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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.128 Coimbra set. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.4000/rccs.13429 

Artigos

Pandemia, crise económica e o novo papel do Estado1

Pandemic, Economic Crisis and the State’s New Role

Pandémie, crise économique et nouveau rôle de l’État

1 Faculdade de Economia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil, teles.nuno@gmail.com


Resumo

O presente artigo oferece uma análise de economia política da pandemia e das suas consequências socioeconómicas. Recusando a ideia de exogeneidade da crise, propõe-se encontrar as causas da pandemia na presente organização da economia internacional, liberalizada, financeirizada e dominada por empresas multinacionais monopolistas. É também partindo desta caracterização que se escrutinam alguns mecanismos causais por detrás da crise económica global e dos inéditos recursos mobilizados pelos Estados no combate a esta crise, ainda que assimetricamente distribuídos entre o centro e a periferia capitalistas. Através da análise das possíveis consequências desta crise, em particular no que diz respeito à reconfiguração estatal, recusa-se a ideia de fim do neoliberalismo e procuram-se pistas para a sua eventual superação.

Palavras-chave: economia política; Estado; multinacionais; neoliberalismo; pandemia

Abstract

This article offers a political economy analysis of the pandemic and its socioeconomic implications. It aims to identify the causes of the pandemic in the current structure of the international economy, defined by its liberalized and financialized outlook and growing monopolist multinational corporations. It is from this standpoint that some of the mechanisms behind the present crisis are pinpointed. The scale and scope of the States intervention to fight the economic crisis is scrutinized, whilst pointing to the unequal capabilities between center and peripheral countries. Through a tentative inquiry of the crisis’ consequences, it is argued that neoliberalism has not ended, albeit new signs may aid in its eventual routing.

Keywords: multinationals; neoliberalism; pandemic; political economy; State

Résumé

Cet article propose une analyse d’économie politique de la pandémie et de ses conséquences socio-économiques. Rejetant l’idée d’exogénéité de la crise, on propose de trouver les causes de la pandémie dans l’organisation actuelle de l’économie internationale, libéralisée, financiarisée et dominée par des multinationales monopolistiques. C’est aussi sur la base de cette caractérisation que sont passés au crible certains mécanismes causals de la crise économique mondiale et les ressources sans précédent mobilisées par les États pour combattre cette crise, bien qu’asymétriquement réparties entre le centre et la périphérie capitalistes. À travers l’analyse des conséquences possibles de cette crise, notamment en matière de reconfiguration de l’État, l’idée de la fin du néolibéralisme est rejetée et des indices sont recherchés pour son éventuel dépassement.

Mots-clés: économie politique; État; multinationales; néolibéralisme; pandémie

Introdução

Dez anos depois da Crise Financeira Global (CFG), de cujas consequências a economia internacional tardava em recuperar, uma nova crise se abateu, superior na contração súbita do Produto Interno Bruto (PIB) à Grande Depressão. Esta crise económica mundial não foi consequência da euforia financeira. Não, desta vez foi mesmo diferente. Ela deveu-se ao aparecimento de um novo coronavírus na China, no final de 2019: o SARS-CoV-2. Ao contrário de anteriores alertas pandémicos - como o SARS-CoV-1 no Sudeste Asiático, em 2003, ou o MERS-CoV, concentrado no Médio Oriente, em 2012 -, este é um vírus altamente transmissível, que rapidamente se espalhou pelo globo, com uma taxa de mortalidade não negligenciável.

As notícias de um confinamento generalizado na China no início de 2020 e, sobretudo, as imagens de um sistema de saúde assoberbado em Itália, em fevereiro de 2020, forçaram governos de todo mundo a seguir o exemplo chinês, com confinamento e paragem de qualquer atividade económica presencial para lá do considerado “essencial”. Desta vez, o capital não entrou em crise devido às contradições da sua acumulação, mas devido a uma robusta resposta emergencial dos Estados com o objetivo de controlar a pressão da pandemia sobre os serviços de saúde e, assim, salvar vidas. Esta seria, usando o jargão de economistas, uma verdadeira crise exógena (para a economia convencional, de raiz neoclássica, todas o são), ou seja, alheia ao irregular funcionamento dos mercados.

O carácter excecional desta crise económica, com causas identificadas na saúde e segurança públicas, resultou também em respostas excecionais por parte de muitos Estados no que toca à política económica. A amplitude de intervenção foi extraordinária, da política orçamental à monetária, passando pelo protecionismo e pela recuperação da política industrial. O sucesso destas intervenções é, pelo menos no curto prazo, inegável. As piores previsões de contração do PIB mundial não se verificaram e muitos são os países onde o emprego parece alcançar, senão mesmo ultrapassar, os níveis pré-crise. Se os atestados de óbito do neoliberalismo depois de 2009 tinham sido manifestamente exagerados, será que estamos agora, de facto, numa nova fase do capitalismo, compelida pela pandemia e marcada pelo retorno a um Estado dedicado ao planeamento económico e à proteção social?

Ancorando-se na economia política, este artigo tenta responder a esta questão através da análise das causas, das respostas e dos resultados da crise pandémica na economia internacional. Depois desta introdução, na primeira secção procura-se entender como a dinâmica da acumulação de capital das últimas décadas, internacionalizada e financeirizada, esteve por detrás das causas ambientais da pandemia, recusando-se, assim, qualquer ideia de exogeneidade da crise. Na segunda secção analisa-se como a configuração contemporânea da economia internacional ampliou os brutais efeitos da pandemia na esfera económica. Na terceira secção são escrutinadas as respostas de política económica dos Estados, sublinhando o seu carácter funcional para o capital e os seus efeitos de curto prazo. Na quarta secção são discutidas as consequências destas respostas e a forma como os Estados se têm adaptado. Finalmente, na conclusão recusa-se a ideia do fim do neoliberalismo, discutindo-se a sua nova configuração e as pistas e oportunidades, criadas pela crise pandémica, para a sua superação.

1. Origem: crise ambiental

Ao contrário da crise de 2008-2009, a crise económica global de 2020-2022 teve causas facilmente identificáveis: uma sociedade confinada é uma economia em crise. No entanto, a origem desta crise não foi alheia à economia internacional e à forma como está organizada. Esta era uma crise sanitária anunciada, tendo por detrás uma determinada economia política da produção alimentar. Na ressaca do SARS-CoV-1 de 2003, o geógrafo Mike Davis já nos tinha alertado para o potencial de novas e mortíferas pandemias causadas por novos vírus da gripe, com conhecida capacidade de mutação, graças a um modelo de produção agropecuário intensivo, onde grandes concentrações de animais potenciam a transmissão de mutações, resultando no salto zoonótico de doenças, ou seja, entre espécies (Davis, 2005). O risco é particularmente grave nas populações de porcos e aves que, a par dos humanos, são portadores naturais do vírus da gripe. Davis (ibidem) assinalava como a densidade das populações de aves, aliada à urbanização acelerada de regiões em processo de industrialização, como o Sudeste Asiático, tinha resultado num caldo onde o H5N1, conhecido como gripe aviária, facilmente “saltou” para populações humanas.

As últimas décadas foram marcadas por uma revolução na produção agrícola e pecuária com cadeias produtivas fragmentadas, espalhadas pelo mundo, lideradas por grandes multinacionais, que monopolizam a propriedade intelectual de pesticidas, fertilizantes, sementes e espécies animais. O modo de produção agrícola, com as suas monoculturas, tornou-se um dos principais responsáveis pela extinção em massa de espécies vegetais e animais. A progressiva monopolização da produção em torno de algumas empresas resulta diretamente numa perda de diversidade biológica. No caso da pecuária, os criadores primários de aves - empresas norte-americanas que manipulam geneticamente espécies existentes no sentido de construir novas e mais produtivas aves, posteriormente criadas pelos grandes produtores industriais - viram o seu número de empresas diminuir de onze em 1989 para quatro em 2006 (Wallace, 2020). A criação de porcos, embora não tão concentrada, segue o mesmo caminho, com cinco grandes empresas a dominar este mercado. Esta concentração empresarial diminuiu a diversidade genética das populações de aves criadas, diminuindo os “contrafogos” imunogenéticos que populações mais variadas produzem (ibidem). Finalmente, a alimentação destas populações animais obriga a vastas e predatórias monoculturas, nomeadamente a de soja, noutras geografias, como a do cerrado brasileiro.2

O responsável direto desta vez não foi um porco, como na gripe suína de 2008, ou uma ave, como na gripe aviária de 2001, mas, aparentemente, um morcego, sendo que 25% de todas as espécies deste mamífero habitam no Sudeste Asiático (Malm, 2020). O morcego, além de ser um roedor - hospedeiros naturais de patógenos -, vive em simbiose com inúmeros vírus, dada a temperatura natural mais elevada dos seus corpos que lhes serve de defesa contra eventuais doenças (ibidem). Por outro lado, este é um animal gregário, que habita em colónias, conferindo um viveiro evolucionário aos vírus. Mais de 3000 coronavírus vivem em colónias de morcegos à volta do mundo. A defesa natural contra a transmissão zoonótica é a biodiversidade. Tal como acontece na produção pecuária, a existência de mais espécies num determinado ecossistema natural aumenta o número de espécies incapazes de servir de recetor de patógenos e, portanto, servindo de barreira imunogenética à propagação (ibidem). No caso do SARS-CoV-2, o principal responsável parece, assim, ser a desflorestação galopante, responsável direta pela redução da biodiversidade e pelo aumento e frequência do número de contactos entre populações humanas e ecossistemas historicamente alheios aos primeiros. Por outro lado, a fragmentação da floresta força animais, como os morcegos, a mais longas e frequentes deslocações em busca de alimento, potenciando, mais uma vez, o contacto com humanos (ibidem).

A presente desflorestação tem a produção agrícola e pecuária como principal responsável. Quatro mercadorias - carne bovina, soja (sobretudo usada como alimento animal), óleo de palma e madeira - são responsáveis por cerca de 40% de toda a desflorestação tropical (Wallace, 2020). Atualmente, 40% da superfície terrestre não gelada é dedicada à agricultura e pecuária, com a produção pecuária a contabilizar 72% de toda a biomassa animal global (ibidem). A desflorestação reflete a permanente necessidade de expansão e valorização do processo de acumulação capitalista na sua predação dos recursos naturais, conduzindo ao que Karl Marx conceptualizou como “rutura metabólica”3 entre a atividade humana, o trabalho e a natureza, desenvolvida e popularizada pelo ecologista marxista John Bellamy Foster (2013).

Este processo não é globalmente homogéneo. A rutura está concentrada nos países mais periféricos da economia internacional. Segundo o Banco Mundial, entre 1990 e 2007, embora a superfície cultivada se tenha reduzido nos países industrializados em 2,1 milhões de hectares, a expansão nos países periféricos foi de 5,5 milhões de hectares, com o investimento estrangeiro (e financeiro) cada vez mais prevalecente nas aquisições de terra (Deininger et al., 2011). O atual padrão de desflorestação reflete as transformações do capitalismo contemporâneo. A deslocalização da produção internacional e a sua fragmentação produtiva permitem ao capital multinacional monopolista subcontratar a produção para a periferia, na busca incessante de novas terras e de trabalho mais barato (frequentemente com características de trabalho análogo ao de escravo), controlando a propriedade intelectual e as cadeias logísticas a montante e jusante da produção.

2. Crise económica

2.1. Crise produtiva

Se a crise apareceu como resultado inevitável dos confinamentos, a análise da sua dimensão escapa ao enquadramento teórico de quem tem o funcionamento abstrato do mercado como único ângulo. Uma abordagem de economia política marxista revela-se bastante mais fértil para compreender o alcance desta crise, recorrendo aos esquemas do circuito de capital do segundo volume de O Capital de Marx (1993b), onde, na sua forma mais simples, D-M-…P…-M’-D’, o dinheiro-capital (D) é convertido em mercadorias (M), entre elas a força de trabalho, a serem utilizadas no processo de produção (P), que dará origem a novas mercadorias impregnadas pela mais-valia (M’) que, quando vendidas, conduzem à realização da mais-valia e acumulação de capital na sua primeira forma, o dinheiro (D’), sujeito à obrigação de reinvestimento pela dinâmica de competição de mercado.

A crise de 2020-2022 foi, primeiro que tudo, provocada pela paragem na produção (P) devido à ausência de trabalhadores, então confinados. Contudo, existem outros mecanismos de crise. Com setores de atividade encerrados e um confinamento desigual a nível global, determinadas matérias-primas, como componentes eletrónicos, tornaram-se escassas, dificultando o passo D-M na valorização do capital. Finalmente, a procura de bens e serviços caiu, da restauração à aviação, impedindo a realização do valor do capital em muitos setores de atividade. O “salto mortal” da metamorfose do capital de mercadoria em dinheiro M’-D’ tornava-se impossível. A situação chegou ao paroxismo de, na impossibilidade de consumo e com a capacidade de estoques esgotada, o preço do petróleo ter momentaneamente atingido preços negativos (o vendedor pagava para se ver livre da mercadoria), ao mesmo tempo que a procura de determinados bens e serviços, dos respiradores aos computadores portáteis, ultrapassava a capacidade produtiva existente.

A gravidade económica da crise pandémica não foi só o reflexo dos diversos bloqueios à valorização do capital no seu circuito. A compreensão da nova configuração que a acumulação de capital assumiu desde os anos 1970 é crucial para entender os desafios que o capital enfrentou em 2020. A crise económica internacional de 1970, marcada por um abrandamento dos ganhos de produtividade e por um elevado nível de conflitualidade social, mostrava os limites do capitalismo, dito “fordista”, que tinha marcado o período a seguir à Segunda Guerra Mundial, com o maior crescimento económico da história do capitalismo (Glyn, 2006; Brenner, 2006). As saídas para esta crise de acumulação foram várias mas, do ponto de vista do capital industrial, destaca-se a fragmentação da produção a nível internacional, mais conhecida como globalização, e a emergência do “toyotismo” como modelo de gestão do circuito do capital.

A evolução tecnológica - da contentorização e da construção de gigantescos navios às novas tecnologias de informação - permitiu uma mobilidade global do capital sem precedentes. Tais possibilidades, aliadas à viragem política neoliberal dos anos 1980, promoveram um movimento de liberalização e re-regulação internacional, conforme o mercado, de fluxos comerciais e financeiros, criando novos mercados de matérias-primas, trabalho e consumo. Uma nova divisão internacional do trabalho emergiu, com a criação de redes integradas de produção, também conhecidas como cadeias de valor global, controladas pelas grandes multinacionais, sediadas nos países do centro capitalista. Estas empresas concentravam as suas operações nas atividades de investigação e desenvolvimento, design e marketing nos seus países de origem, tornando-se cada vez mais empresas detentoras de bens intangíveis na forma de propriedade intelectual em detrimento de meios de produção físicos (Haskel e Westlake, 2018). A produção física foi deslocada e subcontratada para regiões com trabalho mais barato e disciplinado (permitindo uma maior exploração do mesmo) e a sua distribuição por complexas redes de fornecedores atomizados, que garantem enorme poder de negociação às multinacionais (Chesnais, 2016). O resultado deste movimento de décadas foi uma enorme fragmentação produtiva internacional, onde a produção da mercadoria, seja ela uma camisa ou um telemóvel, depende de uma miríade de empresas e localizações, numa efetiva desintegração do circuito de capital em múltiplos capitais individuais (Gindin e Panitch, 2013).

Se esta reestruturação tecnológica e produtiva do capital deu origem a novas empresas, e mesmo novos setores de atividade, como nas tecnologias de informação, as necessidades de capital envolvidas e a crescente capacidade de proteção da propriedade intelectual, na forma de patentes, fonte de lucro cada vez mais central nestas redes produtivas, favoreceram processos de concentração e centralização de capital e uma crescente monopolização de mercados (Taplin, 2017). Ainda antes da pandemia de COVID-19, 10% de todas as empresas cotadas em bolsa geravam 80% dos lucros globais, tendo a parte do PIB dos Estados Unidos da América (EUA) originada nas 100 maiores empresas norte-americanas crescido de 33%, em 1994, para 46%, em 2013 (Teles e Caldas, 2019).

Concomitantemente, assistiu-se à reorganização do circuito do capital de forma a reduzir os seus tempos e desperdício, no que ficou conhecido como “toyotismo” devido à sua origem nipónica. Novos controlos estatísticos de qualidade e técnicas de mensuração de performance foram introduzidos para reduzir a quantidade de capital ocioso envolvido na produção, resultando naquilo que ficou conhecido como produção just-in-time, onde inventários de matérias-primas ou produtos finalizados são quase inexistentes (Moody, 2017). Tal aceleração do circuito de capital, num novo contexto internacionalizado, só foi possível graças a uma inédita importância das redes logísticas e dos seus hubs, onde se concentram infraestruturas de armazenamento em terra, e sobretudo em torno de portos de grande capacidade - 90% dos bens comercializados internacionalmente viajam de barco (Khalili, 2021). O setor logístico concentrava quatro milhões de trabalhadores, antes da pandemia, só nos EUA (Moody, 2017).

Face a uma crise sanitária global, mas assimetricamente distribuída na sua gravidade, e com variação nas ações públicas de controlo, não surpreende que estas cadeias globais de valor tenham sido não só momentaneamente bloqueadas, mas desorganizadas. Logo nas primeiras semanas de pandemia, a competição internacional pelo acesso a material de proteção individual e respiradores, com a produção concentrada no Sudeste Asiático, mostrava as fragilidades nacionais, mesmo para os países do centro, de um modelo de produção subcontratado, sem estoques de segurança. Estas complexas redes de produção e distribuição assentavam em bases muito pouco sólidas. Como sempre no capitalismo, onde escasseia o planeamento, tudo é revelado a posteriori.

Em 2020, além das paragens de atividade, o colapso do comércio internacional e as suas ondas de choque no resto da economia parecia uma inevitabilidade, fazendo lembrar aquele que foi o principal mecanismo de contágio da crise financeira de 2008-2009 ao resto da economia. De facto, as expectativas eram apocalípticas. A Organização Mundial do Comércio estimava uma quebra do comércio internacional entre 12% e 32%,4 enquanto a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento previa uma queda de 40% do Investimento Direto Estrangeiro a nível global.5 O Fundo Monetário Internacional (FMI) estimava, em junho de 2020, uma queda de 4,9% do PIB mundial - que comparava com uma queda de 1,3% em 2009 - com as principais economias mundiais com quedas esperadas de 8% para os EUA, 10,2% para a Zona Euro, 5,8% para o Japão e um crescimento económico positivo de 1% para a economia chinesa.6 Conquanto o desemprego na União Europeia (UE) não tenha imediatamente aumentado devido à não contabilização de trabalhadores confinados e aos programas de subsidiação dos salários, nos EUA a taxa de desemprego cresceu mais de dez pontos percentuais, atingindo 14% em maio de 2020.7

2.2. Crise financeira

Ao contrário da CFG, o capital enfrentou o epicentro da crise na esfera da produção. No entanto, como aliás seria de esperar, não foi no circuito do capital industrial que os primeiros reflexos da crise se fizeram sentir, mas sim nos mercados de capital portador de juro, ou seja, os mercados de crédito monetário, onde, como Marx (1993b) apontava, a circulação de capital se faz na forma quase imediata de dinheiro que rende mais dinheiro (D-D’). Embora a rendibilidade deste capital, na forma de juro, esteja sempre dependente da geração de mais-valia, através da exploração, resultando, portanto, de uma divisão do lucro no circuito D-D-M-…P…-M’-D’-D’, a realidade para o seu detentor é a da fetichizada autovalorização, desligada da produção. Esta aparente autonomia permite a permanente especulação em relação aos valores das promessas futuras de pagamento, na forma de títulos financeiros, no que Marx chamava de capital fictício, devido à incerteza e volatilidade que o rodeia (ibidem). A esfera financeira é, por isso, suscetível a frequentes e violentas crises, sempre que o valor na esfera produtiva não é colocado à disposição como prometido e esperado.

Como já tinha ficado claro aquando da CFG, a intensidade destas crises é hoje incomparável com a realidade do século xix de Marx. A reestruturação capitalista que se seguiu à crise dos anos 1970 teve como uma das suas principais características o crescimento desmesurado dos mercados, agentes e produtos financeiros, naquilo que a economia política intitula de financeirização (Epstein, 2005). Este processo foi, mais uma vez, guiado pelos processos políticos de liberalização, privatização e re-regulação dos mercados no quadro do neoliberalismo triunfante das décadas de 1980 e 1990. Os comportamentos das empresas, das famílias e dos Estados transformaram-se, estando hoje crescentemente dependentes dos agentes e mercados financeiros. Sem simplificar um fenómeno complexo, não é difícil identificar como exemplos deste novo poder financeiro os mercados bolsista e obrigacionista para as grandes empresas, o mercado de crédito bancário imobiliário e o endividamento imobiliário para as famílias ou o mercado de títulos de dívida no caso dos Estados (Lapavitsas, 2013). A nova configuração do capitalismo contemporâneo, guiado pelos mercados financeiros, permitiu uma inaudita possibilidade de centralização e concentração de capital. Sobretudo depois da crise de 2008-2009, novos fundos de investimento, conhecidos como “banca-sombra”, gerem as poupanças de dezenas de milhões de pessoas, sob a forma de fundos de pensão, fundos do mercado monetário ou, mais recentemente, dos exchange-traded funds (ETFs), que perseguem uma estratégia passiva de investimento, alinhada com os índices financeiros. Os três maiores fundos - BlackRock, Vanguard e State Street - eram, antes da pandemia, os maiores acionistas de 88% das 500 maiores empresas do índice bolsista norte-americano S&P (Fichtner et al., 2017).

Embora altamente integrados a nível internacional, também aqui assistimos, como na esfera produtiva, a uma nova hierarquização internacional e à variegação dos processos nacionais de financeirização (Santos e Teles, 2021). O poder de criação monetária das moedas de reserva internacional em que se faz boa parte das transações comerciais, como o euro e, sobretudo, o dólar norte-americano, reflete-se numa acrescida vulnerabilidade e dependência dos países periféricos e semiperiféricos. Com exceções (como é o caso da China), estes países ou abdicam da sua soberania monetária - como acontece nas economias dolarizadas ou nas economias africanas sob o domínio do franco CFA, indexado ao euro (Pigeaud e Sylla, 2020) -, ou estão sujeitos a bruscas fugas de capital e crises de endividamento em moedas que não controlam. Tal arquitetura dá origem a transferências diretas da periferia para o centro na forma de acumulação de reservas monetárias em moeda forte e a permanentes diferenciais de taxas de juro, sempre mais elevadas na periferia (Rodrigues et al., 2016).

No início de março de 2020, os mercados financeiros, sempre mais suscetíveis a nova informação e internacionalmente integrados, entraram em colapso. As perdas bolsistas no final do mês chegaram a 30% nos principais índices bolsistas internacionais, como o S&P norte-americano ou o FTSE britânico (OECD, 2020). Os três grandes fundos de investimento perderam em março de 2020 um valor de 2,8 biliões de dólares.8 Como sempre acontece em períodos de turbulência financeira, os países ditos emergentes foram os mais afetados, com uma fuga de capitais para a segurança da liquidez das moedas de reserva internacional nunca antes vista - mais de 100 mil milhões de dólares saíram destes países, comparado a um valor de 20 mil milhões de dólares em 2008 (ibidem) -, conduzindo à desvalorização abrupta das suas taxas de câmbio e ao automático aumento do seu endividamento em moeda estrangeira.9 Os índices bolsistas de países como o Brasil, a Argentina ou a Colômbia sofreram quedas de mais de 40% (ibidem).

3. O Estado entra em ação

O cenário dantesco para a economia global não se confirmou. Os Estados reagiram de forma rápida e robusta perante a catástrofe. Respondendo de imediato ao pânico financeiro de março de 2020, os bancos centrais anunciaram que fariam tudo o que fosse necessário para estabilizar os mercados. A CFG tinha servido para testar novas formas de intervenção nos mercados financeiros para lá da tradicional taxa de juro a que emprestam aos bancos, como, por exemplo, o quantitative easing (QE) - programa de compras de títulos de dívida, pública e privada, através da criação monetária -, usado para responder às necessidades de liquidez dos mercados e para estabilizar as taxas de juro praticadas nos mercados de dívida. Outro instrumento prontamente utilizado foi a concessão de linhas de crédito em dólar por parte do banco central norte-americano, a Reserva Federal, ao resto do mundo.

A Reserva assumiu o seu papel de liderança do sistema financeiro internacional, baixando as suas taxas de juro para zero, intervindo nos mercados de dívida de curto-prazo e começando uma nova ronda de QE, ampliando os títulos de dívida privada elegíveis para as suas compras (Brenner, 2020). O valor destas compras totalizou mais de 1,5 biliões de dólares no seu primeiro mês, o que compara com valores similares criados ao longo de mais de dois anos em 2008-2010.10 Novas linhas de crédito em dólar foram concedidas a vários bancos centrais, da Nova Zelândia à Suécia, prevenindo qualquer escassez desta moeda e limitando, assim, a especulação cambial.11

Na UE, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou um novo programa de QE, até um máximo 1,8 biliões de euros, a serem gastos ao longo de 2020, destinados à compra de títulos de dívida pública agora excecionalmente alargados aos títulos gregos e dívida privada, incluindo a títulos de “papel comercial” de empresas não financeiras. Seguindo o caminho dos principais bancos centrais, pela primeira vez, países periféricos com sistemas financeiros sofisticados, como o Brasil ou a Indonésia, anunciavam a possibilidade de começarem o seu próprio programa de QE (Tooze, 2021). Mas a preocupação das autoridades monetárias não se fez sentir somente em relação à liquidez do sistema financeiro; a sua solvabilidade estava também em risco. Com a economia parada, o serviço de dívida de empresas e famílias ficou ameaçado. O risco de uma cadeia de não pagamentos colocava em causa os balanços do setor bancário, particularmente periclitantes no contexto da Zona Euro, ainda a braços com elevados níveis de crédito malparado. Rapidamente, a Autoridade Bancária Europeia concordou com moratórias ao serviço da dívida, ainda que tal implicasse um aumento futuro do estoque de dívida, que, a par das linhas de crédito garantido pelo Estado, preservaram os balanços dos bancos, pelo menos no curto prazo (Frade et al., 2021).

Todas estas intervenções no sistema financeiro obtiveram os efeitos desejados. Inundados de liquidez, os mercados financeiros estabilizaram, com as taxas de juro a atingirem mínimos históricos e os mercados bolsistas a recuperarem das perdas iniciais, num aparente descolamento da esfera financeira em relação à esfera produtiva. Importa, contudo, notar que a calma dos mercados se limitou aos países do centro capitalista. A periferia financeiramente integrada nos mercados financeiros globais continuou a sofrer com a fuga de capitais e a desvalorização abrupta das suas moedas, eventualmente forçando em 2021 uma reversão da inicial política monetária expansionista, com os bancos centrais de países como a Turquia ou o Brasil a aumentarem as taxas de juro de referência.

A intervenção dos bancos centrais permitiu uma correspondente intervenção orçamental dos Estados do centro capitalista, libertos de quaisquer problemas de financiamento, graças à criação monetária, ainda que mediada pelos mercados financeiros. Ignorando o mantra da austeridade orçamental que tinha reinado na política económica na última década, os Estados anunciaram pacotes de despesa nunca antes vistos em tempo de paz. Nos EUA, logo no dia 25 de março, foi aprovado o Coronavirus Aid and Relief and Economic Security Act (CARES), no valor de 2,2 biliões de dólares, equivalente a 10% do PIB norte-americano, que comparava com o pacote de estímulo de 2009 de 800 mil milhões de dólares. As principais economias rapidamente seguiram os passos norte-americanos. Em outubro de 2020, segundo a informação coletada pelo FMI,12 a Alemanha comprometeu-se com um aumento da despesa (excluindo eventuais compromissos financeiros com crédito ou garantias de crédito) de 8,3% do PIB, enquanto a China, menos afetada pela pandemia, prometia um aumento de 4,6%. Mais uma vez estes anúncios foram assimetricamente distribuídos. Nos países periféricos, o FMI - com algumas exceções, como o caso brasileiro, onde o estímulo chegou aos 8,3% do PIB - assinalava pacotes de despesa bem mais modestos, refletindo a incapacidade de financiamento destes países. Mesmo em países ditos desenvolvidos, com fácil acesso aos mercados financeiros, os esforços orçamentais eram mais modestos. Em países do sul da Europa, como Portugal ou Espanha, fortemente afetados pelos efeitos económicos da pandemia, os aumentos de despesa prevista cingiam-se a 3,2% e 3,5% do PIB, respetivamente. O receio da imposição futura de austeridade por parte das autoridades europeias pode explicar este comportamento divergente, com consequências negativas na recuperação por parte de economias atingidas de forma particularmente severa, dada a dependência do turismo.

Se as medidas incluídas nestes pacotes de despesa tiveram com principal preocupação evitar o colapso do capital, com o CARES norte-americano dedicado em 75% às grandes empresas (Brenner, 2020), a despesa social de emergência não foi despicienda em algumas das principais economias mundiais. Ainda com enorme variação, conforme os mecanismos existentes de Segurança Social de cada país, foram aprovadas medidas como o pagamento, parcial ou total, dos salários dos trabalhadores confinados, o reforço dos esquemas de subsídio de desemprego ou mesmo transferências diretas para as famílias, aliadas à proibição de despejos ou de cortes de eletricidade e água. A particularidade desta crise, com os confinamentos forçados pelos Estados, obrigava à compensação dos que estavam a ser mais diretamente afetados. Este extraordinário esforço público foi um sucesso nas suas várias frentes. Embora a crise económica e social fosse uma realidade, as mais pessimistas estimativas iniciais não se concretizaram e a recuperação económica no final de 2020 parecia robusta, naquilo que a imprensa económica classificava de recuperação em V da economia internacional como um todo.

4. Consequências

4.1. Bolhas e gargalos

Com os mercados financeiros inundados de liquidez, taxas de juro muito baixas e dificuldade de investimento produtivo devido à pandemia, os fluxos monetários retomaram a euforia bolsista pré-crise. O S&P norte-americano valorizou 27%, em 2021, enquanto o britânico FTSE valorizou 16,7%, com as empresas de energia e, sobretudo, de tecnologia em destaque.13 Dado o seu perfil de venda de serviços online, as vendas realizadas por estas empresas não só não caíram, como aumentaram - a Amazon contratou mais 175 mil trabalhadores -, reforçando o seu poder monopolista sobre os preços aos consumidores e gerando, por isso, lucros recorde (Blakeley, 2020). As grandes empresas tecnológicas foram, assim, as principais beneficiadas por esta euforia, já que se revelaram imunes aos impactos do vírus.14 Por sua vez, os grandes fundos de investimentos bateram recordes no valor dos ativos sob sua gestão - 7,8 biliões de dólares para o BlackRock, 7 biliões para o Vanguard, somando o equivalente a quase três quartos do PIB norte-americano. Talvez o mais sintomático desta euforia financeira tenha sido a valorização de ativos financeiros sem qualquer valor subjacente, como as criptomoedas, ou o aparecimento e euforia de novos ativos, como os non-fungible tokens (NFTs).15 Noutro mercado altamente suscetível a apetites financeiros, o da habitação, os preços, nos dois anos de pandemia (2020-2021), cresceram 24% nos EUA, 18% no Reino Unido e 17% na Zona Euro (12% em Portugal).16

Estes desequilíbrios financeiros foram replicados na esfera produtiva, em 2021, com a pandemia controlada em certas regiões do globo, enquanto outras confinavam. O primeiro sinal revelou-se na principal forma de circulação comercial a nível internacional, o transporte marítimo. No início de 2021, com a economia chinesa aberta e a Europa a voltar aos confinamentos, os cargueiros chegados à Europa com mercadorias não tinham carga para a viagem de volta. Os preços do frete marítimo - um preço altamente financeirizado e, por isso, sujeito a movimentos especulativos bruscos17 - quadruplicaram em pouco mais de dois meses.18 Esta fragilidade da logística internacional tornou-se particularmente visível aquando do encalhamento do porta-contentores da Evergreen no canal de Suez, bloqueando por alguns dias uma das principais rotas na Península Arábica, onde se concentra grande parte das mercadorias transacionadas internacionalmente (Khalili, 2021).

Estes “gargalos” foram exacerbados pela rápida recuperação do consumo com o progressivo desconfinamento, sobretudo nos EUA, onde o entesouramento das famílias e o modelo de transferências diretas e universais durante os confinamentos atingiram o seu expoente máximo. Acresce uma mudança dos padrões de consumo numa população ainda em teletrabalho, com vários setores - da construção civil à produção de eletrodomésticos - a não conseguirem dar resposta à procura, enquanto muitos outros - do turismo à aviação civil - estavam ainda longe de chegar aos níveis pré-pandemia. Ademais, no transporte terrestre, sobretudo rodoviário, a relutância de muitos trabalhadores em voltar ao trabalho em plena pandemia impediu o escoamento da mercadoria, resultando na acumulação de mercadorias em armazéns e portos.19 Com uma recuperação da procura mais lenta na UE, o número de gargalos foi mais reduzido, mas com a sua indústria dependente das cadeias de valor global, vários foram os setores obrigados a suspender a produção, com proeminência para os mais dependentes de semicondutores, como o automóvel, mas chegando também a mercadorias tão simples como a cerveja (Masters e Edgecliffe-Johnson, 2021). A gigantesca rede logística internacional mostrava os seus frágeis alicerces, resultado de décadas de aceleração dos circuitos de capital, colocando a produção industrial sob pressão um pouco por todo mundo.

Estes gargalos produtivos resultaram em preços mais elevados de muitas mercadorias, com a inflação a aumentar, atingindo 7% nos EUA e 5% na UE no final de 2021. Nos países periféricos, este aumento de preços foi ampliado pela desvalorização cambial, atingindo 10% no Brasil e 36% na Turquia. Com a inflação a erodir o valor dos ativos financeiros, e com famosos economistas, como Larry Summers ou Olivier Blanchard, a avisar para o risco de “sobreaquecimento” das economias,20 os bancos centrais foram colocados no dilema entre apoiar a recuperação e o esforço orçamental público ou iniciar uma política recessiva, que diminuísse a pressão sobre os preços pelo lado da procura. Os países periféricos, vulneráveis aos mercados financeiros internacionais, rapidamente reverteram as suas inauditas medidas expansionistas, enquanto os bancos centrais dos países do centro resistiram durante 2021.

Entretanto, os planos de aumento de despesa e estímulo público não esmoreceram, embora num modelo que já não é exatamente o mesmo de 2020. A UE, numa ação inédita, mesmo impensável durante a crise do Euro de 2011-2012, decidiu pela primeira vez endividar-se nos mercados financeiros com títulos europeus para financiar o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), mobilizando 723 mil milhões de euros distribuídos, até 2026, na forma de subvenções (338 mil milhões) e empréstimos a baixo custo (385 mil milhões).21 Ainda assim, os esforços europeus são pálidos quando comparados com os dos EUA, onde um novo pacote de estímulos foi aprovado em dezembro de 2020 no valor de 900 mil milhões de dólares, seguido, em 2021, já com Joe Biden na presidência, pela aprovação do Infrastructure Investment and Jobs Act, no valor de 1,2 biliões de dólares (Tooze, 2021).

Conquanto ambos os planos tenham as suas especificidades, a intenção de maior investimento público nos próximos anos nos EUA e na UE exclui a continuação dos apoios financeiros extraordinários feitos durante a pandemia aos trabalhadores na forma de pagamento de salários, transferências diretas e reforço do subsídio de desemprego. A despesa dirige-se ao que estes blocos económicos entendem como necessário à reestruturação do capital: financiamento de infraestruturas que se mostraram deficientes face à crise; subsidiação de empresas e administração pública no sentido da sua modernização, nomeadamente no que tange à sua digitalização e transição “verde”; investimento em setores tidos como estratégicos para a segurança nacional, como os semicondutores.

A necessidade de reverter a “estagnação secular” nas economias mais desenvolvidas das duas últimas décadas - marcadas por baixo investimento, desaceleração do crescimento da produtividade e baixas taxas de lucro (Teles, 2017) - permite tomar a pandemia como pretexto para investimento infraestrutural, inovação e relocalização parcial de produção industrial em nome da segurança nacional. A parceria entre Estados e grandes monopólios multinacionais teve mesmo um teste bem-sucedido aquando da pandemia com o financiamento público da investigação de diferentes vacinas desenvolvidas por multinacionais norte-americanas (Pfizer, Moderna), alemãs (Biotech) e britânicas (Astrazeneca), que possibilitou lucros recorde a estas empresas.22 Isto, aliás, explica a manutenção intransigente da propriedade intelectual destas vacinas. Acresce como motivação as novas tensões geopolíticas que o dinamismo do crescimento económico chinês, onde a intervenção bem-sucedida do Estado é notória, suscita. A China não é só a fábrica do mundo, repositório de capital estrangeiro em busca de custos salariais mais baixos, mas uma potência emergente que desafia o domínio tecnológico norte-americano em certas áreas, nomeadamente nas vacinas, e se tornou central na produção de bens essenciais.

De fora fica qualquer tentativa de repensar a forma como se produz e distribui na atual economia capitalista financeirizada e internacionalizada, de modo a reverter a dinâmica predatória de recursos naturais da acumulação capitalista na origem da atual pandemia. A transição “verde” não diz respeito a qualquer reconfiguração da forma como produzimos alimentos, à promoção de circuitos curtos entre produção, nem mesmo à reconfiguração de hábitos de consumo. O plano de Biden para a transição climática, embora ambicioso nos seus objetivos, faz-se sobretudo de incentivos fiscais para empresas (86% do valor total do plano), subsidiando-as na esperança de as empurrar gentilmente para formas de produção e consumo energético mais sustentáveis sem incorrer na perda de lucros.23 O mesmo se aplica ao MRR da UE, composto sobretudo de incentivos e subsídios a empresas. A resposta orçamental destes blocos vai, pois, na direção da correção neoliberal de “falhas de mercado”, onde se espera que, com os incentivos certos, os mercados se dirijam para uma economia mais sustentável.

Este esforço será suplementado pelo “poder de fogo” financeiro dos Bancos Centrais, que privilegiarão, nas suas compras de títulos financeiros, os títulos “verdes” de investimento em projetos sustentáveis, devidamente auditados pelas agências de notação financeiras, no que a economista Daniela Gabor (2021) intitula “Consenso de Wall Street”. Este modelo de investimento financeiro, garantido pelo Estado, promete ser: desigual, favorecendo, por exemplo, preços mais caros na energia, com os seus impactos sociais regressivos; contraditório, investindo sobretudo na eletrificação do transporte individual, em detrimento da promoção dos transportes públicos; e ineficaz, com a experiência de classificação de investimento em indústrias de combustíveis fósseis, caso do gás natural, como “verde”. Não por acaso, é o maior gestor de fundos de investimento do mundo, o BlackRock, que assessora o BCE e a Reserva Federal na sua estratégia financeira “verde” (Blakeley, 2020).

De fora ficaram, também, planos de reforço da proteção social aos trabalhadores e de reforço dos serviços públicos universais. Na UE, a despesa “social” prevista é dirigida à qualificação da força de trabalho e ao reforço infraestrutural de alguns equipamentos sociais, como acontece com a habitação social no caso português. Nos EUA, o plano inicial de Biden designado American Families Act, de 1,8 biliões de dólares, financiados por novos impostos sobre lucros e dividendos - que previa acesso gratuito ao ensino superior dos community colleges, gratuitidade de creches e transferências permanentes de combate à pobreza, nomeadamente infantil - não foi aprovado pelo Congresso. Sem força política, e com os sindicatos em declínio, os trabalhadores não conseguiram uma reconfiguração da atuação do Estado a seu favor. Se as transferências financeiras feitas durante a pandemia pareceram, em alguns países (nomeadamente nos EUA e no Reino Unido), permitir um reforço do poder do trabalho, traduzido em falta de trabalhadores em setores de salários mais baixos e numa tímida onda de greves, o fim destes apoios sociais obriga ao retorno aos mercados de trabalho liberalizados numa nova posição de vulnerabilidade. Assim, os presentes medos de qualquer espiral inflacionária, provocada pela luta salarial, parecem estar fora do horizonte, permitindo aos Estados prosseguir com este novo modelo de articulação entre política monetária e política orçamental no apoio ao capital monopolista.

Finalmente, não surpreende que este modelo de intervenção pública se tenha traduzido num aumento das desigualdades. Segundo a revista Forbes, o número de bilionários (com riqueza superior a mil milhões de dólares), em 2021, foi de 2755, mais 493 do que em 2020, tendo a sua fortuna total crescido de 8 biliões de dólares em 2020 para 13,1 biliões em 2021.24 Enquanto isso, se é certo que em vários países as transferências sociais beneficiaram os mais pobres, reduzindo desigualdades, como no Brasil em 2020, os países mais pobres viram mais de 100 milhões de pessoas cair na pobreza extrema, com mais 118 milhões a sofrerem de fome crónica.25 A desigualdade entre Estados agudizou-se. Sem soberania monetária e uma inserção dependente nas cadeias de valor, os países mais pobres sofreram o impacto da crise sem instrumentos monetários e orçamentais, sendo este exacerbado pela exclusão no acesso às várias vacinas disponíveis. Foram, mesmo, vários os países a sofrer com a incapacidade de se financiarem nos mercados, resultando em defaults soberanos de países como a Zâmbia, o Líbano ou o Equador,26 enquanto países mais desenvolvidos, como o Brasil ou o México, adotaram taxas de juro mais elevadas e uma nova agenda de austeridade orçamental em 2021, na esperança de reganhar a confiança dos mercados internacionais e estabilizar as suas moedas.

Conclusão

No momento em que se escreve este artigo, no início de 2022, a pandemia de COVID-19 está ainda longe de estar ultrapassada, com novas variantes a surgirem, e boa parte da população mundial ainda sem acesso a qualquer vacina. No entanto, a crise económica provocada pela pandemia parece superada em muitos países do centro capitalista, com os seus PIB a ultrapassar os níveis pré-pandémicos e com o consumo, no caso dos EUA, a recuperar mesmo a sua trajetória pré-pandémica, algo nunca verificado no rescaldo da CFG. A economia que emerge da pandemia reforça algumas das suas tendências mais recentes, com mercados financeiros em euforia e crescimento das grandes empresas multinacionais cotadas em bolsa, e ao contrário do que aconteceu durante a CFG, com lucros recorde.27

O movimento de centralização e concentração de capital continua, com os grandes monopólios - da tecnologia à energia, passando pelo próprio setor financeiro - a saírem da crise mais fortes do que nunca. O poder destes monopólios não deve ser entendido na estreita definição neoclássica de uma só empresa que domina um mercado sem estar sujeita a concorrência. Se estes monopólios têm, de facto, poder de mercado na fixação de preços e enorme poder político, eles estão sujeitos a permanente concorrência com outros capitais na busca de maior rentabilidade (Shaikh, 2016). Esta concorrência ganhou novos contornos geopolíticos onde, face a novos conglomerados, sobretudo de origem chinesa, as empresas multinacionais com sede nos EUA e na UE procuram a proteção dos Estados, seja através da garantia de acesso a financiamento barato, seja da subsidiação de arriscadas novas tecnologias e produtos, seja na proteção da sua propriedade intelectual existente. A crise pandémica abriu possibilidades para esta nova integração entre Estado e capital. O mito do capital transnacional, sem pátria, esboroou-se uma vez mais.

A escala da mobilização pública nunca antes vista na economia, a par da sua intervenção na saúde pública, provocou algumas reações públicas que assinalavam a morte do neoliberalismo.28 Afinal, a austeridade orçamental foi abandonada, transferências avultadas foram feitas a trabalhadores e a liberalização comercial foi colocada em causa, dadas as fragilidades de segurança nacional evidenciadas. A compreensível identificação da austeridade orçamental com o neoliberalismo é, no entanto, demasiado estreita. Como numerosos autores nos têm alertado, o neoliberalismo das últimas décadas é uma ordem económica e social construída, onde não se procura a destruição do Estado, mas sim a sua reconfiguração alinhada com os motivos e incentivos do mercado, conferindo máxima liberdade ao capital (Mirowski e Plehwe, 2015; Rodrigues, 2018; Slobodian, 2018). A existência de um Estado com forte intervenção na economia não é, pois, incompatível com a ordem neoliberal, desde que o Estado se abstenha de assumir qualquer papel direto na esfera da produção e, logo, de planeamento económico que substitua o mercado e a grande empresa como mecanismos primordiais de afetação de recursos.

O novo modelo de articulação dos Estados do centro capitalista com os seus grandes monopólios multinacionais está ainda longe de ser claro nos seus contornos. São várias as contradições que o atravessam. Se o Estado redescobriu o financiamento monetário, ainda que mediado pelos mercados financeiros na forma de dívida, as tensões inflacionárias podem ser menos passageiras do que esperado, não só pela dificuldade dos mercados em se ajustarem, mas porque há mudanças na estrutura de custos das empresas que começam a adotar o cauteloso just-in-case, por oposição ao just-in-time, com relocalização de produção considerada estratégica e aumento de inventários (Masters e Edgecliffe-Johnson, 2021). Os crescentes apelos ao retorno do equilíbrio orçamental e à política monetária restritiva, com aumento das taxas de juro, só aumentarão no futuro próximo. Ademais, com várias bolhas nos mercados financeiros e imobiliários à espera de rebentar, rapidamente a responsabilidade será atribuída, não às dinâmicas especulativas, mas a uma política monetária demasiado expansionista, colocando os bancos centrais num dilema político sobre como agir. Finalmente, as assimetrias e tensões geopolíticas entre Estados do centro e da periferia tendem a agudizar-se, com os últimos arredados dos instrumentos disponíveis aos primeiros, no quadro de uma economia internacional sujeita a um reforço da atual divisão internacional do trabalho, onde os países pobres parecem destinados a ser fornecedores de matérias-primas e mão de obra barata, arredados do conhecimento e competências protegidas pelos mais ricos.

A atual estrutura da economia capitalista, o reconhecido poder (de emergência) dos Estados na economia durante a pandemia e a fluidez do que será a política económica nos próximos anos, inerente a esta reconfiguração do capitalismo, permitem oportunidades políticas de intervenção a favor do trabalho. Categorias como socialização, nacionalização e planeamento, de forma a fazer frente às diversas emergências, ambientais e sociais, ganharam espaço político face à evidência do período pandémico.

O capital das grandes empresas em bolsa, com exceção das emblemáticas, que são detidas por indivíduos, como é o caso da Alphabet ou da Amazon, está altamente concentrado na gestão dos todo-poderosos fundos de investimento. Estes, no entanto, servem de curadores passivos das poupanças e pensões de dezenas de milhões de pessoas. A gestão privada e especulativa deste capital pode ser socializada sem qualquer dificuldade técnica ou tecnológica, permitindo acesso a recursos cruciais para construir outra economia. Por outro lado, com a produção concentrada no enorme poder de multinacionais, a importância do planeamento produtivo, ainda que privado, é inegável. Graças a novas tecnologias de informação, nomeadamente as relacionadas com angariação de informação sobre consumidores e produtores, conhecidas por Big Data, e ao seu estupendo poder de mercado, empresas de distribuição como a Amazon ou a Walmart conseguem hoje antecipar desejos de consumo e otimizar problemas de produção e distribuição, desde o produtor de matérias-primas até ao consumidor final (Phillips e Rozworski, 2019). É certo que a crise pandémica evidenciou insuficiências e fragilidades destes novos sistemas de provisão, mas, por outro lado, confirmou a importância da centralização de informação das economias como um todo nos Estados que acudiram, e acodem, aos gargalos e problemas produtivos. Estes são novos instrumentos que podem ser utilizados pelos Estados, a par da efetiva socialização destes conglomerados.

A importância e o poder dos Estados, sobretudo dos seus bancos centrais neste contexto financeirizado, mostrou que a putativa irrelevância destes no capitalismo contemporâneo era ilusória, pelo menos no que toca aos grandes centros capitalistas. A importância do planeador central ficou recentemente vincada com o caso chinês. Recorrendo aos variados instrumentos de política disponíveis, desde mecanismos de controlo de preços até um importante peso do setor público na economia, nomeadamente do setor financeiro (Weber, 2021), a China tem conseguido navegar a crise pandémica melhor que qualquer outro país, conquanto enfrente enormes problemas e desafios de uma economia onde a dinâmica capitalista é dominante.

Por mais que as novas tecnologias e a estrutura produtiva e financeira da economia mundial favoreçam a sua socialização, no sentido de responder às emergências que enfrentamos, a questão política será sempre central. Não basta uma gestão macroeconómica “keynesiana” de aumento de despesa pública agregada, financiada por bancos centrais (Kelton, 2020), sem planeamento produtivo, provisão pública e afetação de financiamento à economia, como agora se observa com o aumento da inflação causada por gargalos e bolhas especulativas. Não basta também nacionalizar e planear, deixando esse trabalho a tecnocratas, num qualquer centro ou gabinete de planeamento, como aconteceu no pós-guerra nos EUA e na Europa ocidental. É necessário criar as condições para que os trabalhadores se apropriem destes instrumentos, democratizando o local de trabalho, valorizando a representação laboral, sem menorizar o conhecimento técnico, de forma a obter informação e apropriação política essenciais ao redireccionamento produtivo radical de que precisamos se queremos fazer frente aos desafios que se nos colocam (Phillips e Rozworski, 2019). Finalmente, como foi sendo vincado ao longo deste artigo, o poder dos Estados não é o mesmo, estando integrados numa sólida hierarquia económica e financeira, favorecedora dos países do centro capitalista. Qualquer reestruturação do papel do Estado e da economia internacional tem de estar enraizada num compromisso anti-imperialista que reconquiste soberania nos países periféricos, através do seu controlo monetário, comercial e industrial, bem como na solidariedade internacionalista que permita transferências redistributivas entre os mais ricos e os mais pobres. Caso contrário, arriscamos novas pandemias e novas crises, cada vez mais exacerbadas.

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1O autor agradece a leitura, comentarios e sugestoes de João Rodrigues e Fabrício Pitombo Leite a versões preliminares deste artigo e aos dois avaliadores anónimos que contribuíram para melhorar este artigo, assumindo a responsabilidade por erros e omissões que permaneçam. O autor agradece também a todos os membros do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia (NEC-UFBA), cujos seminários motivaram e informaram muitas das discussões presentes neste artigo.

2 Watts, Jonathan; Wasley, Andrew; Heal, Alexandra; Ross, Alice; Jordan, Lucy; Howard, Emma; Holmes, Harry (2020), “Revealed: UK Supermarket and Fast-Food Chicken Linked to Deforestation in Brazil”, The Guardian, 25 de novembro. Consultado a 01.01.2022, em https://www.theguardian.com/environment/2020/nov/25/revealed-uk-supermarket-and-fast-food-chicken-linked-to-brazil-deforestation-soy-soya.

3 Curiosamente, este conceito aparece em O Capital de Marx, aquando da sua análise da renda da terra, onde a expansão da agricultura industrializada e capitalista do século xix era precisamente identificada como levando à exaustão dos solos, ultrapassando as fronteiras pelo comércio (Marx, 1993a).

4 World Trade Organization (2020), “Trade Set to Plunge as COVID-19 Pandemic Upends Global Economy”, 8 de abril. Consultado a 01.01.2022, em https://www.wto.org/english/news_e/pres20_e/pr855_e.htm.

5 UNCTAD - United Nations Conference on Trade and Development (2020), World Investment Report 2020: International Production beyond the Pandemic. Geneva: United Nations. Consultado a 01.02.2022 em https://unctad.org/system/files/official-document/wir2020_en.pdf.

6 Cf. International Monetary Fund (2020), “A Crisis Like no Other, an Uncertain Recovery”, World Economic Outlook Update, junho. Consultado a 01.02.2022, em https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/06/24/WEOUpdateJune2020.

7 Organisation for Economic Co-operation and Development (2020), “Unemployment Rates, OECD - Updated: June 2020”. Consultado a 01.02.2022, em https://www.oecd.org/newsroom/unemployment-rates-oecd-update-june-2020.htm.

8 Smith, Peter (2020), “World’s Three Biggest Fund Houses Shed $2.8tn of Assets”, Financial Times, 15 de março. Consultado a 01.02.2022, em https://www.ft.com/content/438854a8-63b0-11ea-a6cd-df28cc3c6a68.

9 Dabrowski, Marek; Dominguez-Jiménez, Marta (2020), “Is COVID-19 Triggering a New Emerging-Market Crisis?”, Brueghel.org, 30 de março. Consultado a 01.02.2022, em https://www.bruegel.org/2020/03/is-covid-19-triggering-a-new-emerging-market-crisis/.

10 Timiraos, Nick; Hilsenrath, Jon (2020), “The Federal Reserve Is Changing what It Means to Be a Central Bank”, Wall Street Journal, 27 de abril. Consultado a 01.02.2022, em https://www.wsj.com/articles/fate-and-history-the-fed-tosses-the-rules-to-fight-coronavirus-downturn-11587999986.

11 Politi, James; Martin, Katie; Smith, Colby (2020), “Fed Expands Dollar Swap Lines with Central Banks”, Financial Times, 19 de março. Consultado a 01.02.2022, em https://www.ft.com/content/2ac4fe30-69e1-11ea-800d-da70cff6e4d3.

12 Cf. International Monetary Fund (2020), “Database of Fiscal Responses to Covid-19”. Consultado a 01.02.2022, em https://www.imf.org/en/Topics/imf-and-covid19/Fiscal-Policies-Database-in-Response-to-COVID-19.

13 Rennison, Joe (2021), “Global Stocks Deliver Third Year of Double-Digit Gains”, Financial Times, 31 de dezembro. Consultado a 01.02.2022, em https://www.ft.com/content/e510d763-3864-421c-ba32-8653152c01c6.

14 A Apple, com um valor em torno de 1 bilião de dólares antes da pandemia, valia 3 biliões no final de 2021. A Amazon passou de 1 bilião para 1,7 e a Microsoft de 1 bilião para 2,3. O construtor de carros elétricos, Tesla, uma empresa que só agora começa a dar lucros, teve a sua valorização bolsista multiplicada por oito, entre 2020 e 2021, chegando a valer mais do que as seguintes quatro maiores empresas do setor automóvel somadas.

15 Representações de media registadas na tecnologia de blockchain, também usada na criptomoedas, o que lhes confere exclusividade, transformando-as numa mercadoria.

16 Organisation for Economic Co-operation and Development (2022), “Housing Prices (Indicator)”. Consultado a 01.02.2022, em https://data.oecd.org/price/housing-prices.htm.

17 O preço do frete marítimo converteu-se num ativo financeiro, sujeito a múltiplos derivados, das opções aos futuros, cujos índices, com destaque para o Baltic Dry Index, permitem compras e vendas de agentes sem qualquer interesse direto no transporte marítimo (Khalili, 2021).

18 Steer, George; Romei, Valentina (2021), “Shipping Costs Quadruple to Record Highs on China-Europe ‘Bottleneck’”, Financial Times, 19 de janeiro. Consultado a 01.02.2022, em https://www.ft.com/content/ad5e1a80-cecf-4b18-9035-ee50be9adfc6.

19 Em setembro de 2021, o porto de Los Angeles, nos EUA, porta de entrada de 40% das importações norte-americanas, anunciava um recorde de 73 navios ancorados à espera de desembarque. Cf. Grimes, Christopher; Edgecliffe-Johnson, Andrew (2021), “The Supply Chain Crisis and US Ports: ‘Disruption on Top of Disruption’”, Financial Times, 14 de outubro. Consultado a 01.02.2022, em https://www.ft.com/content/aa24d82e-16c7-4e3e-868e-42bd32f593be.

20 Teles, Nuno (2021), “Gastar? Não gastar? Gastar demasiado? Notas sobre o debate macroeconómico”, blogue Economia Política e Desenvolvimento, 26 de fevereiro. Consultado a 01.02.2022, em https://nunoteles.substack.com/p/gastar-no-gastar-gastar-demasiado.

21 Comissão Europeia (2021), “Mecanismo de Recuperação e Resiliência”. Consultado a 01.02.2022, em https://ec.europa.eu/info/business-economy-euro/recovery-coronavirus/recovery-and-resilience-facility_pt.

22 Cf. Asgari, Nikou (2021), “Pfizer and Moderna Investors Brace for Eventual Drop in Vaccine Sales”, Financial Times, 17 de setembro. Consultado a 01.02.2022, em https://www.ft.com/content/19543f26-f9f0-4075-9b71-ec86e06eaf88.

23 Cf. Huber, Matt (2021), “The Only Winning Climate Policy is a Pro-Worker Climate Policy”, Jacobin, 11 de abril. Consultado a 20.01.2022, em https://jacobinmag.com/2021/11/biden-manchin-cepp-gnd-climate-change.

24 Cf. Dolan, Kerry A.; Peterson-Withorn, Chase (orgs.) (2021), “World Billionaire List”, Forbes. Consultado a 01.02.2022, em https://www.forbes.com/billionaires/.

25 Cf. Goldin, Ian (2021), “Covid-19 Has Made Fighting Inequality More Critical than Ever”, Financial Times, 6 de setembro. Consultado a 01.02.2022, em https://www.ft.com/content/24a39617-4ed9-491d-9195-d68191927655.

26The Economist (2021), “Poor Countries Struggling with Debt Fight to get Help”, 4 de março. Consultado a 01.02.2022 em https://www.economist.com/international/2021/03/04/poor-countries-struggling-with-debt-fight-to-get-help.

27 Megaw, Nicholas (2021), “US Companies Charm Investors with Strong Third-Quarter Earnings”, Financial Times, 8 de novembro. Consultado a 01.02.2022, em https://www.ft.com/content/676e153e-5e84-42dc-a512-fa131c2944b2.

28 E.g.: Saad-Filho, Alfredo (2020), “Coronavirus, Crisis, and the End of Neoliberalism”, Socialist Project, 17 de abril. Consultado a 01.02.2022, em https://socialistproject.ca/2020/04/coronavirus-crisis-and-the-end-of-neoliberali; Meadway, James (2021), “O neoliberalismo está morrendo - Agora devemos substitui-lo”, Open Democracy, 22 de setembro. Consultado a 01.02.2022, em https://www.opendemocracy.net/pt/neoliberalismo-esta-morrendo-agora-devemos-substitui-lo/.

Recebido: 08 de Fevereiro de 2022; Aceito: 06 de Maio de 2022

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