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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.1 Lisboa fev. 2023  Epub 30-Mar-2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i1.13418 

Estudos originais

Multimorbilidade: impacto no exercício da medicina centrada na pessoa e no distress médico em medicina geral e familiar

Multimorbidity: impact on patient-centered medicine and distress among general practice physicians

Rita Regatia1 
http://orcid.org/0000-0002-8362-4868

Luiz Miguel Santiago1  2 

1. Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal.

2. Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra (CEISUC). Coimbra, Portugal.


Resumo

Introdução:

A multimorbilidade (MM) é muito prevalente. A sua gestão origina sobrecarga em medicina geral e familiar (MGF) com implicações negativas na prática da medicina centrada na pessoa (MCP) e baixa os níveis de saúde mental (ansiedade e depressão) nos médicos de MGF, com impacto nos resultados em saúde. A MCP, reconhecendo holísticamente o doente, promove adesão ao tratamento, melhoria das consequências em saúde e bem-estar na saúde mental dos médicos, importante para melhor desempenho profissional.

Objetivos:

Avaliar se a sobrecarga pela gestão da MM está associada à menor autoperceção da prática de MCP e a sintomas de distress psicológico nos médicos de MGF.

Métodos:

Estudo observacional, transversal em amostra de conveniência de médicos de MGF aplicando um questionário online com o fator «Gestão da Consulta», do Questionário de Avaliação da Sobrecarga da Gestão da Multimorbilidade em MGF (SoGeMM-MGF), a dimensão «Compreender a pessoa como um todo», do Questionário de Autoperceção do Desempenho da Medicina Centrada na Pessoa em MGF, o Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4) e quatro perguntas de contexto. O estudo decorreu em agosto de 2021. Nas escalas, uma maior pontuação significa melhor estado.

Resultados:

Amostra de n=151, 72% feminina, 45% com idade inferior a 35 anos. Verificou-se correlação negativa entre a pontuação «Gestão da Consulta» e «Compreender a pessoa como um todo» (ρ=-0,220; p=0,007) e correlação positiva entre a pontuação «Gestão da Consulta» e PHQ-4 (ρ=0,320; p<0,001).

Conclusões:

Nesta amostra a sobrecarga pela gestão da MM associou-se a menor autoperceção da realização da MCP e a piores níveis e saúde mental nos médicos de MGF.

Palavras-chave: Multimorbilidade; Medicina centrada na pessoa; Ansiedade; Depressão; Medicina geral e familiar

Abstract

Introduction:

Multimorbidity (MM) is becoming ever prevalent, and its management is associated with a higher burden in general practice/family medicine (GP/FM). Patient-centered medicine (PCM) is about recognizing the patient from a holistic perspective, promoting adherence to treatment, and improving health outcomes. Physicians’ well-being and sound mental health are important factors in patient’s provided care, particularly in understanding the patient and valuing illness.

Objectives:

To assess if the burden of the management of MM was associated with a less felt practice of PCM and to worst mental health (anxiety and depression) amongst GP/FM physicians.

Methods:

An observational, cross-sectional study was conducted in a convenience sample of GP/FM physicians by an online questionnaire in dedicated professional sites with the factor «Consultation management» of the Questionnaire of Evaluation of Burden of Management of Multimorbidity in General and Family Medicine (SoGeMM-MGF), the dimension «Understanding the whole person» of the Questionnaire of Self-Awareness of Performing Patient-Centered Medicine in General Practice/Family Medicine (PCM), and the Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4), in August of 2021. For all questionnaires, a higher score means better results.

Results:

Sample of n=151, 72.2% women (n=109) and 45.0% up to 35 years (n=68). We found a negative and significant correlation between the total score of SoGeMM-MGF and PCM (ρ=-0.220; p=0.007) and a positive and significant correlation between the total score of SoGeMM-MGF and PHQ-4 (ρ=0.320; p<0.001.

Conclusion:

In this study, the burden of management of multimorbidity was associated with a lower self-awareness of performing PCM and a higher level of distress (symptoms of anxiety and depression) of GP/FM physicians.

Keywords: Multimorbidity; Patient-centered medicine; Anxiety; Depression; General practice

Introdução

A multimorbilidade (MM) é definida como “qualquer combinação de uma doença crónica com pelo menos uma outra doença (aguda ou crónica), ou com um fator biopsicossocial (associado ou não), ou com um fator de risco somático”.1

Pelo aumento da esperança média de vida e consequente envelhecimento da população, a MM tornou-se uma problemática cada vez mais prevalente, particularmente em idosos, sendo estimada a sua prevalência em Portugal em 72,7% na população adulta. 2

A gestão dos doentes com MM é complexa e exigente, particularmente para os médicos de medicina geral e familiar, pelo que é necessário investigar o seu impacto no bem-estar desta especialidade médica. 3 O Questionário de Avaliação da Sobrecarga da Gestão da Multimorbilidade em Medicina Geral e Familiar (SoGeMM-MGF), desenvolvido em 2019, com coerência e validade de constructo demonstradas, pode ser utilizado como um instrumento fiável para esta análise, tendo a sua estrutura vários fatores. 3

O conceito de Medicina Centrada na Pessoa (MCP), introduzido por Balint na década de 70, é reconhecido como um método importante no exercício da medicina. A MCP baseia-se no reconhecimento do doente numa perspetiva holística, considerando os seus valores, necessidades, preferências e experiências. 4 A MCP está associada a um melhor conhecimento do doente, maior confiança, menor necessidade de referenciação para consultas de outras especialidades médicas, redução da requisição de exames complementares de diagnóstico e diminuição da utilização de cuidados hospitalares. 5 Este método deve ser particularmente exercido nos doentes com MM, através de um processo de decisão partilhada e aliança terapêutica, tendo o paciente um papel ativo quanto às decisões terapêuticas e responsabilidades partilhadas. 6 Em 2016 foi desenvolvido um Questionário de Autoperceção do Desempenho da Medicina Centrada na Pessoa em Medicina Geral e Familiar, que assume a autoavaliação médica como parâmetro de mensuração do exercício da MCP e que demonstrou boa consistência interna e fiabilidade, tendo a sua estrutura vários fatores. 7

A saúde, física e mental, dos profissionais de saúde são importantes fatores para a sua capacidade de exercer a profissão, compreendendo e valorizando a pessoa e a sua MM. 3 Em particular, a ansiedade, a depressão, em conjunto o distress psicológico, podem interferir com a capacidade para tomar decisões e, a longo prazo, com a qualidade de vida. O Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4) foi desenvolvido e validado em 2009 para a deteção de distúrbios de ansiedade e depressão, as mais frequentes perturbações de saúde mental, que muitas vezes coexistem. 8

O objetivo deste trabalho foi avaliar se a sobrecarga decorrente da gestão da MM pelos médicos de MGF estava associada a menor autoperceção da prática da MCP e ainda se essa sobrecarga estava associada a sintomas de ansiedade, de depressão e a distress nos médicos.

Métodos

Desenho do estudo

Estudo observacional e transversal numa amostra de conveniência de médicos de MGF que exerciam a sua atividade profissional na Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro.

A recolha dos dados decorreu no mês de agosto de 2021, tendo sido realizado um convite para resposta ao questionário online através de redes específicas de conversação: a dos tutores de rede alargada e da rede interna da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e a da rede MGFamiliar.

Seleção dos participantes

A população em estudo correspondeu à dos médicos da especialidade de MGF que exerciam a sua atividade laboral nas Unidades de Saúde Familiar (USF) e Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) da ARS do Centro, correspondendo a um total de aproximadamente 1.000 médicos, segundo dados fornecidos pela ARS do Centro.

Definiu-se a amostra representativa desta população mínima com 90 médicos, correspondendo a 10 respostas por cada pergunta do Questionário sobre MCP. Como critérios de inclusão foram estabelecidos: ser médico de MGF, consentir na resposta por assinalar o quadrado específico que dava acesso à continuação de resposta ao questionário e estarem respondidas todas as questões.

Recolha de dados

A recolha de dados teve lugar após o parecer ético positivo da Comissão de Ética da ARS do Centro, homologado pelo respetivo Conselho Diretivo da ARS, a 8 de junho de 2021.

Durante o mês de agosto de 2021 foi aplicado o instrumento de colheita de dados, que incluía um conjunto de questões para a caracterização de contexto, como idade, sexo, tipo de unidade de trabalho (UCSP, USF A ou USF B), fase da formação (interno ou especialista), número médio de consultas realizadas por semana e número médio de consultas realizadas por semana com doentes com MM tanto presenciais com remotas e o fator «Gestão da Consulta» do Questionário SoGeMM-MGF, o fator «Compreender a pessoa como um todo» do Questionário MCP e o instrumento PHQ-4 (em anexo).

O Questionário SoGeMM-MGF3 tem, entre outros fatores, o «Gestão da Consulta», com três questões de autopreenchimento em escala de tipo Likert com cinco alternativas de resposta entre 1 e 5, significando a maior cotação uma maior sobrecarga.

O Questionário MCP7 foi construído e validado em 2016, tendo por base o modelo de Moira Stewart e colaboradores e destina-se à avaliação da autoperceção da sua prática. 9 O fator «Compreender a pessoa como um todo» apresenta três questões, utilizando para resposta uma escala de Likert com quatro opções, significando a maior cotação uma maior autoperceção de praticar MCP.

O Questionário PHQ-48 foi desenvolvido e validado em 2009 por Kroenke e colaboradores e inclui duas questões para rastreio de depressão, o Patient Health Questionnaire-2 (PHQ-2), e duas questões para rastreio de distúrbio de ansiedade generalizada, o Generalized Anxiety Disorder-2 (GAD-2). As quatro questões com resposta em escala Likert com quatro alternativas de resposta entre zero e três permitem, em função do somatório total, considerar quatro níveis de distress: nenhum (pontuação 0-2), ligeiro (pontuação 3-5), moderado/yellow flag (pontuação 6-8) e severo/red flag (pontuação 9-12).

Análise de dados

Foi realizada estatística descritiva para caracterização da amostra e estatística inferencial, nomeadamente o Teste de Kolmogorov-Smirnov de uma amostra, para avaliar a normalidade da distribuição dos dados de variáveis numéricas. Tendo os dados recolhidos distribuição normal, utilizaram-se testes paramétricos, o coeficiente de correlação de Pearson, para avaliar a correlação entre as pontuações totais dos questionários SoGeMM-MGF, MCP e PHQ-4 e os testes t-Student para amostras independentes e ANOVA a um fator para avaliar a existência de diferença entre as categorias das variáveis de contexto, relativamente às três variáveis em estudo. Definiu-se como diferença estatisticamente significativa o valor de p<0,05.

Na análise estatística dos dados recolhidos foi utilizado o software IBM SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), v. 25.

Resultados

Caracterização da amostra

Segundo a Tabela 1, a amostra do estudo foi constituída por 151 médicos de MGF, dos quais 72,2% eram do sexo feminino e 45,0% tinham até 35 anos. Quanto às questões relativas à fase de formação e local de trabalho, 77,5% eram especialistas e 75,5% exercia a sua atividade profissional em USF, 36,4% em modelo A. Relativamente ao número médio de consultas presenciais por semana, 68,2% dos inquiridos estimou realizar mais de 45 consultas e, quanto ao número médio de consultas presenciais e/ou remotas por semana a doentes com MM, 51,0% dos médicos relatou realizar entre 26 a 45 consultas.

Tabela 1 Caracterização da amostra quanto a sexo, grupo etário, fase de formação, unidade de trabalho, número de consultas por semana e número de consultas de pacientes com multimorbilidade por semana 

Verificou-se que 35,1%, 35,8%, 21,9% e 7,3% da amostra estava em Nenhum, Leve, Moderado ou Grave distress psicológico, em função da pontuação em PHQ-4.

Estatística inferencial

O teste de Kolmogorov-Smirnov com a correção de significância de Lilliefors verificou que o somatório total dos questionários SoGeMM-MGF, do MCP e do PHQ-4 tinham distribuição normal.

Avaliou-se a correlação entre as variáveis em estudo pelo coeficiente de correlação de Pearson (Tabela 2), verificando-se ser negativa fraca e significativa entre o somatório total do SoGeMM-MGF e MCP (ρ=-0,220; p=0,007), positiva fraca e significativa entre o somatório total do SoGeMM-MGF e PHQ-4 (ρ=0,320; p<0,001) e negativa e não significativa entre PHQ-4 e MCP (ρ=-0,036; p<0,663).

Tabela 2 Correlações entre os somatórios totais do SoGeMM-MGF, MCP e PHQ-4 

De acordo com a Tabela 3 e relativamente ao somatório total do SoGeMM-MGF, foi encontrada diferença significativa entre grupos para as variáveis «Sexo» (p=0,001) e «Número médio de consultas presenciais e/ou remotas por semana a doentes com MM» (p=0,026). Quanto ao somatório total do questionário sobre MCP verificou-se diferença significativa entre grupos para as variáveis «Fase de formação» (p=0,010) e «Grupo etário» (p<0,001).

Tabela 3 Análise estatística entre grupos de variáveis sexo, fase de formação, grupo etário, unidade de trabalho, número de consultas por semana e número de consultas a pessoas com multimorbilidade por semana, segundo o somatório total do SoGeMM-MGF, MCP e PHQ-4 

A descrição dos valores com significado estatístico encontra-se na Tabela 4. Pode verificar-se que os médicos do sexo feminino e os médicos que relataram mais consultas presenciais com pacientes com MM apresentaram valores mais elevados de avaliação da sobrecarga da gestão da multimorbilidade em medicina geral e familiar e que especialistas em MGF e médicos com idade igual ou superior a 51 anos pontuaram mais em MCP.

Tabela 4 Diferenças entre grupos estatisticamente significativas para o score total do SoGeMM-MGF e MCP 

Discussão

Este trabalho visou contribuir para uma maior compreensão do impacto da MM tanto no exercício da MCP como no bem-estar dos profissionais de saúde, permitindo o encontro de táticas que permitam melhorar a gestão da MM, com diminuição do seu impacto no exercício da medicina e na saúde mental dos médicos.

A prevalência da MM tem vindo a aumentar, particularmente no contexto dos cuidados de saúde primários, em que o médico de MGF exerce um importante papel de gestão destes doentes. No entanto, existem ainda poucos estudos que avaliem o impacto da sobrecarga associada à gestão da MM, nomeadamente no que se refere ao impacto no bem-estar e sobrecarga de trabalho e estado psíquico dos médicos. 3,7

O questionário SoGeMM-MGF, desenvolvido por autores portugueses, foi construído e validado para avaliação do impacto da sobrecarga da gestão da MM em MGF, no contexto da população portuguesa, desconhecendo-se a existência de outros instrumentos com objetivos semelhantes validados para língua portuguesa ou inglesa. 3

O presente trabalho fez uso desse questionário para avaliar a influência da sobrecarga associada à gestão da MM na autoperceção da realização da MCP pelos médicos de MGF. 5-7 Isto é, avaliou-se o impacto desta sobrecarga no reconhecimento do doente numa perspetiva holística, considerando os seus valores e preferências. Este estudo avaliou também a relação entre a gestão da MM e a saúde mental dos médicos de MGF, procurando perceber se a sobrecarga desta gestão se associava a um maior nível de ansiedade e depressão, o distress psicológico. Esta investigação original considerou variáveis que, de acordo com a revisão da literatura em língua inglesa e portuguesa, ainda não foram abordadas em conjunto.

A leitura dos presentes resultados deve, no entanto, ser cuidadosa e crítica, pois os resultados advêm de amostragem de conveniência, porventura tendo respondido mais os médicos que atribuíam maior valor aos temas em estudo. A capacidade de realização por outra forma de aplicação de questionário seria também passível de crítica, pois a aplicação presencial obrigaria o médico a responder na hora, podendo a resposta ser enviesada pelo estado de espírito do momento. A aplicação online teve, pelo menos, a capacidade de permitir ao médico a resposta no seu tempo mais adequado, evitando outros vieses como os da disponibilidade, pressão e desejabilidade social. Em tempos de pandemia COVID-19 julgou-se ser esta a melhor e mais prática forma de realização deste trabalho. A sua leitura, assumindo-se o caráter exploratório apenas numa região de saúde do País, poderá não espelhar o total nacional.

Verificou-se uma correlação significativa e negativa entre o somatório total dos questionários SoGeMM-MGF e MCP, o que indica que a sobrecarga pela gestão dos doentes com MM se associava a uma menor autoperceção da realização da MCP por parte dos médicos de MGF. Este achado é muito importante, pois a prática da MCP tem diversas vantagens, como uma menor necessidade de referenciação do doente e a redução da requisição de exames complementares de diagnóstico, promovendo também a adesão ao tratamento e uma melhoria de resultados e consequências em saúde. Assim, será relevante estudar formas de minorar a sobrecarga da gestão da MM para evitar este impacto prejudicial no exercício da medicina.

A correlação positiva entre a soma total dos questionários SoGeMM-MGF e PHQ-4 apresentou significância estatística, o que permite inferir que a sobrecarga da gestão da MM estava associada a um maior impacto na saúde mental dos médicos de MGF, nomeadamente a sintomas de ansiedade e depressão. Este resultado é relevante, pois a saúde dos médicos é um fator importante na qualidade do exercício da profissão e na compreensão e valorização da pessoa doente e das suas doenças. Neste sentido, será vantajoso investigar, para uma gestão mais eficaz da MM, mecanismos de coping que possam auxiliar na diminuição do distress psicológico e melhoria da saúde mental dos médicos de MGF.

Quanto ao questionário SoGeMM-MGF, foi encontrada diferença significativa para a variável «Sexo», tendo o sexo feminino demonstrado uma maior sobrecarga pela gestão da MM. Para a variável «Número médio de consultas presenciais e/ou remotas por semana a doentes com MM», a sobrecarga foi sentida pelos médicos com a gestão da MM tanto maior quanto maior o número médio de consultas a doentes com MM. Mais uma vez se salienta a necessidade de encontrar formas de trabalho diferentes das atuais para reduzir situações que podem interferir com a qualidade do ato médico.

No questionário MCP foi encontrada diferença significativa entre grupos para a variável «Fase de formação», sendo que os médicos especialistas em MGF tinham maior autoperceção da realização de MCP que os médicos internos da especialidade; também para a variável «Grupo etário», para a qual, quanto maior a idade, mais sentida era a realização da MCP. Tal pode sugerir que, com os anos de experiência clínica, existe uma maior capacidade de entender o doente numa perspetiva holística, pelo que será relevante reconhecer causas para que isso aconteça e definir táticas com o objetivo de capacitar os médicos de família em fases iniciais do seu processo formativo, que estará porventura muito mais virado para a doença e para o seu normativo terapêutico.

Conclusão

A sobrecarga pela gestão da MM associou-se a uma menor autoperceção da realização da MCP (ρ=-0,220; p=0,007) e ainda a um maior nível de distress (sintomas de ansiedade e depressão) nos médicos de MGF (ρ=0,320; p<0,001).

Desta forma, é importante que no futuro sejam estudadas estratégias para tornar a gestão dos doentes com MM mais eficaz, procurando minorar a sobrecarga sentida pelos profissionais de saúde e, assim, não prejudicar o exercício da MCP nem a saúde mental dos médicos de MGF.

Contributo dos autores

Conceptualização, RR e LMS; metodologia, RR e LMS; análise formal, RR e LMS; investigação, RR e LMS; gestão de dados, RR e LMS; redação do draft original, RR e LMS; revisão, edição e validação do texto final, RR e LMS; visualização, RR e LMS.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Referências bibliográficas

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Anexos

Anexo 1 Fator «Gestão da Consulta» do Questionário de Avaliação da Sobrecarga da Gestão da Multimorbilidade em Medicina Geral e Familiar (SoGeMM-MGF) 

Recebido: 18 de Dezembro de 2021; Aceito: 28 de Dezembro de 2022

Endereço para correspondência Rita Regatia E-mail: ritaregatia@gmail.com

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