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Revista Nutrícias

versão On-line ISSN 2182-7230

Nutrícias  no.14 Porto set. 2012

 

ARTIGO PROFISSIONAL

Aconselhamento alimentar numa unidade de saúde familiar

Nutritional counseling in a family health unit

 

Daniela Ribeiro1; Sandra Lourenço2

1Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Manuel Rocha Peixoto, ACES Cávado I, Braga

2Nutricionista, MSc Clinical Nutrition, ACES Cávado I, Braga

Endereço para correspondência

 

RESUMO


Introdução: A elevada prevalência de doenças crónicas e situações em que a alimentação é determinante, assim como a abrangência e a continuidade de cuidados que caracterizam os cuidados de saúde primários, obrigam que todos os profissionais de saúde intervenham no aconselhamento alimentar (A.A) da comunidade que servem.
Objectivos: Quantificação do tempo disponibilizado para o A.A na consulta, médica e de enfermagem; identificação dos temas abordados com maior frequência; classificação da abordagem em: terapêutica ou preventiva.
Metodologia: Estudo observacional analítico, transversal. População: Médicos e enfermeiros da Unidade de Saúde Familiar (USF) em estudo. O tempo despendido com A.A foi classificado em: Grau 0, não abordado; Grau I, 1-3 min; Grau II, mais de 3 min. A abordagem foi classificada como: Terapêutica, no contexto de doença/problema e Preventiva, na ausência de doença/problema.
Resultados: Foram observadas 90 consultas (43 médicas e 47 de enfermagem) e em 53,3% efectuou-se A.A. Do total de consultas, 67,8% eram programadas e destas, 72,1% foram classificadas com grau I/II, nomeadamente: Consulta de S. Infantil: 100%; Consulta de Diabetes: 92,3%; Consulta de HTA: 88,9%; Consulta de S. Materna: 80%; Consulta de P. Familiar: 42,9%; Consulta de S. Adulto: 23,1%.
A abordagem foi preventiva em 43,7% das consultas e terapêutica em 56,3%.
Os 3 temas abordados com maior frequência foram: alteração dos horários/número de refeições/dia, aumento da ingestão de água e “restrição do consumo de doces”.
Discussão e Conclusões: Os resultados mostram a sensibilidade dos profissionais para este aconselhamento, principalmente em grupos vulneráveis e de risco e alertam para necessidade de melhoria de desempenho em algumas consultas, designadamente a consulta de S. Adulto.
A frequência de visitas ao longo da vida e a programação de consultas por grupos terapêuticos ou com características comuns são aspectos que tornam os cuidados primários locais privilegiados para se fazer educação alimentar.

Palavras-Chave: Aconselhamento, Nutrição, Alimentação, Cuidados de saúde primários

 


 

ABSTRACT

Introduction: The high prevalence of chronic diseases and situations where the Nutrition is crucial, as well as the extent and continuity of care that characterize the primary health care, forces these health professionals to be involved in nutritional counseling (NC) of the community they serve.
Objectives: Quantification of the time available for the NC, on medical and nursing care; identification of the themes most frequently discussed; classification of the approach: therapeutic or preventive.
Methodology: Observational analitic review. Population: Physicians and nurses of the USF in study. The time dedicated to NC was classified as Grade 0, not addressed, Grade I, 1-3 min; Grade II, more than 3 min. The approach was classified as therapeutic in the context of illness / problem and Prevention in the absence of disease / problem.
Results: Ninety consultations were observed (43 medical and 47 nursing) and 53,3% have NC. From the total of consultations, 67,8% were scheduled appointments, of these, 72,1% were classified as grade I / II, namely: Consultation of Children: 100%; consultation of Diabetes: 92,3%; consultation of hypertension: 88,9%, consultation of pregnancy: 80%; consultation of family planning: 42,9%; consultation of Adult: 23,1%.
The approach was preventive in 43,7% of consultations and therapeutic in 56,3%.
The three most frequently discussed topics were: time/number of meals/day, increased intake of water and "restrict consumption of sweets".
Discussion and Conclusions: The results show the sensitivity of these health professionals to NC, especially in vulnerable and risk groups, and point to the need to improve performance in some consultations, such as Adult health.
The frequency of visits over the life and schedule appointments for groups with common characteristics are aspects that make primary care ideal for nutrition education.

keywords: Counseling, Nutrition, Food, Primary health care

 


 

Introdução
As doenças crónicas não comunicáveis (DCNC), nomeadamente, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crónicas, diabetes e cancros, são as principais causas de morte e incapacidade na Europa, Estados Unidos da América e nos países em vias de desenvolvimento, representando 63% de todas as mortes (1). Os factores de risco preponderantes para o desenvolvimento destas DCNC, à excepção do tabagismo e da inactividade física, são factores alimentares, designadamente, consumo excessivo de alimentos de elevada densidade energética, de alimentos pobres nutricionalmente e com elevado teor de gordura, sal e açúcar, assim como consumo insuficiente de frutos, legumes e hortaliças (2).
A.A é o método de prevenção e tratamento das DCNC com a melhor relação custo/eficácia, deve portanto fazer parte integrante do cuidado global de saúde (3).
Os profissionais de saúde dos cuidados primários encontram-se no local privilegiado para fazer educação para a saúde e naturalmente educação alimentar, pois têm acesso directo e regular à população, prestam cuidados de saúde abrangentes e continuados e gozam de elevada credibilidade junto da população (4).
Estudos internacionais revelam que a maioria dos médicos e enfermeiros de família, considera de grande importância o A.A, no entanto apenas uma minoria o realiza na sua práctica diária, de acordo com escassos estudos observacionais disponíveis (3, 5, 6, 7, 8). Os médicos e enfermeiros identificam como barreiras ao A.A, a falta de formação pré e pós-graduada na área da nutrição, a metodologia de ensino em nutrição desadequada ou insuficiente, o tempo diminuto para a realização da consulta e a falta de retorno/gratificação recebido, pela fraca adesão do utente (3, 5, 6).
A mudança de estilos de vida é lenta e depende de inúmeros factores externos e internos inerentes ao utente e profissional de saúde, factores sociais, económicos, culturais e psicológicos. A modificação dos hábitos alimentares não é excepção (5, 6).
Todas as ocasiões de contacto entre o utente e os cuidados primários, desejavelmente em contexto multidisciplinar e com equipas treinadas e motivadas, são momentos ideais para este aconselhamento.
Este trabalho baseou-se na observação directa de diferentes tipos de consulta, numa Unidade de Saúde Familiar (USF), visando conhecer melhor o seu desempenho ao nível do A.A, por forma a melhorar a prestação de cuidados.

Objectivos
O estudo teve como objectivos: quantificação do tempo de consulta, tanto médica como de enfermagem, disponibilizado para o A.A; identificação dos temas abordados com maior frequência; e classificação da abordagem em terapêutica ou preventiva.

Metodologia
Tipo de Estudo: Estudo observacional, analítico e transversal.
População em estudo: Constituída pelos profissionais de saúde da USF Manuel Rocha Peixoto (MRP) do ACES do Cávado I de Braga. Apenas foi excluído um médico, por conhecimento prévio do estudo, resultando numa amostra final de 7 médicos e 8 enfermeiros. A selecção da amostra, por tipos de consulta e por profissional de saúde, foi efectuada por conveniência, em função da disponibilidade dos investigadores.
Recolha dos dados: A recolha dos dados efectuou-se por observação directa das consultas, decorreu na USF MRP, de Junho a Agosto/2011. A duração de observação de cada profissional, médico e enfermeiro, em consulta, foi aproximadamente de 2h30 a 3h, por cada um. O tempo atribuído ao A.A foi medido e registado durante a consulta. No final de cada consulta somou-se o total dos tempos dedicados ao A.A e foi classificado de acordo com graus previamente definidos: Grau 0, não abordado (quando não foi realizado qualquer aconselhamento alimentar); Grau I, realizado durante 1-3 minutos; Grau II, superior a 3 minutos.
Foram registados os temas alimentares abordados em cada consulta, e a sua abordagem foi classificada em Terapêutica, quando em contexto de doença/problema e em Preventiva, na ausência de doença/problema.
Análise estatística: Os dados foram registados e analisados nos programas informáticos, Microsoft Excel 2007® e SPSS 19®. O valor de p foi considerado significativo se inferior a 0,05.
Ética: O estudo foi cego, os profissionais de saúde observados desconheciam o objectivo do estudo. Todos os profissionais observados deram o seu consentimento informado. A realização deste estudo obteve autorização da comissão de ética da ARS Norte. O estudo não teve nenhum custo adicional, nem se verificou qualquer conflito de interesses.

Resultados
Foram observadas 90 consultas, das quais 47,8% (n=43) médicas e 52,2% (n=47) de enfermagem.
O Gráfico 1 representa a distribuição da amostra pelos diferentes subtipos de consulta assistidos, diferenciando o número correspondente a consultas médicas ou de enfermagem. Os grupos de consultas mais representativos foram: a consulta Não programada (N.P) (n=29), onde geralmente se observa patologia aguda, seguido da consulta de Saúde Infantil (S.I) (n=14), Saúde de Adulto (S.A) (n=13) e consulta de Diabetes (DM) (n=13).

 

 

Os grupos menos representativos foram a consulta de Hipertensão Arterial (HTA) (n=9), Planeamento familiar (P.F) (n= 7) e consulta de Saúde Materna (S.M) (n=5).
Nas consultas N.P, S.I e DM, as consultas médicas e de enfermagem foram em proporções idênticas. Nas consultas de S.A e HTA houve um predomínio de consultas de enfermagem, enquanto nas de P.F e S.M existiu um predomínio de consultas médicas.
Do total de consultas observadas o A.A ocorreu em 53,3% dos casos, 30% grau I (1 a 3 minutos) e 23,3% grau II (superior a 3 minutos), com contribuição muito semelhante por parte da equipa de enfermagem e médica (
Gráfico 2)

 

 


A actividade programada (todos os tipos de consulta à excepção das consultas N.P) representou a maioria das consultas observada, 67,8%.Neste subgrupo, 72,1% obteve grau I/II. Da actividade não programada, apenas 13,8% obteve grau I/II.
Os resultados, divididos pelos graus propostos, nos diferentes tipos de consulta considerados, encontram-se representados no
Gráfico 3.

 

 

As consultas que apresentam menor percentagem de A.A são a N.P, S.A e P.F. Por outro lado, a S.I e S.M, e os grupos de risco, HTA e DM, têm percentagens elevadas de aconselhamento alimentar nesta amostra.
Os temas relacionados com a alimentação abordados foram diversos, ocorrendo muitas vezes, na mesma consulta, a discussão de mais do que um. No
Gráfico 4 encontram-se representados pela sua respectiva frequência de abordagem os temas de A.A discutidos em consulta.

 

 


Os 3 temas abordados com maior frequência foram, a alteração dos horários/número de refeições, aumento da ingestão de água e “restrição do consumo de doces”, seguidos, do aumento do consumo de vegetais e fruta, diminuição do consumo de alimentos ricos em gorduras saturadas e alteração do modo de confecção culinária. A abordagem de um modo geral foi maioritariamente terapêutica com uma diferença percentual ligeiramente superior relativamente à preventiva (56,3% vs. 43,7%). Não existiu diferença estatisticamente significativa no tipo de abordagem entre os diferentes grupos profissionais (teste do qui-quadrado, p=0,971). A abordagem terapêutica foi efectuada em 13 consultas médicas e 14 de enfermagem, e a nível preventivo em10 consultas médicas e 11de enfermagem.

Discussão
Observou-se uma proporção semelhante de consultas médicas e de enfermagem, não privilegiando nenhum dos tipos de consulta. No entanto a amostra é de dimensão reduzida e existem algumas consultas, nomeadamente, S.M e P.F, com um número muito baixo. O facto de amostra ser de conveniência é um viés deste estudo.
As autoras identificam outra possível limitação do estudo na atribuição dos graus baseados no tempo, seria preferível atribui-los em função da percentagem do tempo total de consulta e não em tempo absoluto.
No geral, em aproximadamente metade das consultas observadas existiu A.A, a maioria dos médicos e enfermeiros dedicou cerca de 1 a 3 minutos a esta área (grau I). A percentagem de aconselhamento foi maior nos grupos vulneráveis (S.I e S.M) e principalmente nos grupos de risco (DM e HTA), o que seria expectável e desejável, tendo em conta que nestes grupos é fundamental a terapêutica nutricional.
Não foi encontrado nenhum estudo nacional semelhante e os estudos de observação directa internacionais são escassos (7, 8). Apesar da importância da alimentação, quer em termos de prevenção de doença e promoção de saúde, quer como terapêutica, a frequência deste aconselhamento, o tempo dedicado e a formação na área da Nutrição dos médicos e enfermeiros, não estão bem estudados.
Num estudo efectuado nos cuidados de saúde primários a 2400 utentes, após consulta médica, realizado em 2001 em Inglaterra, verificou-se que apenas 13% dos doentes referiram discussão do tema alimentação na consulta (9). Um outro estudo mais recente, 2010, realizado no Canadá, a 451 médicos, concluiu que 58,1% acreditam que mais de 60% dos seus doentes beneficiariam de A.A mas apenas 19.1% responderam que mais de 60% dos seus doentes o recebiam na prática (5). Em estudos de observação directa, em Ohio em 2002, durante 2 dias de consulta, no geral, 24% das consultas tiveram A.A. Os doentes crónicos obtiveram uma percentagem ligeiramente superior, de 30% (7). Percentagens idênticas de 25% também foram obtidas num outro estudo observacional em 2003, numa amostra de 4344 consultas (8).
Tendo como comparação alguns dos estudos disponíveis, a percentagem de A.A nos estudos observacionais (7,8), ronda os 25% e em questionários de hétero (9) e auto-avaliação (5, 6) os 13-19%.
Na amostra em questão a percentagem foi muito superior (53,3%) o que revela a sensibilidade e importância que esta equipa de saúde atribui a esta matéria.
As autoras consideram que apesar dos bons resultados nos grupos de maior risco, existem consultas em que este aconselhamento pode ser realizado com mais frequência, de forma mais estruturada, nomeadamente na consulta de S.A.
Nos estudos encontrados o tempo habitualmente usado é geralmente inferior a 5 minutos (6), sendo num dos estudos em particular uma média de 55 segundos (7). Estes resultados vão de encontro aos encontrados nesta amostra, com predomínio de 1 a 3 minutos dedicados ao A.A.
Relativamente ao tipo de abordagem e aos subtemas identificados não foram encontrados estudos como meio de comparação.
A maioria da abordagem foi efectuada quando estava presente um problema/doença, sendo classificada como terapêutica, no entanto é importante salientar que a abordagem preventiva obteve uma percentagem muito relevante (43,7%).

Conclusões
A pertinência deste estudo, apesar das suas limitações, é relevante no contexto desta USF, para consciencialização e reflexão do desempenho dos profissionais (médicos e enfermeiros) que as constituem.
Os resultados reflectem a sensibilidade e práticas destes profissionais para o A.A, principalmente em grupos vulneráveis e de risco. O estudo avaliou o aconselhamento em termos quantitativos, e foi notória a importância que este tem em várias consultas, alertando para necessidade de melhoria de desempenho noutras, como na S.A.
É importante apostar na qualidade de conhecimentos científicos na área da nutrição, suficientes para dar suporte a este aconselhamento, assim como conhecer as melhores técnicas para efectuar um aconselhamento efectivo, responsabilizando progressivamente os utentes. A colaboração com nutricionistas é crucial na formação contínua, na capacitação dos profissionais de saúde e na definição de critérios de referenciação para consulta de Nutrição cientificamente válidos.
A alteração do comportamento alimentar é difícil, portanto, todos s encontros com o utente são momentos ideais para este aconselhamento. Os cuidados de saúde primários, devido à proximidade com as populações e à abrangência da sua actividade têm o potencial de diminuir a morbilidade e mortalidade de várias doenças crónicas se efectuarem um A.A eficaz.

Agradecimentos
Um agradecimento a todos os profissionais de saúde da USF MRP que aceitaram participar neste estudo.

 

Referências Bibliográficas
1. World Health Organization, Plataforma Programmes and projects, Chronic diseases and health promotion [Internet]. Disponível em:
http://www.who.int/chp/about/integrated_cd/en/index.html. Consultado em: Agosto 2012
2. WHO regional Publications. Food and health in Europe: a new basis for action 2004; N.º96
3. Warber JI, Warber JP, Simone KA. Assessment of general nutrition knowlegde of nurse practitioners in New England. Journal of American Dietetic Association. 2000; 100 (3): 368-370
4.         [ Links ] Worsley A. Perceived reliability of sources of health information. Health Educ. Res. 1989; 4 (3): 367-376
5.         [ Links ] Wynn K Trudeau JD Taunton K Gowans M, Scott I. Nutrition in primary care: current practices, attitudes and barriers. Can Fam Physician. 2010; 56:109-116
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8.         [ Links ] Anis NA, Lee RE, Ellerbeck EF, Nazir N, Greiner KA, Ahluwalia JS. Direct observation of physician counseling on dietary habits and exercise: patient, physician, and office correlates. Prev Med. 2004;38(2):198-202
9.         [ Links ] Moore H, Adamson AJ. Nutrition interventions by primary care staff: a survey of involvement, Knowledge and attitude. Public health nutrition.2001; 5:531-53        [ Links ]

 

Endereço para correspondência
Daniela Ribeiro
Rua Amália da Costa Lima, n.º 60,
4710-488 Braga
danielaribeiromgf@gmail.com


Recebido a 14 de Maio de 2012
Aceite a 3 de Outubro de 2012

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