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Revista Crítica de Ciências Sociais

On-line version ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.104 Coimbra Sept. 2014

 

RECENSÃO

Lawrence LeDuc; Richard G. Niemi; Pippa Norris (orgs.) (2014), Comparing Democracies 4: Elections and Voting in a Changing World

 

Carla Luís

Doutoranda no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal. carlaluis@ces.uc.pt

 

Lawrence LeDuc; Richard G. Niemi; Pippa Norris (orgs.) (2014), Comparing Democracies 4: Elections and Voting in a Changing World. London: Sage Publications, 256 pp.

 

Um modelo de governação democrático com a realização de eleições é hoje em dia o paradigma assente a nível internacional, havendo apenas uma minoria de países em que não se realizam eleições de qualquer tipo. É deste ponto que parte a presente obra. No entanto, longe de ser uma conclusão de conforto, esta constatação abre precisamente duas perguntas de partida, para dois contextos diferentes. A primeira refere-se ao facto de não existir nenhuma democracia perfeita, sendo por isso necessário desenvolver conceitos e índices que permitam aferir quais as falhas ou más práticas a melhorar nas mesmas. A segunda pergunta, porventura mais desafiadora, procura examinar as implicações da realização de eleições em regimes autoritários e qual a fronteira entre estas duas realidades.

De que forma o contexto em que as eleições decorrem e a forma como são conduzidas contribui para a compreensão das diversas nuances da democracia e de que formas se pode medir e categorizar a democracia – este poderia ser um sumário da novidade da obra, como tal apresentada pelos autores. Consistindo numa vasta revisão da literatura em torno destas duas questões, é precisamente com a escolha e formulação das mesmas, como os editores assumem, que se pretende atingir o carácter de novidade.

Os capítulos “8 - Voting Behavior: Choice and Context”, “9 - Electoral Integrity and Political Legitimacy” e “10 - Authoritarian Elections and Regime Change” abordam dinâmicas relativas às eleições em contexto não democrático ou, de uma forma mais geral, em que o contexto no qual as eleições são levadas a cabo pode colocar desafios suscetíveis de afetarem os seus objetivos basilares. Neste sentido, é também relevante o possível impacto da economia na escolha eleitoral (Capítulo 7), comum a muitas democracias contemporâneas. O Capítulo 11 complementa esta análise e salienta a necessidade de accountability como critério fundamental para aferir o carácter democrático de uma eleição.

Num outro eixo, são analisadas as configurações institucionais através das quais estes processos podem ser levados a cabo e o seu impacto (Capítulo 2), em especial no que se refere ao sistema de partidos (Capítulo 3), participação popular (Capítulo 4), campanhas (Capítulo 5) e à representação das mulheres e minorias (Capítulo 6). Pretende-se com isto demonstrar que as eleições podem ser de alguma forma modeladas a montante e a jusante, com fortes impactos para os contextos em que as mesmas são levadas a cabo.

Good governance, abordagem ao ciclo eleitoral, impacto na paz e estabilidade – estas são as diversas abordagens no âmbito das quais as eleições têm vindo a ser analisadas a nível internacional. Sendo certo que as eleições são um elemento necessário para a democratização, o inverso está longe de ser verdadeiro. O que dizer, então, quando as eleições são levadas a cabo por regimes não democráticos e com intuitos (e modus operandi) que se situam bem longe da democratização?

Trata-se de uma problemática que não é estranha, por exemplo, à evolução da assistência eleitoral da própria ONU e a algumas das suas modalidades. A própria observação eleitoral, bem como a assistência eleitoral de âmbito limitado, levados a cabo pela ONU, foram sendo progressivamente abandonados devido a estas questões, já que a realização de eleições em regimes não democráticos pode ter como possível efeito – ou motivação – o branqueamento do regime em causa, através de um processo formalmente correto, mas ao qual faltem os requisitos substantivos para se poder considerar democrático.

É neste âmbito que a presente obra se torna ainda mais relevante. Na área da assistência eleitoral, a abordagem ao ciclo eleitoral tornou-se, de certa forma, o paradigma dominante desde 2005. É no âmbito deste conceito que são desenhados os programas de apoio eleitoral da CE-PNUD e da ONU, em geral.

A adoção desta abordagem advém da conclusão de que uma eleição deve ser analisada de forma holística, compreendendo todas as fases do processo, desde a fase da apresentação de candidaturas, campanha eleitoral, votação, contagem dos votos e apresentação de resultados, indo até ao período pós-eleitoral, incluindo ainda a aprovação de legislação.

É precisamente este um dos pontos centrais que possibilita uma análise dual entre eleições e democratização. Com efeito, uma das formas de manipular eleições, tornando-as não democráticas, sem recurso a fraude aparente, consiste na adoção de legislação que, por si só, suprima princípios inerentes às eleições democráticas. Entre estes situam-se a igualdade de oportunidades das candidaturas, requisitos excessivamente onerosos de apresentação de candidaturas, normas relativas às formas admissíveis de propaganda, ou separação entre candidatura e incumbente, em especial quanto ao financiamento.

No contexto internacional as eleições são muitas vezes um ponto-chave das missões de paz, permitindo uma “estratégia de saída”, alicerçada em dados mensuráveis, como sejam a afluência às urnas ou os resultados eleitorais. É necessário, por isso, levar em devida conta a destrinça entre eleições e democratização, com particular atenção e exigência quanto às dinâmicas e aos princípios efetivamente postos em prática nos processos eleitorais, ao longo de todo o ciclo eleitoral.

Esta área está bastante ligada a um outro conceito que é aqui bastante enfatizado, nomeadamente o conceito de integridade eleitoral. Fruto também de um trabalho mais amplo da autora, Pippa Norris analisa o conceito de integridade eleitoral, distinguindo-o da legislação eleitoral e princípios constitucionais, e desta forma criando um conjunto de normas, mais amplo, à luz do qual as eleições devem ser analisadas.

As abordagens propostas na presente obra são construídas sobre um longo acervo de trabalhos da área. Cada autor conduz uma revisão da literatura consolidada sobre cada matéria, dando assim forma a um certo “fundo comum” que deve ser salientado e cuja adoção na prática deve ser encorajada.

É assim explicitado um padrão de exigência bastante elevado no que se refere aos atos eleitorais, independentemente do contexto em que sejam levados a cabo, sendo este padrão aplicável quer às democracias consolidadas, as quais não estão isentas de problemas a este nível (ainda que a sua natureza possa variar), quer a regimes não inteiramente democráticos (e a discussão deste conceito é também desenvolvida).

Esta análise é ainda mais interessante quando ligada às intervenções de paz internacionais, de peacebuilding e statebuilding, as quais têm vindo a apresentar a realização de eleições, e por acréscimo a assistência eleitoral, como um dos seus pontos centrais.

Que impactos tem o sistema eleitoral na sociedade? Como se relaciona e que efeito tem na representação das diversas dinâmicas sociais, nomeadamente através dos partidos e eleitores, e que impacto tem em eventuais conflitos internos, nomeadamente de expressões sociais ou grupos étnicos distintos? Este é todo um conjunto de questões cuja análise nem sempre é devidamente ponderada no âmbito das intervenções internacionais. Ao analisar o corpo de literatura sobre a matéria, fica sem dúvida claro que esta análise não pode ser ignorada.

A novidade da obra em causa consiste sobretudo no foco destas questões. Através da análise da literatura relevante para cada tema, cada capítulo dá assim consistência a toda uma problemática que tem vindo a ser analisada para cada questão, tornando-a mais concreta e contundente. É precisamente a escolha destas problemáticas que constitui um fator de novidade em relação às edições anteriores.

Por último, trata-se de uma obra que está longe de apresentar respostas, sendo precisamente a sua novidade o facto de deixar novas questões em aberto, com um escopo muito preciso e apontando concretamente de que forma as mesmas devem ser ponderadas na prática. Neste sentido, é uma obra inquietante, que parte de uma análise académica, mas que não se limita à mesma, apresentando todo um campo de estudos e de aplicação prática em que estas questões devem ser consideradas.

 

NOTAS

Doutoranda no CES, com o projeto de tese intitulado “O papel dos sistemas eleitorais nas políticas de peacebuilding da ONU: o caso de Timor-Leste” (FCT SFRH/BD/79096/2011). É investigadora no projeto “Consolidação da paz e a sua sustentabilidade: as missões da ONU em Timor Leste e a contribuição de Portugal”. Mestre em Direitos Humanos pelo European Inter-University Centre for Human Rights and Democratization. Publicações recentes: “Consolidação da paz e a sua sustentabilidade: as Missões da ONU em Timor-Leste e a contribuição de Portugal” (org. de Maria Raquel Freire; Imprensa da Universidade de Coimbra, no prelo); “Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, anotada e comentada – edição de 2013”, com Jorge Miguéis, João Almeida, Ana Branco, André Lucas e Ilda Rodrigues (Lisboa: CNE, 2013).

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