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Revista Nutrícias

versão On-line ISSN 2182-7230

Nutrícias  no.19 Porto dez. 2013

 

ARTIGO DE REVISÃO



Levedura de Arroz Vermelho no Tratamento da Hipercolesterolemia

Red Yeast Rice in Hypercholesterolemia Treatment

 

Sara Silva1; Sónia Xará2

1 Nutricionista estagiário, Serviço de Nutrição e Dietética, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Unidade I, Rua Conceição Fernandes, 4430 Vila Nova de Gaia, Portugal
2 Nutricionista, Serviço de Nutrição e Dietética, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Unidade I, Rua Conceição Fernandes, 4430 Vila Nova de Gaia, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO


As Doenças Cardiovasculares são uma importante causa de mortalidade em todo o mundo sendo a hipercolesterolemia um dos principais factores de risco, tornando assim importante uma actuação precoce na sua prevenção e tratamento. Uma alternativa à utilização de fármacos para o tratamento deste factor de risco é a Levedura de Arroz Vermelho que resulta da fermentação do arroz com o fungo Monascus spp.. Este produto tem na sua constituição, para além de outros compostos, a monacolina K, conhecida comercialmente como lovastatina e que tem a capacidade de diminuir a biossíntese de colesterol e os níveis de colesterol total. Apesar de ser uma substância natural, apresenta as mesmas contra-indicações, efeitos adversos e interacções farmacológicas e fármaco – nutrientes que as estatinas. A legislação nacional e europeia que regulamenta estes produtos é escassa e insuficiente, nomeadamente na padronização e quantificação das doses comercializadas, o que permite a comercialização de suplementos de Levedura de Arroz Vermelho com concentrações de monacolina K diferentes, podendo comprometer o efeito biológico pretendido.

Palavras-Chave: Levedura de Arroz Vermelho, Monacolina K, Hipercolesterolemia

 


 

ABSTRACT

Cardiovascular Diseases are a major cause of mortality worldwide, being the hypercholesterolemia one of the major risk factors, therefore premature acting in its development and treatment becomes very important. An alternative treatment option to drugs is the Red Rice Yeast that results from the fermentation of rice with the Monascus spp fungus. This product has in its composition, in addition to other compounds, the monacolin K, also known as lovastatin which is capable of decreasing the biosynthesis of cholesterol and total cholesterol. Although being a natural product, it has the same contraindications, adverse effects, drug interactions and drug - nutrient that statins. The national and european legislation governing these products is scarce and insufficient, particularly in the standardization and quantification of sold doses, which allows the marketing of Red Rice Yeast supplements with different concentrations of monacolin K, which may compromise the desired biological effect.

keywords: Red Yeast Rice, Monacolin K, Hypercholesterolemia

 


 

INTRODUÇÃO
As Doenças Cardiovasculares (DCV) são mundialmente a principal causa de morte. Em 2008, foram responsáveis por cerca de 17,3 milhões de mortes em todo o mundo e estima-se que na União Europeia (UE), sejam responsáveis anualmente por cerca de 40,0% dos óbitos reportados. Em Portugal, estas doenças representavam, no ano de 2009, cerca de 30% da mortalidade (1). As DCV são influenciadas por vários factores de risco, a maior parte deles reversíveis pela alteração do estilo de vida, como é o caso da hipercolesterolemia (2-5).
Em 2008, a percentagem de adultos com o colesterol elevado, a nível mundial, era de 39,0% (2). Em Portugal, 55,9% da população adulta, com idade superior ou igual a 25 anos, apresenta valores de colesterol total (CT) superiores a 190 mg/dl (57,2% dos homens; 54,3% das mulheres), e 16,7 % apresenta valores de CT superiores a 240 mg/dl (16,7% nos homens; 16,5% nas mulheres) (1). Apesar do colesterol ser importante ao funcionamento do organismo humano, a sua produção necessita de ser regulada para evitar uma produção excessiva. Assim sendo, o principal objectivo no tratamento da hipercolesterolemia é a redução das lipoproteínas de baixa densidade (Low Density Lipoprotein – LDL), principal transportador do colesterol para as artérias, e/ou a diminuição do CT. Para isso é necessário adoptar um estilo de vida saudável, onde se inclua a prática regular de exercício físico e o cumprimento de uma alimentação equilibrada e variada. Neste sentido, deverá existir controlo da ingestão de colesterol e controlo da ingestão lipídica total, com correcta distribuição pelas três fracções de ácidos gordos. Quando esta mudança se revela insuficiente torna-se necessário diminuir a síntese de colesterol. Esta diminuição é conseguida pela inibição da enzima redutase da 3-hidroxi-3-metilglutaril-coenzima A (HMG-CoA) que é uma das enzimas principais na biossíntese do colesterol (6-12).
No mercado existem fármacos, como as estatinas, capazes de inibir a biossíntese de colesterol, mais propriamente a enzima HMG-CoA redutase. Apesar deste efeito, as estatinas apresentam efeitos secundários, que serão adiante apresentados, e apenas podem ser utilizadas após prescrição médica (13). Existem, actualmente, suplementos alimentares associados ao mesmo efeito que as estatinas e que poderão constituir alternativas à farmacoterapia, como é o caso da Levedura de Arroz Vermelho (LAV) (8).
A LAV resulta da fermentação do arroz com o fungo Monascus spp., sendo no entanto recente o seu uso como suplemento alimentar (9). Durante o processo de fermentação são produzidos metabolitos secundários que vão constituir o produto final juntamente com outros compostos que derivam da composição do arroz (10).
A citrinina é uma micotoxina presente nos produtos constituídos por LAV que se encontra associada a efeitos secundários importantes, como a toxicidade hepática e renal (11-13). Torna-se, assim, importante reduzir a sua quantidade sem alterar a restante composição do produto (10,13).
Um dos compostos bioactivos presentes no produto de fermentação é a monacolina K, comercialmente conhecida como lovastatina. Esta estatina natural tem a capacidade de inibir a HMG-CoA redutase e, assim, diminuir a biossíntese de colesterol. Este efeito é conseguido quando a monacolina K é administrada, diariamente, numa quantidade igual a 10mg (9,11,13-15).
Segundo a European Food Safety Authority (EFSA), as contra-indicações, os efeitos secundários e as interacções farmacológicas e fármaco-nutrientes da LAV são semelhantes às descritas para as estatinas (13,16-18). Relativamente à legislação que regulamenta estes produtos, existe uma clara lacuna no que diz respeito à sua padronização e quantificação de doses, o que permite a comercialização de produtos com diferentes quantidades de monacolina K e dificulta a comparação de resultados entre estudos (19-21).
Levedura de Arroz Vermelho
A LAV é um produto tradicional chinês que resulta da fermentação do arroz através do fungo Monascus spp. (8). Devido à sua capacidade de pigmentação dos grãos de arroz num tom vermelho, em 1895, a espécie ficou conhecida como Monascus Purpureus, apesar de existir mais espécies deste fungo (22). Actualmente, devido à descoberta dos benefícios na saúde humana dos produtos secundários formados por este fungo, o Monascus spp. é usado na composição de suplementos alimentares, como é o caso da LAV (9).
O produto final é constituído por substâncias que derivam do arroz, reportadas como tendo um efeito sinergético para o efeito hipocolesterolémico da monacolina K, como o amido, as proteínas, as fibras, os esteróis vegetais, os ácidos gordos e as vitaminas do complexo B, e, também, os metabolitos secundários formados pelo fungo durante o processo de fermentação (8,10,11). Os compostos de maior interesse são a citrinina que é uma micotoxina e a monacolina K considerada um composto bioactivo (22). Estes metabolitos podem ser classificados de policetídeos e resultam de uma condensação de Claisen de um acetil CoA com pelo menos um malonil CoA, em que ocorre uma descarboxilação simultânea sendo esta reacção catalisada pela policetídeo sintetase I (9,11).
Citrinina
Nos últimos anos, a descoberta de citrinina na composição do extracto da LAV, comprometeu a segurança deste produto quando usado como suplemento alimentar (22). Este composto apresenta efeitos secundários, nomeadamente toxicidade hepática e renal, havendo ainda evidências do seu potencial efeito carcinogénico (11-13,23). Estas suspeitas tornam importante a redução da sua concentração no produto final, sem alterar as concentrações dos outros componentes, especialmente a monacolina K. Este é um processo complicado, uma vez que a monacolina K e a citrinina são formadas simultaneamente pela via de biossíntese dos policetídeos (12). Existem vários processos em estudo, como a selecção de estirpes mutantes do fungo ou a optimização do meio de cultura, de modo a que a redução de citrinina não altere a restante composição da LAV (11).
Apesar deste metabolito secundário ser tóxico, há apenas legislação, para o limite de citrinina nos alimentos, em alguns países como é o caso do Japão cujo valor é de 200µg/kg (11). Na Europa, não existe valor limite para a presença de citrinina nos alimentos, pois segundo a EFSA, as limitações e incertezas existentes nos estudos realizados invalidam o estabelecimento de um valor limite. No entanto, de acordo com os estudos efectuados, não se considera motivo de preocupação relativamente à nefrotoxicidade em humanos se a exposição à micotoxina não ultrapassar os 0,2 µg/kg de peso corporal (13).
Num estudo, cujo objectivo era avaliar a quantidade de citrinina nos produtos comercializados, esta micotoxina estava presente entre os 0,2 µg/g e os 1,71 µg/g, sendo estas quantidades muito inferiores aos valores de limite referenciados (23).
Monacolina K
Actualmente existem vários tipos de estatinas, entre as quais as naturais que são obtidas directamente do processo de fermentação, como a lovastatina (nome comercial da monacolina K) (14). Durante a fermentação são produzidas vários tipos de monacolinas, sendo a monacolina K produzida na fase estacionária do crescimento do Monascus spp. e que tem a capacidade de reduzir as concentrações de colesterol (9).
A monacolina K, quimicamente, apresenta uma porção policetídica e um anel hidronaftaleno, ao qual estão ligadas diferentes cadeias laterais, nomeadamente no C8 e C6. Estas cadeias laterais ligadas vão definir o tipo de monacolina presente, sendo que a monacolina K contém no C8 um ácido metil -butírico e no C6 um grupo metilo (9,14,15).
A monacolina K pode ser produzida na forma de lactona ou de hidroxiácidos (lactona com anel aberto). Quando produzida por fermentação, encontra-se maioritariamente na forma de hidroxiácido (forma biologicamente activa). Quando é produzida para a utilização em fármacos, mais conhecida por lovastatina, apresenta-se sob a forma de lactona, sendo posteriormente convertida a hidroxiácido, a nível hepático, por ser a forma biologicamente activa (mais idêntica à HMG-CoA) (15,16).
A biossíntese da monacolina K necessita da acção de duas sintetases policetídicas, nomeadamente a sintetase da lovastatina não acetídeo e a sintetase lovastatina diacetídeo. A sintetase da lovastatina nonacétido é responsável pela ciclização da cadeia policetídica principal, de modo a formar o anel hidronaftaleno, conduzindo o processo até à formação da monacolina J e a sintetase lovastatina dicétido é responsável por fornecer a cadeia lateral metil-butirilo (9,14). O processo que dá origem à monacolina K inicia-se com unidades de acetato ligadas entre si, de modo a formar duas cadeias policetídicas e por metionina, que geralmente no metabolismo fúngico fornecem o grupo metilo presente no C6, sendo este inserido antes dos anéis se fecharem formando a monacolina L. Posteriormente, a monacolina L converte-se em monacolina J devido a uma hidroxilação catalisada pela monooxigenase envolvendo o citocromo P-450 presente na célula. Em seguida, ocorre uma reacção de esterificação entre a monacolina J e o composto α-metil-ß-cetobutirilo, dando origem a um composto intermédio, nomeadamente a monacolina X. Esta por sua vez sofre uma desidrogenação levando à formação da monacolina K (9,14,15,24).
Mecanismo de acção
Genericamente as estatinas são inibidores competitivos da enzima principal da biossíntese do colesterol, a HMG-CoA redutase, devido à estrutura idêntica entre os ácidos ß-Hidroxi das estatinas e a HMG-CoA, sendo que a afinidade das estatinas para a HMG-CoA redutase é muito superior à afinidade da HMG-CoA (9,12,14). Esta inibição leva à acumulação de HMG-CoA que é metabolizada em compostos mais simples, não permitindo a evolução da biossíntese do colesterol e consequentemente, diminuindo a formação de colesterol (9,11,14,15).
A monacolina K contribui ainda para a diminuição dos níveis de CT, uma vez que a diminuição da quantidade de colesterol endógeno conduz a um aumento da formação de receptores LDL nas membranas celulares e a uma maior captação das LDL que se encontram em circulação, diminuindo assim os níveis plasmáticos. A diminuição da síntese do colesterol leva ao consequente decréscimo da produção das lipoproteínas de muita baixa densidade (Very Low Density Lipoprotein – VLDL), a nível hepático, que participam na formação das LDL. Sendo assim, a diminuição do colesterol plasmático deve-se, também, à maior captação das LDL e à menor produção endógena das VLDL (16,25).
Segundo a EFSA, para que os suplementos de LAV apresentem este efeito, a toma diária recomendada é de 10mg de monacolina K (13).
Efeitos Secundários e Interacções da Levedura de Arroz Vermelho
Relativamente aos possíveis efeitos secundários e interacções deste suplemento, a EFSA refere que devem ser considerados os indicados nos fármacos que contém lovastatina, à venda no mercado europeu (13).
A lovastatina é metabolizada pelo citocromo P-450 3A4 (CYP3A4), que está na origem da maior parte das interacções entre os inibidores de HMG-CoA e outros fármacos (26,27). Existem fármacos que são inibidores do CYP3A4 como o itraconazol (antifúngico) e o ritonavir (anti-retroviral) usado levando ao aumento da concentração desta estatina, e outros que são indutores deste citocromo como a rifampicina (antibacteriano), acelerando a metabolização da lovastatina resultando numa concentração plasmática inferior aquela que é necessária para esta ser eficaz (28). Outro tipo de interacção ocorre ao nível das proteínas transportadoras, ou seja, existe uma inibição destas proteínas que fazem a passagem das estatinas para o fígado não permitindo a sua metabolização, aumentando deste modo a sua concentração plasmática, como é o caso do fármaco gemfibrozil (antidislipidémico) (27). A ciclosporina (imunomodelador) para além de inibir o transporte pelas proteínas membranares, também inibe a acção do CYP3A4, podendo aumentar consideravelmente as concentrações plasmáticas das estatinas (29). O clopidrogel (anticoagulante e anti trombótico), quando administrado simultaneamente às estatinas que sofrem metabolização pelo CYP3A4, pode comprometer a sua eficácia. A ciclosporina, o ácido nicotínico (antidislipidémico), a eritromicina (antibacteriano), o gemfibrozil e outros fibratos e os antifúngicos azólicos (inibidores do CYP3A4) podem conduzir ao aumento das transaminases, da creatinafosfocínase (CPK), e a miopatia podendo esta apresentar-se numa forma mais grave como a rabdomiólise. As estatinas também podem potenciar o efeito da varfarina, sendo necessário o controlo da Razão Normalizada Internacional (INR), especialmente no início e no fim do tratamento (30). A toranja é um alimento que apresenta interações com a monacolina K, por inibir irreversivelmente o CYP3A4, aumentando os seus efeitos e a sua concentração sanguínea, podendo levar à ocorrência de efeitos secundários e a danos hepáticos (8).
A segurança e eficácia das estatinas já foram amplamente demonstradas, mantendo-se contudo descritos a ocorrência de efeitos secundários (31). Os efeitos secundários mais frequentes são as dores abdominais, as náuseas, a obstipação, a anorexia, a flatulência, a dispepsia e a astenia. É possível ainda a ocorrência de eritema multiforme, perturbações psíquicas, parestesias, cãibras e como já foi referido o aumento das transaminases (30).
As estatinas podem levar à depleção excessiva da coenzima Q10 (CoQ10), levando à fadiga, e danos/dores musculares. Sendo assim, a suplementação com CoQ10 pode prevenir a miopatia causada pela monacolina K, sendo aconselhável a sua toma durante a suplementação com LAV e até 4 semanas após esta ter terminado (8,10,31).
O uso desta substância activa está contra-indicado para indivíduos com doença hepática, que apresentem constantemente as transaminases elevadas, para grávidas e lactentes (30).
Apesar das estatinas serem geralmente bem toleradas, existem casos de intolerâncias e desenvolvimento de efeitos secundários, sendo as mais frequentes as mialgias. A tolerância da LAV nestes indivíduos tem sido objecto de estudo (17,18,26).
Torna-se assim evidente a necessidade de se realizarem mais estudos, para que na rotina clínica a suplementação com LAV possa ser considerada. Existem várias apresentações comerciais do suplemento de LAV que apresentam diferentes concentrações quer de monacolinas, quer de componentes bioactivos, não estando totalmente esclarecida a segurança do uso prolongado deste suplemento (18). Sendo assim, de acordo com a European Society of Cardiology e a European Atherosclerosis Society o uso dos suplementos de LAV apresenta um nível de evidência B (6).
Controlo da Qualidade dos Produtos de Levedura de Arroz Vermelho
Ao longo dos anos, a fitoterapia e o uso de suplementos alimentares tem evoluído e a procura por este tipo de terapia aumentado, mas a lacuna legislativa que permite regulamentar estes produtos, mantém a desconfiança relativamente à sua produção e mecanismo de acção. A regulamentação e o controlo da qualidade tornam-se essenciais para aumentar a confiança dos consumidores e dos profissionais de saúde (19).
A LAV em Portugal tem sido usada como um suplemento alimentar que, segundo o Decreto-lei nº. 136/2003 de 28 de Junho, define estes produtos como “géneros alimentícios que se destinam a complementar ou a suplementar o regime alimentar normal e que constituem fontes concentradas de determinadas substâncias nutrientes ou outras com efeito nutricional ou fisiológico, estremes ou combinadas, comercializadas em forma doseada, tais como cápsulas, pastilhas, comprimidos, pílulas (…) destinam a ser tomados em unidades medida de quantidade reduzida” (32). A regulamentação destes produtos, em Portugal, encontra-se sob a alçada da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (33).
Estes produtos, aquando a sua comercialização, não necessitam de padronização nem de cumprir nenhuma quantidade relativamente às doses. Das preparações de LAV comercializadas, nem todas apresentam a mesma quantidade de monacolinas, o que dificulta a comparação de resultados entre os diferentes estudos efectuados (19).
Um estudo recente, realizado com o objectivo de verificar as diferenças na composição dos produtos que contêm LAV, analisou setenta preparações de LAV onde a dose diária recomendada de LAV foi em média 1500 mg, a dose diária de monacolina K e de citrinina foi em média de 22,5 mg e 189,0 µg, respectivamente. Para além destes compostos, foram também encontrados outros como CoQ10, policosanol, niacina, ácido fólico, entre outros (20).
Estes estudos evidenciam as diferenças de composição das diversas preparações de LAV relativamente à quantidade de monacolina K e à presença de citrinina. Apesar das variações encontradas, a maior parte dos produtos apresentam a quantidade mínima de monacolina K, definida pela EFSA como necessária para que estes suplementos tenham o efeito pretendido.

ANÁLISE CRÍTICA
Actualmente, a hipótese de a LAV ser uma opção válida no tratamento da hipercolesterolemia e uma alternativa vantajosa à lovastatina é improvável. Esta só é eficaz como hipocolesterolemiante em doses com efeito inibitório da redutase da HMG-CoA semelhantes à da estatina correspondente, com as vantagens e riscos inerentes. A segurança da LAV ainda não se apresenta totalmente comprovada, muito devido à composição variável em citrinina. O ideal será existir uma revisão da legislação relativa à produção e venda deste produto, de modo a poder garantir total confiança quer aos profissionais de saúde, quer ao consumidor e utente. A LAV não tem qualquer comparticipação pelo Serviço Nacional de Saúde, pelo que o impacto económico para o consumidor será potencialmente superior à utilização do fármaco correspondente.

CONCLUSÕES
A hipercolesterolemia sendo um factor de risco para as DCV necessita de ser prevenida e tratada precocemente, através da adopção de um estilo de vida saudável. Quando esta se revela insuficiente, o tratamento poderá contemplar o uso de fármacos ou de suplementos naturais, como é o caso da LAV.
O composto activo de interesse neste produto é a monacolina K que apesar dos seus potenciais benefícios, a presença de citrinina é prejudicial. A completa inibição da produção de citrinina ainda não é possível, sendo a sua redução muitas vezes acompanhada por alterações no conteúdo de monacolina K.
Neste sentido, torna-se importante a revisão da legislação actual com o objectivo de regulamentar a comercialização destes produtos assim como a padronização e quantificação dos seus componentes.

 

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Endereço para correspondência
Sara Silva
Serviço de Nutrição e Dietética, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Rua Conceição Fernandes, 4434-502 Vila Nova de Gaia
sara.avlis@gmail.com


Recebido a 18 de Novembro de 2013
Aceite a 2 de Janeiro de 2014

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