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Revista Crítica de Ciências Sociais

On-line version ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.109 Coimbra May 2016

 

RECENSÕES

 Campbell, Miranda (2013), Out of the Basement. Youth Cultural Production in Practice and in Policy

 

Pedro Quintela

Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal pedroquintela@ces.uc.pt

 

Campbell, Miranda (2013), Out of the Basement. Youth Cultural Production in Practice and in Policy. Montreal & Kingston/London/Ithaka: McGill-Queen’s University Press, 283 pp.

 

Apesar da grande proximidade dos seus objetos de estudo, são ainda relativamente escassas análises e estudos que ambicionam cruzar as questões da juventude, do emprego e da transição para o mercado de trabalho com o processo de crescente culturalização da economia, no seio do qual a chamada ‘agenda’ criativa tem vindo, nas últimas duas décadas, a atingir um particular protagonismo, seduzindo um número cada vez mais expressivo de jovens. No contexto anglo-saxónico, Angela McRobbie foi pioneira, distinguindo-se ao propor um notável cruzamento entre sociologia da juventude e da cultura, os estudos (sub- e pós-)culturais e a economia da cultura.

Out of the Basement resulta da investigação de doutoramento de Miranda Campbell e insere-se justamente nesta linha de investigação, questionando o modo como as políticas públicas têm respondido aos desafios que coloca o facto de um número crescente de jovens construir um trajeto profissional no setor cultural e criativo. Contrariamente às abordagens convencionais, que tendem a estudar o trabalho e emprego em domínios de produção cultural com uma matriz industrial (cinema ou televisão, por exemplo), Campbell debruça se sobre diferentes percursos juvenis em transição para a idade adulta, centrando a sua análise em carreiras e projetos culturais que assumem um perfil marcadamente pessoal e/ou que assentam numa base comunitária, de pequena escala, frequentemente desenvolvidos de um modo independente e do it yourself (ou, como prefere a autora, do it with others).

Através de um aturado trabalho empírico, assente na recolha e análise de histórias de vida, realização de estudos de caso, análise documental de fontes diversificadas e ainda na observação direta, a autora reflete sobre o modo como estes jovens canadianos (dos 18 aos 35 anos) almejam trabalhar no setor cultural e criativo de forma independente e autónoma, criando soluções de autoemprego de pequena escala, construindo e negociando os seus percursos pessoais e profissionais. Simultaneamente, Campbell analisa as políticas públicas – sobretudo nos domínios da cultura, educação, juventude e planeamento urbano –, discutindo de que modo têm potenciado ou constrangido os percursos e iniciativas dos jovens. Ao longo do livro identificam se, assim, importantes desafios e avança se mesmo com propostas concretas para uma nova geração de políticas públicas.

Esta obra está estruturada em três partes – Práticas, Estruturas e Iniciativas –, subdividas em sete capítulos, uma introdução e uma conclusão. Evitando uma divisão excessivamente linear, Campbell propõe um diálogo permanente entre teoria e empiria, convidando o leitor a refletir sobre diferentes problemáticas a partir de histórias de vida, excertos de entrevistas ou estudos de casos que, por sua vez, suscitam uma discussão teórica.

A primeira parte do livro centra se na discussão de três aspetos chave. Um primeiro aspeto diz respeito às grandes transformações em curso nos domínios da produção, distribuição e consumo cultural, dando especial atenção aos impactos da digitalização e uso crescente da Internet na forma como os jovens constroem hoje os seus percursos profissionais e se relacionam com os processos de ensino e aprendizagem. Apresenta se, em segundo lugar, uma reflexão em torno da transformação do conceito de juventude, articulando o com as profundas mutações do mercado laboral. Num contexto marcado por uma crescente precariedade laboral, explora se aqui com particular acuidade o crescente fascínio por formas de emprego menos convencionais, mais autónomas e criativas. Num terceiro ponto, Campbell analisa criticamente o posicionamento periférico da juventude num quadro em que ‘agenda’ criativa domina a esfera política e académica. A autora conclui que as conceções dominantes de indústrias criativas são desadequadas pois, por um lado, tendem a centrar se nas esferas mais industrializadas do setor, negligenciando atividades de produção cultural de pequena escala, baseadas em abordagens artesanais e do it yourself, e, por outro lado, mantêm se ainda arreigadas a conceções dicotómicas e puristas de criatividade e de trabalho criativo que não têm correspondência com as conceções e práticas dos jovens estudados.

A segunda parte do livro equaciona, em diferentes planos e escalas territoriais (nacional, federal, provincial e municipal), as políticas públicas relacionadas com cultura, educação e juventude. Embora as referências ao Canadá sejam aqui centrais, tecem se igualmente análises comparativas com outros contextos internacionais (nomeadamente, com o Reino Unido). Campbell apresenta um diagnóstico crítico que, em geral, evidencia o conservadorismo das instituições públicas, as omissões a questões relacionadas com a juventude e denota ainda um preocupante desfasamento face às necessidades específicas que se colocam ao nível da formação e emprego neste setor. Em alternativa, propõe uma nova abordagem ao planeamento das políticas culturais, mais articulada e transversal, capaz de equacionar as relações entre cultura, juventude, educação e desenvolvimento comunitário. Num contexto de crise económica e social, como o atual, Campbell defende que a juventude e as suas atividades culturais e artísticas de escala reduzida e forte enraizamento local deverão beneficiar de um outro reconhecimento político. Argumenta também ser necessário alargar e diversificar os públicos alvo de medidas e iniciativas de emprego relacionados com a área da cultura.

A terceira e última parte do livro analisa algumas experiências que apontam perspetivas interessantes de novos modelos de organização e resposta aos desafios que hoje se colocam às políticas culturais e educativas. Assim, aborda diferentes iniciativas de jovens que trabalham no setor cultural e criativo e que, de diversos modos, procuram ultrapassar os obstáculos existentes. Para além de identificar boas práticas, Campbell analisa criticamente alguns conceitos chave que se tornaram hegemónicos neste campo de intervenção (por exemplo o de rede), refletindo em torno das suas limitações e dos mecanismos de exclusão que têm implícitos. Sublinha a necessidade de revisão de algumas orientações de política pública apresentando, nestes três últimos capítulos, várias recomendações concretas para a melhoria dos instrumentos públicos de apoio a jovens produtores e organizações culturais. Nas conclusões, Campbell reitera a urgência de aprofundar o conhecimento das experiências e necessidades concretas dos jovens que pretendem trabalhar no setor cultural e criativo, considerando que este tipo de análises e estudos devem constituir um veículo fundamental para a revisão e aperfeiçoamento das políticas públicas. Neste sentido, defende um posicionamento mais interventivo das ciências sociais, capaz de informar criticamente as políticas públicas através de investigações atualizadas sobre juventude e culturas juvenis, processos de transição para o mercado de trabalho e indústrias culturais e criativas.

Em suma, este trabalho constitui um contributo muito relevante ao discutir, de forma rigorosa e original, um importante conjunto de questões relacionadas com políticas públicas, juventude e emprego em setores culturais e criativos. Out of the Basement, pelo seu esforço de articulação e reflexão crítica, a partir de fontes técnico-científicas diversificadas e elementos empíricos originais, disponibiliza ao leitor inúmeras pistas para reflexão e intervenção que certamente poderão ser úteis quer a investigadores académicos, quer a quadros técnicos e decisores políticos.

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