Caro Editor,
Foi com bastante interesse que li o artigo “Motivos de consulta em medicina geral e familiar: tendência evolutiva na última década na região Centro de Portugal”.1 Trata-se de um estudo abrangente que avaliou 12.569.898 consultas e que aborda um tema essencial na medicina geral e familiar: o motivo de consulta.
Observa-se que apenas 5,3% dos motivos de consulta foram classificados conforme a International Classification for Primary Care - 2 (ICPC-2). Verifica-se então uma falha na codificação dos motivos de consulta, possivelmente pelo foco colocado no campo da avaliação e lista de problemas, que fica registada a longo prazo e permite um acesso fácil e rápido nas consultas subsequentes. Também pode ser mais difícil para um médico de medicina geral e familiar codificar um ou mais motivos de consulta, por vezes inespecíficos, do que um diagnóstico estabelecido, particularmente se não estiver sensibilizado para esta codificação.
Contudo, o motivo da consulta assume-se como o primeiro contacto do utente com o Sistema Nacional de Saúde e condiciona todo o seguimento da consulta. Não demonstra apenas informação sobre o doente. Pode ser um importante dado para desenvolver trabalhos de investigação que ajudem a caracterizar as reais necessidades da população que recorre aos cuidados de saúde primários, com vista à implementação de medidas e programas de saúde mais adequados aos utentes.
Importa então refletir se os médicos têm capacidade ou até mesmo vontade de investir em formações sobre codificação para melhorar os seus registos, sendo que isso implicará necessariamente mais tempo de consulta. Além disso, caso se consiga essa mudança e a percentagem de motivos de consulta codificados pelo ICPC-2 aumente, qual será o real impacto nas medidas de prevenção e promoção da saúde no âmbito da governação? Compensará o esforço?
Em conclusão, reconheço a validade e importância deste artigo como forma de iniciar uma reflexão sobre o impacto do registo clínico na qualidade dos cuidados prestados aos utentes. Talvez seja interessante alargar o estudo para as restantes regiões de Portugal e comparar a percentagem de codificação em função de cada região/ACeS, pois este dado poderá ajudar a compreender quais os principais obstáculos à realização da codificação dos motivos de consulta a nível local, regional e/ou nacional.