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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.102 Coimbra dez. 2013

 

RECENSÃO

 

Horowitz, Noah (2011), Art of the Deal. Contemporary Art in a Global Financial Market

 

Luísa Veloso*

Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. Departamento de Sociologia, Escola de Sociologia e Políticas Públicas, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal luisa.veloso@iscte.pt

 

Horowitz, Noah (2011), Art of the Deal. Contemporary Art in a Global Financial Market. Princeton: Princeton University Press, 384 pp.

 

O livro de Noah Horowitz, conceituado historiador especialista na análise do mercado da arte, constitui uma obra extremamente interessante e profícua para os investigadores e demais profissionais e apreciadores que estudam ou acompanham o mundo da arte. Resulta da sua dissertação de doutoramento, em articulação também com a sua presença no mercado da arte. O autor foi diretor da “VIP Art Fair”, uma feira de arte de venda online e é atualmente o diretor executivo do “Armory Show”, uma das mais destacadas feiras de arte que tem lugar anualmente em Nova Iorque. A sua dupla pertença à academia e ao mundo da arte é, desde logo, um dado interessante e permite perceber o seu olhar sobre o mercado da arte como alguém que o conhece, mas que também domina a sua complexidade e as suas contradições.

Focalizando-se especificamente nos mecanismos que presidem ao funcionamento do mercado da arte, o autor desenvolve uma análise detalhada e sistemática. O estudo realizado vai sendo apresentado ao longo do livro com a discussão permanente dos factos, condensando uma análise sobre a construção social do mercado da arte, reflectindo sobre a sua complexidade e chamando a atenção para a necessidade de atender às permanentes relações entre fenómenos económicos, sociais e culturais e que explicam, não apenas os mecanismos de comercialização da arte, mas também de que forma é que estes ditam regras do trabalho dos artistas e das respetivas obras.

Estruturado em três densos capítulos, o livro centra-se em formas contemporâneas de expressão artística que, pelos seus suportes e a conquista da etiqueta “obra de arte”, vieram colocar desafios analíticos acrescidos. Por sua vez, e à semelhança de obras de arte vulgarmente aceites enquanto tais, também os criadores dessas obras capitalizam em seu benefício a possibilidade de as legitimarem. O livro pretende apresentar uma “abordagem crítica do Mercado da arte e como é que o seu valor (crítico, museológico, financeiro) é gerado” (xvii).

Antecedendo os três capítulos, o autor na introdução apresenta algumas proposições importantes acerca da distinção entre mundo da arte e mercado da arte, ainda que se sobreponham e seja complexo estabelecer as fronteiras entre ambos. É sobre este último que o livro se vai debruçar, analisando a sua estrutura e discutindo os processos sociais de determinação do valor de uma obra de arte, o que, por sua vez, exige refletir sobre o conceito de valor e a respetiva medida. É este intrincado e complexo discurso que prevalece ao longo do texto, permitindo ao leitor ficar com um conhecimento acerca dos processos históricos (nada lineares) de estruturação e desenvolvimento do mercado da arte.

Os capítulos 1 e 2 são dedicados a duas práticas artísticas – a videoarte e a arte experimental – que “se encontravam na periferia do circuito comercial, mas que agora estão no seu centro” (3).

A “nossa viagem”, como o autor apelida (24), começa com a emergência da videoarte nos anos 60, no capítulo 1. É desenvolvido o processo de integração da videoarte no mercado que, como argumenta o autor, é emblemático da profissionalização da economia da arte contemporânea (24). É traçado um percurso histórico bastante completo e detalhado em que se referem obras inaugurais de artistas como Nam June Paik ou Bruce Nauman, nas décadas de 1960 e 1970, e se prossegue, na década de 1980, com a sua institucionalização marcada pela integração e mostra dos trabalhos dos artistas em museus como o Whitney Museum ou o Museu Stedelijk em Amesterdão. A década de 1990, caracterizada pela emergência de artistas como Matthew Barney ou Douglas Gordon, acompanha o crescimento da aquisição das obras de videoarte. Este crescimento das aquisições, exibições e o acréscimo dos preços (do valor da obra) é também extensível ao domínio da fotografia, com artistas como Thomas Struth. De uma enorme relevância é o trabalho do autor acerca da integração destas obras nas coleções dos museus, um dos eixos fundamentais do seu reconhecimento como arte e a consequente atribuição de valor. Citando Pierre Bourdieu, o autor refere como à videoarte se aplica a premissa: “os jogadores procuram no mercado da arte uma combinação de capital simbólico e económico” (56). A entrada destas obras no mercado da arte, com o seu reconhecimento e a sua valorização económica, comporta igualmente a produção de todo o conjunto de artefactos que o comprovem. É o caso dos certificados de autenticidade (ver um exemplo na página 59) e as embalagens das obras (ver página 67). Constitui, do meu ponto de vista, o capítulo mais consistente e no qual a discussão sobre a relação entre arte e a avaliação do seu valor financeiro é mais clara e surpreendente.

Da videoarte o autor passa, no capítulo 2, para a arte experimental e para a análise do processo de criação deste mercado. Esta remonta ao advento da arte concetual dos anos 60, incluindo instalações, performances e todo o tipo de eventos que são, como o autor refere, “concluídas pela audiência” (24). Se a videoarte já coloca questões acerca da sua “materialização” (quando comparada com as obras “clássicas” como uma pintura, uma escultura ou um desenho), no caso da arte experimental a questão coloca-se de forma ainda mais saliente, acompanhando a avaliação do seu valor económico. Uma das obras referidas é de Yves Klein, Transfer of a Zone of Imaterial Pictorial Sensibility (1959-1962), em que o autor oferecia aos compradores a possibilidade de adquirirem uma “zona imaterial” em troca de um pagamento em ouro, metade do qual o artista atira para o rio Sena na presença do curador, duas testemunhas e o comprador. A fotografia que registava o acontecimento era o certificado de autenticidade (ver página 95). Mas a obra não fica completa sem o comprador queimar o certificado, discutindo assim o sentimento de posse. Esta obra, entre muitas outras, tem na sua base a desmaterialização do objecto artístico, e, por via desta abordagem, a integração dos artistas (como Rirkrit Tiravanija ou Tino Sehgal) no mercado da arte. O capítulo termina com uma referência aos contextos de institucionalização do mercado da arte, como os museus, as bienais ou as feiras de arte, que se multiplicaram significativamente após 1990, em particular na década de 2000. Trata-se de uma análise extensível às várias formas de arte (não apenas à experimental) e que tem uma expressão mundial.

No capítulo 3 o autor desenvolve uma análise detalhada (de complexa leitura e compreensão) dos processos de constituição de fundos de investimento em arte, nos anos 1970, e da articulação com os mercados financeiros e os mecanismos de integração das obras de arte como um produto comercializável, à semelhança de um conjunto de ações. Destacando as especificidades do mercado da arte, é neste capítulo que são apresentados os argumentos mais fortes acerca dos processos de comercialização de obras de arte e das suas raízes históricas. Horowitz refere que o investidor em arte emergiu no final do século xix no mercado da arte moderna, sendo ao longo do século xx que se assiste à consolidação da “art-as-investment” (152).

O livro termina com uma análise do impacto da crise financeira no mercado da arte contemporânea. Os dados mais recentes apresentados são de 2009, refletindo o eclodir da crise em 2007 e 2008. Horowitz chama a atenção para o crescimento de mercados especializados, como o segmento das obras de artistas chineses, mas também da afirmação de países neste domínio como a China, a Índia ou a Rússia.

Trata-se de um livro de um detalhe analítico destacável e desafiante do ponto de vista da linguagem e das regras explicativas das realidades da arte, dos artistas e do mercado. A permanente problematização e o questionamento das hipóteses explicativas levantadas permite encarar esta obra como um ponto de partida para, no presente e no futuro, confirmar ou refutar e rever em permanência os argumentos apresentados.

Uma última palavra final ainda para a extensa bibliografia, patente, não apenas na listagem final, mas também, de forma mais orientada, nas notas, bem como nos quadros inseridos nos anexos ao livro. Contemplam a listagem dos preços mais elevados atingidos em 2009 por obras de videoarte em leilão, a coleção de filmes e vídeos da galeria de arte Tate (de 1972 a 2009) e do Whitney Museum of American Art (de 1982 a 2009) e os fundos de investimento em arte em 2009. A leitura dos quadros permite, desde logo, ficar com uma visão de algumas das dimensões constitutivas do mercado da arte, nomeadamente em termos do lugar ocupado por objetos artísticos no passado tidas como “menos nobres” e da dinâmica económica gerada por via da comercialização de obras de arte. É notável a preocupação do autor em expor os dados analisados, já que, como refere no início da obra “A permanente ausência de transparência no mercado da arte internacional torna particularmente urgente ser tão claro quanto possível sobre a informação analisada” (xxi).

 

NOTAS

* Socióloga e investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL) e professora convidada do ISCTE-IUL. É também investigadora associada do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tem desenvolvido vários estudos nas áreas das profissões, da educação, do trabalho e do emprego. Tem várias publicações de livros e artigos nacionais e internacionais. Desenvolve várias atividades de articulação entre a investigação e atividades culturais nomeadamente com a Fundação de Serralves e a Cinemateca Portuguesa.

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