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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.38 no.1 Lisboa fev. 2022  Epub 28-Fev-2022

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v38i1.12966 

Revisões

Suplementação com vitamina D e controlo de hipertensão arterial: revisão baseada na evidência

Supplementation with vitamin D and blood pressure control: evidence-based review

Tiago Sá Pinho1  , Médico
http://orcid.org/0000-0001-7280-8218

Marta Carvalhinho1  , Médico

Telma Pinho Reis2  , Médica

1. Médico de Medicina Geral e Familiar. USF Águeda + Saúde, ACeS Baixo Vouga. Águeda, Portugal.

2. Médica de Medicina Geral e Familiar. USF da Barrinha, ACeS Baixo Vouga. Esmoriz, Portugal.


Resumo

Objetivo:

A vitamina D tem muitos efeitos pleiotrópicos cardiovasculares e o seu défice parece estar associado a múltiplas doenças cardiovasculares. É controversa a relação entre a suplementação de vitamina D e os valores tensionais de doentes hipertensos. O objetivo desta revisão é conhecer a evidência da associação entre a suplementação de vitamina D em adultos hipertensos e controlo dos seus valores tensionais.

Fontes de dados:

National Guideline Clearinghouse, National Institute for Health and Care Excellence, Canadian Medical Association Practice Guidelines Infobase, The Cochrane Library, Database of Abstracts of Reviews of Effectiveness, Bandolier, Evidence-Based Medicine Online e PubMed.

Métodos de revisão:

Foi realizada uma pesquisa de meta-análises (MA), revisões sistemáticas, ensaios clínicos aleatorizados e controlados (ECA) e normas de orientação clínica publicados entre junho de 2010 e junho de 2020, em português e inglês, utilizando os termos MESH Cholecalciferol, Blood pressure e Vitamin D. Para estratificar o nível de evidência dos estudos e força de recomendação foi utilizada a Strength of Recommendation Taxonomy, da American Academy of Family Physicians.

Resultados:

Foram encontrados 123 artigos e selecionados, por cumprirem os critérios de inclusão, duas MA e quatro ECA. As MA apresentam resultados concordantes: não houve evidência de diminuição da PA com significância estatística aquando de suplementação com colecalciferol; no entanto, esta foi demonstrada quando se ajustaram as intervenções para grupos específicos, como doentes com mais de 50 anos, obesidade ou doses de suplementação elevadas (> 800UI/dia). Relativamente aos ECA, apenas dois deles encontraram relações com significância estatística, enquanto os restantes dois não conseguiram demonstrar uma relação causal.

Conclusões:

A evidência da associação entre suplementação com colecalciferol a doentes hipertensos e o melhor controle tensional não é clara. Alguns estudos conseguiram demonstrar que em populações específicas parece atuar como adjuvante no tratamento da HTA (SORT C).

Palavras-chave: Colecalciferol; Hipertensão arterial; Suplementação.

Abstract

Objective:

Vitamin D has many cardiovascular pleiotropic effects and its deficit seems to be associated with several cardiovascular diseases. The relationship between vitamin D supplementation and blood pressure values of hypertensive patients is controversial. The purpose of this review is to find evidence for the association between vitamin D supplementation for hypertensive adults and control of their blood pressure values.

Data sources:

National Guideline Clearinghouse, National Institute for Health and Care Excellence, Canadian Medical Association Practice Guidelines Infobase, The Cochrane Library, Database of Abstracts of Reviews of Effectiveness, Bandolier, Evidence-Based Medicine Online, and PubMed.

Review method:

A search for meta-analyzes (MA), systematic reviews, randomized controlled trials (RCT), and clinical guidelines published between June 2010 and June 2020, in Portuguese and English, was performed using the terms MESH Cholecalciferol, Blood pressure, and Vitamin D. To stratify the level of recommendation was used the Strength of Recommendation Taxonomy, of American Academy of Family Physicians.

Results:

One hundred and twenty-three articles were found and two MA and four RCT were selected. MA shows concordant results: there was no evidence of a statistically significant decrease in BP when supplemented with cholecalciferol, however, this was demonstrated when interventions for specific groups were adjusted, such as patients over 50 years old, obesity or high supplementation doses (> 800UI/day). Regarding the RCT, only two of them found relationships with statistical significance, while the remaining two failed to demonstrate a causal correlation.

Conclusions:

The evidence of the association between cholecalciferol supplementation in hypertensive patients and blood pressure control is unclear. Some studies have been able to demonstrate that in specific populations it seems to act as an adjunct in the treatment of hypertension (SORT C).

Keywords: Cholecalciferol; Arterial hypertension; Supplementation.

Introdução

A vitamina D é metabolizada a nível hepático e renal e transformada na sua forma ativa, o calcitriol. Este, posteriormente, exerce a sua função no recetor de vitamina D que está presente em mais de 30 tecidos no organismo humano.1-2 O melhor doseamento dos níveis de vitamina D no organismo humano é através do seu metabolito 25-hidroxivitamina D (25(OH)D). A maioria das necessidades nutricionais são derivadas de produção endógena através de radiação solar a nível cutâneo (80-90%) e o restante através de ingestão nutricional.1-3

A vitamina D tem muitos efeitos pleiotrópicos cardiovasculares, pois apresenta recetores nos cardiomiócitos, células vasculares endoteliais, sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), adipócitos, entre outras células.4-5 O défice desta vitamina está associado a várias patologias músculo-esqueléticas, como fraturas ósseas, osteopenia, osteomalacia, osteoporose, mas também a patologias não músculo-esqueléticas, como doenças cardiovasculares onde estão incluídas a insuficiência cardíaca, enfarte agudo do miocárdio, doença vascular periférica, aneurisma da aorta abdominal e hipertensão.1 Para além disto, parece estar também ligado a maior morbilidade e mortalidade cardiovascular. É estimada que a prevalência de défice de vitamina D seja de cerca de 30-50% na população mundial.4

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um em cada três adultos a nível mundial apresenta pressão arterial (PA) elevada, sendo esta uma situação clínica que leva a metade de todas as mortes por acidente vascular cerebral (AVC) e doença cardíaca. A hipertensão arterial (HTA) é uma das patologias mais prevalentes do mundo e causa cerca de 7,5 milhões de mortes por ano.6-7 Estima-se que cerca de 22% da população adulta mundial com mais de 25 anos apresente HTA e, em 2013, a OMS relatou que afeta cerca de 30-45% dos europeus.6

Tem vindo a ser colocada a hipótese de que a vitamina D poderá ter um papel importante no controlo da PA por ter ação conhecida no SRAA e existem alguns estudos que mostraram outcomes benéficos com suplementação de vitamina D ao reduzir a PA naqueles com défice de base.3,8 Em Portugal a suplementação com vitamina D não é indicada por rotina e apresenta orientações específicas, uma vez que o doseamento do nível sérico de 25(OH)D não está recomendado como rastreio oportunístico.9

Esta revisão tem como objetivo conhecer a evidência existente acerca da associação entre a suplementação de vitamina D a adultos hipertensos e o controlo tensional destes, à luz da melhor evidência disponível.

Métodos

Foi realizada uma pesquisa de meta-análises (MA), revisões sistemáticas (RS), ensaios clínicos aleatorizados e controlados (ECA) e normas de orientação clínica (NOC) publicadas entre junho de 2010 e junho de 2020, em português e inglês, nas bases de dados da National Guideline Clearinghouse, National Institute for Health and Care Excellence (NICE), Canadian Medical Association (CMA) Practice Guidelines Infobase, The Cochrane Library, Database of Abstracts of Reviews of Effectiveness (DARE), Bandolier, Evidence-Based Medicine Online e PubMed, utilizando os termos MESH Cholecalciferol, Blood pressure e Vitamin D.

A população em estudo incluiu adultos (> 18 anos), não-grávidas, com diagnóstico de HTA, submetidos a suplementação com vitamina D em comparação com tratamento standard isolado ou com placebo. O outcome avaliado seria a melhoria no controlo tensional através da medição braquial periférica.

Foram utilizados, como critérios de exclusão, artigos duplicados, artigos de opinião, artigos de revisão clássica de tema, ensaios clínicos incluídos nas RS ou MA selecionadas e artigos que não cumprissem os critérios de inclusão no que se refere à população, intervenção, comparação ou outcomes.

Para estratificar o nível de evidência (NE) dos estudos e força de recomendação (FR) foi utilizada a Strength of Recommendation Taxonomy (SORT), da American Academy of Family Physicians.10

Resultados

Da pesquisa efetuada foram obtidos 123 artigos, dos quais foram selecionados, por cumprirem os critérios de inclusão, duas MA e quatro ECA. O processo de seleção dos artigos incluídos está representado na Figura 1. A descrição dos artigos selecionados para revisão encontra-se resumida por categorias nas Tabelas 1 e 2.

Figura 1 Organigrama da seleção dos artigos obtidos. 

Tabela 1 Meta-análises 

Tabela 2 Ensaios clínicos aleatorizados 

Meta-análises

As duas MA incluídas nesta revisão apresentam resultados concordantes relativamente entre si no que diz respeito ao papel da vitamina D no controlo tensional, embora com particularidades próprias (Tabela 1).

A MA de Golzarand e colaboradores,11 publicada em 2016, integrou 30 ECA com 41 braços de estudo incluindo 4.744 participantes e as doses de vitamina D suplementada variaram entre as 200 e as 12.000 UI/dia. A suplementação não apresentou efeito na pressão arterial sistólica (PAS) (-0,68mmHg, intervalo de confiança (IC) 95%: -2,19 a 0,84, p=0,38), mas reduziu ligeiramente a pressão arterial diastólica (PAD) (-0,57mmHg, IC95%: -1,36 a 0,22, p=0,15). Numa análise de um subgrupo de 20 dos 30 estudos, onde incluíam apenas adultos com mais de 50 anos, foi observada redução significativa da PAS numa média de cerca de -1,51mmHg (-1,79 a - 1,22, p<0,001) e da PAD de -1,10mmHg (-1,35 a -0,85, p<0,001). Foi ainda feita comparação entre estudos com uso de doses de vitamina D de ≤ 800UI/dia e aqueles em que as doses eram superiores a estes valores. O primeiro grupo não demonstrou diminuição significativa dos valores tensionais, contrastando com o segundo que demonstrou significância estatística (PAS com diminuição de -1,40mmHg, IC95%: -1,68 a -1,12, p<0,001; PAD com diminuição de -1,17mmHg, IC95%: -1,42 a -0,93, p<0,001).

Um estudo que demonstrou esta relação foi um ECA de 2015 realizado por Mozaffari-Khosravi e seus colaboradores.12 Foi feita suplementação com 50.000 UI semanal de colecalciferol versus placebo durante oito semanas. No grupo de intervenção tanto as variáveis de PAS, PAD e pressão arterial média (PAM) demonstraram reduções significativas (p<0,001, p=0,003 e p<0,001, respetivamente). De realçar que este estudo utilizou doses muito elevadas de colecalciferol em comparação com o preconizado (800 UI/dia) e estas doses partem da convicção dos autores de que a população generalizada apresenta insuficiência ou défice de vitamina D, pelo que só conseguiriam obter os outcomes pretendidos com os níveis séricos completamente restaurados. Foi realizada ainda outra análise a subgrupos comparando a duração do tratamento. Em estudos com duração inferior a seis meses registou-se uma diminuição significativa dos valores tensionais (PAS -1,51mmHg, IC95%: -1,79 a -1,23, p<0,001; PAD -1,23mmHg, IC95%: -1,48 to -0,99, p<0,001). Surpreendentemente, suplementações por períodos superiores a seis meses não tiveram efeito tanto na PAS (0,79mmHg, IC95%: -0,23 a 1,81, p=0,12) como na PAD (-0,08mmHg, IC95%: -0,70 a 0,53, p=0,78). Um destes estudos foi realizado por Robert Scragg e seus colaboradores em 2014,13 onde a suplementação com duração de 18 meses não teve qualquer efeito tanto na PAS como na PAD (p=0,61 e p=0,53, respetivamente).

Um estudo em particular incluído nesta meta-análise, realizado em 2012 por Thomas Larsen e seus colaboradores, estudou a suplementação durante os meses de Inverno.14 Foi um ECA durante 20 semanas, onde 112 adultos com HTA foram divididos em dois grupos: suplementação com 25ug de colecalciferol diariamente versus placebo. Este estudo não demonstrou redução significativa nos valores tensionais, incluindo o status dipper (p=0,28). Outro estudo incluído (de 2014) apresentava uma população de 60 adultos com diagnóstico de diabetes mellitus. Nasri e seus colaboradores15 suplementaram um grupo com 50.000 UI semanais de colecalciferol durante 12 semanas e outro com placebo. Após o período de estudo verificaram-se níveis de PAS e PAD mais baixos no grupo de intervenção do que no placebo (p<0,01). De maneira curiosa, um estudo de 2015 (de Pilz e colaboradores) conseguiu demonstrar como outcome secundário um aumento significativo nos níveis dos triglicerídeos no grupo de doentes suplementados com vitamina D (IC95%, variação de 17(1-33)mg/dL; p=0,013).16 Apesar deste outcome inesperado, os autores não encontraram validade específica para estes dados para que se conclua uma relação causal sem outros novos estudos.

Esta MA acaba por concluir que, em situações mais específicas, a suplementação com colecalciferol poderá ter efeitos no controlo tensional, como serão os casos de suplementação com doses muito superiores a 800 UI/dia, duração inferior a seis meses e idade dos doentes superior a 50 anos de idade (p<0,001). Claro que há necessidade de perceber as limitações destes estudos: heterogeneidade das populações, bem como na dosagem da suplementação e duração da mesma; outra limitação importante prende-se com o facto de nem todos os doentes incluídos nos estudos terem o mesmo nível inicial de 25(OH)D sérico. Os próprios autores não conseguem justificar o controlo tensional nos estudos com duração inferior a seis meses versus tempo superior, o que leva a questionar o impacto do colecalciferol em termos de efeitos cardiovasculares a longo prazo. Devido ao grande número de estudos incluídos, bem como diferentes intervenções em cada um deles, foi atribuído a esta MA um NE 2.

A segunda MA foi realizada por Silu He e seus colaboradores em 2019.17 Integrou 17 ECA com 22 braços de estudo, envolvendo 1.687 participantes, em que todos apresentavam défice de vitamina D definido como valor < 20ng/mL. O período de estudo variou entre seis e 12 semanas de intervenção e as doses de vitamina D suplementada variaram entre as 400 e as 5.000 UI/dia. Também esta MA não demonstrou diferenças significativas entre o grupo de intervenção e o de controlo ao nível da PAS (-3,93 a 0,04mmHg, IC95%; p=0,06) e PAD (-1,17 a 0,17mmHg, IC95%; p=0,14). Como no estudo de Golzarand,11 foram estudados subgrupos para perceber melhor os efeitos da suplementação de colecalciferol. Também em grupos com doentes com idade superior a 50 anos foi verificada significância estatística a nível da PAS (-4,39 a -0,25mmHg, IC95%; p=0,03). Em doentes com índice de massa corporal (IMC) superior a 30kg/m2 verificou-se também significância estatística na PAS (-5,96 a -1,07mmHg, IC95%; p=0,005). Quando subanalisaram grupos onde adultos apresentassem concomitantemente défice de vitamina D e HTA também foi observada diminuição dos valores de PAS (-8,72 a -4,44mmHg, IC95%; p<0,00001) e PAD (-4,66 a -1,48mmHg, IC95%; p=0,0002). Também esta meta-análise conclui que a suplementação com colecalciferol poderá ter efeitos nos valores tensionais em pessoas com défice de vitamina D e com algum dos seguintes critérios: idade superior a 50 anos, HTA ou obesidade. Pela maior homogeneidade dos estudos e resultados consistentes entre eles foi atribuído um NE 1 a esta MA.

Será importante explorar mais detalhadamente três estudos que foram mencionados em simultâneo nas duas MA descritas. O estudo randomizado de Tabesh e seus colaboradores, de 2015, foi dos poucos onde o cálcio foi adicionado à suplementação de colecalciferol.18 Tratou-se de um estudo que incluiu 118 adultos e dividiu-os em quatro grupos: (1) 50.000 UI/semanal de colecalciferol e placebo de cálcio; (2) 1000mg/dia de cálcio e placebo de colecalciferol; (3) 50.000 UI/semanal de colecalciferol e 1000mg/dia de cálcio; (4) apenas placebos. Este estudo durou oito semanas e demonstrou redução significativa da PAS no grupo 3 em comparação com placebo (-7,3mmHg; p=0,001), mas não na PAD. Como outcomes secundários estudaram variações no IMC e perímetro abdominal. Também no grupo 3 foi possível observar maior redução do IMC (p=0,03); no entanto, e relativamente ao perímetro abdominal, apenas no grupo com suplementação de cálcio (2) se observou redução significativa (p<0,001). Segundo este estudo, a adição de cálcio ao colecalciferol poderia ter efeitos benéficos cardiovasculares uma vez que são sinérgicos em muitas atividades metabólicas no organismo humano. Tendo isto em mente, a MA de Golzarand11 realizou também uma análise a subgrupos considerando estudos com suplementação isolada de colecalciferol e outros com combinação de cálcio. Curiosamente, nesta subanálise, a suplementação combinada com cálcio aumentou significativamente a PAS (3,15 a 4,13mmHg, IC95%; p<0,001) e a PAD (1,25 a 2,18mmHg, IC95%; p<0,001), sem que o grupo de investigadores conseguisse justificar este achado.

Outro estudo foi o realizado por Witham e seus colaboradores em 2013 e a sua especificidade foi estudar populações idosas (> 70 anos) com HTA sistólica isolada e défice de vitamina D definido como valor inferior a 30ng/dL.19 Trata-se de um estudo com uma população bastante específica, que suplementou um grupo de 159 idosos com 100.000 UI a cada três meses durante um ano. Não foi observado qualquer efeito a nível da PAS (p=0,36) ou PAD (p=0,45).

Também o estudo de Forman e seus colaboradores, em 2013, envolveu uma população específica: adultos hipertensos afro-americanos.20 Nesta população são conhecidos os níveis mais baixos de vitamina D e a prevalência elevada de HTA em comparação com a raça caucasiana. Neste estudo duplo-cego randomizado com quatro braços de estudo foram suplementados grupos com placebo, 1.000, 2.000 ou 4.000 UI diárias de colecalciferol em combinação com 200mg de cálcio. Foram incluídos 283 indivíduos e foi possível observar que a cada aumento de 1.000 UI diárias de colecalciferol havia uma descida significativa da PAS (p=0,04), mas não da PAD (p=0,37). Numa subanálise, os investigadores decidiram excluir indivíduos que estivessem medicados com anti-hipertensores para tentar minimizar fatores confundidores. Neste subgrupo de 132 participantes verificou-se também uma diminuição da PAS de magnitude semelhante (1,2mmHg), com aumentos de 1.000 UI diárias de colecalciferol, mas desta vez sem significância estatística (p=0,24). Ao compararem qualquer dose de suplementação versus placebo verificou-se descida de PAS em cerca de 4,4mmHg, efeito que atingiu significância estatística (p=0,07).

Ensaios clínicos aleatorizados

Relativamente aos ensaios clínicos foi possível verificar alguma discrepância relativamente aos resultados. Todos tinham como outcome a relação do valor tensional com a suplementação com vitamina D; no entanto, a metodologia e populações dos estudos eram diferentes (Tabela 2).

O ECA de Gonçalves e colaboradores é o mais recente de todos, tendo sido realizado em 2020.21 Este estudo teve dimensões pequenas, com apenas 11 participantes envolvidos (idade superior a 60 anos). Um grupo realizou dose única de 200.000 UI de colecalciferol e outro placebo. Ao fim de cinco dias foram feitas medições e observou-se diminuição da PAS (127,8mmHg para 122mmHg), mas sem significância estatística no grupo de intervenção (p>0,05). Para além disso, os valores retornaram a níveis de 129,1mmHg ao 7.o dia de medição, também sem significado estatístico. Este estudo apresenta várias limitações: amostra pequena, população idosa com alteração no metabolismo e absorção de fármacos, bem como medições dos níveis tensionais em curtos períodos de tempo. De acordo com os critérios da escala SORT trata-se de um ECA de qualidade limitada, com um número de participantes muito pequeno, pelo que se atribui um NE 3.

Cherif e seus colaboradores realizaram um estudo prospetivo em 2018, onde apenas foram incluídas mulheres hipertensas (n=881) em pré e pós-menopausa, sendo este o critério para a divisão em dois grupos de estudo.22 Em cada grupo foi definido um subgrupo de mulheres que apresentavam défice de vitamina D (classificado como valores < 20ng/mL) e, neste subgrupo, as mulheres foram suplementadas com 200.000 UI de colecalciferol mensal durante 12 meses (novamente uma dose de suplementação muito elevada, como no estudo de Mozaffari-Khosravi).12 Em relação ao grupo das mulheres pré-menopáusicas verificou-se variabilidade da PAS à noite, sendo este valor mais baixo no grupo suplementado (p<0,02). Relativamente ao grupo de mulheres pós-menopáusicas, o grupo suplementado demonstrou maior variabilidade dos valores de PAS durante o dia, tendo-se encontrado correlação significativa (p<0,05). De acordo com os critérios da escala SORT trata-se de um ECA de qualidade limitada, pelo que se atribui um NE 2.

O ECA de Judd e seus colaboradores,23 de 2010, foi um estudo pequeno, com apenas nove adultos hipertensos e afro-americanos, divididos em três braços de estudo e que durou um mês. Dois dos grupos foram suplementados com diferentes formulações de vitamina D: 200.000 UI semanais de colecalciferol versus 0,5ug de calcitriol (a forma ativa) bidiariamente. Os hipertensos suplementados com calcitriol demonstraram uma diminuição de 9% da PAS em comparação com o placebo (p<0,001), mas sem alterações na PAD. Uma semana após conclusão da terapêutica com calcitriol, a PAS retornou a valores pré-suplementação. Não se verificou redução dos valores tensionais tanto no grupo placebo como no suplementado com colecalciferol. Um achado interessante foi a redução significativa da frequência cardíaca no grupo do calcitriol em comparação com o placebo (p<0,001). Devido ao curto período de tempo do estudo, bem como à pequena amostra populacional, atribui-se a este estudo um NE 3.

O estudo mais reconhecido relativamente a este tema é o DayLight Trial (The Vitamin D Therapy in Individuals at High Risk of Hypertension Trial) realizado por Arora e seus colaboradores,24 em 2015. Até à data, é o maior estudo prospetivo com uma amostra racialmente diversa, que testa o efeito da suplementação de vitamina D na PA. Foram incluídos 534 indivíduos entre os 18 e os 50 anos de idade, com valores baixos de vitamina D (definidos como < 25ng/mL) e PAS entre 120 e 159mmHg. Os participantes foram divididos em grupos com suplementação diária com alta dose de colecalciferol versus baixa dose diariamente durante seis meses (4.000 UI e 400 UI, respetivamente). Após seis meses de suplementação verificaram-se diminuições maiores na PAS do grupo suplementado com baixa dose em relação com o de alta dose (-1,6 vs -0,8mmHg, respetivamente), mas sem significância estatística (p=0,71). Resultados semelhantes foram encontrados para a PAD. Foi também estudada a eventualidade de existirem maiores mudanças nos níveis tensionais, com aumentos dos níveis de vitamina D após suplementação (independentemente da dose), mas não foi encontrada qualquer relação. De acordo com os critérios da escala SORT trata-se de um ECA de boa qualidade, pelo que se atribui um NE 1.

Conclusões

De acordo com a evidência atual disponível pode concluir-se que a suplementação de vitamina D em doentes hipertensos poderá estar associada a melhoria do controlo dos valores tensionais; no entanto, não parece ser para a população em geral ou ter efeito a longo prazo em morbi e mortalidade, sintomas ou qualidade de vida (SORT C).

Nos estudos mencionados existe grande divisão quanto aos resultados. Alguns demonstraram correlação entre suplementação e controlo de valores tensionais nalgumas populações específicas,11,17 enquanto outros não encontraram qualquer relação aparente.21,24 Existem estudos não incluídos nesta revisão por não se enquadrarem nos critérios PICO definidos; no entanto, com alguns resultados interessantes. Shiran e seus colaboradores realizaram um estudo transversal, em 2019, usando dados de um estudo coorte feito anteriormente.25 A população foi de 362 adultos com hipertensão resistente (PA não controlada com mais de três fármacos anti-hipertensores), em que 222 destes apresentavam défice de vitamina D (definida como valor < 20ng/mL). Verificou-se, neste estudo, que o défice de vitamina D estava associado com HTA resistente com um odds ratio (OR) de 3,5, p=0,009. Levantou-se a hipótese do défice de vitamina D nestes doentes poder ocasionar uma HTA resistente, mas não foi feito qualquer outro estudo nesta área para tentar reproduzir estes resultados. Outros estudos, nomeadamente o de Sluyter,26 em 2017, e o de Bressendorff e seus colaboradores,27 em 2016, tentaram verificar a existência de correlação de um melhor controlo tensional com colecalciferol, mas realizando medições de PA central e cálculos de resistências arteriais. Nenhum destes parâmetros apresentou resultados com significância estatística.

Existem múltiplos mecanismos pelos quais a vitamina D poderá diminuir a PA, incluindo efeitos no sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), hormona paratiroideia (PTH), bem como modulação direta nos seus efeitos nas células lisas a nível muscular.3,5,14 Contudo, parece que, em idades mais avançadas, onde a HTA sistólica isolada é mais prevalente, esta não se deve a aumento dos valores de renina (o que acontece em idades mais jovens).19 Apresentando ações em múltiplas células no organismo humano, e estando relacionado com aumento da rigidez vascular, faz sentido tentar encontrar uma correlação com os seus potenciais benefícios para o controlo da HTA.26-27

Apesar da globalidade dos estudos constituírem estudos bem desenhados, estes possuem limitações. Em primeiro lugar verificou-se a existência de estudos com populações distintas, não só pela raça, mas também pela idade, diferentes comorbilidades e outras patologias concomitantes. O uso de fármacos anti-hipertensores ou outros, relativos a outras patologias, poderá ter interferido nos resultados de alguns estudos. Também a definição de défice de vitamina D não era concordante nos diferentes estudos, ao mesmo tempo que a medição das PA na maioria dos estudos poderia ser comprometida pela conhecida HTA da bata-branca.

Na perspetiva dos autores, esta revisão pretende não só alertar para uma possível associação, ainda pouco debatida, entre a suplementação de vitamina D e o controlo tensional de doentes hipertensos, mas fundamentalmente tem como objetivo sensibilizar todos os profissionais de saúde para encontrar estratégias e efeitos sinérgicos, para além do âmbito exclusivo da hipertensão arterial, que ajudem estes doentes a conseguirem melhorar os seus valores tensionais.

Futuramente serão necessários estudos de maiores dimensões, com metodologia mais homogénea, de modo a estabelecer com maior força a associação entre a suplementação com vitamina D na população de hipertensos e melhoria dos valores tensionais. Um grande estudo randomizado com cerca de 20.000 participantes está a decorrer nos Estados Unidos.2 O recrutamento teve início em 2010 e tem como objetivo avaliar o impacto de suplementação de colecalciferol em alta dose (2.000 UI/diária) em outcomes cardiovasculares e neoplásicos ao longo de cinco anos. Para além disso, cerca de 1.000 dos participantes terão avaliações da PA de 24 horas no início do estudo e ao fim de dois anos. O lançamento dos resultados deste estudo (The VITAL study - NCT01169259) está previsto para novembro de 2020.

Contribuição dos autores

Tiago Rafael de Sá e Pinho: Conceptualização, Metodologia, Redação - manuscrito original.

Marta Carvalhinho: Conceptualização, Redação - revisão e edição.

Telma Pinho Reis: Conceptualização, Metodologia, Redação - revisão e

edição.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

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Recebido: 18 de Agosto de 2020; Aceito: 01 de Janeiro de 2022

Endereço para correspondência Tiago Sá Pinho E-mail: tiagosaepinho@gmail.com

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