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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.3 Lisboa June 2023  Epub June 30, 2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i3.13447 

Estudos originais

Indicadores de saúde infantil nos cuidados de saúde primários e pandemia Covid-19

Child health indicators in primary health care and the Covid-19 pandemic

Henrique Medeiros1 
http://orcid.org/0000-0002-7111-0202

Luiz Miguel Santiago2  3 

1. Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal.

2. Clínica Universitária de Medicina Geral e Familiar, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal.

3. USF Topázio, ACeS Baixo Mondego. Coimbra, Portugal.


Resumo

Introdução:

Vários fatores podem ter impacto no seguimento infantil nos dois primeiros anos de vida, destacando-se a pandemia COVID-19. É, assim, pertinente conhecer a evolução de indicadores de saúde infantil.

Objetivo:

Estudo da dinâmica dos indicadores 269 (índice de acompanhamento adequado em saúde infantil no segundo ano de vida) e 302 (índice de acompanhamento adequado em saúde infantil no primeiro ano de vida) a nível nacional e por Administração Regional de Saúde (ARS) entre janeiro de 2018 e janeiro de 2021.

Método:

Estudo observacional transversal de indicadores obtidos na Matriz de Indicadores dos Cuidados de Saúde Primários, desagregados por total nacional e região de saúde. Tratamento estatístico descritivo e inferencial.

Resultados:

A nível nacional, de janeiro de 2018 a janeiro de 2020, o indicador 269 teve dinâmica de evolução (Δ)=+0,03 e de janeiro de 2020 para janeiro de 2021 teve Δ=-0,009. Para os mesmos intervalos de tempo, o indicador 302 teve Δ=+0,02 e Δ=-0,02, respetivamente. Verificaram-se diferenças nos indicadores e nas suas dinâmicas de evolução segundo a área geográfica administrativa da saúde.

Conclusões:

Os valores dos indicadores aumentaram entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020 e diminuíram entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021. Verificaram-se diferenças nos valores do acompanhamento no primeiro e segundo anos de vida. É de destacar o impacto da pandemia COVID-19, com uma diminuição da adesão à vacinação, diminuição dos recursos humanos necessários e sobrecarga laboral. Portugal mantém-se, até 2020, com bons indicadores de saúde infantil nos dois primeiros anos de vida em comparação com outros países. São necessários estudos posteriores que definam medidas para atuar nas fragilidades detetadas e entender o impacto a longo prazo da pandemia COVID-19.

Palavras-chave: Indicadores; Saúde infantil; Pandemia COVID-19; Medicina geral e familiar

Abstract

Introduction:

Several factors can have an impact on child follow-up in the first two years of life, highlighting the COVID-19 pandemic. It is therefore pertinent to know the evolution of child health indicators.

Objective:

Study of the dynamics of indicators 269 (index of adequate follow-up in child health in the second year of life) and 302 (index of adequate follow-up in child health in the first year of life) at the national level and by Regional Health Administration (ARS) between January 2018 and January 2021.

Methods:

Cross-sectional observational study of the indicators obtained in the Matrix of Indicators of Primary Health Care, disaggregated by national total and Health Region. Descriptive and inferential statistical treatment.

Results:

At the national level and from January 2018 to January 2020, indicator 269 had an evolution dynamics (Δ=+0.03, and from January 2020 to January 2021 it had Δ=-0.009. For the same time intervals, indicator 302 had Δ=+0.02 and Δ=-0.02 respectively. Differences were found in the indicators and their dynamics according to the administrative geographic area of health.

Conclusions:

The indicator values increased between January 2018 and January 2020 and decreased between January 2020 and January 2021. Differences were found in the values in the follow-up in the first and second years of life. It is worth observing the impact of the COVID-19 pandemic, with a decrease in adherence to vaccination, a decrease in the human resources needed for vaccination, and work overload. Portugal remains until 2020 with good child health indicators in the first two years of life compared to other countries. Further studies are needed to define measures to act on the weaknesses detected and to understand the long-term impact of the COVID-19 pandemic.

Keywords: Indicators; Children’s health; COVID-19 pandemic; General and family medicine

Introdução

A taxa de natalidade tem diminuído de forma progressiva, colocando em causa o equilíbrio populacional.1 A importância de preservar a saúde das crianças nos primeiros dois anos de vida deve ser salientada por ser um período de crescimento e vulnerabilidade acentuados.

São vários os fatores atuais que têm impacto no acompanhamento neste período de vida, desde a organização dos próprios cuidados de saúde primários (número e tipo de unidades funcionais e número de médicos de família) até ao impacto da pandemia COVID-19 a partir de 2020.

Nas crianças, o impacto da pandemia COVID-19 não foi direto (com um aumento acentuado da mortalidade). Contudo, com a pandemia foi necessário alterar e reestruturar as equipas e as suas atividades nos cuidados de saúde primários, o que teve o seu impacto no acompanhamento infantil. Para minimizar esse risco, a Direção-Geral da Saúde (DGS) emitiu uma informação em 26 de março de 2020 (n.º 008/2020), sobre o Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil e epidemia de Covid-19,2 em que se destaca a decisão de manter as atividades de saúde infantil e juvenil para idades inferiores a dois anos e as de atualização do Programa Nacional de Vacinação (PNV) com os cuidados necessários.

De forma a avaliar o peso destes fatores no acompanhamento infantil é necessário avaliar o grau de cumprimento do Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil (PNSIJ). Este programa define critérios para avaliar a criança de uma forma completa e integrada, considerando fatores biológicos, comportamentais, familiares, sociais, ambientais, culturais e socioeconómicos, permitindo promover a saúde, prevenir a doença e atuar perante necessidades. Para monitorizar o cumprimento destes critérios utilizam-se indicadores.

Os indicadores são instrumentos de monitorização indireta da comunidade. Permitem avaliar a eficácia de medidas de saúde, os recursos disponíveis e o estado de saúde populacional. Perante os resultados constroem-se plataformas de informação que permitem auxiliar na investigação de estratégias de intervenção. Para uma representação real têm de ter uma elevada sensibilidade, especificidade, sustentabilidade, relevância prática, efetividade alta e baixo custo. 3

O objetivo deste trabalho é avaliar a evolução dos indicadores 269 (índice de acompanhamento adequado em saúde infantil no segundo ano de vida) e o indicador 302 (índice de acompanhamento adequado em saúde infantil no primeiro ano de vida) a nível nacional e por Administração Regional de Saúde (ARS) entre janeiro de 2018 e janeiro de 2021.

Método

Desenho do estudo

Realizou-se um estudo observacional transversal de dois indicadores (269 e 302) do Bilhete de Identidade dos Cuidados de Saúde Primários (BI-CSP), analisando o total nacional e por ARS.

Os indicadores 269 e 302 correspondem, respetivamente, ao índice de acompanhamento adequado em saúde infantil no segundo ano de vida e ao índice de acompanhamento adequado em saúde infantil no primeiro ano de vida.

Tratam-se de índices com valores de zero a um. No numerador consta a soma da pontuação do cumprimento de vários critérios. O denominador é constituído por todas as crianças que completem a idade correspondente no período de análise do indicador e que são inscritas na unidade de saúde nesse período.

Para o primeiro ano de vida, os critérios são a realização de pelo menos seis consultas médicas e de enfermagem de vigilância, pelo menos uma consulta médica de vigilância nos primeiros vinte e oito dias de vida, a realização do diagnóstico precoce (TSH/PKU) nos primeiros seis dias de vida, dois registos parametrizados de avaliação do desenvolvimento psicomotor (Sheridan) e o cumprimento do PNV. Para o segundo ano de vida, os critérios são a realização de pelo menos três consultas médicas de vigilância, um registo parametrizado da avaliação do desenvolvimento psicomotor (Sheridan), o cumprimento do PNV e três registos de peso e de altura. 4

Foram incluídos dados do mês de janeiro de 2018 a janeiro de 2021, colhidos retrospetivamente de julho a setembro de 2021. Definiu-se este intervalo de tempo porque incluía o período pré-pandémico e pandémico, permitindo, assim, comparar a evolução dos indicadores em estudo nos dois períodos.

Este estudo está em conformidade com princípios éticos e legais, respeitando as recomendações da Declaração de Helsínquia. Tratando-se de dados públicos anonimizados, dispensou-se a obtenção de parecer da Comissão de Ética.

Colheita de dados

Os dados foram obtidos na Matriz de Indicadores do BI-CSP, no separador «ACeS - Visão Actual». Para cada um dos indicadores em estudo pesquisou-se, num período de análise flutuante, o valor do indicador para cada Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) de cada ARS para o mês de janeiro de cada ano (2018 a 2021). Foram incluídas as cinco ARS nacionais (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo LVT, Alentejo e Algarve) e os ACeS de cada ARS (vinte e quatro da ARS Norte, nove da ARS Centro, quinze da ARS LVT, quatro da ARS Alentejo e três da ARS Algarve - cinquenta e cinco no total nacional). O valor das ARS foi obtido pela média dos valores dos ACeS e o valor nacional foi obtido por média total.

Os dados foram exportados para bases de dados no Microsoft Office Excel, v. 2110.

Análise estatística

As bases de dados foram processadas com recurso ao IBM SPSS Statistics, v. 27.

Aplicou-se o teste Kolmogorov-Smirnov para verificar se havia distribuição normal dos dados numéricos para uma amostra com menos de cem elementos. A variável independente foi a ARS e as variáveis dependentes foram o valor dos indicadores para cada ano e as respetivas dinâmicas de evolução.

Verificou-se que os dados não apresentavam uma distribuição normal, aplicando-se posteriormente um método estatístico não paramétrico para mais de dois grupos independentes, o teste de Kruskal-Wallis. A variável independente foi a ARS e as variáveis dependentes foram o valor dos indicadores para cada ano e as respetivas dinâmicas de evolução.

Realizou-se ainda estatística descritiva (média, desvio-padrão, mínimo e máximo) a nível nacional e para cada ARS.

Definiu-se o nível de significância estatística para <5% (α=0,05).

Resultados

A estatística descritiva de cada um dos indicadores para cada uma das variáveis em geral e para cada ARS está representada nas Tabelas 1 e 3 e nas Figuras 1 e 3.

Na Tabela 1 e na Figura 1 observam-se os valores do indicador 269.

Tabela 1 Estatística descritiva do indicador 269 

Figura 1 Valores do indicador 269. 

A nível nacional, para janeiro de 2018 a janeiro de 2020, o indicador 269 teve dinâmica de evolução (Δ)=+0,03 (0,778±0,135 para 0,802±0,125) e de janeiro de 2020 para janeiro de 2021 teve Δ=-0,009 (0,802±0,125 para 0,782±0,118).

Para a ARS Centro, ARS Alentejo e ARS LVT verificou-se um aumento do valor do indicador 269 entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020 e uma diminuição entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021.

Para a ARS Norte verificou-se uma diminuição do valor do indicador 269 entre janeiro de 2018 e janeiro de 2019, aumento entre janeiro de 2019 e janeiro de 2020 e decréscimo até janeiro de 2021.

Para a ARS Algarve verificou-se um aumento progressivo do valor do indicador 269 entre janeiro de 2018 e janeiro de 2021.

O valor máximo nacional do indicador 269 identificado entre janeiro de 2018 e janeiro de 2021 foi de 0,967.

Ao comparar os valores do indicador 269 das ARS em cada ano verifica-se que em todos os anos a ARS Norte tem o melhor valor, seguida da ARS Centro e da ARS Alentejo. A ARS LVT e ARS Algarve apresentam os valores mais baixos. A ARS Algarve apresenta, no entanto, uma melhor evolução ao longo do tempo.

Com o teste Kruskal-Wallis, e de acordo com a Tabela 2 e a Figura 2, verificou-se que os valores absolutos do indicador 269 para cada ano e as dinâmicas de evolução 18-19, 18-20, 18-21 e 20-21 são estatisticamente significativos.

Tabela 2 Valores de significância estatística para o indicador 269 

Figura 2 Significância estatística para o indicador 269. 

Na Tabela 3 e na Figura 3 observam-se os valores do indicador 302.

Tabela 3 Estatística descritiva do indicador 302 

Figura 3 Valores do indicador 302. 

A nível nacional, para janeiro de 2018 a janeiro de 2020, o indicador 302 teve Δ=+0,02 (0,868±0,082 para 0,886±0,068) e de janeiro de 2020 para janeiro de 2021 teve Δ=-0,02 (0,886±0,068 para 0,866±0,064).

Para a ARS LVT, ARS Algarve, ARS Centro e ARS Alentejo verificou-se um aumento do valor do indicador 302 entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020 e uma diminuição entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021.

Para a ARS Norte verifica-se uma diminuição do valor do indicador 302 entre janeiro de 2018 e janeiro de 2019, aumento entre janeiro de 2019 e janeiro de 2020 e decréscimo até janeiro de 2021.

O valor máximo geral do indicador 302 identificado entre janeiro de 2018 e janeiro de 2021 foi de 0,973.

Ao comparar os valores do indicador 302 das ARS em cada ano verifica-se que em todos os anos a ARS Norte tem o melhor valor, seguida da ARS Centro e da ARS Alentejo. A ARS LVT e ARS Algarve apresentaram os valores mais baixos. A ARS Algarve, no entanto, a partir de janeiro de 2019 apresenta valores superiores.

Com o teste Kruskal-Wallis, e de acordo com a Tabela 4 e a Figura 4, verificou-se que os valores absolutos do indicador 302 para cada ano e as dinâmicas de evolução 18-19, 18-20 e 18-21 são estatisticamente significativos.

Tabela 4 Valores de significância estatística para o indicador 302 

Figura 4 Significância estatística para o indicador 302. 

Discussão

Os resultados mostram que existe variação dos indicadores 269 e 302 ao longo do tempo e entre regiões. Para a maioria das ARS, os valores dos indicadores aumentaram entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020 e diminuíram entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021. Apesar da variação, os indicadores nos seus valores máximos estiveram distantes de 1, o que salienta valores com possibilidade de melhoria.

Um dos fatores a salientar na diminuição dos indicadores a partir de 2020 é a pandemia COVID-19. Apesar da tentativa de manter as atividades de saúde infantil para idades inferiores a dois anos por parte da DGS, vários estudos verificaram, em diferentes países, incluindo Portugal, uma menor adesão à vacinação infantil por cumprimento de medidas de isolamento social, receio de infeção nas unidades funcionais e de sobrecarga dos médicos. 5-12

Além da menor adesão à vacinação por parte dos cuidadores verificou-se também uma centralização de recursos humanos para atividades de controlo da pandemia COVID-19, como, por exemplo, os centros de vacinação para a COVID-19 e que limitaram os recursos humanos disponíveis para atualização do PNV das crianças. 13

Na Inglaterra verificou-se uma diminuição da administração da VASPR a partir de março de 2020. 14 Nos Estados Unidos da América constatou-se uma diminuição geral da administração de vacinas do PNV. 15 Em Singapura registou-se a diminuição moderada da inoculação das vacinas DTPaHibVIP e antipneumocócica e uma diminuição acentuada da VASPR.16 Verifica-se diminuição da imunidade de grupo para várias doenças cobertas pela vacinação, sendo estas consequências já descritas. 6

A diminuição da taxa de vacinação leva ao incumprimento de critérios dos indicadores, o que induz uma diminuição dos valores dos mesmos.

Com a pandemia aumentou o número de teleconsultas. Estas aumentam a adesão às consultas por menor risco de infeção e verifica-se também uma diferente avaliação do neurodesenvolvimento, já que a criança está mais espontânea no seu ambiente, podendo exibir melhor certas capacidades. No entanto, constata-se uma discrepância na seleção de crianças para teleconsulta, menor eficácia diagnóstica (graças à limitação do exame objetivo e não adaptação das escalas para as teleconsultas), dificuldades técnicas (como a conexão à Internet) e dificuldades legais, já que as teleconsultas não são consideradas atos médicos em certas legislações. 7,10 No entanto, apesar de a DGS, através da informação n.º 008/2020, de 26 de março de 2020, ter definido a possibilidade de consultas por telecontacto/telemedicina como opção para garantir o cumprimento de algumas atividades do PNSIJ, 2 a maioria das atividades de acompanhamento infantil foram realizadas em consultas presenciais; por conseguinte, a alteração do paradigma de consulta não é considerada um fator influente na variação dos indicadores em estudo.

As regiões nacionais não foram igualmente afetadas pela pandemia. No entanto, a ordem dos valores dos indicadores das ARS em cada ano manteve-se igual, antes e durante a pandemia.

Em relação ao número e tipo de unidades funcionais, a ARS Norte tinha o maior número, sendo seguida pela ARS LVT, ARS Centro, ARS Alentejo e ARS Algarve. A ARS Norte tem o maior número de infraestruturas e o maior número de USF-B (Unidade de Saúde Familiar modelo B), o que pode explicar os valores mais elevados para os indicadores estudados. No entanto, a ARS LVT é a segunda com maior número de infraestruturas e maior número de USF-B e tem os valores mais baixos para os indicadores. 17

Em relação ao número de médicos de família verificou-se a mesma ordem das ARS entre si. Foi também constatado que entre 2018 e 2021 o número de médicos de família em cada região variou, mas sem nenhum padrão específico que explique os resultados. 18

É necessário avaliar o impacto da variação dos indicadores na taxa de mortalidade infantil. Esta diminuiu entre 2018 e 2020. De momento, não existem dados disponíveis para 2021, pelo que não é possível avaliar o impacto da diminuição dos indicadores neste período. A área com maior número de mortes antes do primeiro ano de vida foi a Área Metropolitana de Lisboa, a qual teve valores baixos para os indicadores. Em comparação com outros países, em 2018, Portugal estava na 14.ª posição com valor mais baixo de mortalidade infantil (3,3‰). Em 2019 estava na 9.ª posição com valor mais baixo, com uma mortalidade infantil de 2,8‰. Em 2020, o valor era 2,4‰, mas ainda não existem dados referentes a todos os países disponíveis para comparação. 19-20

É possível comparar Portugal com outros países em relação a indicadores de saúde infantil dos primeiros dois anos de vida entre 2018 e 2020. 21-22

Na percentagem de cobertura da inoculação da vacina DTP, em 2018 e 2019, Portugal estava no grupo com maior percentagem.

Na percentagem de cobertura da segunda dose da vacina contra o sarampo, em 2018, Portugal estava no segundo grupo com maior percentagem, mas em 2019 estava no quarto grupo com maior percentagem.

Na percentagem de cobertura da terceira dose da vacina antipneumocócica, em 2019, Portugal estava no segundo grupo com maior percentagem.

Na percentagem de crianças com baixa estatura, em 2020, numa ordem crescente, Portugal ocupava a 16.ª posição, tendo uma baixa percentagem.

Na percentagem de crianças com baixo peso, entre 2011 e 2020, numa ordem crescente, Portugal ocupava a 9.ª posição, tendo uma baixa percentagem.

Na percentagem de crianças com excesso de peso, em 2020, numa ordem crescente, Portugal ocupa a 108.ª posição, tendo uma elevada percentagem.

Em comparação com outros países, Portugal está em boa posição, com um alerta para a diminuição da cobertura da vacina do sarampo e uma posição elevada no número de crianças com excesso de peso. É necessário comparar estes dados com a atualização de 2021. Regista-se uma diminuição da vacinação que se verifica antes da pandemia, pelo que há necessidade de estudos que avaliem outros fatores influenciadores e o desenvolvimento de medidas para aumentar a adesão à vacinação.

Comparando os dois indicadores verificou-se que o indicador 269 teve um maior crescimento entre 2018 e 2020 e um menor decréscimo entre 2020 e 2021 que o indicador 302. No entanto, o indicador 302 tem no global melhores resultados que o 269. Este facto revela que o cumprimento dos critérios de acompanhamento no primeiro ano de vida pode ser maior do que no segundo ano de vida, apesar de no acompanhamento no primeiro ano de vida existirem mais critérios. Vários fatores podem estar envolvidos, como uma maior preocupação com a criança no primeiro ano de vida e maior adesão às consultas neste período.

Existem limitações a referir deste estudo.

Algumas dinâmicas de evolução não apresentaram significância estatística, principalmente a 19-20 e 19-21 para os dois indicadores. Podem existir vieses de colheita de dados do Bilhete de Identidade dos Cuidados de Saúde Primários ou vieses de metodologia estatística.

Os indicadores estudados refletem atividade ou processo. Para estudar o impacto a longo prazo dos resultados é necessário investigar indicadores de resultado/consequência.

No momento da elaboração deste trabalho não existiam outros trabalhos acessíveis que analisassem este tema, o que dificulta a discussão e a comparação. Este trabalho permite então levantar problemas com necessidade de investigação em estudos futuros.

Os próprios indicadores, apesar da sua utilidade inequívoca, não devem ser a única ferramenta para avaliar a qualidade do acompanhamento. São designados de indicadores porque são apenas rumos de orientação, já que não conseguem transpor de forma objetiva a realidade do mundo. 23 Se assim for, corre-se o risco de uma maior preocupação em cumprir critérios do que adaptá-los à realidade e particularidade de cada doente.

Os próprios indicadores utilizados (269 e 302), nos critérios do Bilhete de Identidade, não incluem as mais recentes inoculações.

Estão registados, no Bilhete de Identidade de Indicadores de Monitorização e Contratualização de 2022, dois novos indicadores para avaliar o acompanhamento infantil nos primeiros dois anos de vida: o indicador 442 para o primeiro e o 443 para o segundo ano. 24-25

Na sua estrutura são iguais aos indicadores 269 e 302. No entanto, exigem cumprimento de novos critérios e os critérios que são comuns têm diferentes ponderações.

Em relação à não atualização dos critérios para o PNV constatam-se avanços nestes novos indicadores, mas ainda há falhas. Os novos indicadores incluem as inoculações contra o Streptococcus pneumoniae (Pn13), adicionadas em 01/janeiro/2015 ao PNV. Contudo, não incluem as inoculações contra a Neisseria meningitidis serogrupo B (MenB), adicionadas ao PNV em 30/dezembro/2019. 26

Portanto, apesar da evolução, segundo o PNV atual mantém-se a não atualização dos indicadores.

Este modelo não pode ser utilizado nas Regiões Autónomas, já que a Matriz dos Indicadores dos Cuidados de Saúde Primários apenas fornece dados de regiões de Portugal Continental. As Regiões Autónomas têm indicadores próprios desenvolvidos pelas respetivas Direções Regionais de Saúde.

Conclusão

Portugal, nos últimos anos, tem apresentado bons indicadores de saúde infantil nos dois primeiros anos de vida. No entanto, é necessário investigar e definir medidas para identificar e atuar no impacto da pandemia COVID-19 no acompanhamento infantil durante este período.

Contributo dos autores

Conceptualização, HM e LMS; metodologia, HM e LMS; validação, HM e LMS; análise formal, HM e LMS; investigação, HM e LMS; recursos, HM e LMS; gestão de dados, HM e LMS; redação do draft original, HM; redação, validação e edição do texto final, HM e LMS; visualização, HM e LMS; supervisão, LMS; administração do projeto, LMS.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Financiamento

Este trabalho não recebeu qualquer tipo de suporte financeiro de nenhuma entidade do domínio público ou privado.

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Recebido: 11 de Fevereiro de 2022; Aceito: 14 de Abril de 2023

Endereço para correspondência Henrique Medeiros E-mail: hmmedeiros17@gmail.com

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