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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.115 Coimbra maio 2018

 

RECENSÃO

Vicente, Filipa Lowndes (2015), Entre dois impérios – Viajantes britânicos em Goa (1800-1940)

 

Hélder Garmes

Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, CEP: 05508-900, São Paulo, Brasil helder@usp.br

 

Entre dois impérios – Viajantes britânicos em Goa (1800-1940)

Vicente, Filipa Lowndes (2015), Entre dois impérios – Viajantes britânicos em Goa (1800-1940) . Lisboa: Tinta-da-china, 362 pp.

 

O alentado estudo de Filipa Lowdes Vicente, intitulado Entre dois impérios – Viajantes britânicos em Goa (1800-1940) , levou mais de dez anos para ficar pronto e divide-se em duas partes, antecedidas por uma generosa introdução.

A primeira parte faz um percurso amplo pelos viajantes britânicos em Goa, desde os fins do século xviii a meados do século xx, partindo das Memórias orientais (1813), de James Forbes, passando pela famosa narrativa Goa and the Blue Mountains (1851), de Richard F. Burton, pela presença em Goa em 1875 do então Príncipe de Gales (depois coroado Eduardo vii) narrada por William Howard Russell, assim como pelo relato de reverendos e administradores ingleses, chegando até a Segunda Guerra Mundial na voz narrativa da esposa de um oficial inglês, Annie Bremner.

A segunda parte focaliza a década de 1870 e os textos de outras duas mulheres: Isabel Burton (esposa de Richard F. Burton) e Katherine Guthrie (esposa do tenente-coronel Claude Urquhart Bremner), apontando para uma proposta de entrelaçamento do discurso colonialista com o estudo de gênero.

A introdução do volume apresenta ao leitor uma série de relatos de viagens que não puderam ser incluídos no trabalho por diversas razões. Destaca a importância que teve para os viajantes ingleses o estudo do reverendo Denis L. Cottineau de Kloguen, publicado em inglês em Nova Delhi em 1831, An Historical Sketch Portuguese of Goa – The Metropolis of the Settlements in India , base para o primeiro guia de Goa em língua inglesa, An Historical and Archaeological Sketch of the City of Goa , publicado em 1878 por José Nicolau da Fonseca, presidente da Sociedade de Amigos das Letras de Bombaim. Ainda na introdução, a autora explicita uma das principais intenções de seu trabalho: tentar compreender o denominador comum presente nesses relatos de viagem. Nota que três temas se destacam em ordem de importância: 1) o sentimento de estranheza dos britânicos em relação às cidades goesas, que lhes pareciam uma “simbiose entre as culturas europeias e asiáticas, cristã e hindu, reconhecível e longínqua, familiar e estrangeira” (p. 32); 2) o entendimento de que o empreendimento colonial dos portugueses em Goa era um equívoco a ser evitado pelos ingleses, que poderiam aprender com a história daquela colônia para não cometerem os mesmos erros; 3) as vantagens que Goa teria em se transformar em uma colônia britânica.

No que concerne aos textos de mulheres viajantes inglesas, Vicente ressalta o apagamento a que foram submetidos na história britânica e explicita sua preocupação em estudar os relatos de Isabel Burton e Katherine Guthrie enquanto discursos cujo lugar de enunciação é o da mulher, mas não exclusivamente dessa perspectiva. A autora, que não identifica características intrínsecas a uma escrita feminina ou a uma escrita masculina, reconhece que “o lugar a partir do qual se escreve pode gerar diferenças de género visíveis na escrita. E esse lugar é, sem dúvida, um lugar diferente para as mulheres e para os homens do período em questão” (p. 213). Toda a segunda parte do livro é dedicada a demonstrar a especificidade desse lugar ocupado pelas duas escritoras, isto é, um lugar em que lhes é vedada a autoridade de cientistas, ainda que atuem dessa forma e reproduzam, tal como os homens, a ideologia colonial do império. Vicente considera, ao final, que a comparação entre as configurações imperiais britânica e portuguesa seja determinante para estudar a história de Goa desse período.

Autora de Outros orientalismos – A Índia entre Florença e Bombaim 1860-1900 (Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2009), que já abordava bibliografia relativa a viagens na Índia Britânica, o presente livro representa uma grande contribuição para o entendimento da visão que os ingleses tiveram de Goa nos séculos xix e xx. Deixa em aberto a questão de o quanto essas imagens podem ter interferido na própria história goesa, lançando luz, no entanto, para a realização dessa profícua leitura.

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