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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.38 no.5 Lisboa out. 2022  Epub 31-Out-2022

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v38i5.13400 

Artigo breve

Impacto da pandemia COVID-19 na saúde mental dos profissionais de saúde de uma unidade de saúde familiar

The impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of healthcare professionals in a unit family care center

Patrícia Maria Moreira1 
http://orcid.org/0000-0002-2169-7770

Soledade Lopes2 

1. USF Condestável, ACeS Pinhal Litoral. Batalha, Portugal.

2. Assistente Graduada Sénior. USF Condestável, ACeS Pinhal Litoral. Batalha, Portugal.


Resumo

Volvidos quase dois anos após o aparecimento da pandemia COVID-19 começamos agora a ter de lidar não só com a doença em si, mas também com as suas consequências. A saúde tem estado no foco das atenções e daqueles que cuidam dela ainda mais, sobretudo os cuidados de saúde primários pelo seu papel ativo na fase de pandemia. Normal será que todo esse esforço acabe, de uma maneira ou de outra, por refletir-se na saúde mental dos profissionais de saúde. Foi, por isso, desenvolvido um estudo no sentido de perceber o impacto da pandemia COVID-19(2) na saúde mental dos profissionais de saúde numa unidade de saúde familiar (USF). Os resultados revelaram-se bastante impactantes, sendo que a maioria não só sentiu um moderado a forte impacto como apresentou sintomas sugestivos de burnout - como exaustão emocional, ansiedade e perturbações do sono -, levando mesmo a uma elevada proporção de profissionais que recorreram ao uso de medicação antidepressiva/ansiolítica e indutora do sono. É, portanto, urgente a instituição de medidas preventivas ou ações de apoio que promovam a saúde mental dos profissionais em questão.

Palavras-chave: Saúde mental; COVID-19; Profissionais de saúde

Abstract

Almost two years after the appearance of the COVID-19 pandemic, we are now starting to deal not only with the disease itself but also with its consequences. Health has been in the spotlight now and those who work in health care, even more, especially primary health care professionals for their active role in the pandemic phase. Therefore, it is easy to understand that all this effort would end up being reflected in their mental health, one way or another. In that regard, the author carried out work to understand the impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of health professionals in a family health unit (USF). The results proved to be quite impressive, with the majority of them feeling not only a moderate to a strong impact of it but also showing symptoms suggestive of burn-out - such as emotional exhaustion, anxiety, and sleep disturbances. That even led to a high proportion of professionals who resorted to the use of antidepressant/anxiolytic and sleep-inducing medication. Therefore, it is urgent to implement preventive measures or support actions that promote the mental health of the professionals in question.

Keywords: Mental health; COVID-19; Health personnel

É certo que nos últimos anos se tem assistido a uma crescente preocupação com a saúde mental em todo o mundo, uma vez que 12% das doenças em todo o mundo são do foro mental, valor este que sobe para 23% nos países desenvolvidos.1 Perante este panorama, onde já urgia a implementação de medidas nesse sentido, o aparecimento da pandemia COVID-19 constituiu um verdadeiro desafio, não só para a população em geral, mas sobretudo para os profissionais de saúde, exigindo ainda mais dos mesmos num Sistema Nacional de Saúde, por si só, já fragilizado. Torna-se impreterível compreender o impacto da mesma naqueles que asseguraram - e continuam a assegurar - a melhor gestão possível da doença. É pela partilha entre pares e experiências pessoais que poderão ser identificadas e melhoradas lacunas existentes. É com esse objetivo em mente, o da partilha, que a autora resolveu divulgar a vivência da sua unidade de saúde quase dois anos após o início de um acontecimento tão impactante quanto o aparecimento da pandemia COVID-19.

Nesse sentido foi elaborado um trabalho de investigação, transversal, retrospetivo, com o objetivo de estudar o impacto da pandemia COVID-19 na saúde mental dos profissionais de saúde da unidade de saúde familiar (USF) da autora, tendo em conta o impacto ao nível da produtividade, motivação e vida pessoal, sintomatologia apresentada, fatores precipitantes, necessidade de uso de antidepressivos/ansiolíticos e indutores do sono e problemas laborais. Foram incluídos todos os profissionais de saúde a desempenhar funções na unidade à data de recolha dos dados (outubro/2021) e que desempenharam funções à data de início da pandemia (fevereiro/2020), tendo sido excluídos aqueles que, apesar de fazerem parte da equipa à data de início da pandemia, já não se encontravam na USF à data de recolha de dados. Esta avaliação foi feita através da implementação de um questionário à população em estudo e posterior recolha e análise de resultados.

Relativamente aos resultados obtidos, no universo dos 34 profissionais de saúde da USF, sendo a maioria do sexo feminino (88,2%) e na faixa etária dos 40 aos 59 anos (64,7%), entre médicos especialistas e médicos internos, enfermeiras e técnicas auxiliares, foi possível concluir que a pandemia COVID-19 teve um impacto moderado a forte na saúde mental de praticamente todos (73,5%), sobretudo ao nível da motivação para a atividade profissional. Este impacto traduziu-se, entre outros, numa maior exaustão emocional, ansiedade e perturbações do sono (Figura 1). A necessidade de adaptação constante às novas indicações governamentais, a incerteza quanto ao fim/controlo da doença, a excessiva carga horária laboral e a dificuldade da gestão da ansiedade da população face à doença e ao aparente distanciamento dos cuidados de saúde foram os fatores identificados pelos profissionais como os que mais influenciaram negativamente a sua saúde mental (Figura 2). Da totalidade dos profissionais, 58,8% recorreram ao uso de antidepressivos/ansiolíticos durante a pandemia (20 no total de 34 - ainda que, desses, cerca de oito já iniciara a toma previamente ao início da pandemia) e 57,1% ainda mantém a sua toma. As perturbações de sono apresentaram-se como o segundo sintoma mais prevalente, o que se refletiu na necessidade de toma de indutores do sono em metade da população estudada, sendo que, desses, 1/3 mantém a sua toma. Do total de profissionais, 21 considerou mesmo que o impacto da pandemia levou a problemas laborais, como o absentismo, baixas médicas ou um maior número de erros no trabalho.

Figura 1 Principal sintomatologia apresentada pela população em estudo (segundo questionário aplicado em outubro/2021). 

Figura 2 Fatores precipitantes que mais influenciaram para o aparecimento da sintomatologia apresentada pela população em estudo (segundo questionário aplicado em outubro/2021). 

Portanto, o impacto negativo da pandemia na saúde mental dos profissionais da USF foi marcadamente notório, sendo que, com estes resultados, foi possível quantificar aquilo que se sentia, mas que ainda não tinha sido transformado em números. Este trabalho demonstrou a face cansada dos profissionais que viram as suas vidas sobrecarregadas por uma pandemia que se prolonga não só no tempo, mas também na oportunidade de restabelecer as sequelas deixadas na sua saúde mental. É de realçar a elevada percentagem - mais de metade - de profissionais que sentiram efetivamente necessidade de pedir auxílio, recorrendo ao uso de medicação antidepressiva, ansiolítica e indutora de sono. Após a apresentação destes resultados foi clara a necessidade de instituir medidas preventivas no sentido de cuidar da saúde mental dos profissionais; foi também o mote perfeito para fomentar a união destes, incitar à partilha de ideias e à comunicação, levá-los a verem-se como um apoio mútuo em situações de maior desgaste e a refletirem sobre estratégias para ultrapassar essas mesmas situações, como a organização de atividades de team building.

Apesar dos resultados impactantes, seria interessante ter uma melhor caracterização do estado de saúde mental dos participantes do estudo pré-pandemia para uma comparação mais precisa. Para além disso, o questionário utilizado foi elaborado pela autora e não devidamente validado, o que pode condicionar algum viés.

Ainda assim, e apesar de se tratar de uma amostra pequena, pelos resultados obtidos pensa-se que este trabalho poderá instigar a curiosidade e promover a reflexão dos colegas sobre a temática, de modo a olharem para as suas unidades de saúde com mais atenção, alertando para o facto de que a saúde mental deverá sempre ser uma prioridade, sobretudo daqueles que fazem da sua vida o cuidar do outro.

Contributo dos autores

Conceptualização do estudo, PMM e SL; metodologia, PMM e SL; análise formal, PMM e SL; investigação, PMM; curadoria de dados, PMM; redação do draft original, PMM; redação, revisão e validação do texto final, PMM e SL; supervisão, SL.

Conflito de interesses

A autora declara não haver conflitos de interesse.

Financiamento

Este estudo não obteve qualquer financiamento.

Referências bibliográficas

1. Xavier M, Baptista H, Mendes JM, Magalhães P, Caldas-de-Almeida JM. Implementing the World Mental Health Survey Initiative in Portugal: rationale, design and fieldwork procedures. Int J Ment Health Syst. 2013;7:19. [ Links ]

2. Afonso P. O impacto da pandemia COVID-19 na saúde mental. Acta Med Port. 2020;33(5):356-7. [ Links ]

3. Direção-Geral da Saúde. Saúde mental em números - 2013: programa nacional para a saúde mental [homepage]. Lisboa: DGS; 2013. Available from: https://www.dgs.pt/estatisticas-de-saude/estatisticas-de-saude/publicacoes/portugal-saude-mental-em-numeros-2013.aspx [ Links ]

4. Caldas de Ameida JM, Xavier M, editors. Estudo epidemiológico nacional de saúde mental, 1º relatório [Internet]. Lisboa: Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa; 2013. Available from: https://www.mgfamiliar.net/wp-content/uploads/Relatorio_Estudo_Saude-Mental_2.pdf [ Links ]

Recebido: 01 de Dezembro de 2021; Aceito: 07 de Outubro de 2022

Endereço para correspondência Patrícia Maria Moreira E-mail: patricia_maria_moreira@hotmail.com

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