O ano de 2021, como já tinha acontecido em 2020, foi vivido num clima de grande incerteza devido à pandemia COVID. Os médicos de família (MF) foram sujeitos a inúmeras e exigentes solicitações, mostrando mais uma vez a sua centralidade no sistema de saúde português, embora sem nunca serem alvo de um justo reconhecimento e merecida valorização.

Foi neste contexto particularmente difícil que, no início do ano, tomaram posse os novos órgãos sociais da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF). Com uma nova Direção Nacional, iniciou-se a concretização de um projeto que nasceu da necessidade sentida de mudança, reinvenção e readaptação.

Os obstáculos encontrados durante o caminho foram muitos e diversos, sobretudo pela permanente imprevisibilidade quanto à forma de realização de diversas atividades. Contudo, a APMGF pugnou de forma constante pela valorização e dignificação da Medicina Geral e Familiar (MGF). Fizemos ouvir a nossa voz por múltiplas vezes e em diferentes contextos, mostrando quais as dificuldades que vivemos no nosso dia a dia e apontando sempre um caminho que as possa solucionar. Promovemos ativamente o desenvolvimento profissional de todos os médicos de família e fomentámos a melhoria contínua dos cuidados de saúde prestados aos cidadãos.

No meio destes tempos turbulentos tomámos a decisão de nos candidatarmos à organização da Conferência Mundial da WONCA em 2025. Esta candidatura foi construída de forma original e inédita, com base numa parceria entre uma sociedade científica nacional (a APMGF) e uma região da WONCA (no caso, a WONCA Europa). Os meses de trabalho de preparação, árduo e conjunto, deram os seus frutos: os méritos desta candidatura foram reconhecidos pelos membros do Conselho Mundial da WONCA e Lisboa acolherá em 2025 a 25ª Conferência Mundial da WONCA!

Foi com enorme alegria que a APMGF recebeu esta notícia. A organização de um evento mundial de MGF em Portugal era um desejo da nossa Associação desde há vários anos. Após o sucesso da Conferência da WONCA Europa em 2014, que ainda hoje é reconhecida a nível nacional e internacional como um evento de referência, cresceu na APMGF a certeza de que tínhamos todas as condições para realizar em Portugal um evento ainda maior, à escala planetária, que mais uma vez afirmasse a importância e a pujança da Associação e da MGF portuguesa. A organização do congresso mundial de MGF em Lisboa representa um marco importantíssimo para os MF portugueses, traduzindo o enorme valor do trabalho feito por tantos ao longo das últimas quatro décadas e contribuindo de forma indelével para a valorização da especialidade no nosso país.

Não há margem para dúvidas: o caminho que a nossa especialidade percorreu em Portugal é digno de louvor e merece rasgados elogios. Mas infelizmente ainda não foi suficiente para que abandonemos a visão hospitalocêntrica reinante no nosso país e nos foquemos em ter um sistema e Serviço Nacional de Saúde alicerçado nos Cuidados de Saúde Primários, focado nas reais necessidades dos utentes. Não basta que nos dediquem palavras bonitas, quando as ações subsequentes mostram que as mesmas são ocas e vazias de significado. Ouvimos repetidamente que os CSP em geral, e os MF em particular, são a pedra basilar dos cuidados de saúde, mas a maioria das políticas implementadas nas últimas décadas vai em sentido contrário e afasta-nos cada vez mais dessa realidade que, teoricamente, todos deveriam desejar.

Basta olharmos para a gestão da pandemia COVID-19 em Portugal para facilmente verificarmos que os CSP e os MF são constantemente sacrificados em prol de prioridades muito discutíveis, sendo-lhes atribuídas tarefas que deveriam ser desempenhadas por outros profissionais e que os impedem de realizar (quase) tudo aquilo para que foram treinados e que sabem fazer melhor do que ninguém: cuidados de saúde de proximidade, transversais e longitudinais, baseados na tal visão holística que nos é tão cara, mas que parece ter tão pouco peso junto dos decisores políticos.

Não faz sentido resolver um problema criando outro ainda maior: a curto e médio prazo, certamente teremos de lidar com as consequências gravosas destas decisões que paralisaram os centros de saúde portugueses. Não tenhamos ilusões: nos últimos meses foi destruído muito do que tinha sido construído nas últimas décadas nos CSP portugueses. A quebra do acompanhamento regular aos nossos utentes, a disrupção de procedimentos e, sobretudo, o desânimo das equipas e o desrespeito com que fomos tratados deixarão marcas profundas que levarão muito tempo a cicatrizar.

Todavia, os momentos de crise são também momentos de oportunidade. É a certeza de que poderemos ter um futuro melhor que nos impele a continuar. A APMGF nunca baixará os braços e nunca deixará de defender a qualidade e segurança do exercício da nossa especialidade.

Acreditamos que em 2025 já teremos ultrapassado esta página negra da nossa história individual e coletiva. A 25ª Conferência Mundial da WONCA, em Lisboa, será certamente um evento extraordinário: no nosso país reunir-se-ão médicos de família oriundos de todo o planeta, trazendo consigo diferentes perspetivas, múltiplas realidades, ideias inovadoras e uma riqueza cultural inigualável. Em conjunto, seremos capazes de delinear os próximos passos do caminho, com base numa nova visão para a Medicina Geral e Familiar, que terá de ser enquadrada num contexto de desenvolvimento sustentável, de modo a alcançar a tão almejada cobertura universal em saúde.

O desafio é grande mas, como sempre, estaremos à altura das expectativas. Honrando a confiança que em nós depositaram, organizaremos em 2025, em Lisboa, uma Conferência Mundial de enorme qualidade, participativa e integradora, que será a oportunidade ideal para relançar o futuro da Medicina Geral e Familiar em Portugal, na Europa e no Mundo.