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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.40 no.1 Lisboa Feb. 2024  Epub Feb 29, 2024

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v40i1.13997 

Carta ao editor

Duração da consulta: e quando se trata de um utente sem médico?

Consultation length: influencing factors and doctors’ and patients’ perspectives - a cross-sectional study

1. Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados da Brandoa, Unidade Local de Saúde Amadora/Sintra, Portugal.


Caro Editor,

Foi com interesse que li o artigo Duração da consulta: fatores influenciadores e perspetivas de médicos e utentes: um estudo transversal,1 publicado no último número da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar de 2023.

Apesar de considerar interessante o estudo, concordo com os autores quando referem que são “necessários estudos multicêntricos que incluam distintas tipologias de unidades de CSP”, 1 nomeadamente numa Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP), porque os resultados podem ser muito diferentes.

A UCSP da Brandoa, onde trabalho, serve atualmente uma população de cerca de 30.000 utentes, 63% dos quais não têm um médico especialista em medicina geral e familiar (MGF) atribuído. 2 Este grupo de utentes, que foram excluídos do estudo, são um grupo de enorme vulnerabilidade e uma “endemia silenciosa” em várias zonas do país. 3 São o espelho da iniquidade no acesso aos cuidados de saúde primários, uma vertente da desigualdade social. 3 O facto de terem consultas de uma forma oportunista e não organizada, com diferentes profissionais, ao longo do tempo, impossibilita a criação de uma relação médico-paciente coesa e saudável. Esta situação tem um impacto negativo, quer no diagnóstico de novos problemas de saúde quer na gestão de problemas crónicos.

Não raras vezes são idosos, com comorbilidades, sem histórico de prescrição ou com processos clínicos muito incompletos e aos quais não conseguimos garantir uma reavaliação. Frequentemente vão de madrugada para a porta do centro de saúde para tentar ter consulta. 3 Muitos destes doentes acabam por recorrer à urgência por não terem resposta adequada ou em tempo útil. 4 Outros têm uma situação tão grave que, quando finalmente têm consulta, são enviados diretamente para o serviço de urgência.

Fiquei surpreendida ao verificar que os autores não encontraram uma associação entre a existência de problemas psicossociais e a duração da consulta. Mas talvez isso se deva às características particulares da população da USF Ramada. Na UCSP Brandoa, por exemplo, há um grande número de utentes com inscrição esporádica ou temporária, que não são contabilizados nas estatísticas oficiais dos doentes sem médico especialista em MGF. Muitas destas pessoas “invisíveis” são imigrantes que não têm autorização de residência permanente, mas engrossam as nossas listas de grupos vulneráveis, em particular nas áreas de saúde materna e de saúde infantil e juvenil. Nessas consultas, às diferenças culturais e à baixa literacia em saúde, soma-se a ausência de uma comunicação eficaz, que nos faz utilizar ferramentas informáticas ou aplicações dos nossos telemóveis pessoais numa tentativa de explicar conceitos, prestar conselhos, mudar hábitos errados e promover a saúde. A presença de intérpretes, quando existem, pode condicionar a confidencialidade e aumenta a complexidade da consulta. A comunicação é, por isso, um desafio, quer para os profissionais de saúde quer para os utentes. 5 Muitas vezes, durante a consulta ainda é necessário prescrever, de forma manual, exames complementares de diagnóstico ou de terapêutica. Acredito que, com a inclusão dos utentes sem médico especialista em MGF, nomeadamente destes utentes “esporádicos”, os fatores psicossociais teriam um impacto importante na duração da consulta.

Com este meu breve comentário não pretendo menosprezar os resultados encontrados pelos autores do estudo supracitado. Pretendo, sim, validar que é importante estudar diferentes tipologias de unidades de CSP e conhecer a realidade a nível nacional. Pretendo também alertar para a enorme desigualdade que existe no acesso aos CSP em Portugal e que não se tem conseguido atenuar.

Respostas dos autores

É com satisfação que os autores constatam o interesse e reflexão que este estudo suscitou.

Efetivamente existem vários instrumentos passíveis de serem utilizados para avaliar o nível socioeconómico dos utentes. No entanto, a utilização de instrumentos mais extensos era inviável num estudo desta tipologia e de caráter exploratório. Por esse motivo, optámos apenas por analisar a escolaridade dos utentes e a existência de problemas psicossociais.

No nosso estudo não conseguimos estabelecer uma associação entre a existência de problemas psicossociais e a duração da consulta, mas o facto dos médicos os apontarem como um dos principais motivos de consulta com duração excessiva fortalece a ideia de que podem ser um fator considerável na duração das mesmas. Assim, também nos parece fazer sentido que se aborde mais profundamente esta temática.

Concordamos plenamente com o leitor no que concerne à importância da consulta como terapêutica em si mesma e como fator fundamental para a relação médico-doente. Foi nesse sentido que desenvolvemos este estudo e expressamos o nosso contentamento por saber que suscitou a curiosidade e o pensamento crítico dos colegas. Esperamos que o mesmo sirva também de incentivo a mais estudos nacionais sobre esta problemática ao nível dos cuidados de saúde primários em Portugal.

Catarina Neves Santos

Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF Ramada, ACeS Loures-Odivelas. Loures, Portugal.

Endereço para correspondência

Catarina Neves Santos

E-mail: catarinansantos90@gmail.com

https://orcid.org/0000-0003-3232-1928

Referências bibliográficas

1. Santos CN, Pedrosa BF, Martins M, Gouveia F, Franco F, Vardasca MJ, et al. Duração da consulta: fatores influenciadores e perspetivas de médicos e utentes - um estudo transversal. Rev Port Med Geral Fam. 2023;39(6):549-61. [ Links ]

2. Administração Central do Sistema de Saúde. Bilhete de identidade dos cuidados de saúde primários [homepage]. Lisboa: Ministério da Saúde; 2024 [cited 2024 Jan 17]. Available from: https://bicsp.min-saude.pt/pt/Paginas/default.aspx [ Links ]

3. Cortez I. Desigualdade no acesso aos cuidados de saúde primários: a outra face das USF. Rev Port Clin Geral. 2010;26(2):189-94. [ Links ]

4. Broeiro P. Literacia em saúde e utilização de serviços. Rev Port Med Geral Fam. 2017;33(1):6-8. [ Links ]

5. Silva DS, Macedo F, Quintal D. Medicina sem fronteiras: os desafios da população imigrante. Rev Port Med Geral Fam. 2022;38(3):315-21. [ Links ]

Recebido: 08 de Fevereiro de 2024; Aceito: 15 de Fevereiro de 2024

Endereço para correspondência Helena Manso E-mail: helena.manso@arslvt.min-saude.pt

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