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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.1 Lisboa fev. 2023  Epub 30-Mar-2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i1.13104 

Estudos originais

O custo médico das faltas dos utentes da USF Ramada

The medical cost of USF Ramada patients’ absences

Bruno Ferreira Pedrosa1  , Médico Interno de Medicina Geral e Familiar
http://orcid.org/0000-0003-2007-3234

1. Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Ramada, ACeS Loures-Odivelas. Odivelas, Portugal.


Resumo

Objetivos:

Correlacionar as faltas dos utentes da USF Ramada às consultas médicas programadas no ano de 2019 e o custo associado.

Tipo de estudo:

Observacional retrospetivo.

Local:

USF Ramada.

População:

Consultas médicas programadas da USF Ramada em 2019.

Métodos:

A amostra foi calculada a partir do total de vagas para consultas médicas programadas em 2019 da USF Ramada. Uma amostra de 1.000 consultas foi selecionada de forma aleatória simples. Foi realizada uma análise descritiva dos dados, um teste binomial para correlacionar as variáveis biossociais com o número de faltas e tempo de consulta atribuído e uma análise bivariada e das variâncias para estabelecer a homogeneidade entre os grupos de utentes de cada médico. Foi calculado o custo médico das faltas.

Resultados:

Encontraram-se 128 faltas (12,8%). A média de idades foi de 45,09 anos (DP=21,6), sendo 57% por utentes do sexo feminino. Não se verificou diferença estatisticamente significativa entre os dois sexos para o número de faltas (p=0,133) ou para o tempo de consulta perdido (p=0,500). A média de faltas para cada médico foi de 13,2% (DP=3,89). O tempo total de consulta perdido foi de 2.440 minutos, o que em média corresponde a 271,11 minutos (DP=18,87) por médico e a 19,06 minutos (DP=5,67) por consulta. Foi estabelecida a homogeneidade entre os grupos de doentes faltosos de cada médico para o sexo (p=0,471), idade (p=0,778) e tempo de consulta perdido (p=0,609). O custo médico calculado das faltas dos utentes foi de 770,20 euros.

Conclusões:

Estimou-se, para o ano de 2019 na USF Ramada, um custo médico evitável entre 18.418,82 e 32.169,42 euros por faltas dos utentes a consultas programadas.

Palavras-chave: Absentismo dos pacientes; Custos e análise de custo

Abstract

Objectives:

To correlate the absences of patients of the USF Ramada to the appointments scheduled in 2019 and their associated medical costs.

Study:

Retrospective observational.

Location:

USF Ramada.

Population:

USF Ramada scheduled medical appointments in 2019.

Methods:

The sample was calculated from the number of vacancies for medical appointments scheduled in 2019 at the USF Ramada. A sample of 1,000 consultations was randomly selected. The data were analyzed by descriptive tests, binomial tests to correlate the biosocial variables with the number of absences and the assigned appointment duration, and a bi-varied analysis and variances analysis to establish homogeneity between the groups of patients evaluated per doctor. The medical cost of patients' absences was calculated.

Results:

One hundred and twenty-eight absences (12.8%) were assessed. The average age was 45.09 years (SD=21.6), 57% of whom were female patients. There was no statistically significant difference between the two genders for the number of absences (p=0.133) or for the lost appointment duration (p=0.500). The average number of absences for each doctor was 13.2% (SD=3.89). The total loss of appointment time was 2,440 minutes, which on average corresponds to 271.11 minutes (SD=18.87) per doctor and 19.06 minutes (SD=5.67) per appointment. Homogeneity was established between each doctor’s group of patients who were absent for sex (p=0.471), age (p=0.778), and appointment duration (p=0.609). The calculated medical cost of patients’ absences was 770.2 euros.

Conclusions:

It was estimated for 2019 at USF Ramada an avoidable cost between 18,418.82 e 32,169.42 euros for patients' absences from scheduled appointments.

Keywords: Patients’ absences; Costs and cost analysis

Introdução

A experiência clínica mostra que não são raras as vezes que os utentes faltam sem aviso prévio a consultas programadas. Compreende-se que essas faltas correspondem a determinado custo médico, isto é, horas de trabalho de um médico não aproveitadas para a finalidade a que se destinam, sendo que essas faltas impossibilitam a atribuição dessas horas de consulta a outros utentes. Existem poucos dados que esclareçam qual o número de faltas estimado, quer a nível hospitalar quer a nível dos cuidados de saúde primários (CSP). Para além disso, as consequências dessas faltas parecem não estar bem estabelecidas. A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) emitiu um documento que descreve as consequências de faltas a consultas médicas. Nesse documento pode ler-se que, na eventualidade de ocorrência de um motivo de força maior, o utente deve apresentar justificação válida no prazo de sete dias seguidos após a data marcada. Se tal não acontecer, poderá impor-se a obrigatoriedade de pagamento da taxa moderadora aplicável e a falta é considerada injustificada.1 Ainda, se continuar a ser necessário, o seu médico assistente tem de fazer um novo pedido de consulta através do sistema consulta a tempo e horas. 1 Desta forma, depreende-se que este documento se refere apenas a faltas a consultas médicas hospitalares e não no contexto dos CSP. Assim, não existe documentação que descreva as faltas dos utentes e suas consequências em CSP.

Atualmente, um dos grandes desafios da saúde em Portugal é a gestão de recursos, principalmente económicos, de modo a satisfazer as necessidades da população. Para o ano de 2020, o orçamento de Estado previa uma despesa total efetiva do programa saúde de 11.225,6 milhões de euros, 2 o que representava 6,5% da despesa total consolidada da administração central, demonstrando a especial importância económica do setor.

Os CSP são uma parcela muito importante deste compromisso financeiro, uma vez que é neste subsetor que mais consultas médicas se realizam, sendo que dados de 20193 descrevem a realização de 31.569.000 consultas médicas nos CSP (face a 12.420.000 consultas médicas hospitalares), números que crescem anualmente, 4 sendo que o mesmo relatório descreve que nesse ano foram realizadas 20.715.000 consultas programadas. Segundo um relatório de 2015, 5 os custos financeiros por utente em Unidades de Saúde Familiar (USF) não são de menosprezar, sendo que para uma unidade funcional padrão (com 10.920 inscritos, seis médicos, seis enfermeiros e cinco secretários clínicos), o custo global anual varia entre 2.806.398 e 3.823.382 euros. Para as Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP), o custo varia entre 3.160.764 e 4.690.965 euros anuais. Importa ainda realçar que, segundo dados da ACSS, 3 no ano de 2019 existiam em Portugal 290 USF tipo A, 274 USF tipo B e 345 UCSP, para além de estarem contabilizados 1.757 profissionais médicos em USF tipo A, 1.858 em USF tipo B e 2.007 em UCSP.

Considerando uma publicação de 20136 sobre custos e preços em saúde, a análise dos custos potencialmente evitáveis variava entre 8% e 37%, o que corresponderia a custos entre 178 e 864 milhões de euros. Para além disso, a mesma fonte refere que a análise de eficiência em contexto de CSP não tem tido uma prioridade significativa, sendo de realçar a fraca evidência e produção científica referente a esta temática em Portugal. No entanto, o mesmo estudo não avaliou custos relacionados com as faltas dos utentes, focando-se nos custos com recursos humanos, medicamentos e meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT).

De acordo com o Decreto Regulamentar n.o 51-A/2012, de 31 de dezembro, conjugado com a Portaria n.o 1553-C/2008, de 31 de dezembro, e acordo coletivo de trabalho publicado em Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) n.o 41, de 8 de novembro de 2009, com as alterações introduzidas no BTE n.o 1, de 8 de janeiro de 2013, e retificado conforme publicação em BTE n.o 23, de 22 de junho de 2013, o médico tem diferentes vencimentos de acordo com a progressão na carreira (categoria profissional). 7-8 No caso dos CSP, acresce subsídio adicional mensal conforme o número de inscritos e, ainda, nas USF tipo B, suplementos para atividades como dimensão de lista de utentes, visitas domiciliárias, suplementos para atividades específicas e suplemento para orientação de formação. 7-8 Em extremos opostos e excluindo os possíveis suplementos descritos, um médico assistente graduado sénior, posição três, com contrato de trabalho de 42 horas e dedicação exclusiva, terá como remuneração 5.664,87 euros mensais, enquanto um médico assistente, posição um, com contrato de trabalho de 35 horas sem dedicação exclusiva, terá como remuneração 1.853,96 euros mensais. Desta forma, e de acordo com o artigo 271.o do Código do Trabalho, consegue-se atribuir um custo médico por hora de assistência ao utente, ou seja, o custo por hora de consulta médica nos CSP. Este pode variar entre os 12,22 euros (0,2 euros por minuto) e os 31,13 euros (0,52 euros por minuto), excluindo-se, mais uma vez, remunerações por trabalho suplementar e situações extraordinárias às previstas nas portarias supracitadas. 7-8

Dentro da equipa médica da USF Ramada existem três médicos com categoria de assistente e seis médicos com categoria de assistente graduado, todos em regime de 35 horas com dedicação exclusiva, o que corresponderá a um custo médico de 16,98 e 20,51 euros por hora, respetivamente. Cada USF e UCSP tem modelos organizacionais e de programação de consulta muito próprios, sendo atribuídos, para cada valência de consulta, tempos de consulta diferentes, o que corresponderá a um custo médico diferente de unidade para unidade. Desta forma, compreende-se que a falta de um utente a uma consulta médica corresponde a um determinado custo médico.

Assim, tendo em conta o peso financeiro dos CSP, da premente boa gestão e responsabilidade de consumo e pela necessidade de mais estudos para compreender as áreas a investir para diminuir os custos evitáveis em saúde, justifica-se compreender o número das faltas dos utentes às consultas programadas nos CSP. Para além disso, é importante reconhecer os custos dessas faltas, sejam eles diretos, como o custo médico representado pela remuneração por tempo de consulta, ou indiretos, como, por exemplo, a falta de assistência a outros utentes naquele horário.

Com este estudo pretendeu-se estimar o custo direto das faltas dos utentes da USF Ramada a consultas programadas no ano de 2019, representado pela remuneração do médico por tempo de consulta perdido. Para além disso, caracterizaram-se os aspetos biossociais dos utentes que faltaram às consultas programadas, nomeadamente quanto à idade e sexo, e estimou-se o custo médico associado às faltas dos utentes a nível nacional para USF com características semelhantes à USF Ramada (nomeadamente, USF tipo B), de forma a levantar questões sobre medidas preventivas de gastos evitáveis em saúde, designadamente na prevenção das faltas dos utentes.

Métodos

Este estudo realizou-se na USF Ramada, tratando-se de um estudo retrospetivo observacional, com o objetivo de estabelecer a correlação entre o número de faltas dos utentes às diferentes valências das consultas médicas programadas e o custo médico associado, no ano de 2019.

Como população em estudo consideraram-se as consultas programadas decorridas no ano de 2019 na USF Ramada, incluindo as valências de saúde de adultos, saúde infantil e juvenil, saúde materna, planeamento familiar, consulta de rastreio oncológico, consulta de diabetes, consulta de hipertensão arterial, excluindo-se as valências de consulta aberta, de intersubstituição, não presencial e no domicílio. O cálculo da amostra, por forma a ter representatividade, baseou-se no número de vagas para as consultas programadas para o ano de 2019 dos nove médicos da USF Ramada, num total de 31.460 consultas médicas, calculadas a partir do número de vagas de consulta programada definido para cada médico da USF Ramada (média de 3.496 ± 168 consultas por médico, com IC95%, 3366-3624), excluindo períodos de férias e outras ausências programadas e admitindo-se um preenchimento de todas as vagas. Com um intervalo de confiança de 99% e margem de erro de 5% obteve-se a dimensão amostral de 650 consultas programadas. A todas as consultas programadas para o ano de 2019, para cada médico, foi atribuído um código individualizado para identificação. Posteriormente, de forma a obter uma amostra aleatória, atribuiu-se um código numérico a cada consulta, sendo feita a aleatorização dos mesmos na plataforma Microsoft Office Excel® 2019.

A recolha dos dados foi feita através do Sistema de Informação para Unidades de Saúde (SINUS), de forma a obter, para cada consulta e médico, a informação de presença ou de falta do utente e respetiva valência de consulta e, ainda, através da plataforma SClinico, de forma a obter, para cada falta a consulta programada, os dados biossociais do utente, nomeadamente idade e sexo. Os dados obtidos foram inseridos numa base de dados no programa Microsoft Office Excel® 2019 e para sua análise e tratamento foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®).

Foi realizada uma análise descritiva dos dados obtidos e o cálculo dos intervalos de confiança de 95% (IC95%) para as principais variáveis. Foi realizado um teste binomial para estabelecer a correlação entre as variáveis biossociais com o número de faltas a consultas programadas e com o tempo de consulta atribuído a essas faltas. Para além disso, foi realizada uma análise bivariada (teste qui-quadrado) e uma análise das variâncias (teste ANOVA) para estabelecer a homogeneidade das variáveis biossociais e tempo de consulta perdido entre os grupos de doentes faltosos de cada médico assistente. Por fim, foi calculado o custo médico das faltas dos utentes às diferentes valências de consulta.

O presente estudo obteve o parecer favorável da Comissão de Ética para a Saúde da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT).

Resultados

Foram analisadas 1.000 consultas programadas, existindo 128 faltas (12,8%; IC95%, 10,8-15,0), 812 consultas realizadas (81,2%; IC95%, 78,6-83,6) e 60 consultas não preenchidas (6%; IC95%, 4,6-7,7). Dos doentes que faltaram às consultas, a média de idades foi de 45,09 ± 21,6 anos (limites: 0-90 anos; IC95%, 41,3-48,8) (Figura 1), sendo que 57% foram por utentes do sexo feminino, não se observando diferença estatisticamente significativa entre os dois sexos para o número de faltas (p=0,133) ou para o tempo de consulta atribuído (p=0,500).

Figura 1 Distribuição dos utentes faltosos por grupo de idades. 

Na Tabela 1 pode observar-se o número de faltas por valência de consulta programada e o tempo perdido de consulta para cada médico da USF Ramada. Em média, foram analisados por cada médico 111 ± 18,43 consultas (limites: 75-127; IC95%, 96,94-125,28), sendo que a média de faltas a consulta programada para cada médico foi de 13,1% ± 3,89 de faltas (limites: 7,4-21,3; IC95%, 10,21-16,19). Essas faltas traduziram-se num tempo total de consulta perdido de 2.440 minutos, o que em média corresponde a 271,11 ± 18,87 minutos por médico (limites: 200-375; IC95%, 227,60-314,63) e a 19,06 ± 5,67 minutos por falta a consulta programada (limites: 16,67-22,22; IC95%, 18,07-20,05) (Tabela 2).

Tabela 1 Análise descritiva das características das faltas a consultas programadas, por valência, para cada médico 

Tabela 2 Correlação entre o médico da USF Ramada com as características biossociais dos utentes (sexo e idade) e com o tempo de consulta médio perdido por falta do utente 

Na Tabela 2 pode observar-se a correlação entre o médico com as características biossociais dos utentes (sexo e idade) e com o tempo de consulta médio perdido por falta do utente. Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa para nenhuma das correlações, existindo homogeneidade entre as características das faltas a consultas programadas entre os diferentes médicos da USF Ramada.

Tendo em conta as 1.000 consultas avaliadas foi calculado, para as 128 faltas, o custo médico correspondente. Na Tabela 3 pode observar-se que, para um custo médico por minuto mínimo de 20 cêntimos (total de 12,22 euros por hora), foi calculado o custo de 488 euros e, para um custo médico por minuto máximo de 52 cêntimos, foi calculado o custo de 1.253,20 euros. Na Tabela 4 pode observar-se o custo médico das faltas dos utentes tendo em conta a categoria profissional dos médicos da USF Ramada, com uma média de 0,32 ± 0,01 euros por minuto (limites: 0,28-0,34; IC95%, 0,30-0,34), tendo sido calculado o custo global de 770,20 euros para a amostra selecionada.

Tabela 3 Tempo correspondente às consultas com falta e custo médico calculado associado 

Tabela 4 Custo médico associado às faltas dos utentes tendo em conta a categoria profissional dos médicos da USF Ramada 

Discussão

No presente estudo é evidente o peso económico das faltas dos utentes às consultas programadas da USF Ramada no ano de 2019. O facto de cerca de 12,8% das consultas programadas no ano de 2019 não se terem realizado por falta do utente demonstra a importância da urgente fomentação de cidadania em saúde para diminuir os custos evitáveis em saúde, bem como para garantir o acesso a outros utentes. Apesar do número elevado de faltas, 81,6% das consultas foram realizadas, com 6% das vagas para consulta programada não preenchidas.

Das consultas avaliadas dos nove médicos da USF Ramada, tendo em conta a amostra das consultas programadas obtida de forma aleatória, não existiu variação significativa no tempo médio atribuído às faltas de cada médico. Assim, comprovou-se que existiu homogeneidade entre os grupos, sendo seguro afirmar que cada falta corresponderá em média a cerca de 19,06 minutos de consulta perdida.

Para além de não ter sido observada diferença estatisticamente significativa do número de faltas entre o sexo masculino e feminino, também não se encontrou diferença entre os grupos de utentes faltosos de cada médico em relação à idade e sexo, podendo afirmar-se que os grupos de utentes de cada médico são homogéneos entre si também para essas variáveis biossociais. Estes dados reforçam a ideia de que, independentemente do médico e respetiva agenda, os dados obtidos serão sobreponíveis aos descritos no presente estudo. Contudo, não foram analisadas as características biossociais dos utentes que não faltaram às consultas, não sendo possível determinar quais os grupos mais faltosos, sendo necessários mais estudos para descrever estes dados.

Na Tabela 5 pode observar-se que, tendo em conta o total calculado de consultas programadas realizadas na USF Ramada no ano de 2019 de 31.469 consultas, podem ser estimadas entre 3.397,68 a 4.719,00 faltas no mesmo ano, o que reflete entre 61.396,08 a 94.615,90 minutos de consulta perdidos por falta dos utentes. Para um custo médico por minuto mínimo de 20 cêntimos (total de 12,22 euros por hora) pode estimar-se um custo entre 12.279,22 e 18.923,19 euros e, para um custo médico por minuto máximo de 52 cêntimos, um custo entre 31.925,96 e 49.200,29 euros. Tendo em conta a categoria profissional dos médicos da USF Ramada, para o ano de 2019 pode ser estimado um custo médico associado às faltas dos utentes entre 18.418,82 e 32.169,42 euros.

Tabela 5 Custo estimado das faltas dos utentes da USF Ramada no ano de 2019 

Compreende-se que este custo não corresponderá a uma total ausência de trabalho produzido pelo médico, uma vez que o tempo muitas vezes é utilizado para a atividade não assistencial; no entanto, o tempo correspondente às faltas do utente são horas de trabalho médico não aproveitadas para a finalidade a que se destinam e, para além disso, impossibilitam a atribuição dessas horas de consulta a outros utentes.

O facto de este estudo não ser multicêntrico faz com que existam alguns fatores não avaliados que podem influenciar o número e outras características das faltas dos utentes, o que impossibilitará a generalização definitiva dos resultados obtidos. Entre estes fatores destacam-se: populações diferentes da abrangida pela USF Ramada, noutros contextos socioculturais que possam fazer com que existam mais ou menos faltas; sistemas organizativos que possam prever e corrigir situações de eventuais faltas ou, pelo contrário, situações que possam culminar num maior número de faltas; diferentes tempos de consulta atribuídos às valências, o que poderá traduzir diferente tempo médio de consulta perdido; diferentes modelos organizativos como, por exemplo, em caso de UCSP que apresentem variações no número de faltas e tempo perdido de consulta.

Ainda assim, e apesar de não existir na bibliografia o número explícito de consultas realizadas em USF modelo B no ano de 2019, uma vez que no mesmo ano existiam 1.858 profissionais médicos nestas unidades em Portugal pode-se assumir que o número de consultas programadas para cada médico por ano será semelhante ao realizado na USF Ramada (média de 3.496 consultas por médico; IC95%, 3366-3624). Assim, das 20.715.000 consultas médicas realizadas nos CSP (segundo o Relatório Anual do Acesso a Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas, publicado pelo Ministério da Saúde) estima-se que terão sido realizadas entre 6.254.028 e 6.723.392 consultas médicas programadas em USF modelo B no ano de 2019.

Desta forma, podem estimar-se entre 675.435 a 1.010.008 de faltas a consultas programadas. Assumindo que todos os médicos estariam na categoria profissional base de assistente, posição 1, estima-se um custo mínimo entre 2.441.022,18 e 4.050.135,28 euros para as faltas em USF modelo B em 2019.

O presente estudo, apesar de apenas analisar o impacto económico das faltas dos utentes baseado na remuneração médica por tempo de consulta, elucida sobre o grande volume de custos evitáveis em saúde. A estes poderão ser acrescidos outros, nomeadamente custos por faltas a consultas de enfermagem (para uma mesma marcação ou não), custos administrativos, entre outros que não foram avaliados neste estudo.

Compreende-se que a educação para a saúde da população é de extrema importância nesta área, sensibilizando a comunidade para a utilização racional e responsável dos CSP de forma a contribuir para melhoria dos cuidados de saúde prestados. Para além da diminuição dos custos evitáveis em saúde, uma boa gestão de recursos em saúde que culmine numa diminuição do número de faltas pelos utentes ou na desmarcação com antecedência da consulta por parte do utente permitiria a distribuição dos tempos de consulta por outros utentes. Contribuiria, a longo prazo, para ganhos em saúde e para uma prestação de cuidados de saúde mais equitativa, eficiente e efetiva.

Assim, torna-se essencial implementar estratégias que visem a diminuição das faltas dos utentes, como, por exemplo, a melhoria do sistema de atendimento telefónico ou email que permita a desmarcação atempada de consultas por essas vias, a desmarcação direta da consulta via online, entre outras. Para além disso, o esclarecimento da população, através da divulgação destes malefícios das faltas às consultas programadas, enaltecendo os benefícios da presença nas consultas, tanto para o próprio como ganho em saúde pela consulta médica realizada, como para a população, reforçando que a desmarcação atempada da consulta permite o acesso a outros utentes a este importante recurso.

A educação da comunidade tem um excelente potencial como forma de diminuir consideravelmente os custos evitáveis em saúde.

Conclusão

No presente estudo estimou-se, para o ano de 2019 na USF Ramada, um custo médico entre 18.418,82 e 32.169,42 euros por faltas dos utentes a consultas programadas. Tendo em conta os dados obtidos não existe diferença estatisticamente significativa nas características biossociais dos utentes faltosos. Comprovou-se que as faltas dos utentes correspondem a um grande volume de custos evitáveis em saúde, sendo que a educação da população é de extrema importância nesta área, contribuindo a longo prazo para ganhos em saúde, para a gestão de recursos em saúde e para uma prestação de cuidados de saúde mais equitativa, eficiente e efetiva.

Agradecimentos

Dirijo um agradecimento à minha orientadora de formação, Dra. Cláudia Santos Silva, pelo apoio e conhecimentos transmitidos na realização deste estudo. A todos os profissionais da USF Ramada pela disponibilidade e cooperação.

Contributo do autor

Conceptualização, metodologia, validação, análise formal, investigação, recursos, gestão de dados, redação do artigo, supervisão, administração do projeto, BFP.

Conflito de interesses

O autor declara não possuir quaisquer conflitos de interesse ou fontes de financiamento externos para a realização do presente estudo.

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Recebido: 21 de Janeiro de 2021; Aceito: 09 de Dezembro de 2022

Endereço para correspondência Bruno Ferreira Pedrosa E-mail: brunopedrosa12@gmail.com

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