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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versión impresa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.38 no.2 Lisboa abr. 2022  Epub 30-Abr-2022

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v38i2.13235 

Estudos originais

Sinais e sintomas em Unidades de Cuidados Continuados Integrados: um estudo em duas unidades de média duração e reabilitação

Signs and symptoms in integrated continuous care units: a study in two medium-term and rehabilitation units

Raquel Maria Armindo1 
http://orcid.org/0000-0002-2217-2044

Marília Dourado1 

1. Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal.


Resumo

Objetivos

Caracterizar o perfil sociodemográfico e de sinais e sintomas dos doentes internados em Unidades de Média Duração e Reabilitação (UMDR) da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e refletir sobre a adequação da referenciação para este tipo de unidades.

Métodos

Estudo quantitativo, descritivo, transversal, observacional e retrospetivo, realizado em duas UMDR do distrito de Leiria, com análise dos registos clínicos de todos os utentes internados de julho a dezembro de 2019, com recolha de dados sociodemográficos, dos diagnósticos principais e dos sinais e sintomas apresentados durante o internamento, com recurso à Classificação Internacional de Cuidados de Saúde Primários (ICPC-2). Foi feita a análise estatística descritiva usando o programa informático Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), v. 27.0.

Resultados

Os doentes (n=141), predominantemente do sexo feminino, com média de idades de 78 anos, estiveram internados em média 3,1 meses (mínimo 10 dias, máximo oito meses). Os diagnósticos mais prevalentes foram: doença cerebral vascular aguda (28,4%), fratura do colo do fémur (16,3%), pneumonia adquirida na comunidade (5,7%) e fratura do trocânter (4,3%). Os sinais e sintomas mais prevalentes recaíram sobre os aparelhos/sistemas: musculoesquelético, nervoso/psicológico, pele, urinário, gastrointestinal, respiratório, circulatório e endócrino.

Conclusões

Os sinais e sintomas recolhidos enquadram-se nas patologias mais frequentes e são alvo de tratamento farmacológico e/ou não farmacológico. De acordo com os diagnósticos mais prevalentes, os doentes são encaminhados para programas de reabilitação, base das UMDR. O facto de a maioria dos doentes ficar internada por um período médio de três meses significa que se atingem os objetivos propostos para o internamento e que as intercorrências são, na sua maioria, resolvidas, o que permitiu a alta para o domicílio. Neste contexto conclui-se que, no geral, a referenciação é efetuada de forma adequada.

Palavras-chave: Sinais; Sintomas; RNCCI; Unidade de Média Duração e Reabilitação

Abstract

Objectives

To characterize the socio-demographic profile, signs, and symptoms of patients admitted to Medium-Term and Rehabilitation Units (UMDR) of the National Integrated Continuing Care Network, and to reflect on the appropriateness of the referral to these units.

Methods

A quantitative, descriptive, cross-sectional, observational, and retrospective study was carried out in two UMDRs in the district of Leiria (Central Portugal) by analyzing clinical records, from July to December 2019. Socio-demographic data, main diagnoses, and signs and symptoms presented during hospitalization, using the International Classification of Primary Care (ICPC-2) were collected. Descriptive statistical analysis was performed using the computer program Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) v. 27.0.

Results

Patients (n=141), predominantly female, average age 78 years, were admitted for 3.1 months on average (minimum 10 days, maximum 8 months). The most prevalent diagnoses were acute vascular brain disease (28.4%), femur neck fracture (16.3%), community-acquired pneumonia (5.7%), and trochanter fracture (4.3%). The most prevalent signs and symptoms concerned musculoskeletal, nervous/psychological, skin, urinary, gastrointestinal, respiratory, circulatory, and endocrine systems.

Conclusions

The signs and symptoms collected meet the most frequent pathologies and have been targeted for pharmacological or non-pharmacological interventions. According to the most prevalent diagnoses, patients were referred to rehabilitation programs, which is the basis of the UMDRs. The fact that most patients were hospitalized for an average period of three months means that the objectives proposed for the hospitalization were achieved and that the complications were, generally, resolved, this allowed the patients to be discharged home. In this context, it is concluded that, in general, referencing is carried out in an appropriate manner.

Keywords: Signs; Symptoms; RNCCI; Medium-term and rehabilitation unit

Introdução

A continuidade de cuidados que permita reabilitar e reintegrar os indivíduos é um desafio nas sociedades atuais,1-2 sendo fundamental avaliar se a referenciação para as unidades de reabilitação segue os critérios clínicos mais adequados a cada utente.

Com o objetivo de reforçar o Serviço Nacional de Saúde, de forma a melhorar as respostas às situações de dependência, reforçar a autonomia e melhorar a capacidade das famílias para lidar com as situações de multimorbilidade, foi criada a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) pelo Decreto-Lei nº 101/2006, de 6 de junho,3 no âmbito dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social. Os cuidados continuados integrados constituem-se como um conjunto de intervenções de saúde e sociais, com vista a uma recuperação global, cujo objetivo fundamental é promover a autonomia e a funcionalidade, com foco na reabilitação e reinserção familiar e social, através da atuação de uma equipa multidisciplinar. A prestação de cuidados centra-se em unidades de internamento - Unidades de Convalescença (UC), Unidades de Média Duração e Reabilitação (UMDR), Unidades de Longa Duração e Manutenção (ULDM) e Unidades de Cuidados Paliativos (UCP); unidades de ambulatório - Unidades de Dia e Promoção da Autonomia; equipas hospitalares - Equipas de Gestão de Alta (EGA) e as Equipas Intra-hospitalares de Suporte em Cuidados Paliativos (EISCP); e equipas domiciliárias - Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) e as Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP).3

A tipologia de unidade escolhida como alvo do presente estudo foi a UMDR, com o propósito de direcionar a pesquisa para a caracterização dos doentes internados nesta tipologia da RNCCI, o que justifica uma descrição prévia do funcionamento destas unidades em termos de características e recursos utilizados.

O Decreto-Lei nº 101/2006, de 6 de junho,3 identifica, mais detalhadamente no artigo 15º, as UMDR como unidades de internamento com as seguintes características: “A unidade de média duração e reabilitação é uma unidade de internamento, (…) para a prestação de cuidados clínicos, de reabilitação e de apoio psicossocial, por situação clínica decorrente de recuperação de um processo agudo ou descompensação de processo patológico crónico, a pessoas com perda transitória de autonomia potencialmente recuperável”.

A finalidade é a estabilização clínica e a avaliação e reabilitação da pessoa num período de internamento que não ultrapasse os 90 dias, mas que não seja inferior a 30 dias consecutivos.3 Neste contexto, é fundamental conhecer e acompanhar as características clínicas da população internada em UMDR, de forma a identificar quais as patologias mais frequentes, assim como os sinais e sintomas mais comummente observados, com o objetivo de melhorar a prestação de cuidados, tornando-os os melhores cuidados possíveis. O estudo de Broeiro-Gonçalves e colaboradores4 reitera esta importância quando mencionam que compreender o padrão de multimorbilidade, associada a maior complexidade dos cuidados a prestar à redução da qualidade de vida e aos custos em saúde, pode facilitar a integração de cuidados e melhorar a qualidade de vida dos doentes. Estes autores referem a relevância de se compreender o padrão de combinações de doenças crónicas/sintomatologia associada, mas que, apesar disso, a investigação e o conhecimento nesta área permanecem limitados.

De acordo com a literatura, a dependência não é exclusiva de um determinado grupo etário;5 no entanto, o seu predomínio encontra-se na população mais idosa. Nas camadas mais jovens a dependência aparece, na maioria dos casos, associada a situações de deficiência congénita ou adquirida (e.g., acidentes). No caso dos idosos, a dependência é muitas vezes uma consequência do envelhecimento. O idoso tende a tornar-se menos ativo, as suas capacidades físicas são reduzidas e, com isso, observam-se alterações físicas, psicológicas e sociais que condicionam e agravam a dependência.

É importante analisar indicadores como o número de quedas, úlceras de pressão ou funcionalidade, para desta forma prestar os cuidados mais adequados. Nos doentes internados em UMDR seria enriquecedor também conhecer os sinais e sintomas que o doente apresenta desde o dia da admissão até ao momento da alta da unidade, a fim de avaliar a evolução e resposta aos tratamentos efetuados, a sua adequação e eficácia.

Confrontados com a escassez de estudos relativamente a UMDR e também sobre os sinais e sintomas que prevalecem na população de doentes admitidos nas mesmas, o objetivo do presente estudo foi analisar o perfil sociodemográfico e os sinais e sintomas mais frequentes em doentes admitidos em UMDR da RNCCI, de forma a refletir sobre a adequação da sua referenciação para esta tipologia de unidades.

Métodos

Efetuou-se um estudo quantitativo, descritivo, transversal, observacional e retrospetivo. A recolha de dados foi efetuada por consulta de processos individuais e a classificação da doença, sinais e sintomas foi feita com recurso à Classificação Internacional de Cuidados Primários (ICPC-2).

Este estudo realizou-se em duas UMDR localizadas no centro de Portugal Continental, no distrito de Leiria. Foram incluídos todos os doentes que estiveram internados no período compreendido entre julho e dezembro de 2019, num total de 141 pessoas. A recolha de dados obedeceu aos critérios éticos e às devidas restrições impostas pela Lei da Proteção de Dados Pessoais. A recolha foi efetuada por um profissional de saúde devidamente habilitado e competente, de entre os profissionais de cada unidade onde foi efetuado o estudo. A investigadora não teve qualquer contacto ou acesso aos processos clínicos. A recolha e identificação/registo dos sinais e sintomas foi efetuada com recurso à ICPC-2. Desta forma, é possível a comparação com outros estudos, já que se trata de um instrumento que é amplamente usado nos cuidados de saúde primários;6 por categorizar com detalhe os sinais e sintomas dos vários órgãos e sistemas, foi a classificação escolhida para esta investigação.

As variáveis sociodemográficas em estudo foram as seguintes: idade, sexo e concelho de residência. As variáveis orientadas para a clínica foram o diagnóstico usado na referenciação (apenas o diagnóstico principal), a duração do internamento e os sinais e sintomas apresentados durante o internamento. Na análise da informação recolhida foram utilizadas medidas de estatística descritiva (média, mediana e frequências). Os dados foram registados num ficheiro Excel®, identificados por código a que só a investigadora tinha acesso, em seguida exportados para a ferramenta estatística IBM SPSS, v. 27.0 para o sistema operativo Windows 10. O estudo foi submetido e mereceu a aprovação das direções das UMDR da RNCCI onde decorreu e da Comissão de Ética da ARS do Centro.

Resultados

De forma a caracterizar sumariamente a população foram recolhidos dados sociodemográficos (idade, sexo e concelho de residência). A amostra foi composta por 141 doentes. Relativamente à variável sexo verificou-se a prevalência do sexo feminino, 53,2% (N=75), enquanto o sexo masculino representou 46,8% (N=66). A idade dos doentes foi em média de 78 anos, mediana de 80 anos, com idade mínima de 29 e máxima de 97 anos (Tabela 1). A proveniência dos doentes foi a do seu concelho de residência, a maioria do concelho de Leiria, seguida de concelhos limítrofes. A exceção foi de dois doentes provenientes do concelho de Coimbra e um do concelho de Cantanhede.

Tabela 1 Caracterização sociodemográfica da amostra em estudo (n=141) 

No que concerne a variáveis orientadas para a clínica foram analisadas as seguintes: diagnóstico de referenciação, tempo de internamento e sinais e sintomas apresentados durante o internamento. O diagnóstico de referenciação usado neste estudo foi apenas o primário ou principal, sendo os mais prevalentes: doença cerebral vascular aguda (28,4%), fratura do colo do fémur (16,3%), pneumonia adquirida na comunidade (5,7%) e fratura do trocânter (4,3%). Na Tabela 2 encontra-se a listagem de todos os diagnósticos encontrados e a sua incidência na amostra.

Tabela 2 Distribuição dos diagnósticos de referenciação às UMDR, por sexo e no total 

O tempo de internamento foi avaliado em formato de meses. A média foi de 3,1 meses e a mediana de três meses. O tempo de internamento mínimo foi cerca de 10 dias e o máximo foi de oito meses.

Os sinais e sintomas foram contabilizados e codificados com recurso à ICPC-2. Cada sinal/sintomas apresenta um código alfanumérico seguido da sua definição e do sistema/aparelho correspondente. Os dez mais incidentes nesta amostra (no geral) foram os seguintes:

  • L28 - Limitação funcional/incapacidade (Sistema músculo-esquelético) - 60,3%;

  • P20 - Alteração da memória (Psicológico) - inclui “desorientação - 44,7%”;

  • S19 - Lesão cutânea, outra (Pele) - inclui úlceras de pressão - 31,9%;

  • U04 - Incontinência urinária (Aparelho urinário) - 27%;

  • D21 - Problema de deglutição (Aparelho digestivo) - inclui “disfagia” - 26,2%;

  • D12 - Obstipação (Aparelho digestivo) - 26,2%;

  • L18 - Dor muscular (Sistema músculo-esquelético) - 24,8%;

  • R05 - Tosse (Sistema respiratório) - 23,4%;

  • P06 - Perturbação do sono (Psicológico) - inclui “insónia” e “sonolência” - 19,9%;

  • D10 - Vómitos (Aparelho digestivo) - 19,1%;

Na Tabela 3 são apresentados todos os sinais e sintomas que foram observados para o total da população e sua distribuição por sexo.

Tabela 3 Prevalência dos sinais e sintomas para o total da população e a sua distribuição por sexo 

Relativamente aos diagnósticos mais registados foi efetuada, para cada um, uma análise acerca dos sinais/sintomas mais predominantes, como se pode observar na Tabela 4.

Tabela 4 Sinais e sintomas mais presentes nos diagnósticos de referenciação mais frequentes 

Discussão

Este estudo teve por objetivo principal traçar o perfil sociodemográfico e de sinais e sintomas mais frequentes em doentes admitidos em UMDR da RNCCI, bem como refletir sobre a adequação da referenciação para esta tipologia de unidades. Verificou-se que, nas UMDR incluídas no presente estudo, a maioria dos doentes internados, no período em análise, foram mulheres. Os diagnósticos de acidente vascular cerebral (AVC), fratura do colo do fémur e pneumonia adquirida na comunidade foram as principais causas de internamento. Os sinais e sintomas registados, associados a cada um dos diagnósticos, foram os esperados e adequados a cada condição identificada, como sintomas musculoesqueléticos, sistema nervoso, aparelho gastrointestinal e sintomas respiratórios, classificados de acordo com a ICPC2.

A RNCCI foi criada para satisfazer as necessidades dos doentes em cuidados continuados de uma maneira integrada e coordenada a nível nacional, numa interface entre cuidados hospitalares e cuidados primários, sem esquecer a vertente social. Trata-se de um modelo de resposta diversificada e devidamente preparada num processo coordenado de referenciação para a RNCCI e de gestão de altas.7-8 De forma a avaliar se a referenciação está a ser feita de forma apropriada é preciso avaliar se a doença e as suas possíveis sequelas, assim como se os sinais e sintomas que os doentes apresentam, estão de acordo com o preconizado para cada tipologia. Verificando-se, em Portugal, uma grande escassez de publicações nesta área efetuou-se o presente estudo para traçar o perfil sociodemográfico e recolha e análise dos sinais e sintomas mais frequentes em doentes em tipologia UMDR, para avaliar, por um lado, se a referenciação era a mais apropriada e se as UMDR, por outro, estavam capacitadas para atender às necessidades dos doentes.

Os dados sociodemográficos mostram um predomínio do sexo feminino nas unidades incluídas no estudo, o que está de acordo com outros autores,9 que referem que as mulheres, além de estarem presentes em maior número, apresentam uma duração dos seus internamentos superior aos homens em todas as tipologias. Os mesmos autores referem que estes resultados são mais significativos quando se trata de UMDR.

Os diagnósticos mais frequentes, acidente vascular cerebral (AVC), fratura do colo do fémur e pneumonia adquirida na comunidade, têm, nos registos, associados os sinais e sintomas esperados e adequados à condição identificada, como sejam sintomas musculoesqueléticos, sistema nervoso, aparelho gastrointestinal e sintomas respiratórios.

Os sinais e sintomas relativos ao sistema musculoesquelético estão predominantemente relacionados com as fraturas registadas. Neste contexto, o encaminhamento para uma UMDR é uma mais-valia para a recuperação dos doentes e a sua inserção, de novo, na comunidade. Caso os sintomas músculo-esqueléticos surjam num quadro de limitação funcional relacionado com alterações motoras devido a afeção do sistema nervoso central, nomeadamente AVC ou outra doença crónica ou num quadro de imobilidade pela idade, a reabilitação é uma arma terapêutica que, mesmo nestas situações, pode contribuir para recuperar alguma autonomia, mobilidade e alívio de sofrimento. Apesar de nestas situações a reabilitação poder ser mais demorada, a referenciação a UMDR parece ser o mais adequado.

Relativamente ao sistema nervoso, o sinal de “alteração da memória” considera-se a questão mais controversa, porque, por exemplo, este sinal foi registado por incluir o fenómeno da desorientação, que na definição da ICPC-2 não está especificado se se trata de desorientação no tempo e/ou espaço.

Verificou-se que a desorientação foi transversal, quer na distribuição por sexo quer na distribuição nas várias patologias predominantes, sabendo-se que pode ter várias etiologias e impactos no resultado da reabilitação,10-13 que não foram diferenciadas, no presente estudo, por informação omissa nos registos dos processos dos doentes. Embora seja expectável que a população internada nas UMDR siga este padrão de morbilidade, apresentando níveis variáveis de “alteração da memória”/desorientação, a referenciação para estas unidades, em que a duração de internamento tem um limite de noventa dias e pode limitar o alcance dos objetivos delineados, é questionável.

Neste contexto, é discutível se para pessoas que apresentem quadros confusionais e de desorientação (sem contexto de reversibilidade, como as síndromas demenciais) existe algum benefício em serem encaminhadas para UMDR, porque podem não ter a capacidade colaborar com os vários profissionais relacionados com a reabilitação psicomotora, não sendo a recuperação/reabilitação uma possibilidade viável, pelo menos no prazo estabelecido de noventa dias. O bem-estar dos doentes é a prioridade dos cuidados, pelo que o mais adequado será orientar os mesmos para unidades onde estes possam permanecer num ambiente que lhes proporcione estabilidade em termos de internamento e equipa.

A situação relacionada com alteração cutânea, nomeadamente úlcera de pressão, foi evidente na amostra do presente estudo em que 31,9% dos doentes sofreram de úlceras de pressão, não tendo sido possível avaliar em que momento estas lesões terão surgido, de acordo com a informação registada nos processos clínicos individuais. Estes dados estão de acordo com os encontrados por Anthony e colaboradores14 que, num estudo de prevalência de úlceras de pressão em cuidados de longa duração, contabilizou percentagens entre 3,3% e 32,4%. As UMDR são unidades que têm como um dos pressupostos a prevenção e tratamento de úlceras de pressão, pelo que a referenciação dos doentes com úlceras de pressão deve ser feita para estas unidades, muito embora úlceras de graus mais avançados possam necessitar de internamentos mais longos do que os noventa dias.

Os sintomas urinários são bastante prevalentes na amostra, nomeadamente no sexo feminino, pois cerca de 70% dos doentes referiu sintomatologia compatível, que se afigura indicativo de infeções urinárias, o que se pode explicar pela utilização quer de dispositivos absorventes quer de cateteres urinários, que favorece esta realidade. A literatura refere que as infeções urinárias são comuns na população idosa e o espetro de apresentação de sintomas varia entre os sinais clássicos e apresentações atípicas, como letargia, delirium ou anorexia.15 É ainda referido que, em cuidados de longa duração, a infeção do trato urinário é responsável por 30 a 40% de todas as infeções associadas aos cuidados de saúde.16

Os sinais e sintomas relacionados com o sistema gastrointestinal são consideravelmente prevalentes na presente amostra (cerca de 80%), o que está de acordo com outros estudos. Num estudo efetuado por Ortega e colaboradores afirma-se que a disfagia é muito prevalente no idoso, podendo estar presente entre 27 e 91% da população com mais de 70 anos.17 A disfagia foi reconhecida como uma síndroma geriátrica pela sua alta prevalência e a sua relação com comorbilidades e consequências, como a malnutrição, a infeção respiratória, entre outras. Relativamente a outro sintoma prevalente no idoso - a obstipação -, a Canadian Agency of Drugs and Technologies in Health afirma que a obstipação pode ser idiopática ou ser secundária a fatores como a dieta, farmacoterapia ou a outras patologias e apresenta incidência populacional entre 2 e 27%,18 o que está de acordo com a amostra do presente estudo. A literatura científica refere que a perda de peso involuntária (que também foi um resultado evidente deste estudo) está relacionada com depressão, especialmente em doentes internados em unidades de longa duração, mas também com neoplasias, patologia cardíaca ou doenças gastrointestinais.19 A terapia farmacológica pode também ser um fator contribuinte para náuseas, vómitos e anorexia. Dado que todos estes sintomas foram prevalentes nesta amostra, as várias etiologias poderão estar relacionadas.

A sintomatologia respiratória na população do presente estudo demonstrou uma prevalência significativa de 60%. Relativamente a este tema, a literatura refere que as infeções respiratórias baixas são uma das principais causas de morbilidade e mortalidade entre os idosos.20 Nos Estados Unidos da América a pneumonia afeta 1,4 a 2,5% dos idosos residentes em instituições de cuidados de longa duração.

As perturbações do sono também são comuns, como foi possível observar na amostra (20%). Um sono de má qualidade em idosos institucionalizados em unidades de longa duração é prejudicial em vários aspetos na vida do idoso.16 Existe compromisso na velocidade de resposta, na memória, na concentração e no desempenho. Deste modo, é necessário atentar na premissa de que o sono é essencial para que o tratamento e a reabilitação sejam eficazes.

Relativamente ao défice sensorial, o mais comum nesta amostra foi o problema de audição (15%). Mitoku e colaboradores efetuaram um estudo em idosos, com uma média de idade de 80 anos, em que encontraram uma prevalência de 70% de défice de visão e/ou audição.21 Acredita-se que no presente estudo nem sempre se tenha registado estes défices em relação aos utentes da amostra. Considerando que estes défices podem comprometer o sucesso da reabilitação, deveriam ser mais valorizados e os profissionais deveriam estar mais atentos ao seu registo, o que possibilitaria as intervenções necessárias com vista ao seu controlo.

A dor, importante sinal vital, surge numa percentagem significativa de doentes, o que pode ser compreensível pela quantidade considerável de diagnósticos predominantemente relacionados com fratura/trauma, mas não exclusivamente nesse contexto. No contexto de estudo atual a dor soma cerca de 40% (“dor muscular” e “dor generalizada/múltipla”). De acordo com a literatura, a prevalência da dor em idosos institucionalizados varia entre 25 e 65%.23 Existem muitos estudos que afirmam que existe subtratamento da dor no idoso, especialmente em contexto de demência.22 Esta realidade deve-se a vários fatores, como o facto dos doentes não se queixarem por acharem que a dor é uma parte natural do envelhecimento ou por alguma barreira, como um défice cognitivo ou a afasia.

Este estudo foi realizado para identificar sinais/sintomas apresentados ao longo do internamento em UMDR e, a partir daí, procurar caracterizar com maior detalhe as necessidades. Em conformidade com o preconizado pela Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados (UMCCI),24 a admissão numa UMDR pressupõe uma situação de dependência, com potencial de recuperação, com os pressupostos de necessidade de cuidados médicos diários e de enfermagem permanentes, reabilitação intensiva, necessidade de medidas de suporte respiratório, como oxigenoterapia e aspiração de secreções e ventilação não invasiva, prevenção ou tratamento de úlceras, manutenção e tratamento de estomas, depressão, confusão e desnutrição, com potencial de recuperação a médio prazo. De acordo com estes pressupostos, quer os diagnósticos mais prevalentes na amostra do estudo, quer os sinais e sintomas encontrados têm resposta neste tipo de unidades, uma vez que são alvo de reabilitação possível - a base das UMDR. Apenas um doente morreu durante o internamento, por doença inesperada, sem relação com o motivo da referenciação inicial. Uma vez que a maioria dos doentes ficou internada por um prazo médio de três meses significa que se atingiram os objetivos propostos no internamento e que as intercorrências (dois casos), que terão obrigado a permanências mais prolongadas na UMDR, são na sua maioria resolvidas. Após o internamento na UMDR, a maioria teve alta para o domicílio, de onde se conclui que tal só aconteceu por ter sido possível controlar a situação clínica e reabilitar adequadamente, cumprindo os objetivos do plano de cuidados/reabilitação previamente traçado.

Conclusão

Os cuidados continuados integrados destinam-se a toda a população que tenha critérios de referenciação, mas, regra geral, é a população mais idosa que apresenta mais necessidades, mais complexas, no que respeita aos cuidados de saúde.

Este estudo foi realizado para identificar sinais/sintomas, apresentados ao longo do internamento em UMDR, e caracterizar com maior detalhe as necessidades, tendo-se concluído que estas são adequadas à tipologia de UMDR para a qual os doentes foram referenciados. Os sinais e sintomas encontrados têm resposta neste tipo de unidades, assim como os diagnósticos mais prevalentes, devido ao seu potencial de reabilitação que é a base das UMDR.

A referenciação para a UMDR foi adequada e os objetivos traçados para a reabilitação em internamento foram atingidos visto que, para a maioria dos doentes, o internamento teve a duração média prevista para este tipo de unidades, após o que a alta para o domicílio aconteceu com a situação clínica controlada.

A escassez de investigação nesta área sugere que seria útil efetuar estudos mais aprofundados sobre as características da população de doentes da RNCCI. Como exemplo, diga-se que os diagnósticos secundários não foram alvo de análise neste estudo e seria importante para caracterizar a população e estudar as necessidades dos doentes de forma mais concreta. Relativamente aos sinais e sintomas seria útil estudar quais as terapêuticas (farmacológicas ou não farmacológicas) que são utilizadas e quais são os resultados das mesmas; desta forma poder-se-ia avaliar e refletir sobre a prestação de cuidados e sobre a composição, formação e atualização das equipas/recursos existentes nas instituições. Este tipo de estudos poderia ser alargado a um panorama geográfico alargado e a outras tipologias da RNCCI.

Sendo este um estudo pioneiro sugere-se a realização de mais estudos relativamente à questão da reabilitação de doentes, de forma a perceber se a reabilitação é eficaz e quais são as melhores estratégias para as UMDR.

A recolha de informação por consulta dos processos clínicos deixou perceber a fraca qualidade da informação registada, algumas vezes omissa ou incompleta, seja no processo médico, de enfermagem, de serviço social ou outro, impossibilitando que informação relevante pudesse ser trabalhada e analisada, o que poderá ter prejudicado eventualmente este estudo. Assim, todos têm de ser motivados para a qualidade da informação a ser incluída nos registos. A informação deve ser o mais legível, clara e completa possível, para que se possa fazer a sua recolha e avaliação mais exatas, o que permitirá realizar, no futuro, não só investigação mais completa como cuidados de maior qualidade.

Relativamente à ICPC-2 existiu uma limitação em termos de utilização, pois esta classificação apresenta algumas imprecisões que condicionaram a recolha de dados, nomeadamente com a apresentação de alguns sintomas/sinais como diagnósticos (e.g., hipoglicemia ou hiperglicemia). Esta escala apresenta algumas inexatidões e/ou falta de rigor científico relativamente à terminologia utilizada (e.g., “tornozelo inchado” ou “urina escura”).

Agradecimentos

Agradeço à Dra. Maria José Hespanha toda a ajuda prestada. Agradeço aos profissionais das UMDR que apoiaram a realização da investigação.

Contribuição de autores

Raquel Armindo: planeamento do manuscrito, pesquisa bibliográfica, definição do método de recolha de dados e respetivo registo. Contacto com as instituições alvo do estudo. Recolha dos dados, organização dos resultados, análise e tratamento estatístico e posterior interpretação dos dados. Redação do manuscrito.Submissão à comissão de ética e envio para submissão à revista.

Marília Dourado: Contribuição essencial na conceção do trabalho. Definição da temática do manuscrito, orientação na recolha de dados, tendo contribuído para a interpretação dos mesmos. Apoio à redação, correções e revisão crítica final do manuscrito e tradução.Apoio nas submissões à comissão de ética e submissão à revista.

Conflito de interesses e financiamento

As autoras declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse que possam resultar em algum impedimento para a publicação deste artigo. Não existiu nenhum financiamento para a realização do mesmo.

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Recebido: 24 de Abril de 2021; Aceito: 03 de Novembro de 2021

Endereço para correspondência Raquel Maria Armindo E-mail: mcaraquel@gmail.com

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