SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.39 número6O médico e a prática da Medicina Centrada na Pessoa: adaptação cultural e validação de questionário de autoavaliação retrospetivaDuração da consulta: fatores influenciadores e perspetivas de médicos e utentes - um estudo transversal índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.6 Lisboa dez. 2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i6.13577 

Estudos originais

Influência sociodemográfica na adesão ao isolamento social e ao uso de máscaras durante a pandemia de COVID-19 no Brasil

Sociodemographic influence on adherence to social isolation and the use of masks during the COVID-19 pandemic in Brazil

Maria Beatriz Silva Duarte1 
http://orcid.org/0000-0003-0266-9384

Alana Silva Monteiro1 

Ana Clara Vargas Consoli Almeida1 

Renata Pinto Ribeiro Miranda2 

Mariana Pinto Bosco1 

1. Acadêmica. Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIt). Itajubá, Minas Gerais, Brasil.

2. Orientadora e Professora. Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIt). Itajubá, Minas Gerais, Brasil.


Resumo

Introdução/Objetivos:

No final de 2019, autoridades relataram sobre pacientes com pneumonia de causa desconhecida. A etiologia identificada foi um novo coronavírus (SARS-CoV-2), apontando que isolamento social e uso de máscaras faciais seriam úteis para a prevenção do quadro. Desse modo, o estudo objetivou identificar a influência sociodemográfica na adesão às medidas de contenção à pandemia de COVID-19.

Método:

Estudo transversal e quantitativo realizado por meio de plataforma online, com uma amostra de 291 indivíduos, a quem foram enviadas mensagens instantâneas, juntamente com os dois questionários, o primeiro contendo questões sociodemográficas e o segundo referente aos possíveis fatores que influenciam na adesão às medidas de contenção à pandemia. Ao final da coleta de dados foram realizadas as análises descritivas com os dados da caracterização sociodemográfica dos participantes. Foram utilizados o Minitab 16 e Bioestat 5.0 para análise dos testes qui-quadrado e G e considerado nível de significância 0,05 e resíduo maior que 1,96 para efeito de análise.

Resultados:

Amostra de 291 indivíduos, com predomínio do sexo feminino (67,9%), da faixa etária de 18 a 25 anos (31,4%), de participantes com ensino superior completo (47,1%), residentes na região Sudeste (93,5%) e de indivíduos que trabalham no setor terciário (47,2%). No que tange ao uso de máscaras encontrou-se significância estatística nas variáveis grupo de risco, idade, setor econômico e ensino superior incompleto.

Conclusão:

O estudo evidenciou expressiva adesão ao isolamento social entre participantes com mais de 60 anos, os que possuem entre seis e 10 cômodos na residência, profissionais do setor terciário e indivíduos que se informam por jornais, revistas, rádios e outros meios. Quanto à adesão ao uso de máscaras faciais destacaram-se participantes com ensino superior completo, pertencimento ao grupo de risco e crença na eficácia do EPI. Desse modo, demonstrou-se a importância do envolvimento da população no enfrentamento de pandemias.

Palavras-chave: COVID-19; Pandemias; Isolamento social; Equipamento de proteção individual; Fatores socioeconômicos; Prevenção de doenças

Abstract

Introduction and goals:

At the end of 2019, authorities reported people with pneumonia without apparent reason. This way, the agent identified a new coronavirus (SARS-CoV-2), demonstrating that a great solution would be social isolation and the use of surgical masks. This research has the objective to identify the socio-demographic influence in joining the measures to prevent the spread of the virus and contain the pandemic of COVID-19.

Methods:

Transversal and quantitative research was done through an online platform, gathering information through instant messages and two questionnaires completed by 291 participants. The first questionnaire contained sociodemographic questions and the second referred to possible reasons that affect the acceptance of mandates to prevent the virus. A descriptive analysis was made afterward, using Minitab 16 and Bioestat 5.0 to analyze chi-squared and G tests, and the importance level of 0.05 and more than 1.96 as a residue to calculate was considered.

Results:

A sample of 291 participants, which contained more females than males (67.9%), people between 18 and 25 years old (31.4%), people that finished high school (47.1%), the population of Southeast (93.5%) and people that work in the third sector (47.2%). When related to the use of masks, there was a significant variance in groups of risk, age, economic sector, and incomplete high school.

Conclusion:

The research showed a great number of people isolating themselves. Most of them were more than 60 years old, people who had between 6 to 10 rooms at home, professionals from the third sector, and people who got informed by the media. Regarding the use of the masks, the greatest participants were people who finished high school, groups at risk, and people who trusted the masks’ efficiency. This way, it was possible to realize the importance of involving the population to combat the pandemic.

Keywords: COVID-19, Pandemics; Social isolation; Personal protective equipment; Socioeconomic factors; Disease prevention

Introdução

No final de dezembro de 2019, várias autoridades de saúde relataram sobre grupos de pacientes com pneumonia de causa desconhecida, os quais estavam epidemiologicamente ligados ao mercado de frutos do mar em Wuhan, na província de Hubei, China. (1 O patógeno, um novo coronavírus (SARS-CoV-2), foi identificado por hospitais da região utilizando o mecanismo de vigilância para “pneumonia de etiologia desconhecida”, a qual foi estabelecida durante o surto de SARS em 2003. (1 O aumento do número de casos rapidamente caracterizou a infecção como um surto, de modo que, no final de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a situação como uma emergência em saúde pública de interesse internacional. (2

De acordo com o Ministério da Saúde, no dia 01 de junho de 2020, o Brasil registrou um total de 526.447 casos confirmados e 29.937 mortes por COVID-19, sendo que as taxas de mortalidade em tal país seguiram um aumento exponencial semelhante ao dos EUA. (3 Logo, pouco mais de um ano depois, em 13 de julho de 2021, o Brasil registrou 187.086.096 casos e 4.042.921 mortes por COVID-19. (3

Estimativas apontaram que, caso não houvesse intervenções, o COVID-19 resultaria em 7,0 bilhões de infecções e 40 milhões de mortes globalmente, somente no ano de 2020. Assim, estratégias de atenuação focadas em proteger os mais velhos (redução de contato social em 60%) e diminuição, mas não interrupção da transmissão (40% de redução de contato social para maior parte da população) pode reduzir esse ônus pela metade, salvando em torno de 20 milhões de vidas, mas mesmo neste cenário otimista acredita-se que os sistemas de saúde de todos os países seriam rapidamente sobrecarregados. (4

Um estudo que avaliou a eficácia do isolamento de casos no controle da COVID-19 mostrou que este pode ser suficiente para seu controle em um período de três meses, tendo sido mais eficaz quando havia baixa transmissão, antes do início dos sintomas. No entanto, apenas o isolamento, sem as medidas adequadas de precaução, pode ser considerado insuficiente para controlar o surto. Assim, a sociedade/comunidade foi alertada para a importância da técnica correta de higienização das mãos, uso de máscara e medidas de higiene de superfícies que evitam em conjunto a disseminação do vírus. (2 Estudos apontam que as máscaras faciais, quando adaptadas adequadamente, interrompem efetivamente a dispersão das partículas expelidas por meio da tosse ou espirro, impedindo a transmissão de doenças respiratórias. Porém, apenas o uso da máscara é insuficiente para fornecer o nível seguro de proteção isoladamente, devendo ser sempre associada às já referidas, como a higiene das mãos, sobretudo antes e após a utilização das máscaras. (5

Contudo, apesar de evidências científicas sobre a importância das medidas de contenção como isolamento social, uso das máscaras faciais e práticas de higiene para a prevenção de doenças, o presente projeto torna-se relevante no que tange a identificar a percepção e a adesão da população brasileira sobre essas condutas, que foram imprescindíveis para o controle da pandemia e que se mostram necessárias para o enfrentamento de futuros surtos epidemiológicos. Portanto, objetiva-se, com esse estudo, identificar a percepção, a prevalência e a adesão às medidas de contenção na população brasileira.

Método

Esse estudo transversal, quantitativo e comparativo de comportamento social foi realizado por meio de uma plataforma online (Google Forms), abrangendo diferentes estados brasileiros, sendo que a coleta de dados se estendeu por quatro meses, de outubro/2020 a janeiro/2021.

A população-alvo incluiu todos os indivíduos brasileiros com idade igual ou superior a 18 anos, com acesso à Internet para a obtenção e resposta dos questionários e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo, portanto, excluídos aqueles com idade inferior a 18 anos, que não assinaram o TCLE e que não concluíram as perguntas dos questionários. A população foi obtida através do cálculo amostral realizado pelo programa G-Power 3.1.9.2., o qual evidenciou que a amostra do estudo deveria contar com no mínimo 143 participantes; no entanto, a amostra foi composta por um total de 291 indivíduos.

Foi enviado um breve resumo do estudo juntamente com o link dos questionários a serem utilizados, por meio de mensagens instantâneas para conhecidos dos pesquisadores e solicitado que esses continuassem repassando a mensagem. Os indivíduos que aceitaram participar da pesquisa assinaram e receberam, pelos seus respectivos e-mails, uma cópia do TCLE, conforme a Resolução n.º 466/12 do Ministério da Saúde, autorizando a coleta dos dados e o uso dos mesmos para o trabalho. Ademais, também foram utilizados outros dois questionários para análise das variáveis, sendo todos de aplicação online e elaborados pelas próprias pesquisadoras. O primeiro questionário abordou 14 questões sociodemográficas, como grau de escolaridade, idade, sexo, estado civil, renda, região, estado e cidade de residência, número de moradores e de cômodos da casa em que reside, se trabalha e setor de trabalho, a fim de caracterizar a amostra. Em contrapartida, o segundo visou a avaliação dos fatores que influenciam na adesão às medidas de contenção à pandemia de COVID-19, abordando questões como meios de informação no contexto da pandemia, adesão ao isolamento social e ao uso de máscaras, envolvimento com o grupo de risco e história prévia de sinais e sintomas de infecção por SARS-CoV-2.

Para a análise dos dados quantitativos foi construído um banco de dados em uma planilha eletrônica do programa Microsoft Excel ® 365, com dupla digitação e validação, assim como a geração de tabelas e gráficos. Foram realizadas as análises descritivas, como valores absolutos e frequência com os dados da caracterização sociodemográfica dos participantes. Posteriormente foi utilizado Minitab 16 e Bioestat 5.0 para análise do teste qui-quadrado e resíduos (teste G), respectivamente. Para efeito de análise foi considerado nível de significância 0,05, confiabilidade de 95% e resíduo maior que 1,96.

Considerações éticas

Foi garantida a confidencialidade dos dados dos indivíduos adeptos ao estudo, tendo sido concedido parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Itajubá (CAAE 36112920.4.0000.5559; número do parecer: 4.558.879), em 25 de fevereiro de 2021.

Resultados

A população inicial abrangeu um total de 296 participantes, dos quais quatro foram excluídos por não terem concluído as respostas necessárias para a finalização do questionário. Além desses, houve a exclusão de mais um participante, o qual respondeu que não aderiu ao uso de máscara durante a pandemia de COVID-19, o que fez com que as análises passassem a ser baseadas nas opções assinaladas pelas pessoas que realizam o uso, resultando, assim, em uma amostra final de 291 indivíduos. Desses, houve um predomínio do sexo feminino (n=199, 67,9%), da faixa etária de 18 a 25 anos (n=92, 31,4%), de participantes casados (n=140, 47,8%), com ensino superior completo (n=138, 47,1%), residentes na região Sudeste (n=274, 93,5%) e de indivíduos que trabalham no setor terciário (n=109, 47,2%).

Adesão ao isolamento social

Com os resultados evidenciou-se que 88,7% dos indivíduos referiram adesão ao isolamento social, em contraste com os 11,3% que relataram não terem aderido (Tabela 1). Em relação à idade, os indivíduos com 60 anos ou mais se mostraram os mais adeptos ao isolamento social com 100,0% de adesão, enquanto os indivíduos entre 26 e 36 anos se mostraram os menos adeptos com 73,0%. No que tange ao número de cômodos, os participantes que possuem de seis a dez cômodos em sua residência (92,0%), apresentaram maior adesão ao isolamento social, em contraste com os 75,0%, que possuem mais de 16 cômodos.

Tabela 1 Resultados da adesão de isolamento social 

Fonte: Elaboração dos pesquisadores.

Em relação ao grupo de risco no contexto da COVID-19, 15,2% dos pertencentes relataram não adesão ao isolamento, assim como 48,5% dos indivíduos que residem com pessoas do grupo de risco. Ademais, no que diz respeito a esfera do uso de meios de comunicação para busca de informação, 56,0% relataram utilizar jornais, revistas e rádio, dos quais 35,4% relataram adesão ao isolamento social.

Quanto à presença de sinais e sintomas de infecção por COVID-19, 78,0% não apresentaram ou não suspeitaram de quaisquer sintomas, sendo que 91,2% relatou adesão ao isolamento social. Para os casos confirmados, 96,1% dos indivíduos que aderiram ao isolamento social referem que tomaram as medidas necessárias para evitar a disseminação do vírus. De acordo com a Tabela 2, os dados supracitados se mostraram estatisticamente significantes (p<0,05 e/ou resíduo >1,96) ao passo que as variáveis gênero, região, estado e nível socioeconômico não se mostraram significativas (p>0,05 e/ou resíduo <1,96).

Tabela 2 Resultados da adesão ao uso de máscara 

Fonte: Elaboração dos pesquisadores

Adesão ao uso de máscara

Dos resultados obtidos em relação à adesão ao uso de máscaras, visto que apenas um participante respondeu que não aderiu ao uso destas durante a pandemia de COVID-19, as análises foram baseadas nas opções assinaladas pelas pessoas que realizam o uso, cujos resultados estão apresentados nas Tabelas 2 e 3.

Tabela 3 Valores de p e de resíduo dos resultados da adesão ao uso de máscara 

*Teste G para tabela de contingência. Fonte: Elaboração dos pesquisadores.

Na análise com os parâmetros socioeconômicos apresentaram significância as pessoas que utilizam máscara por fazerem parte do grupo de risco, que são as com 60 anos de idade ou mais (6,9%), trabalhadores do setor primário (3,4%) e as próprias pessoas do grupo de risco (23,7%). Também foi estatisticamente significante a relação entre indivíduos que responderam que fazem o uso da máscara por concordar com a sua eficácia com a não conclusão do ensino superior (31,4%) e com a divisão da residência com mais cinco a sete pessoas (70,0%). No que tange aos indivíduos que fazem o uso de máscara quando em contato com pessoas do grupo de risco mostrou-se estatisticamente significante os participantes que possuem ensino superior incompleto.

Discussão

No presente estudo foi demonstrada significância estatística entre adesão ao isolamento social e as seguintes variáveis: idade (p=0,0062), número de cômodos (resíduo=2,2972), infecção ou suspeita de COVID-19 (resíduo=2,5630) e meios de comunicação (resíduo=2,6581). Quanto à adesão ao uso de máscaras mostraram relação significativa os parâmetros ensino superior (p=0,0453) e grupo de risco (p<0,0001). Além disso, foi encontrada relação significante entre variáveis de forma isolada, as quais consistem em:

  • Contato com grupo de risco e ensino superior incompleto (resíduo=4,3063);

  • Não acredito na eficácia e região Nordeste (resíduo=2,6916);

  • Concordo com a eficácia e: residência conjunta com cinco a sete pessoas (resíduo=1,9652) e região Nordeste (resíduo=3,0033)

  • Pertenço ao grupo de risco e: idade >60 anos (resíduo=4,3720) e setor primário (resíduo=2,3805).

Adesão ao isolamento social

A idade se mostrou um fator que pode influenciar na adoção das medidas de prevenção à disseminação do vírus. No presente estudo observou-se maior adesão ao isolamento social entre os indivíduos com mais de 60 anos. Em contraste, a menor adesão ocorreu na faixa etária entre 26 a 36 anos, grupo mais ativo economicamente e, em um momento pandêmico inicial, aparentemente mais resistente às consequências da COVID-19. Esses dados são condizentes aos resultados encontrados no estudo realizado a partir de inquérito telefônico de participantes do ELSI-Brasil (Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros), conduzido entre maio e junho de 2020, o qual avaliou o uso de medidas de prevenção para a COVID-19, que contou com 6.149 entrevistados. Nele observou-se que as faixas etárias mais avançadas relataram ficar mais em casa. (6

Os indivíduos que possuem entre seis e 10 cômodos relataram maior adesão ao isolamento social em comparação com os outros grupos referentes ao número de cômodos, fato que mostrou significância estatística. Outros estudos demonstraram que as características da moradia dos indivíduos influenciam na adesão ao isolamento. Esse fato foi evidenciado no estudo realizado em maio de 2020, no estado de Pernambuco, em uma pesquisa de opinião que contou com a participação de 7.593 pessoas. Nele foi observado maior adesão da parte dos moradores de residências de boa qualidade e com áreas verdes. (7

Outro grupo que se mostrou mais adepto às medidas de isolamento social foram os indivíduos assintomáticos. Em contrapartida, o grupo que demonstrou menor adesão foi o dos que tiveram os sintomas e a infecção não foi confirmada através dos exames laboratoriais. Essa baixa adesão a realização de testes se torna preocupante, já que estudos com doenças infecciosas como tuberculose e febre hemorrágica viral africana, além da COVID-19, destacam como o atraso no diagnóstico e tratamento de indivíduos infectados é determinante para a velocidade de disseminação das infecções em contextos de epidemia. Um estudo realizado em Singapura, onde a vigilância epidemiológica incluiu a testagem de todos os casos suspeitos e dos contactantes, demonstrou que a estratégia contribuiu para a detecção precoce de aproximadamente metade (53%) dos casos de COVID-19, além de ter sido uma estratégia efetiva para a diminuição progressiva do aparecimento de casos autóctones da doença logo no início da epidemia. (8

Quanto aos profissionais da área da saúde, cabe destacar que a carga de trabalho se encontrou aumentada neste período pandêmico em relação às demandas habituais, especialmente aqueles profissionais que estão no cuidado direto de pacientes com suspeita ou diagnóstico confirmado de COVID-19. A recomendação de permanecer em casa não se aplica a eles. (9 Dessa forma, no presente estudo, dentre os setores da economia, o setor da saúde apresentou a menor adesão ao isolamento social. Essa informação condiz com o estudo de caráter exploratório que analisou dados coletados por meio de um questionário (survey) online, realizado entre 15 e 30 de junho de 2020 com 2.138 profissionais da saúde (agentes comunitários de saúde, médicas, dentistas, fisioterapeutas e psicólogas). Nele foi evidenciado que os profissionais têm se sentido mais sobrecarregados e tensos devido a situação atual. (10

Em contrapartida, o setor terciário se mostrou mais adepto ao isolamento social. Uma possível explicação é o crescimento do comércio eletrônico ou e-commerce. De acordo com o Webshoppers (relatório de grande credibilidade sobre o comércio brasileiro), o crescimento no primeiro semestre de 2020 teve um incremento nas vendas de 47% em relação ao mesmo período analisado no ano anterior e a pandemia teve impacto nesse resultado. (11 Dessa forma, os trabalhadores desse setor puderam continuar suas atividades de maneira remota, se protegendo do vírus, atitude que outros setores da economia não puderam adotar.

Além do setor econômico ao qual pertence, o tipo de meio que o indivíduo usa para se informar sobre a pandemia também se mostrou uma variável que pode influenciar na adesão ao isolamento social. A análise de estudos relacionados a surtos e epidemias mostra que a população considera estressante as fracas informações fornecidas pelas autoridades de saúde pública, trazendo pouca segurança sobre as ações a serem tomadas e gerando confusão sobre o objetivo da quarentena. Isso foi observado no estudo realizado com 1.509 moradores de Toronto, no Canadá, após o isolamento social realizado em 2003 durante a epidemia de SARS no país. Destacou-se nesse estudo certa falta de transparência por parte dos funcionários da saúde e do governo sobre a gravidade da doença, o que levou os entrevistados a não confiar nos dados fornecidos por esse meio. (12 Ao encontro dessa informação, no presente estudo, a minoria dos entrevistados relatou se informar através dos serviços de saúde e portais oficiais, fontes confiáveis de informação. Ademais, constatou-se maior adesão ao isolamento social por parte dos que se informam pelos jornais, revistas e rádio.

Adesão ao uso de máscaras

O presente estudo constatou significância entre a variável ensino superior e adesão ao uso de máscaras. Em paralelo, um outro estudo realizado no Brasil durante a pandemia de COVID-19, com uma amostra de 3.981 indivíduos, objetivou identificar os fatores associados à utilização e à reutilização de máscaras entre brasileiros durante a pandemia da COVID-19, revelando que o ensino superior foi associado ao uso da máscara para prevenir a disseminação viral, o que sugeriu relação positiva entre o grau de instrução e o conhecimento acerca da importância dessa prática. (13-15

Demonstrou também significância estatística o uso de máscaras por indivíduos com ensino superior incompleto apenas quando em contato com pessoas do grupo de risco. Tal fato reitera o resultado anterior no que tange à relação entre escolaridade e compreensão da necessidade de cumprimento das normas preconizadas pelo Ministério da Saúde, dentre as quais o uso de máscaras de pano por parte da população como um método de barreira importante quando combinado aos demais cuidados de higiene. (16 Nesse contexto depreende-se que o uso de máscaras em meio público muito provavelmente reduz a disseminação de gotículas carregadas de vírus e, portanto, o risco de transmissão de SARS-CoV-2. (17

Em tal âmbito, uma revisão sistemática identificou 172 estudos observacionais em 16 países e seis continentes e 44 estudos comparativos relevantes em ambientes de saúde e outros setores. A transmissão de vírus foi menor com o uso de máscara facial, podendo resultar em uma grande redução no risco de infecção, com associações mais fortes com N95 em comparação com máscaras cirúrgicas descartáveis ou máscaras de algodão de 12 a 16 camadas. (18 Entretanto, é preciso cautela, uma vez que as máscaras fornecem uma falsa sensação de segurança que pode levar à negligência de outras medidas essenciais, como as práticas de higiene das mãos e o distanciamento social. (5,15-16,19-20

Constatou-se relação de significância estatística entre as variáveis pertencimento ao grupo de risco e adesão ao uso de máscaras (p<0,0001). O achado em questão pode sugerir consciência e preocupação de grande parte de tal grupo acerca da necessidade de cuidados individuais e da importante relação entre o desuso de máscaras de proteção, presença de comorbidades de saúde prévias e a maior incidência de internações por COVID-19.

Em adição foi evidenciada relevância estatística (resíduo=3,1193) ao comparar não pertencimento ao grupo de risco com o uso de máscaras pela crença acerca de sua eficácia, justificativa que representou 86,0% das respostas. Desse modo, é uma possibilidade inferir que, ainda que grande parte da população não apresente nenhuma comorbidade como fator de risco para COVID-19, o uso de máscaras foi adotado, tanto como forma de proteção individual quanto a outrem.

Evidencia-se a importância do envolvimento da população na implementação de medidas de saúde pública, o que inclusive claramente ajudou a controlar a pandemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) em 2002-2003, assim como é crucial para o enfrentamento na pandemia da COVID-19. (15 Além disso, a ampliação do uso de máscaras à comunidade favorece a desmistificação do estigma criado acerca dessa prática, o qual, por transmitir a ideia errônea de que apenas pessoas infectadas usam essa proteção facial, estimula comportamentos discriminatórios e prejudica o engajamento da população com medidas preventivas. (21

Limitações do estudo

Admitem-se limitações neste estudo, já que os dados se basearam no autorrelato e podem estar propensos a vieses de memória ou à imposição social, em que o respondente pode se sentir constrangido em revelar baixa adesão ao isolamento e uso de máscaras, o que pode superestimar a prevalência das variáveis estudadas. (22 Além disso, a análise das variáveis foi dificultada pela rápida evolução do cenário pandêmico; então, as inferências com base nos resultados são restritas ao período no qual as informações foram coletadas. Outra limitação foi a impossibilidade de entrevistar o mesmo número de pessoas em cada região, o que gerou um maior número de respostas na região Sudeste. Dessa forma, o estudo pode não refletir a realidade de todo o país de forma fidedigna.

Contudo, investigou-se o número necessário de pessoas, sendo uma pesquisa de saúde via web, que hoje se mostra um método promissor e eticamente mais plausível no âmbito da pandemia, sobretudo pela possibilidade de obter informações sem os riscos de contaminação pelo vírus. Elas possuem baixo custo de operacionalização e permitem rastrear conhecimentos, comportamentos, estilos de vida e percepções em contextos de acelerada ascensão de doenças infecciosas. (23 Esse estudo foi desenvolvido em português do Brasil.

Conclusão

O envolvimento da população no combate a uma pandemia é determinante no seu curso, visto que doenças infecto-contagiosas são passíveis de serem combatidas com ações sanitárias dos próprios cidadãos.

O presente estudo evidenciou a adesão ao isolamento social e ao uso de máscara durante a pandemia do COVID-19 no Brasil de forma predominante entre os indivíduos com mais de 60 anos, que fazem parte do grupo de risco para gravidade da doença. Para além disso, constatou-se o impacto das questões socioeconômicas na adesão dessas medidas.

No âmbito da adesão ao isolamento social destacam-se os indivíduos que possuem entre seis e dez cômodos na residência, aqueles que se encontravam assintomáticos e os profissionais do setor terciário da economia, que puderam optar por uma alternativa remota de flexibilização do trabalho. As pessoas que se informam por jornais, revistas, rádio e outros meios, como as mídias sociais, apesar do risco de a informação ser questionável, alterada ou partidária, praticaram o isolamento social. Sob outra perspectiva, a faixa etária entre 26 a 36 anos, em que há maior necessidade de atividade econômica, demonstrou menor adesão, além dos profissionais do setor da saúde, que foram os mais requisitados na linha de frente do combate ao vírus, e dos doentes que tiveram os sintomas mas não sendo a infecção da COVID-19 confirmada através dos exames laboratoriais.

Quanto à adesão ao uso de máscaras, praticamente a totalidade da amostra deste estudo afirmou fazer seu uso durante a pandemia do COVID-19. Os cidadãos com ensino superior completo e aqueles com ensino superior incompleto, quando em contato com pessoas do grupo de risco, adotaram a medida do uso de máscaras, refletindo o maior alcance do cumprimento das normas preconizadas nesses níveis de escolaridade. Ainda, a população que não pertence ao grupo de risco realizou o uso da máscara por acreditarem em sua eficácia, reiterando que seu uso foi amplamente adotado, apesar de não apresentarem comorbidades.

Justifica-se também o incremento de futuros estudos complementares com análises atualizadas e abrangentes desse cenário pandêmico, visto que os resultados do estudo são restritos ao período no qual as informações foram coletadas, o que o torna passível de referência de comparação para novas análises atuais de momentos subsequentes da pandemia do COVID-19.

Contributo dos autores

Conceptualização, MBSD, ASM, ACCVA, RPRM e MPB; metodologia, RPRM; software, RPRM; validação, MBSD, ASM, ACCVA e MPB; análise formal, RPRM; investigação, MBSD, ASM, ACCVA e MPB; recursos, MBSD, ASM, ACCVA e MPB; gestão de dados, RPRM; redação do draft original, MBSD, ASM, ACCVA e MPB; revisão, edição e validação do texto final, RPRM; visualização, MBSD, ASM, ACCVA e MPB; supervisão, RPRM; administração do projeto, RPRM; financiamento, MBSD, ASM, ACCVA e MPB.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Referências bibliográficas

1. Wu D, Wu T, Liu Q, Yang Z. The SARS-CoV-2 outbreak: what we know. Int J Infect Dis. 2020;94:44-8. [ Links ]

2. Oliveira AC, Lucas TC, Iquiapaza RA. O que a pandemia da covid-19 tem nos ensinado sobre adoção de medidas de precaução?. Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20200106. [ Links ]

3. Word Health Organization. WHO coronavirus (COVID-19) dashboard [homepage]. Geneva: WHO; 2020 [updated 2023 Jul; cited 2021 Jul 13]. Available from: https://covid19.who.int/ [ Links ]

4. Walker PG, Whittaker C, Watson O, Baguelin M, Ainslie KE, Bhatia S, et al. The global impact of COVID-19 and strategies for mitigation and suppression. London: WHO Collaborating Centre for Infectious Disease Modelling; MRC Centre for Global Infectious Disease Analysis; Abdul Latif Jameel Institute for Disease and Emergency Analytics; Imperial College London; 2020. Available from: https://www.imperial.ac.uk/mrc-global-infectious-disease-analysis/covid-19/report-12-global-impact-covid-19/Links ]

5. Garcia LP. Use of facemasks to limit COVID-19 transmission. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(2):e2020023. [ Links ]

6. Batista SR, Souza AS, Nogueira J, Andrade FB, Thumé E, Teixeira DS, et al. Protective behaviors for COVID-19 among Brazilian adults and elderly living with multimorbidity: the ELSI-COVID-19 initiative. Cad Saúde Pública. 2020;36 Suppl 3:e00196120. [ Links ]

7. Bezerra AC, Silva CE, Soares FR. Percepção sobre o isolamento social no contexto da pandemia de COVID-19 no estado de Pernambuco, Brasil. Hygeia Rev Bras Geogr Med Saúde. 2020(special ed. COVID-19):143-52. [ Links ]

8. Magno L, Rossi TA, Mendonça-Lima FW, Santos CC, Campos GB, Marques LM, et al. Challenges and proposals for scaling up COVID-19 testing and diagnosis in Brazil. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(9):3355-64. [ Links ]

9. Teixeira CF, Soares CM, Souza EA, Lisboa ES, Pinto IC, Andrade LR, et al. The health of healthcare professionals coping with the Covid-19 pandemic. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(9):3465-74. [ Links ]

10. Fernandez M, Lotta G, Passos H, Cavalcanti P, Corrêa MG. Condições de trabalho e percepções de profissionais de enfermagem que atuam no enfrentamento à covid-19 no Brasil. Saúde Soc. 2021;30(4):e201011. [ Links ]

11. Premebida EA. E-commerce em 2020, um cenário de oportunidades em meio a pandemia. Res Soc Dev. 2021;10(2):e59210212984. [ Links ]

12. Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020;395(10227):912-20. [ Links ]

13. Maclntyre CR, Hasanain SJ. Community universal face mask use during the COVID 19 pandemic: from households to travellers and public spaces. J Travel Med. 2020;27(3):taaa056. [ Links ]

14. Pereira-Ávila FM, Lam SC, Góes FG, Gir E, Pereira-Caldeira NM, Teles SA, et al. Factors associated with the use and reuse of face masks among Brazilian individuals during the COVID-19 pandemic. Rev Lat Am Enferm. 2020;(28):e3360. [ Links ]

15. Coordenação de Gestão de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19: versão 2 [Internet]. Brasília: Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde; 2020. Available from: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/202004/14140600-2-ms-diretrizes-covid-v2-9-4.pdf [ Links ]

16. Matuschek C, Moll F, Fangerau H, Fischer JC, Zänker K, van Griensven M, et al. Face masks: benefits and risks during the COVID-19 crisis. Eur J Med Res. 2020;25(1):32. [ Links ]

17. Chu DK, Akl EA, Duda S, Solo K, Yaacoub S, Schünemann HJ, et al. Physical distancing, face masks, and eye protection to prevent person-to-person transmission of SARS-CoV-2 and COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Lancet. 2020;395(10242):1973-87. [ Links ]

18. Leung CC, Lam TH, Cheng KK. Mass masking in the COVID-19 epidemic: people need guidance. Lancet. 2020;395(10228):945. [ Links ]

19. Silva JH, Oliveira EC, Hattori TY, Lemos ER, Terças-Trettel AC. Description of COVID-19 cluster: isolation and testing in asymptomatic individuals as strategies to prevent local dissemination in Mato Grosso state, Brazil, 2020. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(4):e2020264. [ Links ]

20. Tzanno-Martins C. Covid-19 pandemic: from carnival masks to surgical masks. J Bras Nefrol. 2020;42(3):361-5. [ Links ]

21. Teixeira LA, Carvalho WR. As máscaras faciais podem proteger contra a COVID-19?. InterAm J Med Health. 2020;3:e202003041. [ Links ]

22. Barros AJ, Victora CG, Menezes AM, Horta BL, Hartwig F, Victora G, et al. Social distancing patterns in nine municipalities of Rio Grande do Sul, Brazil: the Epicovid19/RS study. Rev Saúde Pública. 2020;54:75. [ Links ]

23. Malta DC, Gomes CS, Szwarcwald CL, Barros MB, Silva AG, Prates EJ, et al. Distanciamento social, sentimento de tristeza e estilos de vida da população brasileira durante a pandemia de Covid-19. Saúde Debate. 2020;44(4):177-90. [ Links ]

Recebido: 11 de Outubro de 2022; Aceito: 22 de Julho de 2023

Endereço para correspondência Maria Beatriz Silva Duarte E-mail: maria.beatriz.duart@hotmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons