF.23 A colonoscopia total é frequentemente considerada teste de eleição no rastreio de CCR pela sua maior capacidade diagnóstica; no entanto, há que considerar também a adesão do doente a este método de rastreio, bem como o seu custo-efetividade.24 Em Portugal está indicada em caso de positividade de PSOF prévia,13 sendo teste primário em rastreio oportunístico em doentes sintomáticos ou com antecedentes pessoais ou familiares de patologia colorretal.23 A sua extensão não será atualmente possível a todos os utentes elegíveis por indisponibilidade de recursos.15 Consultando a tabela de preços no SNS verifica-se que uma colonoscopia total tem um custo de 73,80 euros, ao passo que para a PSOF o valor avançado é de três euros.25 Não obstante, estes custos poderão considerar-se em paralelo com os inerentes ao tratamento efetivo dos casos de doença. As despesas com colonoscopia generalizada seriam de molde a reduzir o consumo e o custo com medicamentos antineoplásicos?26-27

Dos resultados obtidos para o indicador 2013.046.01 FL é de destacar a frequência do total nacional de indivíduos elegíveis que foram efetivamente rastreados para CCR em 2017 e 2018: 47,01% e 50,90%, respetivamente. Segundo dados de 2014, cerca de 35,6% da população com idade compreendida entre 50-74 anos referiu, ao Inquérito Nacional de Saúde, ter realizado PSOF nos dois anos precedentes à entrevista, pelo que 35% das pessoas com mais de 50 anos referiram ter realizado colonoscopia nos dez anos anteriores.26 Pelos resultados obtidos, apesar de notório um ligeiro aumento da proporção de indivíduos rastreados de 2017 para 2018, tal ficará porventura aquém do desejável.

A ainda não implementação de um programa de rastreio de base populacional em diversos ACeS do SNS poderá surgir como eventual explicação, já que, mediante dados de 2017, a taxa de cobertura geográfica a nível nacional do programa de rastreio do cancro do cólon e reto ronda os 10%.16 Parte importante dos indivíduos terão sido rastreados fora do programa de rastreio de base populacional, ou seja, de modo oportunístico. A proporção identificada será também influenciada pela adesão do utente ao programa de rastreio quando notificado para tal. Desde o seu início em 2009, até ao ano de 2017, o número de utentes rastreados terá sido sempre inferior ao número de utentes convidados, com taxas de adesão em torno dos 60% no ano de 2016 e de 57% em 2017.14,27

Foi no Alentejo que, em ambos os anos em análise, a proporção de utentes rastreados foi consistentemente menor (17,93%; 28,92%), ainda que a dinâmica de crescimento tenha sido a mais elevada - em 2016, no ACeS Alentejo Central, a taxa de adesão era de 53,3%.14 A região Centro, pioneira em 2009 no rastreio de base populacional do CCR em Portugal, regista, após quase uma década, proporções de 36,93% em 2017 e de 41,91% em 2018. De acordo com os dados de 2016, a taxa de adesão na Região Centro foi de 61,9%.14

É na ARS Norte que as proporções são mais elevadas, ultrapassando os 60% de utentes elegíveis rastreados, mesmo que o programa tenha apenas arrancado em 2016.14 Nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve o início de programas de rastreio de CCR apenas se previa para o ano de 2017,14 o que constituirá eventual fundamento para as reduzidas proporções verificadas. Estas assimetrias traduziram-se, aquando da análise dos indicadores por região, na identificação de diferenças estatisticamente significativas (p<0,001) para o indicador rastreio no ano de 2017.

Para o indicador MORB.245.01 FL, a proporção total de novos casos de CCR terá decrescido 0,02‰ de 2017 para 2018, com uma dinâmica de crescimento negativa de -0,02. Estes números contrariam, numa primeira análise, a tendência atual de aumento de incidência de cancro em Portugal de cerca de 3%/ano.16 Este decréscimo não foi transversal a todas as regiões, pelo que Alentejo e Algarve apresentaram tendência inversa. Nos dois anos estudados, a região do Alentejo foi a que apresentou os valores mais elevados de novos casos de cancro colorretal. Trata-se da região onde a proporção de rastreados foi sistematicamente a menor. Adicionalmente, sabe-se que a incidência de CCR tende a aumentar com a idade, sendo o Alentejo a região com a maior taxa de população residente com 65 ou mais anos.28-29 A mesma inferência se poderá realizar para a região Centro que, no presente trabalho, apresenta a segunda proporção mais elevada de novos casos em ambos os anos pelo que, segundo dados demográficos, sucede ao Alentejo no que concerne a maior taxa de população idosa.28 Outro trabalho identificou também a região Centro como área de maior incidência de CCR, em particular a sua faixa litoral.30 Ainda assim, a taxa de incidência manteve-se estável, o que poderá ter como justificação o facto de se tratar da região com um programa de rastreio implementado há mais tempo. A região Norte manteve igualmente inalteradas as proporções de novos casos, sendo as mais reduzidas nos dois anos em estudo. Foi na região de LVT que a redução de incidência foi mais relevante, surgindo o Algarve no pólo oposto com o maior aumento de casos. Não obstante as diferenças acima expostas para este indicador, não se encontraram diferenças estatisticamente significativas de região para região, de ano para ano, nem na dinâmica de crescimento deste indicador entre regiões. Deve ainda salientar-se que estes dados se referem apenas às pessoas que, estando inscritas em unidades de saúde em cuidados de saúde primários, têm registo, podendo acontecer que muitas outras tenham realizado tais estudos e deles não tenha havido conhecimento pelos médicos de família respetivos. As assimetrias verificadas poderão ficar a dever-se a diversos outros aspetos, nomeadamente a fatores de risco associados a esta neoplasia. Assim, e apesar de não ser objetivo do presente estudo, fatores como o tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas ou hábitos alimentares, hoje apontados como envolvidos na etiologia do CCR, poderão também ajudar a compreender as diferenças observadas entre regiões.26,29

No que concerne ao indicador MORB.217.01 FL verificou-se um acréscimo na prevalência de 0,03% entre os dois anos em estudo. Apesar de se assistir a um decréscimo na proporção de novos casos identificados no mesmo período, vários poderão ser os fundamentos para um acréscimo de prevalência. Ainda que tenha diminuído, a incidência continua a ser positiva, pelo que novos casos se juntarão aos já existentes. Por outro lado sabe-se que, na União Europeia, a mortalidade por CCR tem decrescido nos últimos anos, ainda que a tendência possa variar entre países.31 De igual modo, em Portugal, entre os anos de 2010 e 2014, as taxas de mortalidade padronizadas para doenças oncológicas têm vindo sustentadamente a diminuir, traduzindo a maior eficácia no tratamento destes doentes.32 No caso particular do CCR, as mesmas decresceram entre 2013 e 2014, de 15,4% para 14,5% no caso do carcinoma do cólon e de 6,5% para 6% no caso dos tumores da junção retossigmoide e reto.33 Tratar-se-á de um dado concorrente para um aumento de prevalência. Para este facto estarão ainda a contribuir, possivelmente, alterações de hábitos nocivos, adoção de medidas protetoras, melhorias nos processos terapêuticos ou implementação de programas de rastreio.31 Este aumento de prevalência foi transversal a todas as regiões em análise, sendo no Centro que se regista uma maior proporção de casos de CCR, seguida do Alentejo. Em ambas, a maior prevalência acompanhará o identificado pelo indicador MORB.245.01 FL, cujas incidências nestas regiões foram também as mais elevadas.

Para o futuro, será essencial a expansão da prevenção, estando publicado o intuito de aumentar a taxa de cobertura geográfica do rastreio do CCR a 100% do território nacional até 2020.16 Paralelamente, poder-se-á considerar igualmente importante a sensibilização da população para a relevância deste programa de rastreio, incrementando assim os níveis de adesão. Os resultados presentes não conseguem mostrar qual o estrato etário mais estudado neste rastreio. De facto, é importante um início precoce, perto dos 50 anos, sendo importante a manutenção em toda a faixa etária considerada, numa atitude preventiva continuada e persistente pelos médicos e suas equipas de saúde. Mas, para tal, será necessário continuar a realizar este tipo de estudos de séries temporais, acrescidos ainda da variável idade.

Estre trabalho deve ser lido à luz de possíveis vieses: o de registo, porque nem todos os resultados de exames solicitados terão sido registados; o de expectativa, pois nem todos os exames solicitados terão sido realizados; e de um viés populacional médico, pois a cobertura por médicos de medicina geral e familiar tem variações geográficas.

Conclusão

O programa de rastreio do CCR encontra-se em progressiva expansão em Portugal, como se encontra demonstrado pelos resultados obtidos. Ainda assim, a proporção de indivíduos rastreados não se situa nos níveis desejáveis. A redução da incidência pode ficar a dever-se ao facto de se estar a rastrear população com menor risco, pelo que é importante uma estratificação dos resultados em função do grupo etário. É ainda essencial uma contínua formação médica, no sentido de uma correta classificação tumoral (benigno vs maligno), devendo tal condição neoplásica permanecer como problema crónico ativo.

Dever-se-á prosseguir o desenvolvimento de trabalho de contínua monitorização dos resultados disponíveis.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse

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Recebido: 31 de Dezembro de 2019; Aceito: 27 de Março de 2021

Endereço para correspondência Luiz Miguel Santiago E-mail: luizmiguel.santiago@gmail.com

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