SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.38 número3Quando um aneurisma se faz passar por cisto sebáceo: a propósito de um caso clínicoMotivar o doente: um trunfo esquecido na adesão ao tratamento? índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.38 no.3 Lisboa jun. 2022  Epub 30-Jun-2022

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v38i3.13198 

Artigo breve

Medicina sem fronteiras: os desafios da população imigrante

Medicine without borders: challenges of the immigrant population

Daniela Abreu Silva1  , Médica Interna de Medicina Geral e Familiar
http://orcid.org/0000-0002-2584-0124

Francisco Macedo2  , Médico Assistente em Medicina Geral e Familiar

Dolores Quintal3  , Médica Assistente Graduada Sénior em Medicina Geral e Familiar

1. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. Centro de Saúde do Bom Jesus, ACeS Madeira. Funchal, Portugal.

2. Médico Assistente em Medicina Geral e Familiar. Centro de Saúde do Bom Jesus, ACeS Madeira. Funchal, Portugal.

3. Médica Assistente Graduada Sénior em Medicina Geral e Familiar. Centro de Saúde do Caniço, ACeS Madeira. Caniço, Portugal.


Resumo

A migração é um fenómeno que tem vindo a crescer globalmente e também em Portugal. Durante o processo de migração, os indivíduos ultrapassam diversas transições que podem desencadear desequilíbrios e potenciar o surgimento de problemas de saúde. Os imigrantes estão em particular risco de sofrer disparidades nas oportunidades de acesso aos cuidados de saúde e tratamento médico como consequência de múltiplos fatores. As necessidades da população migrante em crescimento são um desafio para os sistemas de saúde. Este grupo é heterogéneo e apresenta características distintas pelo que as competências culturais são essenciais para a prática clínica do médico de família que, cada vez mais, se depara com uma população mais diversa do ponto de vista cultural. Neste trabalho pretende-se focar particularidades dos utentes imigrantes, compreender os maiores desafios encontrados na sua abordagem e rever estratégias que melhorem o acesso e os cuidados prestados a esta população, à luz da medicina centrada na pessoa.

Palavras-chave: Emigração e imigração; Disparidades em assistência à saúde

Abstract

Migration is a phenomenon that is globally growing and in Portugal also. During the migration process, people overcome various transitions that can trigger off unbalance and enhance health problems. Immigrants are at particular risk of suffering disparities in healthcare accessibility and medical treatment opportunities because of multiple factors. The growing migrant population demands are a challenge for healthcare systems. This is a heterogeneous group with distinct characteristics, therefore cultural competences are essential for the clinical practice of family physicians that increasingly face a more culturally diverse population. In this paper, we intend to focus on immigrant population particularities, comprehend the biggest challenges in their approach, and review strategies that improve their accessibility and healthcare, based on patient-centered medicine.

Keywords: Emigration and immigration; Healthcare disparities

Introdução

Um migrante define-se como um indivíduo que reside temporária ou permanentemente fora do seu país de origem.1 A cultura corresponde a um conjunto de crenças e atitudes que são aprendidas e partilhadas entre membros da mesma comunidade, enquanto as competências culturais referem-se ao conhecimento, sensibilização e respeito por outras culturas. (2 O número de migrantes tem vindo a aumentar em todo o mundo. (3)- (5 Em 2019 existiam 590.348 estrangeiros a residir em Portugal, o que contabiliza 5,7% da população do país. (6 As necessidades da população migrante em crescimento são um desafio para os sistemas de saúde. Representam cada vez mais um problema de saúde pública nos países desenvolvidos, na medida em que são um grupo heterogéneo com características distintas e que requerem especial atenção. (1)- (3), (7)- (8 A imigração é um processo complexo de reajustamento e adaptação, podendo desencadear desequilíbrios e problemas de saúde. (9 O acesso desta população aos cuidados de saúde é um ponto importante, pois estes enfrentam inúmeras desigualdades nas oportunidades de acesso à saúde e ao tratamento médico. (1), (7 As competências culturais são ferramentas indispensáveis para a prática clínica do médico de família, que se depara cada vez mais com uma população diversa do ponto de vista cultural. (2), (4), (8), (10 A individualização dos cuidados, numa perspetiva de medicina centrada na pessoa, contribui fortemente para a melhoria da assistência prestada a estes grupos. (8

Os desafios dos cuidados de saúde na população imigrante

Imigração

A imigração é um processo composto por diversas transições, desde as mudanças nos laços afetivos e reconstrução da rede de suporte social à adaptação ao contexto económico, social e cultural do país de acolhimento. (7), (9), (11 Cada uma destas transições pode ser um motivo de quebra da homeostasia, pela disrupção, incerteza e potenciais expectativas não correspondidas. (7), (11 No atendimento dos utentes imigrantes, cada fase da transição deve ser considerada pelo médico durante a consulta pois apresenta riscos específicos. (9 O estado de saúde destes utentes é o produto complexo da conjugação da sua genética com os fatores ambientais, económicos e socioculturais do país de acolhimento e do local onde residiam previamente e do motivo e condições de migração. Fatores pós-migração, como local de residência, emprego, educação, rendimento e acesso aos cuidados de saúde, também são condicionantes importantes. (11 É imprescindível a colheita de uma história clínica detalhada para determinar os fatores de risco individuais e definir a abordagem mais apropriada para cada utente, de acordo com o ponto de vista da medicina centrada na pessoa. (12)- (13

A literatura internacional descreve que, após uma fase inicial saudável, o estado de saúde dos imigrantes tende a deteriorar-se com o passar do tempo, resultando em necessidade acrescida de cuidados de saúde. (11), (14 Este efeito é atribuído a ambientes de trabalho inapropriados, baixa remuneração, habitação precária e exclusão social. (14 Os imigrantes estão em especial risco de disparidades no acesso à saúde e tratamento médico devido a fatores sociais, como a pobreza. Muitas vezes, estes recebem cuidados subótimos no que diz respeito a medicina preventiva, gestão de doenças crónicas e saúde mental. (1), (10

Doenças infetocontagiosas e vacinação

Os migrantes de países em desenvolvimento estão particularmente em risco de apresentarem doenças infetocontagiosas, algumas preveníveis por vacinação;12-13 o que pode ser explicado por muitas vezes serem oriundos de países onde estas são mais prevalentes e por frequentemente habitarem em situações precárias - incluindo sobrepovoamento. As recomendações internacionais referem que a vacinação deve ser revista e proposta a atualização se necessário, de forma a corresponder ao plano nacional de vacinação do país de acolhimento. Quando o estado vacinal é desconhecido ou não existem documentos que o comprovem, deve assumir-se que são não vacinados. (12 Previamente ao processo de vacinação, devem ser rastreadas algumas doenças de acordo com o local de origem (Tabela 1). (12)- (13), (15)- (16

Tabela 1 Recomendações sobre o rastreio de doenças infeciosas conforme o país de origem 

Doenças crónicas

Em determinadas etnias existe maior prevalência de determinadas doenças crónicas. (12 A migração em si está associada a maior risco de obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares. (17 Medidas de mudança de estilo de vida culturalmente adequadas podem contribuir para a prevenção de doença e melhorar a gestão de doença instalada. Segundo as guidelines da Canadian Medical Association, todos os imigrantes devem ser submetidos a um exame da cavidade oral completo e avaliação da acuidade visual. (12)- (13 Devem também ser oferecidos os rastreios de neoplasias, habitualmente não disponíveis nos países em desenvolvimento. (13

Saúde sexual e reprodutiva

Em grau variável, os fatores socioculturais influenciam a vivência da sexualidade, proporcionando um sistema de crenças sobre as expetativas para cada género e adequação das condutas. Por vezes, estas crenças podem impedir que assuntos relacionados com a saúde sexual e reprodutiva sejam abertamente discutidos. Os conhecimentos nesta área são geralmente adquiridos através dos pares e fontes não oficiais, sendo frequente a desinformação e a sua perpetuação entre os membros da comunidade. A desinformação associa-se a experiências traumáticas, em particular na menarca e na coitarca. Em alguns grupos, falar sobre sexualidade é desrespeituoso e a procura de cuidados de saúde nesta área é vista como desadequada, sendo por isso evitada. Os valores patriarcais e os papéis de género, culturalmente pré-definidos, também têm impacto na procura dos serviços de planeamento familiar e de saúde reprodutiva, prejudicando as mulheres na autonomia na tomada de decisões. Também é frequente as mulheres sentirem-se incapazes de recusar relações sexuais maritais não desejadas ou dolorosas por considerarem que não têm esse direito. Na área da saúde sexual e reprodutiva é indispensável entender as barreiras que se colocam, de forma a prestar cuidados compreensivos e promover a educação neste tema. (18 As mulheres em idade fértil devem ser avaliadas em consulta de planeamento familiar. Deve ser discutido e oferecido um método contracetivo. (12), (18 Deve considerar-se que, muitas vezes, existe pressão familiar para a não utilização, devido à importância culturalmente atribuída à procriação. É importante ter em conta que algumas mulheres casadas temem que o seu uso possa motivar problemas conjugais, enquanto as mulheres não casadas sentem vergonha de os utilizar por medo da opinião dos pais e do impacto que possa ter na sua reputação e na família se se descobrir que têm relações sexuais pré-maritais. No entanto, a não utilização ou uso incorreto pode levar a gravidezes indesejadas e a abortos. (18 Deve ser proposta a vacinação contra o vírus do papiloma humano e deve ser atualizado ou iniciado o rastreio do cancro do colo do útero com citologia cervicovaginal. (12), (18 O atraso no rastreio pode resultar no diagnóstico tardio com consequências no tratamento. Apesar das barreiras culturais, quando realizada uma abordagem compreensiva, as mulheres revelam interesse em receber informação sobre estes tópicos. Importa realçar que, após a migração, muitas mulheres sentem que devem apoiar os seus filhos e contribuir para a educação e preparação da sexualidade. (18

Saúde mental

A presença de problemas de saúde mental entre imigrantes é frequentemente modulada pela natureza da experiência de migração, nomeadamente pelas adversidades encontradas. (9), (12 Desilusão, desmoralização, solidão e depressão podem acontecer como resultado de perdas relacionadas com a migração, quando as expetativas não são correspondidas ou quando enfrentam obstáculos por barreiras e desigualdades agravadas por exclusão, racismo e discriminação. (9)- (10 Verificou-se que os imigrantes recém-chegados sofrem mais marginalização social, pobreza e desemprego. (7 Muitas vezes, devido a interpretações culturais de doença e pela elevada estigmatização dos problemas de saúde mental, existe relutância em atribuir sintomas a problemas deste foro e não há procura dos cuidados de saúde por este motivo. (10 Nos cuidados de saúde primários, muitos doentes se apresentam com sintomas físicos que podem levar a diagnósticos errados e subtratamento dos problemas de saúde mental - são comuns os sintomas não explicados pelo modelo biomédico, especialmente se dor, fadiga ou queixas gastrointestinais e genitourinárias. Muitas vezes, estes utentes têm fatores de stress psicossociais, que não partilham por acharem que não é um tópico apropriado para atenção médica ou porque pensam que não serão compreendidos. (9 Na área da saúde mental é importante considerar ansiedade, depressão, stress pós-traumático, abuso físico e abuso de substâncias entre os diagnósticos diferenciais. (12)- (13

Comunicação

As principais barreiras sentidas pelos imigrantes são a comunicação, a confiança e a continuidade de cuidados. (3

A comunicação é o núcleo da medicina centrada na pessoa. (3 É uma barreira óbvia quando o utente e o médico não partilham a mesma língua, pois é elementar para expressar o motivo de consulta e para a discussão de informações como sintomas, presumível diagnóstico, métodos complementares de diagnóstico requeridos, terapêutica e prognóstico. (3)- (4), (7), (11 Trata-se de um desafio tanto para os utentes como para os profissionais de saúde. (3

Não conhecer ou não dominar a língua do país onde se encontra muitas vezes conduz à menor utilização dos serviços de saúde. É necessário saber além do nível básico da língua para ser capaz de expressar sentimentos e crenças. A existência de intérpretes ou profissionais bilíngues nos serviços de saúde pode desempenhar um papel nesta questão, estando descrito um aumento da adequação dos cuidados prestados em função da sua disponibilidade. (2)- (3), (9 Por outro lado, importa salientar que os intérpretes podem também condicionar a confidencialidade, especialmente quando pertencem à comunidade do utente. (7), (13 Além disso, a não existência de intérpretes na instituição ou a falta de flexibilidade do sistema para agendar consultas mediadas por estes pode ser outro problema. Apesar de, por vezes, os profissionais de saúde não se sentirem confortáveis em recorrer a familiares ou amigos dos seus utentes imigrantes como intérpretes, estes são geralmente indivíduos em quem o utente deposita confiança e de quem aprecia a ajuda. (3), (9 Não obstante, questiona-se o sigilo médico e, além do papel de tradução, estes podem influenciar relações, julgamentos e decisões, podem optar por ser seletivos na transmissão da informação, resumindo ou censurando alguns conteúdos e podem inibir o utente de partilhar assuntos sensíveis, como a sexualidade e a violência doméstica. (2)- (3), (7

O médico deve recorrer à linguagem corporal e falar lentamente e diretamente para o utente, utilizando frases simples e evitando parafrasear, de forma a não confundir. Por vezes, os utentes respondem afirmativamente ou assentem quando questionados se perceberam a mensagem transmitida, mesmo quando não a compreenderam. (2 Elaborar briefings no início e final da consulta e solicitar ao utente para repetir por suas palavras podem contribuir para reduzir a incompreensão e ajudar a lidar com tópicos desafiantes.3

Relação profissional-utente

Atitudes como tratar o utente pelo nome, ouvir, participar nas conversas e permitir a presença de membros da família durante a consulta são vistas como respeito pelo utente e promovem o estabelecimento de uma relação de confiança. (3 Quando não é firmada confiança no sistema de saúde ou nos profissionais, os utentes preferem utilizar os recursos da sua comunidade na abordagem aos problemas de saúde. (3 Está descrito que a educação dos profissionais de saúde sobre o panorama dos utentes imigrantes e o desenvolvimento de competências interculturais permite aumentar a confiança dos utentes. (2)- (4 Este treino contribui para entender os diferentes papéis que a religião e a espiritualidade podem assumir e compreender a importância de estrutura familiar, relações e funções de género. (3

Por vezes, os utentes evitam o contacto ocular com o médico como uma atitude de respeito, especialmente quando são de sexo ou estatuto social diferente. O sexo do profissional de saúde pode ser um problema. (2), (7), (11 Os judeus ortodoxos e os elementos de algumas secções islâmicas não permitem ser tocados por indivíduos do sexo oposto (incluindo apertos de mão e gestos de cumprimento). (2), (7 Nestas situações, é preferível que o médico seja do mesmo sexo. (2

As experiências prévias influenciam a perceção do sistema de saúde. Semelhanças associadas como positivas entre os cuidados de saúde no país de origem e no país de acolhimento melhoram o acesso aos serviços de saúde e a satisfação. Além do sentimento de confiança em algo ou alguém, o utente deve sentir que tem controlo sobre os cuidados que lhe são prestados, isto é, compreender os factos e sentir que pode enquadrar as suas crenças e prioridades no processo de tomada de decisão. (3 Isto é especialmente importante na área da saúde mental. (3 A barreira linguística e a presença de intérpretes pode dificultar esta questão. Importa salientar que em algumas culturas a possibilidade de ter controlo sobre os cuidados de saúde pode ser género-dependente, apesar de não estar em conformidade com as leis do país de acolhimento - por exemplo, o marido decidir sobre a saúde sexual e reprodutiva da mulher.3

Acessibilidade e continuidade de cuidados

Os fatores mais importantes que influenciam a continuidade de cuidados são a informação e educação dos imigrantes sobre os cuidados de saúde do país anfitrião, a facilidade de acesso, a coordenação das marcações com a agenda pessoal dos imigrantes e a colaboração interinstitucional. (3 Educar os utentes imigrantes sobre o funcionamento do sistema de saúde no país de acolhimento é essencial para atingir literacia na saúde e tornar possível a continuidade de cuidados. (3), (11

Dadas as diferenças do país de origem, os utentes podem não estar familiarizados com determinados conceitos e formas de organização, como por exemplo os médicos de família e a medicina preventiva, pelo que estes devem ser cuidadosamente explicados. (3), (7), (11 Verificou-se que, quando esta informação não é fornecida, é mais provável que estes utentes se apresentem nos serviços de urgência. Outro fator limitante é a falta de facilidade de acesso aos cuidados de saúde. Por vezes, os imigrantes podem estar alojados em localizações remotas e não ter acesso a transportes privados, especialmente quando recém-chegados, dependendo assim da rede de transportes públicos, o que pode representar uma dificuldade em aceder às instituições. (3 À chegada, o processo de adaptação a uma nova cultura pode ser complexo e stressante, protelando a procura dos cuidados de saúde. (3), (7 Por outro lado, alguns imigrantes não têm flexibilidade de horário no seu emprego, não têm possibilidade de tirar tempo do horário de trabalho para agendamento de consultas e como não dominam a língua, a negociação é mais difícil. (5), (11

A coordenação adequada entre os vários profissionais de saúde diminui o risco de perda de informação relevante e aumenta a adesão às consultas médicas. (3 Assegurar a vinda às consultas de seguimento deve passar por uma abordagem holística, em que se incluem visitas domiciliárias, providenciar transportes e relembrar os agendamentos através de chamadas telefónicas. (3

Outra dificuldade que se pode colocar para os profissionais de saúde é a inacessibilidade aos registos clínicos prévios, o que pode ser desafiante no que diz respeito ao conhecimento de alergias, vacinação realizada, problemas de saúde prévios e terapêuticas realizadas. (7

Cultura e religião

O médico deve sempre explorar de forma respeitosa as crenças de cada utente no contexto da sua cultura e religião. (2 De salientar que os imigrantes que transitam entre sistemas de crenças podem ter vários pontos de vista em simultâneo. Muitos destes utentes usam tratamentos caseiros e consultam curandeiros antes de procurar tratamento médico convencional, enquanto outros regressam aos curandeiros como complemento da terapêutica convencional instituída. (2 Estudos mostram que uma reflexão autocrítica é requerida para uma prestação de cuidados de qualidade e adequados aos utentes imigrantes, pois permite compreender e abordar melhor as diferenças socioculturais. (3

Medidas para a melhoria dos cuidados prestados

Compreender melhor as dificuldades e barreiras colocadas aos imigrantes na área dos cuidados de saúde é crucial para minimizar as diferenças e oferecer equidade. (1 A responsabilidade da adaptação é multidimensional. (8 Algumas medidas que podem influenciar positivamente o acesso aos cuidados de saúde pelos imigrantes e a prática clínica são horários flexíveis e com tempo suficiente para a prestação de cuidados individualizados, serviços de tradução/intérpretes, colaboração com os serviços sociais e as famílias, sensibilização e treino dos profissionais de saúde para diferentes contextos culturais e religiosos, programas educacionais e material informativo sobre a dinâmica do sistema de saúde, construção da relação médico-doente e desenvolvimento de linhas orientadoras de abordagem dos diferentes grupos de migrantes. (3)- (4), (7)- (8), (11

Conclusão

A migração é um processo complexo de transição que pode desencadear desequilíbrios com impacto no estado de saúde dos utentes. Os maiores desafios da abordagem aos utentes imigrantes são consensuais e não parecem ser necessariamente dependentes da sua proveniência. Os cuidados de saúde primários e os médicos de família deparam-se cada vez mais com uma população heterogénea e variada do ponto de vista étnico, pelo que é essencial que se desenvolvam competências culturais.

As maiores dificuldades descritas no acesso aos cuidados de saúde pela população imigrante são a comunicação, a confiança e a continuidade de cuidados. Estes elementos estão fortemente interligados, exercendo influências recíprocas. A comunicação é o ponto de partida para a construção de uma relação de confiança que irá mais tarde permitir a continuidade de cuidados. A perspetiva dos utentes imigrantes pode não corresponder à dos profissionais de saúde e é importante estar sensibilizado para este ponto. Uma postura flexível é imprescindível para aplicar novas estratégias, de forma a exercer um atendimento individualizado, à luz da medicina centrada na pessoa.

Compreender as diferenças é essencial para que ocorra uma adaptação, que deve ser multifacetada. A implementação de medidas que facilitem o acesso aos cuidados de saúde dos imigrantes, o treino dos profissionais de saúde e a criação de linhas orientadoras de diagnóstico e terapêutica são pontos essenciais para uma abordagem mais adequada desta população nos cuidados de saúde primários.

Contribuição dos autores

Conceptualização, DAS e FM; investigação, DAS e FM; Redação do manuscrito original, DAS, FM e DQ; revisão e validação do texto final, DAS, FM e DQ.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Referências bibliográficas

1. Graetz V, Rechel B, Groot W, Norredam M, Pavlova M. Utilization of health care services by migrants in Europe: a systematic literature review. Br Med Bull. 2017;121(1):5-18. [ Links ]

2. Juckett G. Cross-cultural medicine. Am Fam Physician. 2005;72(11):2267-74. [ Links ]

3. Brandenberger J, Tylleskär T, Sontag K, Peterhans B, Ritz N. A systematic literature review of reported challenges in health care delivery to migrants and refugees in high-income countries: the 3C model. BMC Public Health. 2019;19(1):755. [ Links ]

4. Teunissen E, Gravenhorst K, Dowrick C, Van Weel-Baumgarten E, Van den Driessen Mareeuw F, de Brún T, et al. Implementing guidelines and training initiatives to improve cross-cultural communication in primary care consultations: a qualitative participatory European study. Int J Equity Health. 2017;16(1):32. [ Links ]

5. Keizer E, Bakker P, Giesen P, Wensing M, Atsma F, Smits M, et al. Migrants' motives and expectations for contacting out-of-hours primary care: a survey study. BMC Fam Pract. 2017;18:92. [ Links ]

6. Estrela J. Relatório de imigração, fronteiras e asilo 2019 [Internet]. Lisboa: Serviço de Estrangeiros e Fronteiras; 2020. Available from: https://sefstat.sef.pt/Docs/Rifa2019.pdf [ Links ]

7. Priebe S, Sandhu S, Dias S, Gaddini A, Greacen T, Ioannidis E, et al. Good practice in health care for migrants: views and experiences of care professionals in 16 European countries. BMC Public Health. 2011;11:187. [ Links ]

8. Dauvrin M, Lorant V. Adaptation of health care for migrants: whose responsability? BMC Health Serv Res. 2014;14:294. [ Links ]

9. Kirmayer LJ, Narasiah L, Munoz M, Rashid M, Ryder AG, Guzder J, et al. Common mental health problems in immigrants and refugees: general approach in primary care. CMAJ. 2011;183(12):E959-67. [ Links ]

10. Chang CD. Social determinants of health and health disparities among immigrants and their children. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2019;49(1):23-30. [ Links ]

11. Bajgain BB, Bajgain KT, Badal S, Aghajafari F, Jackson J, Santana MJ. Patient-reported experiences in accessing primary healthcare among immigrant population in Canada: a rapid literature review. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(23):8724. [ Links ]

12. Pottie K, Greenaway C, Feightner J, Welch V, Swinkels H, Rashid M, et al. Evidence-based clinical guidelines for immigrants and refugees. CMAJ. 2011;183(12):E824-925. [ Links ]

13. Gavagan T, Brodyaga L. Medical care for immigrants and refugees. Am Fam Physician. 1998;57(5):1061-8. [ Links ]

14. Busetta A, Cetorelli V, Wilson B. A universal health care system? Unmet need for medical care among regular and irregular immigrants in Italy. J Immigr Minor Health. 2018;20(2):416-21. [ Links ]

15. Centers for Disease Control and Prevention. Guidelines for the U.S. domestic medical examination for newly arriving refugees [homepage]. CDC; 2018 [updated 2021 Feb 3]. Available from: https://www.cdc.gov/immigrantrefugeehealth/guidelines/domestic/domestic-guidelines.htmlLinks ]

16. European Center for Disease Prevention and Control (ECDC). Public health guidance on screening and vaccination for infectious diseases in newly arrived migrants within the EU/EEA [homepage]. Stockholm: ECDC; 2018. Available from: https://www.ecdc.europa.eu/en/publications-data/public-health-guidance-screening-and-vaccination-infectious-diseases-newly [ Links ]

17. Van de Sande JS, van den Muijsenbergh ME. Undocumented and documented migrants with chronic diseases in family practice in the Netherlands. Fam Pract. 2017;34(6):649-55. [ Links ]

18. Metusela C, Ussher J, Perz J, Hawkey A, Morrow M, Narchal R, et al. 'In my culture, we don't know anything about that': sexual and reproductive health of migrant and refugee women. Int J Behav Med. 2017;24(6):836-45. [ Links ]

Recebido: 21 de Março de 2021; Aceito: 22 de Novembro de 2021

Endereço para correspondência Daniela Abreu Silva E-mail: danielaabreusilv@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons