Introdução
O peso excessivo (excesso de peso e obesidade) em crianças e adolescentes constitui um importante problema de saúde pública.1-2 Se a atual tendência de obesidade infantil não for invertida até 2025, estima-se que mais de um em cada três adultos na Europa será obeso.3
A morbilidade associada a esta patologia acompanha inevitavelmente a diminuição da qualidade de vida e os custos elevados em saúde,2,4-5 constituindo uma preocupação para a comunidade científica e urge a necessidade de implementação de estratégias de prevenção e intervenção atempada.6-10
O índice de massa corporal (IMC) em kg/m2 constitui o parâmetro recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a avaliação do estado nutricional.2,4,11
Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde (DGS) recomenda a utilização das curvas padrão de crescimento preconizadas pela OMS.4,12 Os pontos de corte adotados pela OMS definem o baixo peso para um IMC inferior ao P3, o peso normal para um IMC superior ou igual ao P3 e inferior ao P85, o excesso de peso para um IMC igual ou superior ao P85 e inferior ao P97, e a obesidade para um IMC superior ou igual ao P97.
O Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI-OMS Europa)13 é um sistema de vigilância do estado nutricional infantil das crianças em idade escolar (entre os seis e os oito anos) e produz dados comparáveis entre países europeus, permitindo a monitorização da obesidade infantil a cada dois ou três anos. Atualmente, é o maior estudo europeu da OMS e descreve a nível nacional (COSI Portugal) uma tendência invertida nas prevalências de excesso de peso e de obesidade infantil.
De acordo com a quinta ronda do COSI Portugal 2019, 29,6% das crianças pertencentes ao estudo revelaram excesso de peso e 12% obesidade infantil, verificando-se uma redução de 8,3% (37,9% em 2008) e de 3,3% (15,3% em 2008), respetivamente.13-14
A quinta ronda do COSI Portugal apresentou ainda resultados para o estado nutricional infantil por região do país. Relativamente aos resultados alusivos à região do Alentejo, os dados obtidos indicam que de 2016 para 2019 ocorreu um decréscimo de 3,2% (de 27,1% para 23,9%) na prevalência do excesso de peso e de 2,5% (de 12,2% para 9,7%) na prevalência da obesidade infantil.13-14
De salientar que a região do Alentejo apresentou a menor prevalência de obesidade infantil a nível nacional (9,7% face a 12%) e a segunda menor prevalência de excesso de peso a nível nacional (23,9% face a 29,6%). Em relação à prevalência de baixo peso na região do Alentejo, esta foi de 0,9% (face a 1,3% a nível nacional).13
Relativamente ao estado nutricional infantil por género, o COSI Portugal 2019 descreve uma maior prevalência de obesidade (13,4%) e de excesso de peso (29,6%) no sexo masculino relativamente ao sexo feminino (obesidade: 10,6%; excesso de peso: 29,5%). A prevalência de baixo peso foi ligeiramente superior no sexo masculino relativamente ao sexo feminino (1,6% vs 0,9%). À semelhança de rondas anteriores verificou-se que a prevalência de obesidade infantil aumenta com a idade. Em 2019 15,3% das crianças com oito anos apresentavam obesidade, comparativamente às crianças com seis anos que apresentavam uma prevalência de obesidade inferior (10,8%).13
Segundo o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável de 2017,6 a prevalência de excesso de peso em crianças com idade inferior a 10 anos é de 17,3% e a prevalência de obesidade nesta faixa etária é de 7,7%. Já na faixa etária dos 10 aos 17 anos, a prevalência de excesso de peso é de 23,6% e a prevalência de obesidade é de 8,7%.
O presente estudo tem como objetivo determinar a prevalência de baixo peso, peso normal, excesso de peso e obesidade na população infanto-juvenil em idade escolar numa Unidade de Saúde Familiar do concelho de Portalegre, segundo os critérios da OMS,4,12 e estabelecer uma comparação face ao panorama nacional. Pretende ainda determinar se existe diferença estatisticamente significativa entre o género e o peso excessivo (excesso de peso e obesidade) e entre a idade e o peso excessivo.
Métodos
Efetuou-se um estudo observacional transversal, descritivo e analítico.
De um total de 1.168 crianças e adolescentes em idade escolar, dos seis aos 17 anos, inclusive, inscritas na USF Portus Alacer, foi obtida uma amostra de 448 crianças e adolescentes [intervalo de confiança (IC) 95%, margem de erro 3,64%], avaliadas no âmbito da consulta de saúde infantil e juvenil entre janeiro de 2017 e outubro de 2018.
Os dados individuais (idade em anos e género) e antropométricos [IMC, segundo a fórmula peso(kg)/estatura(m)2] foram extraídos dos registos efetuados no processo clínico. O peso e a estatura para determinação do IMC foram obtidos pela equipa de saúde durante as consultas de saúde infantil e juvenil. Os dados foram extraídos pelas autoras no mês de outubro de 2018.
O peso foi medido em balança mecânica de contrapeso (marca Jofre), com capacidade máxima de 150Kg e precisão de 100g. A estatura foi medida com estadiómetro. Para avaliação dos dados antropométricos as crianças estavam em posição ortostática, descalças e parcialmente vestidas (em roupa interior, sem sapatos e sem adornos).2
O projeto de investigação foi autorizado pela comissão de ética na Unidade Local de Saúde do Norte Alentejo.
Os participantes foram classificados em quatro categorias, de acordo com os pontos de corte de IMC definidos pela OMS: baixo peso (IMC < percentil 3), peso normal (percentil 3 ≥ IMC < percentil 85), excesso de peso (percentil 85 ≥ IMC < percentil 97) e obesidade (IMC ≥ percentil 97).4,12
Os resultados obtidos foram inicialmente avaliados de forma descritiva, para a qual foram calculadas estatísticas adequadas (média, mediana, frequências absolutas e relativas). Para além desta análise recorreu-se ao teste do Qui-Quadrado para avaliar a independência de variáveis qualitativas nominais e ao teste do t-Student para avaliar diferenças entre as médias de dois grupos independentes de variáveis quantitativas. A normalidade foi testada através do teste de Kolmogorov-Smirnov.
O nível de significância usado em toda a análise estatística foi de 5%.
O software usado no tratamento de dados foi o SPSS® v. 25.0, o Microsoft Office Excel® e o Sample Size Calculator by Raosoft®.
Resultados
A amostra foi constituída por 448 crianças e adolescentes. A média de idades foi de 11,48 anos e a mediana foi de 12 anos. Da amostra fizeram parte 236 (52,7%) rapazes e 212 (47,3%) raparigas, distribuídos por idade e por sexo (Figura 1).
Associando o IMC com os percentis definidos pela OMS4,12 verificou-se que 16,7% (n=75) das crianças e adolescentes tinham excesso de peso e que 10,7% (n=48) eram obesas, o que perfaz uma prevalência de peso excessivo (excesso de peso e obesidade) de 37,4%. Apenas 4% (n=18) das crianças e adolescentes tinham baixo peso (Figura 2).
Quanto à distribuição por género, observou-se uma maior prevalência de excesso de peso no sexo feminino (n=43, 57,3%), enquanto a obesidade foi ligeiramente mais prevalente no sexo masculino (n=25, 52%) (Tabelas 1 e 2). No entanto, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre géneros relativamente ao peso excessivo (X2=0,065, p=0,798). Também não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre o género e a categoria de peso (X2=1,579, p=0,664).
Na amostra em estudo a idade com maior prevalência de peso excessivo foram os sete anos, com 40,6% dessas crianças com IMC acima do P85. Em contrapartida, aos seis anos foi onde se observou a menor prevalência de peso excessivo (13,6%) (Figura 3). No entanto, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre idades relativamente ao peso excessivo (t=0,542, p=0,588).
Considerando apenas a idade, observou-se uma maior tendência para o excesso de peso aos sete anos e para a obesidade aos 12 anos.
Discussão e conclusão
De acordo com os percentis de IMC definidos pela OMS,4,12 verificou-se uma prevalência de 16,7% de excesso de peso e uma prevalência de 10,7% de obesidade nas crianças e adolescentes, o que perfez uma prevalência de peso excessivo (excesso de peso e obesidade) de 37,4% (IC95% 33,76-41,04%). Apesar de não existirem na literatura dados comparativos para a faixa etária da amostra em estudo [6-17 anos], a prevalência de peso excessivo foi significativa, perfazendo mais de um terço da amostra.
A prevalência do peso excessivo na faixa etária inferior aos 10 anos foi superior na presente amostra face aos dados disponíveis no Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável 2017.6 Verificou-se um incremento de 0,9% para o excesso de peso (18,2% vs 17,3%) e de 2,1% para a obesidade (9,8% vs 7,7%).
Na faixa etária dos 10 aos 17 anos, a prevalência do peso excessivo foi inferior aos dados disponíveis no Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável 2017.6 Verificou-se que o excesso de peso foi inferior na presente amostra (16,1% vs 23,6%), enquanto a prevalência de obesidade foi superior (11,1% vs 8,7%).
Comparativamente aos dados regionais do Alentejo obtidos na quinta ronda do COSI Portugal (2019)13 em crianças dos seis aos oito anos, a presente amostra apresenta uma menor prevalência de excesso de peso (18,6% vs 23,9%) e obesidade (8,8% vs 9,7%).
Pela análise dos dados pôde ainda concluir-se que se trata de um problema transversal a todas as idades, não havendo diferenças estatisticamente significativas entre idades relativamente ao peso excessivo.
Em relação à variabilidade dependente do género pôde concluir-se pela análise dos dados que a prevalência de excesso de peso foi superior no sexo feminino (18,2%), a prevalência de obesidade foi superior no sexo masculino (11,8%) e a prevalência de peso excessivo foi superior no sexo feminino (28% vs 26,9%). No entanto, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre géneros relativamente ao peso excessivo, nem entre género e cada categoria de peso.
Se se considerar a faixa etária dos seis aos oito anos, por forma a estabelecer comparação com a quinta ronda do COSI Portugal,13 verifica-se que a prevalência de excesso de peso é superior nas raparigas (10,6%) e que a prevalência de obesidade é igual em ambos os géneros (4,4%). Estes resultados não estão de acordo com os resultados obtidos no referido estudo, onde as prevalências de excesso de peso e de obesidade são superiores no sexo masculino,13 o que pode dever-se ao número limitado de indivíduos (113) na amostra considerada.
Em relação ao baixo peso, entre os seis e os oito anos, a prevalência obtida foi de 0,7%, inferior à prevalência obtida nos resultados da quinta ronda do COSI Portugal de 1,3% e do Alentejo (0,9%).13 A prevalência do baixo peso nesta faixa etária foi superior no sexo masculino; no entanto, o número de casos foi muito limitado, pelo que não se podem estabelecer comparações exatas com os resultados obtidos no referido estudo.
Como limitações destaca-se o facto de a obtenção de dados antropométricos ser adquirida por diferentes enfermeiros, no âmbito da consulta de enfermagem que precede a consulta médica de saúde infantil e juvenil. Há que considerar a variabilidade interobservador, apesar dos métodos de colheita de dados terem sido idênticos.2,4 Por outro lado, a seleção da amostra foi condicionada pelas crianças frequentadoras da consulta de saúde infantil e juvenil entre janeiro de 2017 e outubro de 2018, o que excluiu um número significativo de indivíduos.
Os resultados do presente estudo comprovam que a obesidade infantil constitui um problema de saúde muito prevalente no concelho de Portalegre, à semelhança do que se verifica a nível nacional. A sua importância advém do facto de afetar a saúde das crianças, constituindo a prevenção e o diagnóstico precoce os pilares para o seu combate.
Este estudo poderá constituir o ponto de partida para o desenvolvimento de uma intervenção na comunidade para minimizar este problema e os efeitos em saúde que dele advêm,15-23 nomeadamente mediante a sensibilização da comunidade escolar para o problema da obesidade infantil em parceria com a equipa de saúde escolar.