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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.38 no.6 Lisboa dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v38i6.13391 

Relatos de caso

Quando mais uma série de supino no ginásio acaba o dia como síndroma de Horner

When one more supine exercise in the gym ends the day as Horner syndrome

Rodolfo Duarte1 
http://orcid.org/0000-0003-4522-9389

Margarida Glórias Ferreira2 

David Magalhães3 

1. USF Três Rios. Penafiel, Portugal.

2. USF Rodrigues Miguéis. Lisboa, Portugal.

3. USF Íris. Maia, Portugal.


Resumo

Introdução:

O síndroma de Horner representa um importante desafio na prática clínica, uma vez que pode estar associado a uma grande variedade de etiologias. Trata-se de um síndroma raro, que se manifesta classicamente por anisocoria com miose, ptose palpebral e anidrose homolateral devido à perda de inervação simpática. Este caso pretende relatar um síndroma de Horner desencadeado após a prática de exercício físico e demonstrar a importância de uma história clínica e de um exame físico detalhados, assim como uma abordagem multidisciplinar na avaliação de um doente com síndroma de Horner em contexto de serviço de urgência.

Descrição do caso:

Homem, 51 anos, recorreu ao serviço de urgência por ptose palpebral e dor na hemiface após exercício físico no ginásio. Ao exame físico destacava-se pupilas anisocóricas, com miose à esquerda e ptose palpebral homolateral, sem outros achados. Solicitou-se estudo analítico com hemograma e bioquímica, que não revelou alterações, e angio-tomografia cerebral e dos troncos supra-aórticos que, após uma revisão das imagens que inicialmente pareciam sem alterações, revelou disseção da artéria carótida interna esquerda. O doente foi internado e iniciou terapêutica médica com resolução dos sintomas às 24 horas após a entrada no serviço de urgência, tendo permanecido em vigilância durante 48 horas.

Comentário:

Com este caso clínico pretende-se demonstrar que, mesmo perante um diagnóstico de um síndroma potencialmente fatal como é o síndroma de Horner, é possível uma boa evolução clínica com resolução célere das queixas apresentadas. Sendo que para este desiderato foi determinante uma conjugação de fatores, desde a história clínica completa ao exame objetivo minucioso, bem como exames auxiliares de diagnóstico usados de forma criteriosa, num processo integrado entre médicos de diferentes especialidades.

Palavras-chave: Síndroma de Horner; Disseção da artéria carótida; Ginásio; Exame neurológico

Abstract

Introduction:

Horner syndrome remains challenging in daily clinical practice, as it can be related to a great variety of causes. It is a rare condition, classic manifestations include anisocoria with miosis, palpebral ptosis, and anhidrosis, all on the affected side due to the loss of sympathetic innervation. This case aims to describe an exercise-induced Horner syndrome and to state the importance of the patient´s clinical history, as well as a detailed physical exam, all put together in a multidisciplinary approach of a patient with Horner syndrome, in an emergency room setting.

Case description:

51-year-old male goes to the emergency room due to left palpebral miosis and homolateral hemifacial pain, following gym practice. In physical examination, he presented anisocoric pupils, with left miosis and palpebral ptosis. Blood tests including complete hemogram and chemistry were normal. As such, tomography angiography of the supra-aortic arteries and the brain was requested, which at first glimpse revealed no changes but following an image review, it was possible to detect a dissection in the internal left carotid artery. The patient started medical therapy with clinical resolution of the symptoms 24 hours from the moment he was admitted to the emergency room, having stayed under clinical surveillance for 48 hours.

Discussion:

This clinical case is an example that, despite the diagnosis of a potentially fatal syndrome as is Horner’s syndrome, it is possible to have a favorable outcome with symptom resolution soon after clinical onset. For this to happen, several factors come into play, from a complete clinical history to a thorough physical exam and insightful use of the auxiliary exams available, all in a joint process of different medical specialties.

Keywords: Horner syndrome; Carotid artery dissection; Gym practice; Neurologic exam

Introdução

O síndroma de Horner é um evento raro, habitualmente caracterizado por três sinais clássicos: anisocoria com miose, ptose palpebral e anidrose homolateral. Desconhecem-se relações com o sexo, idade ou raça do doente e existem duas formas de apresentação: a forma congénita (a mais rara) e a forma adquirida.1

A tríade de sinais clássicos ocorre devido à perda de inervação simpática na via oculosimpática, composta por uma cadeia de três neurónios com origem no hipotálamo e que apresenta um longo e tortuoso percurso até à inervação do globo ocular. Ao longo deste trajeto desde o tronco cerebral, esta via simpática percorre várias estruturas como a espinal medula, gânglios cervicais simpáticos, ramificações do quinto e sexto pares cranianos bem como a artéria carótida interna. 1-2

A longa via anatómica deste trajeto simpático torna-o vulnerável a vários processos patológicos, sendo os mais comuns a disseção da artéria carótida, tumores como o neuroblastoma ou o tumor de Pancoast, infeções, sequelas de cirurgias e/ou traumatismos de estruturas cervicais. As várias etiologias para este síndroma podem ser divididas de acordo com a localização anatómica da rutura das fibras da via oculosimpática (Tabela 1), podendo assim apresentar uma grande variedade de manifestações clínicas para além da tríade clássica, como a presença de disfagia, vertigem ou ataxia. 1,3-4

Tabela 1 Resumo das etiologias do síndroma de Horner de acordo com localização da lesão1-2,5  

A localização exata da lesão é fundamental para o correto diagnóstico e terapêutica adequada. Para isso, é determinante uma história clínica detalhada e um exame físico exaustivo. 2,5

Quando o síndroma de Horner é causado pela disseção da artéria carótida normalmente está associada a cefaleia, dor facial ou cervicalgia, assim como podem estar presentes outros achados neurológicos. 6

Este caso clínico pretende relatar um síndroma de Horner desencadeado após exercício físico no ginásio. Tem como objetivo recordar os sinais de alerta muitas vezes subtis deste síndroma e reforçar a importância da articulação dos cuidados de saúde primários com as especialidades intra-hospitalares, uma vez que se trata de uma patologia potencialmente mortal e para a qual o médico de família deve estar sensibilizado.

Descrição do caso

Homem de 51 anos de idade, caucasiano, inserido numa família nuclear, classe II de Graffar e estadio VI do ciclo de vida de Duvall, apresenta como antecedentes pessoais paralisia facial periférica à esquerda em 2001, sem sequelas, ex-fumador de 0,25 unidade maço-ano e excesso de peso. O doente não apresenta antecedentes cirúrgicos. Como medicação habitual faz apenas omeprazol 20 mg.

Recorreu ao serviço de urgência após noção de encerramento palpebral do olho esquerdo e sensação de dor na hemiface homolateral, após a realização de exercícios de supino no ginásio, sem outra história de trauma. Não apresentava febre, cefaleia, défice de força nos membros ou alterações da sua sensibilidade, alteração da voz, sintomas respiratórios, gastrointestinais ou genito-urinários.

No exame objetivo destacavam-se as alterações no exame neurológico, onde foi possível objetivar pupilas anisocóricas, com miose à esquerda e ptose palpebral homolateral, com movimentos e sensibilidade dos andares superiores e inferiores da face preservados. Apresentava ainda movimentos oculomotores e campimetria preservados, sem diplopia ou nistagmo, protusão da língua na linha média, sem desvios da comissura labial. Não apresentava disfonia ou disartria. Força muscular preservada e simétrica nos quatro membros, grau 5, sem alterações da nomeação, repetição e compreensão. Apesar da algia facial, o doente não apresentava lesões cutâneas.

Tendo em conta o quadro clínico optou-se pela realização de um estudo analítico, assim como angio-tomografia cerebral e dos troncos supra-aórticos, para despiste da etiologia do síndroma de Horner. Foi também estabelecido um contacto com a especialidade de neurologia.

Dos exames complementares de diagnóstico solicitados salienta-se um estudo analítico com hemograma, função renal, ionograma, proteína c-reativa e estudo da coagulação sem alterações. Relativamente ao exame de imagem solicitado, este é relatado como sendo normal, nomeadamente sem alterações de caráter vascular. No entanto, perante a sintomatologia apresentada pelo doente e a forte suspeita de síndroma de Horner, pediu-se uma nova reavaliação das imagens, tendo-se constatado um afilamento da artéria carótida interna esquerda do segmento cervical sugestiva de disseção.

Iniciou-se terapêutica antiagregante e hipolipemiante e o utente ficou internado na unidade de acidente vascular cerebral (AVC) para continuação de cuidados e vigilância neurológica. Permaneceu nesta unidade durante 48 horas, tendo apresentado resolução de sintomas às 24 horas. Teve alta com indicação para gestão dos fatores de risco cardiovasculares.

Comentário

Este caso descreve uma apresentação de síndroma de Horner desencadeado após a prática de exercício físico num ginásio, que resultou na disseção da artéria carótida interna esquerda no seu segmento cervical. Existem vários estudos que relacionam o exercício físico com este evento, nomeadamente a prática de desportos aquáticos (mergulho ou natação), levantamento de pesos, desportos de combate, golfe, futebol, entre outros. 7-9 Neste caso clínico, o síndroma de Horner apresenta-se, assim, como uma consequência da prática de levantamento de pesos, devido à disrupção das fibras nervosas simpáticas em torno da artéria carótida interna.

Deste modo, os antecedentes do doente e o exame objetivo não sugeriram outra etiologia; contudo, história de trauma, infeção por herpes zoster, enxaqueca ou neoplasias são alguns exemplos que também podem estar implicados no desenvolvimento deste síndroma. 1-2,5

Uma vez que se trata de um doente que tem como fatores de risco cardiovascular o excesso de peso e antecedentes tabágicos, estas condições também podem ter contribuído para a disseção da artéria carótida interna e, posteriormente, para o AVC. 10

O papel do médico de família na educação para a saúde dos utentes é fundamental tanto para prevenção da doença, controlando os fatores de risco cardiovasculares modificáveis, como para o cumprimento da terapêutica farmacológica e não farmacológica.

Este caso permite alertar os médicos de família para o síndroma de Horner, nomeadamente para a sua tríade característica: anisocoria com miose, ptose palpebral e anidrose homolateral. Assim, perante a presença destes sinais de alarme, o médico de família deve orientar o doente para o serviço de urgência, dado que este síndroma está associado a outras patologias que podem ser potencialmente graves, ameaçadoras à vida e que são passíveis de tratamento quando diagnosticadas atempadamente.

Contributo dos autores

Conceptualização, DM; metodologia, RCD, DM e MGF; investigação, RCD, DM e MGF; recursos, RCD; redação do draft original, RCD, DM e MGF; revisão e validação do texto final, RCD, DM e MGF; visualização, DM e MGF; supervisão, RCD; administração do projeto, RCD.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Financiamento do estudo

Os autores declaram que o estudo não foi financiado por qualquer entidade.

Referências bibliográficas

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Recebido: 15 de Novembro de 2021; Aceito: 19 de Janeiro de 2022

Endereço para correspondência Rodolfo Duarte E-mail: rodolfocostaduarte1@gmail.com

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