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Revista Nutrícias

versão On-line ISSN 2182-7230

Nutrícias  no.14 Porto set. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da ementa, adequação do consumo alimentar e desperdício em creches públicas concessionadas no Brasil

Evaluation of the menu, food consumption and food waste in outsourced public daycare centers in Brazil

 

Giovana Longo-Silva1*; Maysa Toloni1**; Sara Rodrigues2; Ada Rocha3; José Augusto Taddei4

1 Nutricionista, Doutoranda da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto e Universidade Federal de São Paulo
2 Nutricionista, Professora auxiliar da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
3 Nutricionista, Professora associada da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
4 Médico, Professor associado da Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência

 

RESUMO


Introdução: A garantia de uma alimentação adequada, em seu aspecto quantitativo e qualitativo, é de suma importância para a promoção do crescimento e desenvolvimento das crianças que frequentam creches.
Objectivos: Avaliar qualitativamente as ementas, em termos nutricionais e sensoriais, a adequação do consumo alimentar e o desperdício de alimentos oferecidos às crianças frequentadoras de creches públicas de gestão concessionada no município de São Paulo, Brasil.
Metodologia: Este estudo é transversal e os dados foram recolhidos nos berçários de quatro creches, que recebiam 200 crianças entre 12 e 36 meses. Cada creche foi avaliada durante três dias, totalizando 24 dias e 120 refeições. A qualidade da ementa foi avaliada segundo o método Análise Qualitativa das Preparações de Ementas e o consumo alimentar foi avaliado pelo método de pesagem directa dos alimentos, sendo calculada a adequação segundo recomendações do Programa Nacional de Alimentação Escolar para energia, hidrato de carbono, proteína, gordura, fibra, vitamina A e C, cálcio, ferro e sódio. O desperdício de alimentos foi analisado pelo Índice de Resto-Ingestão (IR).
Resultados: Os resultados reflectiram que a oferta de hortícolas foi insuficiente em mais de 90% dos dias e, a quantidade de hortícolas folhosas e alimentos ricos em enxofre foi compatível com o recomendado em 62% e 54% dos dias analisados, sendo expressiva a oferta de doces e alimentos contendo ácidos gordos trans. O consumo de energia, macronutrientes, fibra, vitamina A, cálcio e ferro foi inferior ao recomendado e o de vitamina C e sódio foi de duas a três vezes superior. O IR variou de 27 a 42% nas creches e de 10 a 49% nos alimentos analisados.
Conclusões: Salienta-se a necessidade de revisão das preparações das refeições visando melhorar a aceitação pelas crianças, e do planeamento das ementas propostas no que concerne ao aporte nutricional e porcionamento per capita estipulados.

Palavras-Chave: Desperdício de alimentos, Creches, Alimentação escolar, Qualidade dos alimentos

 


 

ABSTRACT

Introduction: Ensuring adequate nutrition in its quantitative and qualitative aspect is very important for promoting growth and development of children at daycare centers.
Objectives: Qualitative evaluation of the menu, in nutritional and sensorial terms, the adequacy of food intake and the food waste offered to children regularly attending public day care centers, which are managed by the city of São Paulo, Brazil.
Methodology: This study is transversal and data was collected at nurseries from 4 day care centers, which attend 200 children aged from 12 to 36 months. Each day care center was evaluated during 3 days, coming up to 24 days and 120 meals. Menu quality was evaluated according to the qualitative analysis of menu preparation while food intake by the direct food weighting. Nutritional adequacy was analyzed in terms carbon, protein, fat, fiber, vitamin A and C, calcium, iron and sodium. Food waste was evaluated according to the Waste-ingestion index.
Results: Vegetables offers were insufficient in more than 90% of the days and, the quantity of vegetables rich in sulfur component was compatible with the recommended level in 62% and 54¨% of the analyzed days. The offer of sweets and foods containing trans fatty acids was high. The consumption of energy, macronutrients, fiber, Vitamin A, calcium and iron was bellow recommendations and the Vitamin C and sodium's were two or three times higher. The Waste-ingestion index varied from 27 to 42% between day care centers and from 10 to 49% between food groups.
Conclusions: It's clear the need of revising meals preparation, aiming to improve children's acceptance and menu's planning referring to the nutritional support and recommended per capita portion.

keywords: Food waste, Child day care centers, School meals, Food quality

 


 

Introdução
No Brasil as crianças matriculadas no ensino da rede pública são assistidas pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), criado oficialmente em 1955 e considerado o maior programa de alimentação escolar do mundo (1). Trata-se de um atendimento universal e com um orçamento previsto na casa dos 3,1 bilhões de reais para beneficiar cerca de 45,6 milhões de estudantes (2).
De acordo com as directrizes estabelecidas pelo PNAE as crianças que frequentam creches em período integral, correspondendo à faixa etária de zero a três anos, devem realizar cinco refeições diárias durante a permanência na instituição e as ementas devem ser elaboradas de modo a satisfazer 70% das suas necessidades nutricionais (1).
No município de São Paulo o programa é gerido pela Secretaria Municipal de Educação, que nos últimos anos evoluiu no sentido de concessionar a empresas de especialidade no serviço de refeições escolares (3).
Nesta forma de gestão as refeições continuam a ser produzidas nas dependências escolares, porém o município contrata uma empresa que se responsabiliza por todas as etapas do fornecimento de refeições, incluindo mão-de-obra qualificada e equipamentos de apoio. As empresas são responsáveis pela mão-de-obra operacional, manutenção de uma equipa de nutricionistas utensílios de mesa e de cozinha, equipamentos e mobiliários de cozinha, bem como manutenções e adaptações (3).
A garantia de uma alimentação adequada às crianças que permanecem em período integral em creches constitui uma preocupação constante referida na literatura (4). De certa forma, as actividades na creche estão centralizadas na alimentação, distribuindo os horários em que outras actividades são iniciadas e terminadas, ocupando parte considerável do tempo da criança na instituição (5).
Apesar desta preocupação, estudos conduzidos em vários países, desenvolvidos e em desenvolvimento, alertam para inadequações na qualidade nutricional e sensorial das ementas e, sobretudo, para o consumo alimentar insuficiente em creches (4,6,7).
Diversos factores tem sido referidos para justificar o quadro supracitado, e, consideram que no contexto das creches é menor a individualização e, portanto, distancia-se em muito da realidade vivida pela criança que fica em casa aos cuidados da mãe, responsável pela preparação e oferta da alimentação apenas para o(s) seu(s) filho(s), de forma tradicional e muito diferente do grupo de crianças que se alimentam colectivamente em creches (8).
Pode-se considerar que além do papel do adulto, incentivando o consumo alimentar, existem diversos factores que influenciam esta situação: a frequência das refeições e os intervalos entre elas, o respeito à individualização de cada criança quando ao tempo para alimentar-se, a forma de preparação dos alimentos e por fim, a própria falta de apetite decorrente do estado de saúde (9).
Em adição, garantir estas condições e a existência de um ambiente agradável para realização das refeições constitui-se como prática preventiva ao desperdício de alimentos, outro paradigma frequentemente relatado e destacado em estudos conduzidos no âmbito escolar (10,11).

Objectivos
Diante do exposto, o objectivo do presente estudo foi avaliar a qualidade das ementas, em termos nutricionais e sensoriais, a adequação do consumo alimentar e o desperdício de alimentos oferecidos às crianças frequentadoras de creches públicas de gestão concessionada no município de São Paulo (SP), Brasil.

Metodologia
População de estudo: Este estudo é parte integrante do “Projecto CrechEficiente – Impacto do treinamento de educadores de creches públicas/filantrópicas nas práticas higiénico-dietéticas e na saúde/nutrição dos lactentes”. O estudo partiu de 36 creches cadastradas na Coordenadoria de Educação da região de Santo Amaro, São Paulo, sendo 16 públicas (administração, prédio e funcionários da prefeitura) e 20 filantrópicas (prédio da prefeitura e administração e funcionários da instituição filantrópica). Destas, foram visitadas oito creches públicas e dez filantrópicas, considerando a facilidade de transporte e acesso às suas dependências. Após contactos telefónicos e visitas a essas instituições, quatro creches públicas e quatro filantrópicas foram seleccionadas para o trabalho de campo, segundo critérios descritos a partir da metodologia proposta por Beghin (12). Priorizaram-se os seguintes critérios, em ordem decrescente de valor: maior número de lactentes (crianças de zero a 24 meses), maior número de educadores, ausência de intervenção de educação em saúde anterior, segurança na execução da pesquisa e presença de regras de admissão que garantissem o atendimento apenas às famílias de baixa renda, consideradas aquelas com até dois salários mínimos per capita por mês. Acrescenta-se que no Brasil a concessão dos serviços de alimentação e nutrição é exclusiva das creches públicas. Desta forma, foram inseridas neste estudo apenas as creches públicas.
O presente trabalho é um estudo do tipo transversal, desenvolvido nos berçários de quatro creches de gestão concessionada. A recolha de dados foi realizada entre o mês de Setembro e Dezembro de 2010 por quatro nutricionistas pós graduandas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Para a determinação do perfil socioeconómico das crianças frequentadoras das instituições analisadas, foi aplicado aos pais um questionário para identificação do rendimento familiar de cada criança, obtida por meio de informações sobre salários e outras fontes de rendimento de todos os membros do agregado familiar. O somatório obtido foi expresso em reais e convertido em unidades de “salário mínimo (SM)” vigente no período em estudo. Foram descritas as frequências simples e percentuais da distribuição da idade, do sexo e da classe económica das crianças.
Todos os dados obtidos foram duplamente digitados, validados e analisados no programa estatístico Epi-Info 2000, versão 3.4.3.
O projecto foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa da UNIFESP (processo 0442/10).
Todas as creches deste estudo possuíam dois berçários (Berçário I e II), que funcionavam de segunda à sexta-feira, em período integral, e serviam cinco refeições diárias, incluindo o pequeno-almoço, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar. Foram avaliadas as ementas servidas, o consumo alimentar e o desperdício de alimentos nos oito berçários das creches seleccionadas, durante três dias não consecutivos da semana, correspondendo a 24 dias de análise e 120 refeições.
Avaliação Qualitativa das Preparações da Ementa: A avaliação qualitativa da ementa foi realizada pelo método Avaliação Qualitativa das Preparações da Ementa, adaptado à realidade de creches por Menegazzo et al. (13), que considera oito critérios para avaliação:
Presença de frutas e sumos de frutas: Face à recomendação de consumo diário de pelo menos três porções de frutas por dia (14), e, considerando que a criança faça uma refeição principal completa no ambiente domiciliar (1), classificou-se como adequada a presença de pelo menos duas porções de frutas e/ou sumo de frutas naturais ao dia.
Presença de hortícolas: destaca-se que não foram consideradas as preparações em que estes alimentos não eram os ingredientes principais, como sopas, tortas e bolos. Analisando-se pelo mesmo contexto das frutas, face a recomendação de consumo diário de pelo menos três porções de hortícolas por dia (14), classificou-se como adequada a presença de pelo menos duas porções, pressupondo que a terceira seria fornecida em casa.
Presença de hortícolas folhosas cruas: neste critério foi considerada como adequada a oferta de pelo menos uma porção de hortícolas folhosas servidas cruas.
Monotonia de cores: para esta avaliação foram consideradas apenas as refeições do almoço e jantar, uma vez que as demais refeições são compostas por uma ou duas preparações, não sendo previstas variações. Esse critério foi considerado adequado quando pelo menos 50% dos alimentos ou preparações não apresentaram cores semelhantes.
Presença de alimentos ricos em enxofre: devido ao seu efeito produtor de gases, que pode ocasionar desconforto e incómodos no trato gastrointestinal das crianças (15), foram analisados os acompanhamentos e as saladas, sendo considerada adequada a oferta de no máximo um alimento ou preparação ricos em enxofre, tendo como base a lista de alimentos sulfurados: abacate, acelga, aipo, amendoim, batata-doce, alho, cebola, castanha, brócolis, couve-de-bruxelas, couve-flor, ervilha, gengibre, goiaba, jaca, lentilha, maçã, melancia, milho, melão, mostarda, nabo, nozes, ovo, rabanete, repolho e uva (16). O feijão não foi incluído nesta avaliação, uma vez que no Brasil recomenda-se que seu consumo seja diário (14).
Presença de doces: considerando que o consumo máximo de açúcares e doces recomendado é de uma porção por dia (14), classificou-se como adequada a oferta de no máximo uma porção de doce. Nesta classificação foram integradas, além do açúcar de adição, preparações pré-prontas como achocolatados, gelatinas, pudim, doce de leite, bolos, sumo artificial, que contém o açúcar como ingrediente principal.
Presença de carnes gordurosas ou fritos: este critério foi avaliado no almoço e no jantar individualmente, e classificado como adequado quando no máximo 25% do total de opções de carnes e acompanhamentos quentes servidos no dia eram carnes gordas ou fritos. Define-se como carnes gordas aquelas cuja composição em gordura representa no mínimo 50% do valor energético, nomeadamente, picanha, fraldinha, acém, capa de filé, costela, vísceras, contrafilé, paleta, ponta de agulha (16).
Presença de alimentos e/ou preparações que contem ácidos gordos trans: não havendo recomendações dos níveis seguros de ingestão deste nutriente (17), considerou-se como adequado a inexistência de alimentos e preparações contendo este tipo de ácido gordo.
Todas as ementas foram classificadas na primeira fase segundo cada critério, para tal, foram consultadas a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO) (18) e a rotulagem nutricional disponível nas embalagens dos alimentos industrializados. Posteriormente fez-se a classificação das ocorrências diárias de cada critério por berçário avaliado. Em seguida foi constatada a frequência percentual de ocorrência dos critérios, por creche avaliada, considerando a percentagem de adequação de cada um.
Consumo alimentar: Para avaliação do consumo alimentar foi utilizada a pesagem directa dos alimentos, para garantir a precisão e consistência dos resultados, considerando a média de ingestão do grupo.
Desta forma, duas duplas de nutricionistas, pesquisadoras pós graduandas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), recolheram dados em todos os berçários das quatro creches, durante três dias não consecutivos, definidos aleatoriamente. Acrescenta-se que as directoras das creches foram antecipadamente informadas sobre os dias de colecta, porém as empresas concessionadas não conheciam as datas específicas da avaliação.
A pesagem de alimentos sólidos foi realizada com a utilização de balança eletrónica digital portátil Plenna®, com capacidade de 5kg. Os alimentos líquidos foram medidos com o auxílio de recipiente graduado (copo plástico) a cada 50ml e capacidade para 1000ml.
Foram pesadas três porções de cada alimento e/ou preparação, seleccionados aleatoriamente, para obter a quantidade média servida às crianças. Os alimentos não consumidos foram colectados em sacos plásticos, sendo considerado como resto todo alimento e/ou preparação que a criança deixava no copo ou prato.
Obtendo-se a média dos alimentos e/ou preparações servidas, multiplicou-se o valor pelo número de crianças de cada grupo. As repetições foram somadas ao valor total, obtendo desta forma a quantidade dos alimentos e/ou preparações servidas. Deste valor foi subtraído o resto proporcional de cada alimento servido. Para cálculo do valor nutritivo das refeições, utilizou-se o software DietWin Profissional 2.0® (19).
A adequação da ementa foi calculada para valor energético, hidratos de carbono, proteínas, gordura total, fibra, vitamina A, vitamina C, cálcio, ferro e sódio, considerando os valores de referência estipulados pelo PNAE (70% das necessidades nutricionais diárias) (1). Por não haver valores de referência para o sódio definidos pelo Programa, a adequação deste mineral foi calculada com base no regulamento técnico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que define valores de ingestão diária recomendados para crianças (20).
Destaca-se que as análises referentes ao consumo alimentar foram realizadas contemplando-se a média entre os 8 berçários estudados. O agrupamento das creches e berçários para análise decorreu da recomendação nutricional não diferenciada, homogeneidade das idades das crianças, acrescentando que todas as creches eram geridas pela mesma empresa de concessão, havendo padronização das porções de alimentos, bem como rotina de actividades relacionadas à alimentação entre as creches estudadas.
Desperdício de Alimentos: O desperdício de alimentos foi determinado quantitativamente pelo Índice de Resto-Ingestão (IR), que estabelece a relação percentual entre o Peso da Refeição Rejeitada (PR) e o Peso da Refeição Distribuída (PRD), representada pela fórmula: %IR = PR x 100/PRD (21), assumindo como aceitável, em populações sadias, taxas inferiores a 10% (22).

Resultados
A distribuição de idades das crianças frequentadoras das sete creches estudadas foi homogénea, havendo 200 crianças com idades entre 12 e 36 meses. As condições económicas das famílias atendidas neste serviço apontam que 68% tem renda familiar variando entre “menos de um SM” a “três SM”, sendo a mediana equivalente a “dois SM”.
Com relação às refeições observadas, o pequeno-almoço foi composto por leite (puro, com achocolatado, composto lácteo de cacau ou composto lácteo de café) e pão (com margarina, geleia ou requeijão) alternando-se biscoitos sem recheio. No lanche da manhã foi oferecido sumo de frutas natural. O almoço foi composto por arroz e feijão ou macarrão com carne bovina, de frango, enchido ou ovo acompanhados por salada crua e/ou hortícolas cozidas, além da sobremesa (fruta ou doce). No lanche da tarde foi oferecido apenas leite (puro, com achocolatado, composto lácteo de cacau ou composto lácteo de café). O jantar tem composição igual ao almoço ou composto unicamente por sopa e sobremesa (fruta ou doce).
A Tabela 1 reflecte o número de dias em que houve a ocorrência de cada critério analisado, sendo observado que a oferta de frutas apresentou-se adequada em todos os dias avaliados. Por outro lado, a oferta de hortícolas foi insuficiente em mais de 90% dos dias. A quantidade de hortícolas folhosos e alimentos ricos em enxofre foi compatível com o esperado em apenas, respectivamente, 62,5% e 54,2% dos dias analisados. Foi também expressiva a oferta de doces na ementa e alimentos contendo ácidos gordos trans.
O consumo alimentar baseado nos valores médios, adequação percentual, desvio padrão e valores mínimo e máximo das dietas é apresentado na Tabela 2.
Os resultados reflectem que, com base nas recomendações, os alimentos consumidos em média pelas crianças dos berçários foram insuficientes em relação à energia, hidratos de carbono, proteína, gordura total, fibra, ferro vitamina A e cálcio.
Por outro lado, para a vitamina C e sódio, as quantidades consumidas foram cerca de duas a três vezes superiores às recomendadas.
O desperdício dos alimentos, expresso pela percentagem de resto-ingestão é apresentado na Tabela 3, na qual se observa que em todas as instituições e, para todos os alimentos analisados, o IR foi superior aos 10% considerado aceitável, com excepção apenas do doce que se manteve no limite máximo.

Discussão
Os resultados mostraram que o fornecimento de frutas foi diário. Estes dados discordam dos resultados de estudos realizados por Menegazzo et al. (13), no qual a oferta de frutas na ementa de creches para crianças de dois a seis anos de idade ocorreu em apenas 4% dos dias analisados e por Neelon et al. (23), onde a oferta de frutas, mesmo estando prevista na ementa elaborada para crianças até seis anos de idade, ocorreu em apenas 14,4% dos dias observados.
Apesar da frequência de oferta ser adequada, ressalta-se que o IR da fruta variou de 22% a 51%, salientando a provável inadequação na quantidade consumida, o que pode ter contribuído para a inadequação do consumo de fibra (34,6%) também observada no presente estudo. Já o sumo de frutas apresentou IR inferior (17%). A facilidade de ingestão do sumo quando comparado com a fruta, por não exigir mastigação pode contribuir para a melhor aceitação, por outro lado enfatiza-se que a sua preparação tem como consequência a redução de fibras e nutrientes (24).
A oferta de hortícolas (8,3%) e hortícolas folhosos crus (62,5%) foi insuficiente, tendo variado de zero a 100%, fato preocupante uma vez que estes alimentos apresentam diminuição na tendência de consumo nos domicílios brasileiros, com redução de 5 a 8% entre os anos de 2003 e 2008, diminuição mais acentuada nas famílias pertencentes as classes de menores rendimento (25), ao qual pertencem as crianças deste estudo.
O critério relacionado com a monotonia de cores foi considerado adequado em 29,2% dos dias avaliados, reflectindo a deficiente criatividade em preparar alimentos diversificados e a necessidade de treino dos profissionais de cozinha, para que possam, sem alterar a composição da ementa, tornar os pratos mais atractivos. (14).
Quanto à oferta de alimentos ricos em enxofre, observou-se que em 54,2% dos dias analisados foram oferecidos alimentos sulfurados em excesso, destacando que a presença de alimentos ricos em aminoácidos sulfurados aumenta a sensação de desconforto gástrico, pela produção de gases, após as refeições (15).
O doce foi oferecido em mais de 80% dos dias analisados, dado alarmante, uma vez que o consumo de açúcar associa-se à baixa qualidade da dieta, sendo um factor de risco para o desenvolvimento de cárie dentária, excesso de peso e obesidade (26), bem como de doenças crónicas não transmissíveis (DCNT) (27,28).
O baixo desperdício de doces observado neste estudo, cujo %IR foi de 10%, insinua que estes alimentos são de boa aceitação pelas crianças. Desta forma, acrescenta-se como sugestão que sejam ofertadas frutas como sobremesas em substituição aos doces.
A composição das carnes oferecidas foi adequada em 79,2% dos dias, não tendo sido observado neste critério a oferta de fritos, uma vez que se preconiza a oferta deste tipo de preparação apenas para crianças com mais de dois anos de idade. Em contraposição, Lopes&Rocha (29) observaram em jardins-de-infância em Portugal a presença de componente frito em 21% das ementas no decorrer de um mês, referindo instituições onde foram oferecidos fritos em 45% das refeições. Em concordância, Erinosho et al. (30), constatou a oferta de batatas fritas em 6,7% das 40 creches de Nova York analisadas durante um dia.
Realidade alarmante foi observada na frequência diária da oferta de alimentos contendo ácidos gordos trans, uma vez que de acordo com a World Health Organization (WHO) (17) não há níveis seguros de ingestão, dado os efeitos prejudiciais, sobretudo como coadjuvante na ocorrência precoce de DCNT.
Os resultados mostraram que o consumo médio de energia foi adequado em 65%, valor muito inferior ao planeado. Resultados semelhantes foram encontrados por Spinelli et al. (31) e Menezes&Osório (32), que obtiveram, respectivamente, adequação de energia de 57 e 41%. Assim, a alimentação em casa, durante a noite e pela manhã, é indispensável para completar as necessidades nutricionais e deve ser orientada por nutricionistas, harmonizando a actuação de educadores nas creches e pais nas suas residências.
Bernardi et al. (33), avaliando o consumo alimentar no âmbito da creche e do domicílio, discutem que a aceitação alimentar na instituição pode ser influenciada pela densidade energética dos alimentos ingeridos no domicílio, antes e depois do período escolar. Em adição, foi constatada em Portugal por estudo conduzido por Santos&Rocha (34) com crianças entre três e nove anos de idade, frequentadoras de escolas públicas, que constatou que 90,8% das crianças alimentavam-se de lanches trazidos de casa e somente 0,6 consumiam a refeição servida pela escola. Tais observações podem justificar o elevado IR dos alimentos que compunham o pequeno-almoço oferecido na creche (Leite, Pão, Biscoito), destacando a diferença de 16,3% entre o IR do leite oferecido pela manhã e no lanche da tarde. Pois, dados da literatura sugerem que grande parte dos pais habitualmente oferecem o pequeno-almoço em casa, mesmo cientes da existência desta refeição na escola (35).
O consumo médio de ferro e vitamina A foi inferior ao recomendado, com adequação de 80,7% e 95,9%, provavelmente devido ao facto do leite oferecido nas creches ser fortificado com ferro e vitamina A (3) o que permite concluir que a adequação destes nutrientes teria sido ainda inferior se considerados somente os alimentos tradicionais que compuseram a merenda.
A baixa ingestão de cálcio pode ser justificada pelo elevado IR do leite, principal fonte deste nutriente, que variou de 28 a 77% neste estudo. Resultado semelhante foi identificado num estudo conduzido por Spinelli et al. (31) em creches públicas de São Paulo, cuja adequação, ajustada para 70% das necessidades, do consumo de cálcio por crianças entre 12 e 18 meses foi de 51,7%. A adequada ingestão deste micronutriente está associada à redução da ocorrência de DCNT, como a hipertensão arterial, pela influência na regulação da tensão arterial; obesidade e diabetes, uma vez que o cálcio intracelular desempenha um papel fundamental em distúrbios metabólicos associados à adiposidade e resistência à insulina (36).
Relativamente ao consumo de sódio, a média de consumo foi três vezes superior ao recomendado, associado à determinação da hipertensão arterial e mortalidade por doenças cardiovasculares já que estudos epidemiológicos oferecem evidências consistentes de que a hipertensão arterial sistémica do adulto tem início na infância (37).
Relativamente ao desperdício observado nas refeições completas (almoço e jantar) foi constatado que apenas 42% da quantidade de alimentos servidos no prato à criança são efectivamente consumidos e nas creches onde a refeição completa foi substituída pela sopa no jantar, o IR também se mostrou elevado, correspondendo a 37%. Semelhante a estes resultados, uma análise a refeições escolares em Portugal, realizada por Campos et al. (10) encontrou IR médio equivalente a 31%, sendo o valor mínimo de 17%. Em oposição, Martins et al. (11) encontrou variação de 1,8 a 7,5% na avaliação da rejeição das refeições servidas em escolas públicas do município de Piracicaba, SP.
Tradicionalmente a sopa no Brasil caracteriza-se pela baixa densidade energética e baixa qualidade nutricional, tendo como constituição de base cereais, como arroz ou macarrão e pós instantâneos para preparação de sopa, apresentando usualmente pequena quantidade de hortícolas, sendo exemplos de sopas oferecidas na alimentação escolar: sopa de macarrão com carne bovina, sopa de canjiquinha com carne bovina e sopa de farinha de milho com ovos (38). Desta forma, a substituição de refeições completas pela sopa não é incentivada, ressaltando ainda que pelas características de preparação apresenta menor diferenciação de sabores, estimulação do paladar e da mastigação (14).
Diante dos resultados, que reflectem inadequações na composição da ementa oferecida, até o consumo final, destaca-se que possivelmente haja desacertos operacionais, que se estendem desde a preparação até a oferta da refeição.
Neste contexto, de acordo com a American Dietetic Association (ADA) (23), crianças que permanecem em creches em período integral devem ser ensinadas a compreender sensações de fome e saciedade e devem ter liberdade para definir as quantidades que querem comer.
Tal recomendação torna-se inaplicável na medida que, no sistema de gestão concessionado, as quantidades porcionadas são estipuladas pelas cozinheiras, mediante porções prédefinidas por nutricionistas da empresa contratada, havendo necessidade de intervenções dos educadores que oferecem os alimentos às crianças para eventuais repetições. Esta dinâmica, na qual as decisões e especificações são exclusivas da empresa contratada, é frequentemente criticada por estudos que avaliam a eficiência deste tipo de gestão (39,40). Tratando-se de crianças pequenas, cuja manifestação verbal muitas vezes é inexistente, recomenda-se que a atitude de oferecer mais alimentos, mesmo sem haver solicitação, devia ser praticada rotineiramente (41).
Acrescenta-se que a concessão do serviço de refeição representa a implantação abstracta de um muro divisor, sendo a cozinha e seus funcionários um ambiente isolado da instituição, que mantém portas fechadas, impedindo a interacção entre as crianças e educadores com o ambiente onde as refeições são produzidas.
Analisando-se por este prisma, constata-se que o consumo de alimentos em creches pode ser prejudicado pelo ambiente proporcionado pela prática separatista da concessão, em que a criança não interage com o ambiente onde os alimentos são produzidos. Esta situação compromete os dois extremos, de um lado o cozinheiro, que não consegue verificar a aceitação dos alimentos pelas crianças e não observa os restos alimentares deixados no prato, e, por outro lado a criança que não conhece a origem do alimento, distanciando-se do situação anterior à concessão, quando o cozinheiro pertencia ao quadro de funcionários da creche, cenário facilitador de comunicação, além da maior flexibilidade que se observava nas alterações de alimentos que compunham a ementa, adequando-se às preferências e particularidades alimentares individuais (39).
Diante dos resultados obtidos e, da evolução irremissível desta forma de gestão no sector público, destaca-se a necessidade de rigorosa fiscalização e supervisão das actividades práticas desenvolvidas no processo de produção e oferta de refeições nas creches, em paralelo com a gestão do contrato.

Conclusões
No presente estudo observou-se que a alimentação oferecida às crianças frequentadoras de creches de gestão concessionada apresenta oferta insuficiente de hortícolas e hortícolas folhosos e oferta excessiva de doces, alimentos ricos em enxofre, carnes gordas, alimentos contendo ácidos gordos trans e apresentação de refeições com monotonia de cores, enfatizando, todavia, a oferta adequada de frutas em todos os dias analisados.
Paralelamente, os nutrientes consumidos em média pelas crianças apresentaram inadequação generalizada, estando o consumo de energia, macronutrientes, fibra, vitamina A, cálcio e ferro inferior ao recomendado e o consumo de vitamina C e sódio acima da recomendação.
Por fim o IR reflectiu acentuada presença de desperdício de alimentos, sendo que mais de 1/3 dos alimentos servidos são rejeitados, tornando-se urgente a necessidade de revisão das preparações servidas e porcionamento dos alimentos, e a adopção de novas estratégias na elaboração das ementas, visando o controlo do desperdício alimentar.
Em síntese, salienta-se que, para promover a melhoria na qualidade nutricional das refeições e diminuição do desperdício de alimentos, faz-se necessária revisão das preparações das ementas, sobretudo no seu aspecto sensorial, visando promover melhor aceitação pelas crianças, além de, com base em resultados de estudos disponíveis na literatura, rever o planeamento das ementas propostas no que concerne ao aporte nutricional e porcionamento per capita estipulados.

 

Referências bibliográficas
1. Brasil. Ministério da Educação. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Conselho Deliberativo (CV). Resolução/CD/FNDE n. 38, de 16 de julho de 2009; 2009 Jul [citado 01 Abr 2012]. Disponível em: http://www.asbran.org.br/sitenovo/arquivos/resolucao38.pdf
2. Brasil. Ministério da Saúde. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Programas Alimentação Escolar: Apresentação [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 Jan [citado 20 Jan 2012]. 1 p. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/index.php/programas-alimentacao-escolar
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Endereço para correspondência
Giovana Longo-Silva
Rua Loefgreen, n.º 1647,
04040-032, São Paulo, SP – Brasil
giovana_longo@yahoo.com.br


Recebido a 25 de Junho de 2012
Aceite a 17 de Outubro de 2012


*Bolsista da CAPES/PDSE – São Paulo (SP), Brasil - Processo n.º 9029-11-7
**Bolsita da CAPES/PSDE – São Paulo (SP), Brasil - Processo n.º 9032-11-8

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