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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.129 Coimbra dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.4000/rccs.13985 

Dossier

Conflitos coletivos no trabalho em plataformas digitais: desafios à proteção da liberdade sindical no Brasil

Collective Conflict at Work on Digital Platforms: Challenges to the Protection of the Right to Unionize in Brazil

Conflits collectifs au travail sur les plateformes numériques: défis pour la protection de la liberté syndicale au Brésil

Sidnei Machado1  , Concetualização, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Supervisão, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-8934-7566

Michael Willian Conradt2  , Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-6392-1120

1Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil, sidneimchd@gmail.com

2Mestre em Direitos Humanos e Democracia no Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil, michael.conradt@gmail.com


Resumo

Este artigo analisa o exercício do direito à liberdade sindical no âmbito das plataformas digitais de trabalho no Brasil. O objetivo é discutir as insuficiências e as respostas normativas do direito brasileiro em conflitos coletivos de trabalho entre trabalhadores e plataformas digitais, em particular no tema de proteção da atividade sindical. A metodologia utilizada foi a revisão de literatura e o estudo empírico de casos, com o uso de dados de investigações do Ministério Público do Trabalho e de processos judiciais da Justiça do Trabalho. A partir da análise de casos de violação da liberdade sindical por plataformas digitais, são apresentadas conclusões no sentido de que existe insuficiente proteção à liberdade sindical no país, com um conjunto de desafios para a construção de um modelo protetivo adequado.

Palavras-chave: conflitos laborais; direito do trabalho; liberdade sindical; plataformas digitais; precarização do trabalho

Abstract

his article analyses the right to unionize at work within the scope of digital platforms in Brazil. The aim is to discuss the insufficiencies as well as the normative responses provided by the Brazilian law regarding work-related collective conflicts between workers and digital platforms, especially with respect to the protection of unionized activity. The applied methodology was a literature review and empirical case studies, employing investigative data collected from the Public Ministry of Labor as well as that of court cases from the Brazilian Labor Courts. Based on the analysis of violations of the right to unionize carried out by digital platforms, the conclusions reached indicate that there are grave insufficiencies with respect to the protection of the right to unionize in Brazilian legislation, with a set of challenges for the construction of an adequate protective model.

Keywords: digital platforms; union freedom; labor law; precarious work; work conflicts

Résumé

Cet article analyse l’exercice du droit à la liberté syndicale dans le cadre des plateformes numériques de travail au Brésil. L’objectif est de discuter des insuffisances et des réponses normatives du droit brésilien dans les conflits collectifs du travail entre les travailleurs et les plateformes numériques, en particulier sur le thème de la protection de l’activité syndicale. La méthodologie utilisée a été une revue de la littérature et une étude empirique de cas, utilisant des données d’enquêtes du ministère public du travail et de procédures judiciaires devant les tribunaux du travail. À partir de l’analyse des cas de violation de la liberté syndicale par les plateformes numériques, nous présentons des conclusions qui vont dans le sens qu’il y a une protection insuffisante de la liberté syndicale dans le pays, avec un ensemble de défis pour la construction d’un modèle de protection adéquat.

Mots-clés: conflits du travail; droit du travail; liberté syndicale; plateformes numériques; précarité du travail

Introdução

A ascensão do trabalho em plataformas digitais é uma expressão relevante da crise global relacionada ao trabalho e ao próprio Direito do Trabalho. A consolidação das empresas de plataformas digitais como atores em um capitalismo reconfigurado produz novas formas de exploração, que confirmam algumas tendências de precarização do trabalho anteriores às novidades tecnológicas contemporâneas (Srnicek, 2018) enquanto introduzem novos desafios e peculiaridades que demandam a mobilização de um quadro analítico adequado de interpretação (Vallas e Schorr, 2020). Entre os problemas emergentes relacionados ao trabalho em plataformas, destaca-se o da organização e ação coletiva de trabalhadores.

Uma observação atenta à realidade do trabalho em plataformas permite constatar o elevado caráter conflitivo que emerge dessas relações coletivas. Isso se expressa por uma organização do trabalho baseada no uso de tecnologias para controle e governança que, gradativamente, mobiliza múltiplas formas de ação coletiva e de resistência pelos trabalhadores com mobilizações, greves e iniciativas de criação de organizações de representação coletiva (Vallas e Schorr, 2020). No Brasil, o conflito coletivo ganhou maior visibilidade a partir de 2020, no contexto da pandemia, quando eclodiu um conjunto de movimentos de entregadores de plataformas. O movimento de maior impacto foi o Breque dos Apps, com a expressiva greve realizada em julho de 2020 por entregadores que, insatisfeitos com as condições de trabalho, reivindicavam o aumento das taxas mínimas de entrega, o fim dos bloqueios considerados injustos e melhores condições de trabalho no contexto social agravado pela pandemia de COVID-19 (Abílio et al., 2020).

Esse novo contexto das plataformas no Brasil se entrelaça com os problemas estruturais de ausência de um marco normativo adequado à regulação estatal das relações coletivas de trabalho no Brasil, em particular a insuficiência de regras para promoção e defesa da liberdade sindical. Do ponto de vista normativo, trata-se de indagar sobre o novo conflito coletivo derivado do trabalho em plataformas digitais e sua relação com o déficit de uma regulação, construída por um modelo próprio de regras.

Este estudo questiona um problema fundamental: quais são as insuficiências normativas e as respostas possíveis para o exercício da liberdade sindical no trabalho em plataformas digitais no Brasil? Para responder a essa questão são discutidos dois pontos: o primeiro sobre a existência de limites à liberdade sindical para o trabalho reconhecidamente assalariado; e o segundo sobre a relação da proteção da atividade sindical, independentemente da não qualificação da relação de emprego entre trabalhador e plataformas digitais.

O enfoque da análise privilegia as relações coletivas de trabalho dos motoristas e entregadores de plataformas digitais, contextualizadas no amplo espectro do trabalho plataformizado, que compreende uma heterogeneidade de situações e condições de trabalho. A metodologia de estudo de caso empregada recorre a dados empíricos coletados entre 2017 e 2021, com análise de denúncias no Ministério Público do Trabalho (MPT) - órgão com competência para investigação sobre violação de direitos coletivos e difusos - e na Justiça do Trabalho - ramo do Poder Judiciário especializado na resolução de litígios no trabalho. Para o levantamento de dados foi realizada uma pesquisa exaustiva de procedimentos administrativos no MPT e de processos judiciais na Justiça do Trabalho, envolvendo as empresas 99 Tecnologia, iFood, Loggi, Rappi e Uber, apontadas como as mais consolidadas no mercado brasileiro. Em cada caso foi analisada a reação dessas empresas contra as ações coletivas de trabalhadores e as estratégias e práticas jurídicas mobilizadas e instrumentalizadas pelas mesmas como resposta aos conflitos coletivos. O artigo relaciona as insuficiências da regulação jurídica para proteção efetiva da liberdade sindical desses trabalhadores e sugere proposições básicas para a reconstrução do modelo brasileiro de representação coletiva para os trabalhadores em plataformas digitais.

1. Liberdade sindical no trabalho em plataformas digitais

No constitucionalismo democrático ocidental, o sentido da liberdade sindical transcende as liberdades meramente associativas para se conectar com a concretização de condições favoráveis à atividade sindical, a serem estruturadas em modelos normativos protetivos. A partir dessa premissa é possível compreender a atividade sindical como principal direito a ser tutelado em sistemas jurídicos de proteção contra atos antissindicais. A atividade sindical deve ser tomada em um sentido ampliado, transcendendo a própria figura do sindicato - ou seja, a atividade sindical passível de proteção compreende toda a atividade reivindicativa de trabalhadores em uma relação laboral (Uriarte, 1989). Em sua complexidade como direito fundamental, a liberdade sindical abrange a liberdade de organização, mas, principalmente, a liberdade de ação dos grupos coletivos que se formam na realidade social para lutar por melhores condições de trabalho e de vida (Silva, 2005).

No entanto, no Brasil as condições de efetividade da liberdade sindical não se desenvolveram dentro de um modelo democrático, a exemplo do que ocorreu nos países da Europa Central. A Constituição brasileira de 1988 não consolidou a transição para esse tipo de modelo, conservando elementos normativos de origem corporativista, como a unicidade sindical e a organização por categoria profissional (ibidem). A ampla Reforma Trabalhista de 2017 aprofundou o cenário de crise institucional, dificultando o financiamento das entidades sindicais e retirando poder de negociação aos sindicatos, ao instituir a possibilidade de negociação coletiva em parâmetros protetivos abaixo da lei (Silva et al., 2018). Além das dificuldades normativas, fenômenos como a reestruturação produtiva, a produção flexível e o crescimento da quantidade de trabalhadores subcontratados aparecem como fatores que dificultam a realização da atividade sindical (Bridi, 2021).

O trabalho em plataformas digitais também representa desafios novos para a atividade sindical. As organizações coletivas de trabalhadores em plataformas digitais ainda se desenvolvem em um espaço fora do perímetro de atuação clássica do Direito do Trabalho, ao mesmo tempo que enfrentam os desafios relacionados com as respostas à individualização e ao empreendedorismo, valores promovidos pela racionalidade neoliberal (Dardot e Laval, 2016). Ademais, as relações de trabalho nas plataformas digitais estão profundamente marcadas pela presença de um forte e eficiente controle, embora possam apresentar matizes distintas do poder hierárquico tradicional da empresa de tipo fordista (Vallas e Schor, 2020). Ou seja, as plataformas digitais, ao se valerem do uso do trabalho autônomo, dispõem de grande poder empresarial para obstruir a presença e a atuação sindical.

Apesar de esse conjunto de problemas, várias iniciativas de organização coletiva por parte de trabalhadores vêm sendo registradas. A partir de 2017 foram múltiplas as ações e experiências de entidades sindicais e associativas criadas no Brasil, visando representar coletivamente o interesse de motoristas e entregadores de plataforma - especialmente entre motoristas de plataforma (Gondim, 2020).

Além dos obstáculos para a organização de entidades no modelo sindical brasileiro, há muitas dificuldades para o exercício pleno da liberdade sindical - isto é, para a realização de uma atividade sindical protegida pelo diálogo e pela negociação coletiva com as plataformas digitais. O impasse inicial advém naturalmente da ausência da qualificação da relação de emprego, ainda em disputa no parlamento e no judiciário. Uma segunda fragilidade advém do grande temor dos trabalhadores motivado pela possibilidade de represálias pelas plataformas digitais (Kalil, 2020). Maria Rosaria Barbato e Natália Chagas de Moura (2020) apontam que a utilização ilimitada de ferramentas tecnológicas tangencia liberdades e garantias aos trabalhadores, em face do grau de fiscalização empreendido por meio do controle de perfis e logins, que representa um forte obstáculo para a concretização de ações como a greve. Ana Carolina Reis Paes Leme (2017) relaciona algumas práticas antissindicais da plataforma Uber - objeto de investigação no MPT -, tais como a conduta da empresa em rastrear trabalhadores em GPS e bloquear o acesso à plataforma.

Durante as mobilizações ocorridas no Brasil em 2020 foram constatadas diversas práticas de antissindicalidade contra trabalhadores que participaram dos movimentos. São práticas de bloqueio e restrições de uso das plataformas digitais, aplicadas unilateralmente, sem que se dê ao trabalhador oportunidade para uma defesa das alegações que motivaram as punições (Leme, 2017; Barbato e Moura, 2020; Kalil, 2020). Esse contexto revela uma atuação empresarial para impor uma série de restrições ao exercício da liberdade sindical dos trabalhadores em plataformas digitais.

2. Casos de violações da liberdade sindical

A partir de denúncias dirigidas ao MPT e de alguns casos judicializados entre os anos de 2017 a 2021 é possível compreender o conteúdo da disputa sobre o exercício da liberdade sindical, as estratégias jurídicas utilizadas e as respostas oferecidas pelo controle administrativo e judicial no contexto dos conflitos que envolvem plataformas digitais, organizações de trabalhadores e atores estatais.

2.1. O caso Loggi

Existem diferentes casos registrados que denunciam práticas de violação da liberdade sindical envolvendo a empresa Loggi Tecnologia Ltda., uma plataforma de entregas dos mais variados produtos, que se autodenomina uma empresa de tecnologia e desenvolvimento de logística.1

O primeiro caso identificado foi o ajuizamento pela Loggi, em dezembro de 2018, de uma ação judicial de interdito proibitório, uma medida judicial prevista no sistema processual brasileiro que visa proteger preventivamente a posse da empresa. A ação foi dirigida contra o Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas Intermunicipal do Estado de São Paulo (Sindimoto-SP) como reação às manifestações dos trabalhadores mobilizados - alguns deles integrantes do sindicato - em frente à sede física da empresa, na cidade de São Paulo. A Loggi relatou haver risco de obstrução por trabalhadores grevistas do acesso ao imóvel da sua sede. No entanto, decisão da Justiça do Trabalho de São Paulo rejeitou a intervenção, com o argumento que a mobilização é inerente à democracia.2 O conteúdo do debate introduzido na demanda judicial é relevante pois demonstra que, paradoxalmente, a postura empresarial - que reiteradamente nega a existência de uma relação de trabalho assalariado - utiliza idênticas e tradicionais estratégias jurídicas perante o Poder Judiciário para inibir a ação coletiva de greve.

Em 2019, o mesmo Sindimoto-SP apresentou ao MPT uma denúncia relatando a prática de atos antissindicais cometidos novamente pela empresa Loggi. Nos relatos apresentados pela entidade sindical foram mencionados atos de perseguição aos dirigentes do sindicato e a trabalhadores da plataforma digital que aderiram às mobilizações e, também, iniciativas da empresa em estimular que trabalhadores participassem paralelamente de manifestações contra o sindicato. Um dos argumentos utilizados pela Loggi em sua defesa no procedimento de investigação pelo MPT foi o da ausência de representatividade do sindicato em relação aos entregadores da plataforma. Segundo a empresa, ante a ausência de reconhecimento da relação de emprego, a representação dos entregadores da Loggi, formalmente trabalhadores autônomos, seria incompatível com a representação do sindicato, voltado para trabalhadores empregados.

A denúncia também narrou casos de bloqueios de uso das plataformas pelos trabalhadores que aderiram à greve liderada pelo sindicato. O descredenciamento dos trabalhadores grevistas foi compreendido pelo sindicato como ato de represália à atividade sindical. O Sindimoto-SP exigiu o desbloqueio dos trabalhadores, mas não obteve resposta da empresa no curso do processo administrativo de investigação da denúncia realizada perante o MPT.3

A discricionariedade no bloqueio de trabalhadores participantes em atividades sindicais reivindicativas pela Loggi também foi objeto de investigação no MPT, que tramitou na cidade de Curitiba. Na denúncia, os trabalhadores narraram a prática de bloqueio de 15 entregadores ocorrida imediatamente após participarem, em agosto de 2019, de uma manifestação por melhores condições de trabalho. A própria empresa admitiu ter realizado os descredenciamentos em audiência realizada perante o MPT, mas recusou readmitir os trabalhadores, limitando-se a informar que houve comportamento abusivo e descumprimento dos termos de uso da plataforma.4

No entanto, o procedimento investigatório foi arquivado sem nenhuma providência do MPT frente aos bloqueios. A decisão de encerramento das investigações considerou a existência preferencial de outra ação judicial movida pelo mesmo órgão, na qual se discutia o reconhecimento da relação de emprego a todos os entregadores da Loggi. A postura adotada pelo MPT denota que o órgão compreendeu que a proteção do direito de greve estava condicionada ao prévio reconhecimento da relação de emprego dos trabalhadores.

No caso da Loggi, a possibilidade de bloquear trabalhadores grevistas tem previsão nos próprios termos de uso da plataforma. A informação disponibilizada na plataforma, em setembro de 2021, prevê a possibilidade de rescisão da relação de trabalho pela empresa nos casos de danos ou prejuízos diretos ou indiretos à Loggi, ou mesmo em caso de judicialização contra a empresa.5 Os amplos poderes da mesma para descredenciar os trabalhadores surgem, assim, como uma política empresarial contra o exercício do direito de greve ou da ação sindical em sentido amplo. Os casos de investigação contra a Loggi revelam e explicitam a distribuição desigual de poder entre trabalhadores e plataforma, mas também o espaço encontrado por essa última para promover atos antissindicais no âmbito do conflito, violando o direito de greve.

2.2. Caso 99 Tecnologia

Um caso semelhante, envolvendo a plataforma 99 Tecnologia Ltda., ocorreu com uma trabalhadora que era dirigente do Sindicato dos Motoristas de Transporte Individual por Aplicativo do Rio Grande do Sul (Simtrapli RS). A empresa 99 Tecnologia bloqueou o acesso à plataforma dessa dirigente poucos dias após o agendamento de audiência em procedimento de mediação no Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região. O ato foi tratado pelos dirigentes da empresa como um ato de intimidação à comissão de negociação formada pelo sindicato.6

Houve busca da reparação pelo ato considerado antissindical na Justiça do Trabalho, por meio de ação trabalhista individual, bem como uma denúncia no MPT. Em ambos os procedimentos, judicial e administrativo, a 99 Tecnologia negou a existência de um bloqueio motivado por conduta antissindical e afirmou que o descredenciamento da trabalhadora se justificou em razão da violação dos termos e condições de uso da plataforma. O procedimento acabou arquivado pelo MPT, em julho de 2021, com fundamento da não demonstração de relação entre o bloqueio e o fato da trabalhadora ser dirigente sindical. A plataforma se valeu de reclamações de clientes em ocasiões anteriores, que teriam, segundo a defesa apresentada, motivado o descredenciamento da trabalhadora.7

No processo discutido na Justiça do Trabalho, a trabalhadora reclamou indenizações e o seu recredenciamento com base no apontamento de cláusulas abusivas, e fundamentou juridicamente a pretensão no direito fundamental à liberdade sindical estabelecido na Constituição brasileira de 1988 e nas Convenções n.º 98 e n.º 135 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),8 além da jurisprudência do Comitê de Liberdade Sindical da OIT. A 99 Tecnologia alegou em defesa a existência de algumas reclamações de clientes contra a motorista como suposto motivo do descredenciamento. Apesar dos argumentos da plataforma na ação judicial, ficaram evidenciados indícios da conduta antissindical, em especial pelo fato de o descredenciamento ter ocorrido poucos dias antes de uma audiência envolvendo o sindicato e a empresa na Justiça do Trabalho.9

A sentença proferida expressa a complexidade da questão da proteção da atividade sindical no âmbito do trabalho em plataformas digitais. Por um lado, a Justiça do Trabalho reconheceu a prática antissindical e condenou a empresa a pagar uma indenização reparatória à trabalhadora, decorrente de lucros cessantes e danos morais sofridos. Por outro, não houve condenação à reintegração da dirigente, uma vez que se reconheceu também o direito da empresa de, em observância ao princípio da autonomia privada, não recredenciar a dirigente sindical.10

3. Proteção contra atos antissindicais

A ausência de uma regulação protetiva, com regras rígidas contra atos antissindicais, é o fator de maior debilidade para o exercício da atividade sindical. Os mecanismos jurídicos de proteção estatal da atividade sindical, com intervenção legislativa, continuam sendo indispensáveis para tornar efetiva a proteção contra os atos antissindicais (Uriarte, 1989).11

O tema da proteção contra atos antissindicais só pode ser compreendido a partir do conceito de liberdade sindical, que opera como premissa e como resultado das medidas de proteção enquanto constitui o principal bem jurídico ou interesse tutelado. Enquanto conceito, a liberdade sindical representa uma premissa para o exame dos comportamentos empresariais que prejudicam a liberdade sindical em si. Oscar Ermida Uriarte (ibidem) destaca o aspecto do caráter de atividade sindical, indo além dos direitos meramente associativos: o direito ao exercício das funções sindicais e não apenas o clássico direito de associação e constituição ou filiação a um sindicato no âmbito coletivo e individual.

A proteção da atividade sindical não tem em seu alcance subjetivo apenas os sindicatos ou os trabalhadores sindicalizados, mas todos os trabalhadores (nos moldes já preconizados no artigo 1.º da Convenção n.º 98 da OIT). Os atos antissindicais devem ser concebidos objetivamente em sentido amplo, como qualquer atitude ou conduta implementada pelo Estado, empresa ou qualquer outro ator social que prejudique indevidamente um titular de direitos sindicais no exercício da atividade sindical (ibidem).

Portanto, a promoção e defesa da liberdade sindical exige mecanismos jurídicos eficientes de proteção contra os atos antissindicais. No entanto, no caso do Brasil não há uma regulação específica com o propósito de coibir a prática da antissindicalidade. A principal forma de proteção da atividade sindical existente é a garantia da estabilidade dos dirigentes sindicais, prevista na Constituição brasileira de 1988.12 Para José Rodrigo Rodriguez (2003), a estabilidade do dirigente sindical é um limite ao poder de propriedade do empresário de despedir o empregado em nome do interesse do sindicato em exercer suas atividades. Essa estabilidade visa proteger menos os interesses do trabalhador dirigente, e mais aqueles da entidade que o representa. A proteção abrange todos os trabalhadores que realizam uma ação coletiva e, portanto, não se trata simplesmente de um direito do trabalhador, mas da entidade sindical, do grupo social organizado em sindicato e dos que este representa. Para além do reconhecimento formal da liberdade sindical, é necessário reprimir atos ou condutas que impeçam ou limitem o seu exercício. Porém, o Brasil se vê em um estágio de foro sindical limitado, pois a garantia dessa liberdade é restrita ao dirigente sindical, e a legislação não contempla a proteção de qualquer trabalhador que se proponha a desenvolver atividade sindical nas suas mais diversas expressões da ação coletiva (Rodriguez, 2003).

Em função do vácuo legislativo é a jurisprudência dos tribunais brasileiros que assume o papel de dizer o direito e resolver os casos envolvendo atos antissindicais. Segundo um estudo de Maria Rosária Barbato e Flávia Souza Pereira Máximo (2012), se observa na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho um sistema de tutela da liberdade sindical que impõe o tríplice mecanismo de reparação: tutela inibitória (cessação da conduta), restituitória (afastamento dos efeitos da conduta antissindical) e reparatória (reparação via danos morais pelo ato antissindical). As autoras apontam que a jurisprudência construiu um diálogo sistemático de coerência entre o Código Civil brasileiro e a Consolidação das Leis do Trabalho que conduz o tribunal a exigir a prova de culpa do empregador para caracterizar a responsabilidade civil subjetiva. Essa postura da jurisprudência brasileira contrasta com o que predomina em países como a Itália, onde o elemento subjetivo é irrelevante para a reparação. Ademais, o Poder Judiciário brasileiro centra a penalização excessivamente na reparação individual - menos eficaz (ibidem) -, especialmente quando se considera que o ato antissindical é um atentado contra interesses legítimos de uma coletividade.

O panorama de insuficiência da proteção normativa contra os atos antissindicais na relação de trabalho assalariada se torna naturalmente mais aguda e problemática no trabalho via plataformas, ainda em um cenário de disputas sobre regulação e a qualificação ou não da relação de emprego pela jurisprudência da Justiça do Trabalho. Por outro lado, a discussão da aplicação das regras de proteção a dirigentes de entidades representativas de trabalhadores plataformizados é ainda incipiente, sem registros em decisões judiciais relevantes.

O caso envolvendo a dirigente do Simtrapli RS, descrito anteriormente, permite a identificação precisa dessa problemática sobre o âmbito de proteção contra atos antissindicais nas plataformas. No procedimento investigatório no MPT e na ação judicial apresentada, a defesa da 99 Tecnologia seguiu a mesma linha argumentativa, ao pretender justificar que o descredenciamento não teve relação com o fato de a trabalhadora ostentar a condição de dirigente sindical, mas sim com sua conduta pessoal na prestação dos serviços. O MPT não deu prosseguimento à investigação da denúncia, denotando não pretender promover a discussão sobre o âmbito da proteção da dirigente sindical.

No procedimento investigatório, a 99 Tecnologia, sem constrangimento, admitiu que praticou o bloqueio da trabalhadora, apostando no argumento de que houve causa legítima para o ato por suposto descumprimento de cláusulas contidas nos termos de uso da plataforma. Quando o fato controvertido se restringe somente à causa do bloqueio - cuja caracterização é totalmente subjetiva, sem uma definição clara a respeito dos direitos sindicais dos trabalhadores em plataformas digitais -, o descredenciamento de uma integrante da diretoria de um sindicato tem menos importância. Por outro lado, caso fosse aplicada a regra constitucional do foro sindical, todo o ônus de justificar o desligamento em processo judicial seria da empresa, e não da trabalhadora.

Essas práticas empresariais reiteradas de bloqueio com alegação de descumprimento dos termos de uso da plataforma, revelam que fora de um ambiente regulado pelo Direito do Trabalho, a facilidade que a plataforma tem para bloquear um trabalhador que ostente a condição de dirigente sindical é a mesma que tem para bloquear qualquer outro trabalhador, sempre sob o pretexto de descumprimento dos termos de uso. O caso analisado demonstra que integrar a diretoria de um sindicato pouco altera esse cenário de ampla desproteção do trabalhador em relação ao poder empresarial. A sentença judicial proferida em resposta ao caso também confirma essa ambiguidade ao não determinar o recredenciamento da dirigente sindical bloqueada, mesmo constatando a antissindicalidade do ato de bloqueio.

O contexto do debate brasileiro indica que um primeiro obstáculo protetivo é a interpretação restritiva da incidência da lei ao trabalho reconhecidamente subordinado. Tal fato se expressa desde o regramento constitucional, pois o inciso VIII do artigo 8.º faz menção direta à figura do empregado sindicalizado, cuja dispensa é vedada desde a candidatura até um ano após o fim do mandato. Naturalmente, é possível construir uma interpretação mais sistemática do que literal que, considerando os princípios democráticos e pluralistas presentes na Constituição, conduz à assertiva de que a atividade do dirigente sindical no contexto do trabalho por plataformas digitais está abrangida por essa proteção, ainda que em um cenário de indefinição na disputa pelo reconhecimento da relação de emprego.

A questão do foro sindical dos dirigentes não esgota o problema da falta de proteção em face da antissindicalidade realizada pelas empresas. A própria atividade sindical - considerada em sentido amplo, ao transcender a figura do sindicato e dos dirigentes sindicais -, deve ser protegida para a efetivação da liberdade sindical enquanto direito fundamental, independente de quem a promova. O trabalho em plataformas digitais fora de um regime de direitos trabalhistas representa uma posição mais vulnerável de desproteção à atividade sindical.

A implementação pela via legislativa de um modelo de regras de coibição de atos antissindicais praticados pelas empresas nas relações de trabalho é uma demanda política antiga dos trabalhadores. Não se viabilizou no Brasil a aprovação do anteprojeto da Lei de Relações Sindicais, apresentado em 2005 e que pretendia regular os atos antissindicais.13 A proposta continha regras para um sistema de relações coletivas de trabalho no Brasil, ampliando a liberdade sindical instituída constitucionalmente e com adequação à legislação da Convenção n.º 98 da OIT (Kaufmann, 2005). Com o fracasso do projeto, o Brasil segue sem uma regulação para proteção dos trabalhadores contra atos antissindicais.

As plataformas digitais praticam um repertório variado de atos antissindicais. A prática mais frequente, narrada em diversas denúncias dirigidas ao MPT, se refere ao bloqueio de trabalhadores que aderem a greves ou a manifestações. A retaliação com o bloqueio ocorre como reação direta e imediata, com o descredenciamento da plataforma ou bloqueio por determinado período. Há, também, práticas mais sutis, como o chamado “bloqueio branco”, no qual o trabalhador permanece com acesso à plataforma, mas deixa de receber ofertas regulares de tarefas.14 A possibilidade de bloqueio branco indicia a prática de antissindicalidade e está relacionada com a falta de transparência algorítmica, vista como um aspecto central para a questão da liberdade sindical neste âmbito.

Além das represálias diretas ou indiretas já mencionadas, as empresas encontram ainda outros modos para obstar a ação sindical. Os trabalhadores relatam que, quando é anunciada uma greve, as empresas se valem do credenciamento de novos trabalhadores para suprir a demanda nas paralisações, ou criam taxas de entregas mais atraentes nesses momentos, incentivando o trabalhador a não aderir ao movimento. Com essa intervenção e pressão exercida pelas plataformas, os trabalhadores mais dependentes economicamente do trabalho prestado nas plataformas tendem a não aderir aos movimentos paredistas. No Breque dos Apps, por exemplo, foi possível observar trabalhadores carregando a bandeira do movimento enquanto realizavam as entregas. Ou seja, os trabalhadores concordavam com a necessidade de mobilização, mas não conseguiam suspender o trabalho com receio de sofrer bloqueios.15

A possibilidade de modular as tarifas tem previsão nos termos de uso da plataforma, cuja aceitação é requisito para a utilização das plataformas pelos motoristas. A 99 Tecnologia estipula em seus termos de uso a possibilidade de “estabelecer, remover e/ou revisar a forma de Cálculo do Preço do Serviço de Transporte prestado pelo Motorista/Motociclista Parceiro por intermédio do uso dos Serviços a qualquer momento”.16 No caso da Uber, os termos de uso da plataforma impõem a concordância na cobrança do valor recomendado pela plataforma, embora mencione ser um valor sugerido.17 Entre plataformas de entrega, também se identifica essa tendência. No caso do iFood, o valor é inteiramente calculado pelo algoritmo.18 A Loggi, da mesma forma, impõe nos termos a retenção de um valor variável mês a mês, calculado e definido pela empresa, “a critério único e exclusivo da mesma”.19

A conduta de credenciar novos trabalhadores que aguardavam aprovação para trabalhar na plataforma com o intuito de substituir a mão de obra grevista é um ato que caracteriza prática antissindical. A prática de contratar trabalhadores para suprir a falta de grevistas é proibida no Brasil pela Lei 7.783/89, que regula o exercício do direito de greve no país.20 No entanto, em um cenário de indefinição ou ausência de regulação, tal direito sindical não se concretiza. O vácuo regulatório confere às empresas mais essa possibilidade, capaz de fragilizar a greve como instrumento legítimo de pressão para a obtenção de melhores condições de trabalho.

Uma ampla reportagem jornalística de caráter investigativo, publicada em abril de 2022, revelou ainda outras práticas utilizadas pela empresa iFood para interferir e desmobilizar os trabalhadores durante o Breque dos Apps.21 Segundo a reportagem, houve a contratação de uma agência de publicidade para a produção de postagens falsamente criadas por trabalhadores criticando o movimento, além de introduzir agentes infiltrados na manifestação para implantar falsas pautas a fim de desviar o foco da empresa. A apuração contida na reportagem é mais um indicador de que as plataformas digitais adotam diferentes estratégias para enfraquecer a ação coletiva e sindical dos trabalhadores.

Algumas das práticas descritas já possuem similaridades com atos vedados pelo ordenamento jurídico brasileiro, como é exemplo a proibição da demissão dos dirigentes sindicais ou a substituição de trabalhadores grevistas. No entanto, a dinâmica complexa do trabalho em plataformas digitais leva a crer que o mero reconhecimento da relação de emprego e a consequente extensão dos direitos coletivos não é suficiente para uma proteção robusta da liberdade sindical. Esse movimento institucional seria um avanço importante, uma vez que consolidaria a proteção frente a certas práticas antissindicais, mas insuficiente para coibir a diversidade de novas estratégias usadas pelas plataformas. Primeiro, porque o sistema brasileiro é frágil na regulação das relações coletivas de trabalho, especialmente no que diz respeito à proteção jurídica da atividade sindical. Segundo, porque o trabalho em plataformas digitais apresenta várias singularidades próprias da organização do trabalho das plataformas, que demandam um tratamento normativo específico. Essas plataformas digitais têm alta capacidade de controle sobre o trabalho desempenhado, dispondo de ferramentas tecnológicas para controlar e obstruir a organização e a ação coletivas. Se valendo da assimetria informacional, as empresas encontram espaço para implementar mecanismos que lhes fornecem uma defesa eficaz contra ações sindicais mais tradicionais, deixando-as muitas vezes em posição confortável para não responder às demandas de negociação por parte dos trabalhadores organizados.

Nesse panorama de frágil regulação e de práticas de obstrução da atividade sindical pelas plataformas, esse poder sem controle tende a se opor ao exercício da liberdade sindical dos trabalhadores. A prioridade, portanto, é conter o poder empresarial de forma a criar condições para o exercício da atividade sindical como legítimo instrumento de contrapoder e de pressão com vista à melhoria das condições de trabalho. Os casos analisados indicam que o papel dos sindicatos e dos demais trabalhadores organizados deve incluir também a disputa política pela construção de mecanismos jurídicos heterônomos de sustento sindical. É necessária a inclusão do Estado como agente efetivo da proteção da atividade sindical, por meio de instrumentos capazes de se contraporem aos problemas concretos que surgem no trabalho nas plataformas, independente da natureza jurídica que se atribua à relação de trabalho existente, com exclusiva atenção aos traços distintivos que compõem a governança praticada nas plataformas digitais de trabalho.

4. Possibilidades de proteção da atividade sindical

No debate público sobre as alternativas para a regulação do trabalho em plataformas digitais, destacam-se duas possibilidades: estender o Direito do Trabalho efetivamente aos trabalhadores, reconhecendo-se a presença de subordinação jurídica nessas relações; ou instituir uma figura jurídica híbrida com um estatuto especial e acesso a alguns direitos básicos. Em ambas as alternativas de regulação em debate é possível discutir a instituição de espaços de representação coletiva e de exercício da atividade sindical. No caso de um modelo híbrido, por exemplo, as propostas legislativas em debate têm contemplado algumas medidas, ainda que tímidas, de proteção legal da atividade sindical contra represálias das plataformas digitais, tais como os bloqueios injustificados. Trata-se de uma possibilidade protetiva de implementação independente do reconhecimento pleno de direitos da condição de empregados como salvaguarda mínima da liberdade de atividade sindical.

Outra medida crucial a ser adotada diz respeito ao enfrentamento da assimetria informacional e falta de transparência algorítmica. Isso porque os bloqueios não correspondem à principal ferramenta antissindical efetuada por plataformas digitais. Existem outras possibilidades também com a finalidade de enfraquecer os movimentos de greve, obscurecidas pela ausência de transparência algorítmica, tais como: bloqueios brancos, aprovação de cadastros em fila de espera com a finalidade de suprir a demanda não atendida por trabalhadores grevistas, e mobilização de tarifas mais atraentes.

A assimetria informacional cria e potencializa práticas enraizadas de controle algorítmico, em particular pelo fortalecimento do poder de vigilância empresarial. A governança que sustenta o poder das plataformas digitais se caracteriza pelo controle sobre aspectos centrais do trabalho, como o preço dos serviços e o cadastramento e descadastramento de trabalhadores (Schor e Vallas, 2020). Essas técnicas estão profundamente atreladas a potenciais antissindicalidades, mas há uma enorme dificuldade na construção de uma contraposição efetiva a tais mecanismos sem uma intervenção estatal.

Uma iniciativa de destaque voltada a se contrapor à ausência de transparência algorítmica se deu na lei espanhola em 2021. Além de estabelecer legalmente a presunção de reconhecimento da existência de subordinação entre entregadores em plataformas, o Real Decreto-Ley 9/2021 introduziu normas voltadas ao combate da assimetria informacional. Basicamente, foi instituída a obrigatoriedade de abertura algorítmica pela plataforma digital à entidade sindical representativa, uma medida que contribui para combate à assimetria informacional.22

A possibilidade de acesso aos algoritmos por entidades sindicais representativas tem potencial relevante não só para contribuir para a democratização das relações de trabalho no âmbito das plataformas digitais, mas também para submeter possíveis condutas antissindicais veladas a um controle social efetivo, que seria garantido pela presença da representação coletiva dos trabalhadores.

Considerações finais

As possibilidades concretas de produção e conquista de direitos estão atreladas à capacidade política dos sujeitos coletivos em desenvolver e mobilizar contrapoderes sociais. Portanto, as questões relacionadas à liberdade sindical são fundamentais para a conquista de avanços na democratização e no exercício no exercício de direitos sociais do trabalho. A liberdade sindical e a autonomia coletiva são valores cuja concretização é crucial para o bom funcionamento da democracia pluralista. A proteção dessa liberdade constitui a salvaguarda do próprio pluralismo político, pois pressupõe a legitimação de centros de poder extraestatal no seio da sociedade e entre os trabalhadores organizados.

No âmbito do trabalho em plataformas digitais no Brasil, é preciso dar um salto para superar o déficit regulatório das relações coletivas de trabalho e, simultaneamente, construir possibilidades de resposta às dificuldades do exercício da liberdade sindical para esse novo modelo de negócio. As demandas e debates sobre uma reforma sindical que supere os traços do modelo corporativo e promova uma passagem para uma regulação mais democrática precedem o contexto do conflito coletivo gerado pelo trabalho em plataformas digitais. No entanto, a nova modalidade de exploração do trabalho e os conflitos coletivos que vão se expressando aparecem como novos elementos a serem agregados no debate sobre uma nova reforma sindical, que responda aos velhos e novos desafios impostos à representação coletiva dos trabalhadores.

Revisto por Alina Timóteo

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1Loggi (2022), “Empresa de entregas rápidas para todo o Brasil | Loggi”. Consultado a 18.12.2022, em https://www.loggi.com/.

2Brasil (2019), 48ª Vara do Trabalho de São Paulo. Interdito Proibitório n.º 1001647-57.2018.5.02.0048. Poder Judiciário, Justiça do Trabalho. São Paulo. Consultado a 08.11.2021, em https://pje.trt2.jus.br/primeirograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=19030422455425000000131891448.

3Brasil (2019), Inquérito Civil n.º 002855.2019.02.000/4. Ministério Público do Trabalho. Procuradoria Regional do Trabalho da 2.ª Região. São Paulo.

4Brasil (2019), Inquérito Civil n.º 002346.2019.09.0003. Ministério Público do Trabalho. Procuradoria Regional do Trabalho da 9.ª Região. Curitiba.

5A cláusula possui o seguinte teor: “16.2. Qualquer uma das Partes, poderá, a qualquer momento, solicitar MOTIVADAMENTE o encerramento da relação mediante descadastro do Condutor Autônomo, sem qualquer ônus e sem necessidade de aviso prévio, quando a outra Parte: (i) não observar o disposto nestes Termos e/ou na legislação aplicável; (ii) dar causa a danos e/ou prejuízos, diretos ou indiretos a Parte contrária. Na hipótese de ajuizamento de ação judicial do presente termo, fica assegurado o direito recíproco de rescisão automática do contrato” (cf. https://www.loggi.com/termos-de-uso-entregadores/#suspensao, última consulta a 09.12.2022).

6Central Única dos Trabalhadores - Rio Grande do Sul (2021), “TRT-4 realiza negociações com motoristas do Indriver e 99POP nesta terça (1º)”, CUT Brasil, 31 de maio. Consultado a 18.09.2021, em https://www.cut.org.br/noticias/trt-4-realiza-negociacoes-de-motoristas-do-indriver-e-99pop-nesta-terca-1-7f69.

7Brasil (2021), Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região - 1.º Grau. Ação Trabalhista 0020882-91.2021.5.04.0201. “Indeferimento do pedido de instauração de inquérito civil. NF 001499.2021.04.000/4”. Porto Alegre, 27 de julho. Consultado a 17.11.2021, em https://pje.trt4.jus.br/primeirograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=21101923051759300000103523403.

8Organização Internacional do Trabalho (1949), CO98 - Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva. Consultado a 17.12.2022, em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235188/lang--pt/index.htm; Organização Internacional do Trabalho (1973), C135 - Proteção de Representantes de Trabalhadores. Consultado a 17.12.2022, em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235867/lang--pt/index.htm.

10Brasil (2021), Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, 1ª Vara do Trabalho de Canoas. ATSum 0020882-91.2021.5.04.0201. Canoas. Consultado a 17.11.2021, em https://pje.trt4.jus.br/pjekz/validacao/22033113055846800000110003604?instancia=1.

11A expressão “atos antissindicais” foi utilizada pela primeira vez no Primeiro Congresso Regional Americano de Direito do Trabalho, em Buenos Aires, e surgiu com o propósito de identificar e ajudar a superar as diferenças existentes entre os variados sistemas protetivos existentes, englobando as noções de práticas desleais (originada nos Estados Unidos da América em uma lei nacional de 1935), discriminação antissindical e atos de ingerência (expressões da Convenção n.º 98 da OIT). A noção de ato antissindical abrange todos os atos decorrentes da própria legislação ou atos estatais, bem como outros produtos de práticas desleais, de ingerência ou de discriminação no emprego. A proteção contra atos antissindicais inclui toda a medida tendente a evitar, reparar ou sancionar qualquer ato que prejudique indevidamente o trabalhador ou as organizações sindicais.

12Brasil (1988), Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 8.°, Brasília. Consultado a 17.12.2022, em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

13O anteprojeto estava contido na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 396.

14Cf. Revista Rosa (2021), “Entrevista Gil”, YouTube, 16 de agosto. Consultado a 11.11.2021, em https://www.youtube.com/watch?v=-dFJMbYUVuw&feature=youtu.be&ab_channel=RevistaRosa.

15Ver nota de rodapé anterior.

1699 Tecnologia (2021), “Termos e condições e política de privacidade. Termos de uso motorista/motociclista parceiro”, 99App, 30 de agosto. Consultado a 12.11.2021, em https://99app.com/legal/termos/motorista/.

17Uber (2018), “Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital”, 25 de junho. Consultado a 17.12.2022, em https://uber-regulatory-documents.s3.amazonaws.com/reddog/country/Brazil/p2p/TERMOS%20E%20CONDICOES%20GERAIS%20DOS%20SERVICOS%20DE%20INTERMEDIACAO%20DIGITAL%20-%2025.06.2018.pdf.

18iFood (2022), “Termos e condições de uso iFood para entregadores”, 21 de janeiro. Consultado a 17.12.2022, em https://entregador.ifood.com.br/termos-e-condicoes-de-uso/.

19Loggi (2021), “Termos e condições de uso da plataforma Loggi e da prestação de serviços de cobrança e informações cadastrais - Condutor autônomo”. Consultado a 26.10.2022, em https://www.loggi.com/termos-de-uso-entregadores/.

20Brasil (1989), Lei n.º 7.783, de 28 de junho de 1989 - Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências, artigo 7º. Presidência da República, Casa Civil - Subchefia para Assuntos Jurídicos, Brasília.

21Cf. Levy, Clarissa (2022), “A máquina oculta de propaganda do iFood”, Agência Pública, 4 de abril. Consultado a 11.05.2022, em https://apublica.org/2022/04/a-maquina-oculta-de-propaganda-do-ifood/.

22Cf. Todolí, Adrian (2021), “Nueva ‘Ley Rider’. Texto y un pequeño comentario a la norma”, blogue Argumentos en Derecho Laboral, 12 de maio. Consultado a 14.10.2021, em https://adriantodoli.com/2021/05/12/nueva-ley-rider-texto-y-un-pequeno-comentario-a-la-norma/.

Recebido: 15 de Maio de 2022; Aceito: 11 de Outubro de 2022

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