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Revista Crítica de Ciências Sociais

On-line version ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.109 Coimbra May 2016

 

RECENSÕES

Bártolo, José (coord.) (2015), Design Português

 

Pedro Quintela

Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal pedroquintela@ces.uc.pt

 

Bártolo, José (coord.) (2015), Design Português. Vila do Conde: Verso da História, 8 volumes.

 

Assistiu-se, nas últimas décadas, a um amplo e crescente reconhecimento da relevância política, económica, cultural e social do design. Contudo, em Portugal este processo tem sido substancialmente mais lento, comparando nomeadamente com outros países europeus, o que se poderá justificar pelos atrasos e as debilidades crónicas que caraterizam o desenvolvimento do seu tecido industrial, pelo caráter relativamente recente do exercício desta profissão e ainda pelas dificuldades em afirmar a sua relevância e autonomia disciplinar. Estes fatores ajudam a explicar a posição secundária a que foi votada a análise histórica do desenvolvimento do design em Portugal até à década de 1990 – se excetuarmos as incursões de historiadores como José-Augusto França ou Manuel Rio-Carvalho em áreas relacionadas com o design (como as artes decorativas, o desenho e a caricatura) –, quando surgem os contributos pioneiros de Maria Helena Souto (1991)1 e Rui Afonso Santos (1995).2 Sobretudo desde 2000, com o desenvolvimento do ensino e investigação em design em Portugal, inicia-se um processo de “patrimonialização” do design nacional (Quintela, 2014)3 que se carateriza, entre outros aspetos, pelo surgimento de vários trabalhos de análise histórica da disciplina, proliferando sobretudo abordagens monográficas ou delimitadas a certos períodos históricos.

É justamente neste quadro que Design Português adquire um especial interesse, assumindo explicitamente “o objetivo de colmatar a quase total ausência de obras de referência sobre a história do design contemporâneo em Portugal”. Composta por oito volumes, semanalmente distribuídos com o jornal Público, entre março e maio de 2015, esta publicação coletiva envolveu investigadores de diferentes gerações, filiações institucionais e formações disciplinares (história de arte, design, ciências da comunicação). Estruturada cronologicamente, abrange o extenso período de 1900 a 2015, incidindo os seis volumes iniciais em duas décadas particulares e os dois últimos tomos dedicando-se à apresentação de uma cronologia detalhada.

Propõe-se uma leitura sequencial da evolução do design em Portugal, combinando a análise do desenvolvimento da disciplina e seus profissionais com o enquadramento do contexto nacional do ponto de vista social, cultural e económico, identificando fatores externos com impacto relevante no desenvolvimento do campo, e ainda considerando as grandes tendências e movimentos internacionais contemporâneos no design (e das artes em geral), no sentido de detetar influências e sintonias. Pretende-se, assim, compreender cada época, identificando os principais intervenientes (designers, ateliers, empresas, etc.), tipologias de encomendas/trabalhos desenvolvidos, evoluções ao nível do ensino e da formação, contextos de representação e discussão pública acerca da disciplina e da sua importância (económica, social, cultura), entre outros aspetos.

O resultado global é bastante satisfatório, apresentando uma análise sistemática da evolução do design em Portugal ao longo do século xx e xxi, amplamente enriquecida por um vasto conjunto de imagens, algumas delas de difícil acesso. Como seria expetável, numa obra com estas caraterísticas, não se apresentam leituras históricas particularmente inovadoras, resultantes de investigações originais e aprofundadas, mas uma síntese histórica que recorre a uma multiplicidade de fontes de informação (embora, lamentavelmente, nem sempre devidamente referenciadas nas notas bibliográficas). Contudo, este aspeto não torna o resultado final menos interessante, sendo de referir o bom equilíbrio de linguagem que aqui se encontra, capaz de comunicar, de forma simultaneamente apelativa e rigorosa, com um público alargado – aspeto fundamental numa publicação distribuída com um jornal de grande tiragem. Design Português constitui, por isso, um contributo importante para enriquecer e alargar o debate acerca da história do design em Portugal.

Importa, contudo, sublinhar certos desequilíbrios que parecem resultar da opção da divisão da obra em volumes, segmentando a análise por pares de décadas. Esta leitura histórica tem, naturalmente, um certo grau de artificialidade, já que muitos destes processos têm características mais profundas, prolongando-se no tempo e exigindo, assim, uma leitura mais alargada. Não admira, portanto, que sejam frequentes as remissões para aspetos referidos em volumes anteriores ou posteriores, o que cria algumas redundâncias e complexifica a leitura.

É também discutível – ainda que compreensível, atendendo ao caráter introdutório da obra – a opção por centrar a análise em percursos individuais (de designers ou atelier), acabando por retirar espaço a outro tipo de leituras, porventura menos “heroicas”, que caraterizam muitas das abordagens à história do design (cf. Julier, 2008: 43-47),4 mas não menos interessantes. Observando o período mais contemporâneo, por exemplo, parece haver uma clara insistência em focar os percursos de alguns designers gráficos com trabalhos para clientes ligados às artes e à cultura, descurando outras dimensões do trabalho nesta área, porventura menos reconhecidas entre pares mas não menos fundamentais, ligadas à criação de elementos de comunicação visual de cariz mais quotidiano. Com efeito, se a comunicação marcadamente “comercial” está muito presente na análise das décadas iniciais do século xx, esta vai-se tornando cada vez mais rarefeita à medida que nos aproximamos do século xxi – quando, paradoxalmente, talvez nunca como hoje a publicidade e o marketing tenham estado tão presentes na nossa sociedade.

Por outro lado, se a aposta em abordar os períodos históricos mais contemporâneos constitui certamente um dos aspetos mais interessantes e diferenciadores deste trabalho, contém alguns riscos que talvez pudessem ter sido mais ponderados. Em particular, a leitura do volume dedicado ao período mais recente (2000/2015) revela, por vezes, a necessidade de uma melhor explicitação das opções tomadas na seleção de obras, projetos, iniciativas, ateliers e designers. Este esforço argumentativo teria sido importante para evidenciar o distanciamento do autor, José Bártolo, relativamente a um período em que tem estado intensamente envolvido enquanto professor e investigador universitário, crítico, comissário, blogger e editor.

Por último, a ausência de uma conclusão constitui outro ponto menos positivo, pois permitiria uma melhor articulação das muitas questões e reflexões levantadas pelos autores, evidenciando algumas das grandes linhas de força para pensar o processo de emergência, desenvolvimento e institucionalização do design em Portugal. Esta síntese final poderia ainda tornar mais clara a leitura comparativa com o contexto internacional.

Apesar dos aspetos anteriormente referidos, importa concluir destacando novamente o notável trabalho desenvolvido por todos os autores que colaboraram em Design Português, sublinhando que esta obra constitui um ponto de partida bastante útil para quem pretenda aprofundar o estudo desta temática, abrindo perspetivas de pesquisa para um conjunto de novas discussões e debates.

 

NOTAS

1 Souto, Maria Helena (1991), “‘Design’ em Portugal 1980-1990 – Dispersão Pluralista”, in José-Augusto França (programação e introdução), Portugal moderno. Artes e letras. Lisboa: Pomo, 99-117.

2 Santos, Rui Afonso (1995), “O design e a decoração em Portugal, 1900-1994”, in Paulo Pereira (dir.), História da Arte Portuguesa, Vol. III – Do barroco à contemporaneidade. Lisboa: Círculo de Leitores, 437-505.

3 Quintela, Pedro (2014), “Processos de ‘patrimonialização’ do design em Portugal: algumas reflexões”, Cabo dos Trabalhos, 10, 1-21. Consultado a 18.04.2016 em http://cabodostrabalhos.ces.uc.pt/n10/documentos/9.1.2_Pedro_Quintela.pdf.

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