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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versión impresa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.40 no.1 Lisboa feb. 2024  Epub 29-Feb-2024

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v40i1.13585 

Relatos de caso

Onicomadese secundária à doença mão-pé-boca: relato de caso

Onychomadesis secondary to hand-foot-and-mouth disease: a case report

Sara Pereira Teixeira1 
http://orcid.org/0000-0003-1519-826X

Pedro Sonié1 

Marta Perro Neves1 

Ana Rita Duarte1 

Marta Almeida1 

1. USF Arco do Prado, ACeS Gaia. Vila Nova de Gaia, Portugal.


Resumo

Introdução:

A onicomadese é o descolamento da placa ungueal a partir da prega proximal da unha. Esta alteração ungueal autolimitada foi descrita como uma complicação tardia da doença mão-pé-boca, uma infeção viral comum em crianças.

Descrição do caso:

Criança do sexo feminino de quatro anos, acompanhada pelo pai (representante legal), recorreu a consulta aberta (CA) com um quadro de febre alta, vesículas e pústulas na mucosa oral, língua, períneo, palmas e plantas das mãos e pés. Foi feito o diagnóstico de doença mão-pé-boca. Após três semanas recorre novamente a CA, com resolução completa do quadro viral, mas com alterações ungueais compatíveis com onicomadese.

Comentário:

A onicomadese secundária à doença mão-pé-boca é uma manifestação relativamente incomum, mas que causa bastante ansiedade aos pais. O reconhecimento desta associação permite orientar os pais sobre a situação transitória e benigna que pode surgir com esta infeção viral, evitando ansiedade, sobreutilização dos cuidados de saúde e tratamentos desnecessários.

Palavras-chave: Onicomadese; Doença mão-pé-boca; Sobretratamento; Ansiedade

Abstract

Introduction:

Onychomadesis is the detachment of the nail plate from the proximal crease of the nail. This self-limited nail change has been described as a late complication of hand-foot-and-mouth disease, a common viral infection in children.

Case description:

A 4-year-old female child, accompanied by her father (legal representative), presented to an urgent appointment with high fever, vesicles, and pustules on the oral mucosa, tongue, perineum, palms, and soles of the hands and feet. The diagnosis of hand-foot-mouth disease was made. After three weeks, she returned to another appointment, with complete resolution of the viral picture, but with nail changes consistent with onychomadesis.

Comment:

Onychomadesis secondary to hand-foot-and-mouth disease is a relatively uncommon manifestation, but one that causes considerable anxiety to parents. Recognition of this association makes it possible to guide parents on the transient and benign situation that can arise with this viral infection, avoiding anxiety, overuse of health care, and unnecessary treatments.

Keywords: Onychomadesis; Hand-foot-mouth disease; Overtreatment; Anxiety

Introdução

A onicomadese corresponde ao descolamento espontâneo e completo da placa ungueal a partir da prega proximal da unha, que resulta da paragem temporária do crescimento celular da matriz ungueal devido a uma agressão grave ou prolongada à mesma. As linhas de Beau são uma forma mais ligeira de onicomadese, que se apresenta como depressões/sulcos transversais esbranquiçados na placa ungueal e que, como a onicomadese, resultam da interrupção temporária do crescimento celular da matriz ungueal, mas devido a uma agressão de menor intensidade.1-2

As causas de onicomadese e linhas de Beau são inúmeras, como, por exemplo, infeções, trauma, doenças autoimunes, medicamentos. Podem surgir tanto durante a doença aguda como várias semanas depois. Também existem formas idiopáticas ou familiares, mas que são mais raras. Na idade pediátrica, a causa mais comum é a doença mão-pé-boca (DMPB), podendo manifestar-se três a oito semanas após a doença. 3-4 Embora a DMPB possa também ocorrer em adultos, é mais frequente em crianças, sobretudo com idades inferiores a cinco anos. O primeiro caso de associação entre onicomadese e DMPB foi relatado no ano de 2000, em Chicago, e desde então o número de casos têm vindo a aumentar por todo o mundo. 5 De facto, a incidência de onicomadese associada a DMPB parece ser maior em crianças com idades inferiores a cinco-sete anos e predominantemente com infeção causada pelo vírus Coxsackie A6 (60-75%).1-2 O mecanismo de desenvolvimento da onicomadese na DMPB ainda é desconhecido. No entanto, é discutido se a inibição resulta da inflamação periungueal a partir de lesões cutâneas ao redor das unhas ou do envolvimento direto do vírus Coxsackie na proliferação da matriz ungueal, causando distrofia. 1,6

A DMPB é uma infeção comum na infância causada pelo grupo dos enterovírus, incluindo o vírus Coxsackie A16 e o Enterovírus 71, que são os mais frequentemente responsáveis pela doença; no entanto, o virus Coxsackie A6 é habitualmente o mais virulento e é, por isso, associado a ocorrência de infeção no adulto, bem como a complicações tardias, como a onicomadese. 5,7-8 Ocorre principalmente no Verão e no Outono e a maioria é benigna e autolimitada. 7 Na fase prodrómica surge febre, que pode persistir durante 24 a 48 horas, associada a diarreia e secreções respiratórias superiores. Posteriormente, na fase exantemática, regista-se o aparecimento de máculas na mucosa oral que evoluem para vesículas rodeadas por um halo eritematoso. As lesões cutâneas são pápulo-vesiculares e ocorrem nas extremidades distais dos membros. O diagnóstico diferencial inclui herpangina, estomatite aftosa, varicela, sarampo e outras doenças exantemáticas, pelo que uma forte suspeita clínica é essencial para um diagnóstico precoce. 4,7,9 O tratamento é sintomático e baseia-se na administração de analgésicos, hidratação oral e vigilância dos sinais e sintomas de possíveis complicações.

Relata-se um caso clínico de onicomadese secundária à DMPB que, apesar de ser uma manifestação relativamente incomum, tem sido verificada com mais frequência nos últimos anos. A manifestação de onicomadese secundária a DMPB é muito variável (5-75%), uma vez que depende do vírus envolvido, sendo mais comum na infeção causada por vírus Coxsackie A6 (60-75%).1-2

O reconhecimento desta associação permite orientar os pais sobre a situação autolimitada e benigna que pode surgir com esta infeção viral, evitando ansiedade, sobreutilização dos cuidados de saúde e tratamentos desnecessários.

Descrição do caso

Criança do sexo feminino de quatro anos, natural e residente no Porto. Família nuclear em estadio III do ciclo de vida familiar de Duvall. Sem antecedentes pré-natais e pessoais de relevo. O Plano Nacional de Vacinação estava cumprido, sem vacinas extra-plano. Não havia história de viagens recentes nem contacto com doenças potencialmente contagiosas.

Recorreu, acompanhada pelo pai (seu representante legal), a consulta aberta (CA) com quadro de febre alta, vesículas e pústulas na mucosa oral, língua e palato mole com recusa da ingesta. À observação, além das lesões papulo-vesiculares anteriormente descritas, verificaram-se vesículas no períneo, palmas e plantas das mãos e pés. Foi-lhe então diagnosticada DMPB. Instituiu-se tratamento sintomático com analgésicos, hidratação e dieta mole e fria. Após três semanas recorre novamente à CA, com resolução completa do quadro viral, por alterações ungueais. Ao exame objetivo observou-se descolamento da placa ungueal em ambas as mãos, sem alterações sugestivas de traumatismo (Figura 1). Foi feito o diagnóstico de onicomadese secundária à DMPB, uma complicação tardia da infeção viral.

Figura 1 Onicomadese e linhas de Beau (três semanas após doença mão-pé-boca). 

Comentário

A onicomadese secundária à DMPB caracteriza-se pelo descolamento da placa ungueal a partir da prega proximal da unha e resulta da paragem de crescimento da unha. As linhas de Beau consistem em depressões/sulcos transversais na placa ungueal e resultam de uma agressão menos grave ou prolongada, sendo que ambas podem surgir como complicações tardias da DMPB. 1,3

Não sendo um achado muito frequente em crianças, a onicomadese gera grande preocupação entre os pais.

O diagnóstico de onicomadese é clínico, motivo pelo qual é imprescindível a realização de uma anamnese minuciosa e adequada e um exame objetivo completo. 5 Na anamnese dever-se-á questionar sobre a ocorrência de infeções recentes e a sua relação temporal com o evento de onicomadese, bem como excluir história de traumatismo, uso de medicação nova, sinais ou sintomas de doença sistémica e ainda restrições alimentares. Ao exame objetivo é comum o atingimento de várias ou todas as unhas, tanto ao nível das mãos como dos pés. As alterações ungueais iniciam-se com o aparecimento de uma mancha esbranquiçada na região proximal da unha, que se espalha até ao bordo livre da mesma. De seguida, verifica-se o descolamento da unha, no mesmo sentido, com o desenvolvimento concomitante da nova unha. 10 Por norma, a onicomicose é assintomática e as unhas voltam a crescer, em média, em dois ou três meses, embora por vezes mais frágeis do que as anteriores. Não é necessário nenhum tratamento específico, apenas evicção de trauma e medidas de higiene. 2,4

Nas crianças que recorram aos cuidados de saúde com um quadro de onicomadese deve-se investigar a história de infeção viral nos dois meses anteriores. A causa mais comum é a DMPB, mas pode surgir na doença de Kawasaki, infeção por Parvovírus B19, síndroma de Gianotti-Crosti, síndroma de Stevens-Johnson, herpangina, varicela, escarlatina, doença cutânea local (dermatite e paroníquia), na sequência de trauma (onicotilomania, ao cortar unhas e usar calçado apertado), associada a fármacos (citostáticos, antibióticos, retinoides, valproato de sódio), na forma idiopática e/ou familiar. 2,4,7,9

A onicomadese secundária à DMPB é uma manifestação relativamente incomum, mas que causa bastante ansiedade aos pais. O médico de família apresenta um papel importante na suspeição atempada do diagnóstico e orientação, em situações cujas manifestações clínicas são incomuns, permitindo, por vezes, evitar condutas intempestivas e recorrência aos cuidados de saúde desnecessariamente. Por isso, pais e cuidadores devem ser avisados da possibilidade de ocorrência de alterações ungueais três a oito semanas após a infeção viral, que se resolvem espontaneamente com a formação de uma unha nova, saudável, mas normalmente mais fina. Este processo, que pode durar dois a três meses, é habitualmente indolor e não deixa cicatriz ou outras sequelas, que permitirá tranquilizá-los e evitar encaminhamentos, investigações e tratamentos desnecessários. 7

Contributo dos autores

Conceptualização, SPT; validação, SPT, PS, MPN, ARD e MA; redação do draft original, SPT; revisão, validação e edição do texto final, SPT. Todos os autores leram e concordaram com a versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Financiamento

Os autores declaram que o estudo não foi objeto de qualquer tipo de financiamento externo (incluindo bolsas e investigação).

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Recebido: 04 de Dezembro de 2022; Aceito: 21 de Julho de 2023

Endereço para correspondência Sara Pereira Teixeira E-mail: sararpteixeira@gmail.com

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