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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.130 Coimbra maio 2023  Epub 31-Maio-2023

https://doi.org/10.4000/rccs.14466 

Dossier

Os cinco trabalhos de uma periferia europeia: a economia portuguesa em tempos convulsos

The Five Works of a European Periphery: The Portuguese Economy in Turbulent Times

Les cinq travaux d’une périphérie européenne : l’économie portugaise en période de turbulences

José Reis1  2 

1 Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal, jreis@fe.uc.pt

2 Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal


Resumo

Este é um texto sobre a condição periférica europeia da economia portuguesa. Considera-se que, por causa dos seus desequilíbrios internos e da dependência que eles geram, há três funções de intermediação que esta periferia desempenha na sua articulação com o exterior. Mostra-se em que é que isso consiste, quais são os cinco problemas que se tornaram incontornáveis e que decisões de economia política são importantes para contrariar o aprofundamento da dependência de Portugal e o estreitamento do país.

Palavras-chave: dependência económica; economia política; economia portuguesa; relações centro-periferia

Abstract

This is a text about the peripheral European condition of the Portuguese economy. Because of its internal imbalances and the dependence they generate, there are three intermediation functions are considered to come into play regarding this periphery and its articulation with outside economies. The present work looks at what this consists of, identifies the five problems that have become unavoidable, and points to those political economy decisions deemed important to counteract the deepening of our dependence and the narrowing of the country.

Keywords: center-periphery relations; economic dependency; political economy; Portuguese economy

Résumé

Ce texte aborde la condition périphérique européenne de l’économie portugaise. On considère qu’en raison de ses déséquilibres internes et de la dépendance qu’ils engendrent, il y a trois fonctions d’intermédiation que cette périphérie joue dans son articulation avec l’extérieur. On montre en quoi cela consiste, quels sont les cinq problèmes devenus incontournables et quelles décisions d’économie politique sont importantes pour contrer l’approfondissement de la dépendance du Portugal et la contraction du pays.

Mots-clés: dépendance économique; économie politique; économie portugaise; relations centre-périphérie

O capitalismo é um regime económico, social e político longo e persistente porque, entre outras razões, é detentor de uma lógica de transformação contínua (cf. por exemplo Hirschman, 1982; Hodgson, 2015; Boldizzoni, 2020 e, antes de todos, Polanyi, 2012 [1944]). Neste primeiro quartel do século xxi, que aparenta correr tão breve, tem havido acelerações incontornáveis. Tenho em mente quatro. A intensificação da mobilidade internacional de pessoas, bens e capitais que, contudo, se concretiza através da consolidação de blocos “regionais” à escala mundial. A viragem das economias nacionais para o relacionamento externo, dando prioridade às transações que se realizam com os detentores de rendimentos formados noutros territórios. A revisão radical do papel dos Estados, colocados sob crescentes constrições, num quadro de privatização que se iniciou em setores importantes da economia e chegou à própria esfera da administração, com alteração dos modelos de provisão, a favor da mercadorização - o que leva a que os Estados sejam cada vez mais gestores de restrições externas, em vez de organizadores da comunidade que representam. Enfim, a formação de uma esfera financeira de poder que age no plano internacional e condiciona todas as dimensões das sociedades, incluindo a dimensão produtiva dos capitalismos industriais.

Não vem agora ao caso distinguir o que, nas considerações anteriores, é inteiramente novo e o que é fruto do aprofundamento de continuidades e tempos longos. Mas parece razoável a hipótese de que estamos perante uma nova combinatória que contém elementos de insustentabilidade que ultrapassa a simples lógica evolutiva. Isso podia discutir-se, em termos mais gerais e abstratos, debatendo a natureza do capitalismo (ou dos capitalismos) dos nossos dias. Assim como pode, de forma mais chã, conduzir-nos à observação de uma economia concreta, inevitavelmente singular.

Vou fazer esse exercício para a economia portuguesa, sabendo-se que ela é parte do quadro europeu e que este é um espaço heterogéneo onde, no tempo aqui evocado, se introduziram alterações profundas, novas assimetrias e maiores fraturas. A interpretação das economias europeias através das relações centro-periferia constitui uma tradição já longa (Holland, 1979; Seers, 1979; Arrighi, 1985; Fuà, 1985), reavivada recentemente (Baumeister e Sala, 2015; Weissenbacher, 2019). Pode admitir-se que, nalguns momentos, se procurou que esse quadro fosse alterado pela estruturação do próprio espaço europeu através de políticas de desenvolvimento regional e de coesão indiscutivelmente importantes. Mas o alargamento a leste acabaria por sujeitar estruturas socioeconómicas diferenciadas a uma mesma lógica competitiva (para uma discussão sobre emergência e esgotamento da diversidade de modelos de crescimento, ver Bacarro et al., 2022).

Seria, no entanto, com a criação da União Económica e Monetária (UEM) que o quadro comunitário mudaria radicalmente. Com a moeda única, as políticas monetária e cambial ficaram entregues a uma terceira parte, uma agência alegadamente independente do poder político e do escrutínio democrático, o Banco Central Europeu. As regras da chamada “governação económica europeia” deram um papel de “governo” à Comissão Europeia, estabeleceram restrições fortes à ação dos Estados e condicionam a despesa pública, incluindo a gestão da dívida, ao mesmo tempo que o orçamento comunitário não é muito mais do que 1% do Produto Interno Bruto (PIB) da União Europeia (UE) e o endividamento é nacional. O poder da política da concorrência, por seu lado, incentiva a generalização da provisão pelo mercado. A liberalização financeira e o poder dos bancos e dos mercados de capitais tornaram-se centrais. Cada país, a partir das respetivas posições de domínio ou de dependência, encaminha-se essencialmente para a busca de uma posição concorrencial que, com os recursos de que dispõe, permita realizar no jogo competitivo os proveitos possíveis, mesmo que sejam frágeis e efémeros. O incentivo à competitividade sobrepôs-se ao objetivo da coesão.

A crise financeira, na sua expressão europeia, tem de associar-se à desregulação e à privatização financeira, ao aperto das restrições macroeconómicas e à emergência de uma economia política da austeridade em que a salvaguarda dos sistemas bancários passou a constituir a prioridade maior. A pandemia de COVID-19 e a guerra na Ucrânia obrigariam depois a redefinir prioridades e a agir com novos instrumentos.1 Mas, tal como em 2008 foi breve a hipótese do uso de políticas contracíclicas de resposta à crise financeira - com ação pública e orçamental, tendo rapidamente ganho o “partido” da austeridade, do poder dos mercados e dos resgates bancários -, também agora se está a regressar à retoma da centralidade das regras orçamentais e da gestão apertada da dívida pública.

Numa economia periférica como a portuguesa, a preparação para ser parte da UEM e o seu posterior funcionamento modificaram o seu desempenho. E a austeridade alterou radicalmente o campo de possibilidades, não apenas pelas restrições a que fica sujeita a economia como também pelos exercícios a que pode com mais facilidade recorrer. O recurso à sobre-especialização turística, à promoção da entrada de capitais e à crescente mercadorização do imobiliário e do espaço urbano, a prevalência da inserção em economias de plataforma2 e a limitação da esfera pública tornaram-se centrais. E daí resultaram vulnerabilidades em múltiplas escalas, que a pandemia e a guerra haveriam de tornar particularmente notórias (Reis, 2020a; Drago, 2022a).

É neste contexto que cabe a análise de tendências que se tornaram relevantes na economia portuguesa das últimas décadas. Uma análise que também deve comportar uma visão prospetiva em que se saliente o que pode contrariar a insustentabilidade dos capitalismos atuais e a crescente dependência de muitos dos espaços concretos de organização da vida material. Supõe-se que é possível agir e que isso pode corresponder ao que já se designou “economia política do cuidado”, isto é, “uma economia que assegure o essencial da provisão de um país e de quem lá viva, uma economia que tenha poder sobre si própria e que quebre as dependências mais graves, aquelas que tornam os países, as regiões e as pessoas - isto é, as comunidades - sujeitos a vulnerabilidades” (Reis, 2020b: 33).

1. Portugal: uma periferia europeia

Portugal é, no contexto europeu, uma economia periférica (Santos e Santos e Reis, 2018). Pode admitir-se que desde a participação na criação da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), em 1960, é, de facto, a Europa e, em particular, o quadro de integração europeia que constituem a sua principal referência relacional. O que a define como periférica são os seus desequilíbrios internos, revelados por défices em planos essenciais do seu funcionamento, e a dependência daí resultante face ao exterior.

Nos últimos 10 anos, sucederam-se três choques violentos que tornaram mais visíveis os traços daquela condição periférica e que são indissociáveis das já referidas transformações do contexto em que a nossa economia passou a funcionar: o choque da economia política da austeridade, o da pandemia e o da guerra e da convulsão do mundo. Numa sociedade e numa economia, as circunstâncias que é preciso analisar nunca são inexoravelmente novas. Elas são parte de continuidades, de um tempo longo em que se consolidam estruturas e lógica de funcionamento que têm um poder muito forte. Algumas delas tornam-se particularmente intensas. E, pela sua natureza, revelam problemas que não se podem subestimar. As últimas duas décadas tornaram isso muito claro ao mostrarem, por exemplo, as nossas fragilidades económicas, as fraquezas do empresariado e do sistema de emprego ou o recurso ao imediatismo.

Sugiro aqui que há cinco problemas que reforçaram a sua centralidade na nossa vida coletiva: um problema demográfico, um problema de capacidade produtiva e de criação de valor, um problema de inserção dependente no contexto institucional externo, um problema territorial interno e um problema de funcionamento da democracia. Os traços da insustentabilidade (da ambiental à política) atravessam todas estas dimensões.

O exercício que vou fazer consiste, num primeiro passo, em procurar mostrar como se conjugam as caraterísticas estruturais internas de uma economia periférica e o seu relacionamento externo, privilegiando três processos principais. Recorro, para isso, à noção de funções de intermediação.3 A função de disponibilização e oferta de trabalho ao exterior, a de abertura do espaço nacional à valorização da capacidade produtiva diferenciada dos países com que tem relações económicas e a função de rentabilização dos capitais financeiros pelo endividamento externo são as três de que tratarei. Este quadro, pela forma e pela intensidade que foi assumindo, revela uma sociedade e uma economia problemáticas, em esgotamento, com exaustão dos seus atributos e capacidades. É nisso que consistem os cinco problemas já apontados, que analisarei depois, junto com as alternativas que sugiro: a fixação de pessoas e recursos (em vez do paradigma da atração), a reorganização da vida material (em vez do paradigma da imaginação de uma vocação), a autonomia ativa (em vez do paradigma do cosmopolitismo rendido), a solução das cidades (em vez da unipolaridade do território), a vida na praça pública (em vez do enfraquecimento da democracia).

Assumo, pois, a hipótese de que, no jogo de relações de poder que envolvem as economias e as suas arquiteturas institucionais, há espaço para o exercício da capacidade de deliberação. Isso mesmo pode ser identificado num tempo longo que, de forma implícita ou explícita, tenho presente na matéria deste artigo - as últimas sete décadas. Este tempo foi, na verdade, uma sucessão de formas de economia política, umas de aprofundamento da nossa condição periférica, outras de procura persistente de alternativas (Reis, 2018). Deliberámos certeiramente pela democracia e pela prioridade à estruturação do país, deliberámos pela integração europeia e por uma gestão de tensões onde ainda couberam objetivos de fortalecimento interno do país, deliberámos pela integração monetária sem avaliarmos e prevenirmos riscos elevados.4 Mas entrámos em períodos de sujeição com a austeridade, tendo-se tornado evidente que isso se relacionou com o que antes não cuidámos bem, quando nos rendemos à integração financeira. Deliberámos pela recuperação depois deste mau momento, mas de novo não avaliámos como certas opções eram críticas.5 Enfrentámos a pandemia, reconhecemos mecanismos essenciais como o da provisão pública, mas não parece estarmos a tratar de vulnerabilidades que se tornaram fortes. É, pois, necessário encarar o país prospectivamente, formulando alternativas.

2. A condição periférica: desequilíbrios e funções de intermediação num contexto de integração

A condição periférica de um país começa por se revelar internamente. É o facto de apresentar desequilíbrios em áreas essências do seu funcionamento coletivo que constitui o primeiro sinal. Portugal tem um desequilíbrio no sistema de emprego, expresso tanto no volume de força de trabalho que cede ao exterior (uma persistente emigração) como num peso desproporcionado de atividades assentes no uso extensivo do trabalho. Tem um desequilíbrio produtivo em matéria de bens industriais que, simultaneamente, concorre para uma recorrente situação negativa da respetiva balança comercial e para uma baixa incorporação de valor na produção. E tem um desequilíbrio financeiro que desencadeia endividamento. É daqui que resultam as funções de intermediação que articulam de forma dependente as estruturas periféricas com as de economias exteriores.

2.1. Os desequilíbrios de um sistema de emprego pouco inclusivo: uma função de intermediação pela disponibilização de trabalho ao exterior

Em sociedades como a nossa, a relação salarial (Boyer, 2015), isto é, o modo como se procede à integração do trabalho no sistema produtivo e nos princípios que regem a sociedade, comporta muito mais do que a dimensão económica e a retribuição direta. Ela constitui o mais poderoso mecanismo de inclusão social, visto que também diz respeito à formação e à qualificação, à coerência entre estas e as formas concretas de utilização do trabalho, às lógicas organizacionais de que este faz parte, restando saber se ele é apenas um recurso variável ou um elemento constituinte das relações económicas. E tem ainda a ver com os direitos e deveres, incluindo os não laborais ou os que se mantêm quando se está afastado da atividade plena (ou esta já cessou). Por isso, para lá do salário direto, fala-se também de salário indireto para nos referirmos aos direitos que o trabalho confere em matéria de políticas de segurança social, ou mesmo de saúde ou educação que, em sociedade deste tipo, não podem deixar de assumir a forma de políticas públicas. Em geral, está em causa saber que lugar o trabalho ocupa na organização da economia e da sociedade, que expetativas o rodeiam, enfim, se conta com estabilidade ou instabilidades.

A economia portuguesa do nosso período democrático teve momentos muito significativos em que a construção de um sistema de emprego que superasse fragilidades antigas foi um aspeto central. Disso faz parte, por exemplo, a enorme capacidade de criação de emprego a seguir à revolução democrática de 25 de abril de 1974, contrastando com as vagas de emigração anteriores, e que foi sinal da prioridade dada à estruturação interna do país. Ou, para dar outro exemplo, tudo o que convergiu para que em 2008 a população ativa e o emprego tenham atingido o volume máximo.6 Em momentos cruciais, a evolução económica ocorreu num contexto que se conjugava com a demografia, com as políticas públicas ativas, com a infraestruturação do país, com a qualificação da administração pública e com o desenvolvimento do território.

No entanto, são várias as circunstâncias mais recentes que apontam para uma degradação do sistema de emprego em Portugal. Há desequilíbrios que se manifestam na incapacidade para integrar na economia o trabalho disponível, para o integrar em contextos qualificados e o retribuir adequadamente e para, assim, o valorizar e incluir na sociedade. Se, por hipótese inverosímil, tudo isto se regulasse numa economia fechada, as consequências seriam essencialmente uma fragilização interna cumulativa. Visto que não é assim, há duas consequências fortes: emigração significativa e um peso excessivo das atividades com baixas qualificações, baixos salários, escassa organização empresarial e, consequentemente, baixa produtividade (mesmo que crescente). A saída de trabalho para o exterior é uma disponibilização direta de mão de obra a outras economias. Quando, nas atividades internas há uma orientação para o exterior (por exemplo, através do turismo ou de empresas que têm uma inserção elevada em cadeias produtivas internacionais), isso constitui uma disponibilização indireta, feita internamente, mas articulada com a procura internacional.

Figura 1 Emigração portuguesa, 1992-2021. Nota: entre 2004 e 2010 há apenas informação sobre a emigração permanente. Fonte: Elaboração própria a partir de dados do INE e do Banco de Portugal, com dados obtidos através da PORDATA. 

Na subsecção seguinte deter-me-ei na análise e numa demonstração mais detalhada. Aqui uso um único indicador, o da emigração recente (cf. Figura 1). O movimento emigratório desde 2011 atingiu volumes anuais acima de 120 mil pessoas (média anual de 128 mil entre 2012 e 2014, o que equivale à população de cidades como Coimbra e Braga; é como se uma destas cidades “fechasse”, mesmo que temporariamente), sendo a média do período 2019-2021 cerca de 70 mil. O facto de a emigração temporária ser mais de metade da total confirma a natureza instável, não devidamente estruturada, do nosso sistema de emprego. Ao mesmo tempo, a emigração portuguesa é compensada por movimentos imigratórios muito diferentes entre si, como o indica, por exemplo, a sua distribuição por nacionalidades, cuja composição tem, aliás, variado muito ao longo da última década, o que é em si mesmo um dado significativo. O saldo migratório é, desde 2017, positivo - o que revela a condição de plataforma de rotação desigual de pessoas que a economia portuguesa é.

Desta conjugação de uma estrutura periférica desequilibrada quanto à necessidade de integrar o trabalho e de uma explícita oferta de recursos laborais para uso através de rendimentos criados no exterior, retiro a conclusão de que Portugal exerce, relativamente a outras economias, uma função de intermediação pela disponibilização de trabalho.

2.2. Escassa capacidade de criação de valor: uma função de intermediação pela abertura de mercados a economias exteriores

A economia, isto é, o modo como se organiza a vida material de uma comunidade, deve entender-se como um sistema de produção e emprego, de criação de valor e de provisão de bem-estar. A economia representa, afinal, a capacidade organizacional dessa comunidade. É isto que antecede e, ao mesmo tempo, é formado pelas transações, pelas trocas, ou seja, pelo que habitualmente se designa mercado. Daquele ponto de vista, Portugal é uma economia que tem registado dinâmicas de transformação e evolução que não se podem ignorar. Uma periferia não é necessariamente um espaço estagnado. Dificilmente o será dada a sua condição funcional. Desde 1960 até hoje o PIB multiplicou-se em termos reais por mais de seis. Entre 1974 e 2003 registaram-se três ciclos de crescimento longos e relevantes,7 correspondendo a formas de economia política distintas. No entanto, em termos comparáveis, o PIB per capita era apenas 75% do da UE em 2021. As previsões para 2022 indicam uma melhoria, para 77%.8 O abrandamento notório do fim do século passado e do início do corrente, no momento da prevalência da economia política da integração monetária, reforçou-se, tornou-se turbulento e incluiu a economia política da austeridade. O crescimento daqueles longos 16 anos entre 2003 e 2019 foi menos de um terço do dos ciclos anteriores.

Figura 2 Saldo da balança comercial de bens em percentagem do PIB. Fonte: Elaboração própria a partir de dados do INE e do Banco de Portugal, com dados obtidos através da PORDATA. 

Também aqui recorro a um único indicador para representar a função de intermediação a que me estou a referir. Trata-se do saldo sempre negativo,9 em contextos económicos e políticos muito diversos, da balança onde se registam as nossas trocas de bens com o exterior. Durante o presente milénio, esse saldo chegou a representar -13,4% do PIB de 2008, só abrandando no período de 2012 a 2016, em condições de grandes restrições na política orçamental e de rendimentos. Mesmo assim, o melhor valor, o de 2013 foi -4,8%, o que é ainda muito significativo (cf. Figura 2). Daí para cá esse saldo negativo tem sido, em média, -7% do PIB. Tal desequilíbrio entre o que se cria internamente e as necessidades internas, obrigando a adquirir ao exterior, é um indicador expressivo da escassez produtiva. Por isso, a nossa economia constitui, através de tal défice, um mercado aberto para as outras economias com as quais transaciona. Elas têm aqui espaço para assegurar o acréscimo de poupança que o investimento nas suas economias não gerou, rentabilizando as suas exportações e as cadeias produtivas onde têm uma posição favorável. Nisso consiste a segunda função de intermediação a que tenho estado a aludir. Ela representa a dependência do nosso sistema produtivo.

2.3. Endividamento: uma função de intermediação pela rentabilização de excedentes financeiros externos

Nas últimas três décadas, a privatização e a liberalização dos sistemas bancário e financeiro foram intensas (Rodrigues et al., 2016; Aglietta, 2019). A circulação internacional dos seus ativos ficou em grande medida liberta da presença da autoridade e da regulação públicas. Os próprios Estados, deixando de dispor de poder monetário, tornaram-se parte do conjunto de atores económicos que se submetem às transações originadas pela nova lógica. Passaram de sujeito a objeto. As relações económicas internacionais tornaram-se muito mais desequilibradas.

Portugal acentua a sua condição periférica quando os défices da balança de bens não são compensados pelos saldos positivos da balança de serviços, especialmente do turismo, nem por rendimentos (salários, lucros ou juros) obtidos no estrangeiro ou por transferências, como as dos emigrantes ou as da UE. O que os compensam são puros movimentos financeiros, inscritos na balança de pagamentos, principalmente investimento de carteira, isto é, títulos de participação no capital, participações em fundos de investimento e títulos de dívida ou empréstimos. Enfim, endividamento. Numa aceção mais larga, expressa na posição líquida de investimento internacional, fazem também parte destes movimentos os investimentos diretos, quer dizer, a posse ou aquisição de ativos reais como empresas ou bens imobiliários.

Em meados da década de 1990, a dívida externa líquida da economia portuguesa era próxima de zero. Tornou-se crescente a partir daí, situou-se no patamar dos 40% do PIB entre 2001 e 2004, e cresceu rapidamente até ultrapassar o valor anual do PIB entre 2012 e 2015. Atualmente equivale a 68% (cf. Figura 3). Importa compreender tanto o que se passou internamente como o contexto internacional. Internamente, os bancos que operam em Portugal criaram crédito em montantes elevados: “de 1995 a 2010, a percentagem de novo crédito líquido no PIB foi, em média, 2,6 vezes maior do que o crescimento do PIB” (Coimbra e Rodrigues, 2020: 84). Tal expansão levaria necessariamente a uma inserção nos circuitos financeiros internacionais, facilitada pela UEM e pela formação de um mercado interbancário na moeda comum. Isto significa que a economia, no seu conjunto, fruto do que se passou internamente e no quadro europeu, se endividou muito perante o exterior. Este é o indicador que aqui uso para ilustrar a função de intermediação que uma economia periférica exerce num quadro em que do outro lado desta relação estão os credores, quer dizer, os detentores de excedentes de capital que carecem de rentabilização através do crédito e que têm um poder formado nas esferas da circulação financeira. O que é notável é que este processo tenha ocorrido sem “suscitar questões relativamente à sustentabilidade da dívida correspondente” e sem que “mercados ditos eficientes tenham repercutido na taxa de juro o risco associado. A correção, entre 2011 e 2016, foi abrupta, indicando como o setor financeiro oscila entre períodos mais ou menos eufóricos e períodos de pânico” (Coimbra e Rodrigues: 84-85).

Figura 3 Dívida externa líquida e posição líquida de investimento internacional (PII, invertida) em percentagem do PIB. Fonte: Elaboração própria a partir de dados do INE e do Banco de Portugal, com dados obtidos através da PORDATA. 

Pelo que a cronologia da evolução do endividamento nos indica e pelo que se sabe da arquitetura institucional dos capitalismos contemporâneos, incluindo no quadro europeu, parece claro que vivemos um período em que esta função de intermediação através das relações financeiras e do papel do sistema bancário tem um grande significado, colocando as economias periféricas numa relação de forte dependência com o exterior.

3. Cinco problemas, cinco soluções

O que se procurou com as considerações anteriores foi, por um lado, compreender a economia portuguesa enquanto sistema demográfico e de emprego, enquanto sistema de produção, de criação de valor e de provisão de bem-estar, enquanto sistema de financiamento e, por outro lado, notar como os desequilíbrios que aqui encontramos estabelecem os termos da relação, necessariamente assimétrica, com o exterior. Tornaram-se expressivos três conjuntos de indicadores: a elevada emigração; a dependência comercial e o escasso conteúdo nacional da produção; a dívida externa ou, mais genericamente, o que se designa posição de investimento internacional negativa (isto é, acumulação de mais passivos do que ativos na relação com o exterior).

Esta é a matéria de fundo sobre a qual se levantam problemas que marcam a vida coletiva dos portugueses. A relação entre o que acaba de se referir e tais problemas é direta quando consideramos os problemas demográfico, produtivo e da dependência financeira. E é indireta relativamente a dois outros problemas que quero acrescentar: o da organização territorial interna do país e o da democracia.

3.1. O problema demográfico: as diversas ordens de uma hipótese de solução concertada

Por uma soma de razões, houve nos últimos 60 anos um período particularmente significativo de crescimento demográfico: foi nos anos imediatamente a seguir à revolução democrática do 25 de Abril (de 8,6 milhões de pessoas em 1973, passou-se para 10 milhões em 1984). Este período está compreendido no que já aqui se designou uma forma de economia política em que foi dada prioridade aos processos de estruturação interna do país. A seguir, foram precisas duas décadas para que, com saldos migratórios originais e elevados, se juntassem mais 500 mil pessoas à população residente. Desde 2010, a tendência é para a estagnação, com ligeiro decréscimo e, a partir de 2017, saldos migratórios positivos.

Bem se sabe que a situação demográfica se associa a um largo conjunto de circunstâncias de diversas ordens, onde surgem fatores relevantes. Estes tanto podem contribuir para fixar a população de que o país dispõe como para a repelir e substituir por pessoas de outras proveniências, num movimento desigual. Os sistemas de emprego e de produção são os instrumentos principais para uma política de retenção e valorização da população. A retribuição da prestação de trabalho e a natureza do emprego que se oferece contribuem para compreendermos a demografia.

Do início dos anos 2000 até 2008, havia em Portugal cinco milhões de postos de trabalho (cerca de 11% dos quais a tempo parcial). Mas em 2013 tinha-se perdido quase um milhão. A recuperação demorou a repor um volume de emprego próximo daquele valor inicial, sem ainda o ter atingido.10 A taxa de subutilização do trabalho, que era inferior a 10% nos primeiros anos deste século, atingiu 26% em 2013, sendo em 2022 superior a 11%.11 Numa perspetiva mais longa, foi claro o momento em que o país, simultaneamente, fixou população e aumentou a participação no mercado de trabalho: isso começou em 1974, foi muito expressivo na década de 1980 e consolidou-se no primeiro decénio do novo século, quando a taxa de atividade12 se situou em 52%. Mas em 2012 este indicador chegou a ficar abaixo de 48% e agora ainda não atingiu 50%. Isto quer dizer que a nossa condição demográfica está menos apoiada na parte ativa da população. O sistema de emprego torna-se, assim, menos robusto, quer em volume quer na forma como estrutura a sociedade.

O ambiente económico não é generoso. A evolução da produtividade tem registado, por norma, acréscimos superiores aos dos ganhos do trabalho. Em 2013 ela tinha crescido 26% relativamente a 1995 e as remunerações apenas aumentaram 16,5%. Em 2016, o abrandamento do crescimento da produtividade alterou aquele acréscimo para 24%, mas o das as remunerações caiu para 15%. Embora se tenham registado algumas recuperações deste último indicador, o facto maior é a discrepância durante períodos longos (2004-2012 e, muito intensamente, 2012-2019): o valor criado é distribuído assimetricamente, não favorecendo o trabalho. O salário mínimo passou a ser o nível remuneratório de mais de 20% dos trabalhadores por conta de outrem (era 4% em 2001). Tão significativa como esta tendência já longa é a convulsão que se desencadeia com a pandemia de COVID-19 que simultaneamente revela as vulnerabilidades do sistema produtivo e, afinal, a incontornável necessidade de valorizar o trabalho.

Parecendo inquestionável que há um problema demográfico com várias declinações, também é claro que são escassas boas soluções meramente demográficas. É razoável pensar-se que, do ponto de vista económico, social e político, a questão central consiste na fraca capacidade de fixação da própria população residente (os volumes de emigração recentes não podem ser desvalorizados).

Na ausência desta condição, o país tem-se dirigido para políticas de atração, com componentes muito diferentes entre si: imigrantes com baixas qualificações para trabalho intensivo em atividades igualmente pouco qualificadas, com proliferação de práticas ilegais; uso das facilidades que resultam de relações culturais e da língua comum (como acontece com o Brasil e com as ex-colónias africanas); concessão de privilégios a pessoas de altos rendimentos ou já inativas; aposta em nichos profissionais, como os chamados “nómadas digitais”. Faz igualmente parte deste cenário a crescente abertura do país à procura externa que se exerce dentro de fronteiras: o turismo de estrangeiros é a mais significativa. A sobre-especialização turística13 de Portugal constitui igualmente uma disponibilização ao exterior de serviços baseados no trabalho. Ana Drago (2021: 8) fala a este propósito de “uma internacionalização sitiada e frágil da economia portuguesa”.

Políticas de atração justas, sem benefícios fiscais iníquos, são certamente adequadas num cabaz de políticas em que a parte principal tem de se situar a montante dos próprios movimentos migratórios (de entrada ou de saída). É, pois, nas políticas de emprego e de rendimentos, de alteração da especialização produtiva, de promoção de atividades qualificadas que reside o essencial de uma política de fixação que contrarie os problemas demográficos. Tal como o grande período de dinamismo demográfico de Portugal esteve ligado a uma forma de economia política que se orientou, em múltiplos planos, para a reorganização do país em consonância com a construção da democracia, assim a mitigação do problema populacional atual deve hoje articular-se com objetivos de redução da dependência produtiva e de alteração do perfil de especialização. Esta deverá ser a mais transversal das políticas públicas. Salvaguardando sempre a missão humanitária do acolhimento de estrangeiros, que deve fazer parte da nossa cultura política, as decisões de natureza económica devem partir de objetivos de valorização produtiva e de qualificação do sistema de emprego, recusando criticamente as políticas de atração essencialmente ligadas à circulação de capitais ou de rendimentos, por serem injustas e fiscalmente onerosas. São, pois, as políticas de fixação que devem ter precedência.

3.2. O problema produtivo: uma hipótese de retoma da capacidade de criação de valor e de confronto com as vulnerabilidades e as dependências

O que se acaba de referir são condições contextuais, pouco inclusivas, da economia e do sistema de emprego. Interessa agora observar o sistema produtivo em si mesmo, a sua capacidade material para responder às necessidades do país, a forma como se articula com o exterior, as estruturas de criação de valor e as atividades que nele predominam. Já vimos quão persistente e significativa é a nossa dependência comercial, especialmente em bens, originando uma função de criação de mercados para as economias com que nos relacionamos. Mas, para lá das trocas com o exterior, há a própria natureza da atividade económica interna, da sua organização e da capacidade para acrescentar valor no processo produtivo e nos serviços que presta. A expressão mais sintética de tudo isto é um indicador singelo: o que nos indica o conteúdo nacional das próprias exportações. Por cada euro que Portugal exporta só 55 cêntimos são valor acrescentado da nossa economia. O restante corresponde a importações prévias, assim reexportadas. Este valor médio recobre grandes diferenças setoriais, havendo indústrias onde o conteúdo importado é muito mais elevado (por exemplo, nas cadeias de montagem), enquanto em serviços como o turismo ele será menor. Igualmente relevante é o que acontece com o investimento, que depende de importações em mais de um terço.14 Quer isto dizer que a balança comercial é, afinal, um espelho de estruturas económicas muito dependentes, isto é, do fraco volume de produção e da inserção subalterna em cadeias produtivas internacionais.

Entretanto, o emprego em Portugal tornou-se esmagadoramente terciário: 53% em 2001, 73% em 2021. Este setor é muito heterogéneo. Engloba atividades com qualificações, produtividades e remunerações altas e atividades em que estas são baixas. Ora, as mais fortes variações positivas do emprego acorreram nestas últimas. Por isso, a questão porventura mais central, para a qual uma análise fina deve convergir, é a do perfil de especialização. Tal perfil analisa-se observando como se distribui, por atividades, o trabalho de que se dispõe e qual a riqueza que assim se cria. As contas simples são as mais úteis. Na informação estatística que uso, o emprego (4,8 milhões de postos de trabalho)15 e o VAB estão distribuídos por 37 ramos. Dezasseis deles têm uma produtividade (VAB/empregado) superior à média geral da economia e ocupam 780 mil pessoas (16%). Os restantes 84% corresponde a emprego em ramos com produtividade inferior àquela média. Tão ou mais relevante do que isso, é o facto de, dos 490 mil postos de trabalho criados, em termos líquidos, entre 1995 e 2019, 96% terem sido criados naqueles ramos de menor produtividade (o mesmo acontecendo depois de 2012, quando o emprego baixou para 4,2 milhões, havendo depois uma recuperação de mais de 520 mil postos de trabalho). Num cenário como este, em que se salienta o recurso a atividades mais “fáceis”, é notória a ausência de função empresarial qualificada, com capacidade de organização, ou seja, empresas que criem valor e não dependam tanto, como acontece em Portugal, da proteção que lhes é dada pelos baixos salários.

O que determina tudo isto é uma desindustrialização e uma terciarização excessivas,16 a sobre-especialização turística e, em geral, uma tendência de oferta ou cedência da vida material do país e dos seus recursos ao seu uso pelo exterior. São políticas de facilitação de atividades pouco qualificadas, de disponibilidade de trabalho, de abertura à rentabilização de capitais no mercado dos ativos imobiliários ou de acesso ao uso do território e das amenidades ambientais, incluindo as das cidades.

É esta estrutura de emprego e de criação de valor que diminui a capacidade produtiva do país, que lhe dá uma condição desequilibrada e a torna dependente, isto é, periférica no contexto europeu. Sendo este o problema, é aqui também que se coloca a possibilidade de solução. Comece-se pelas políticas de reindustrialização, para as quais há múltiplos instrumentos: o uso estratégico da política de incentivos, com os fundos que lhe estão associados, assumindo condicionalidades relacionadas com a especialização e o desenvolvimento regional;17 as compras públicas, a que se atribui grande importância para a consolidação da “economia circular” e onde o reforço das chamadas “cadeias curtas” é essencial; a política ambiental em todas as suas dimensões; a política de cidades, a mais ausente das políticas públicas atuais (cuja ativação é, porém, urgente) e que não pode deixar de incluir os objetivos da estruturação produtiva e da consolidação de emprego; ou mesmo o recurso (seletivo, dadas as constrições regulamentares da política da concorrência) a intervenções diretas em empresas, como aconteceu num caso recente.18 A reindustrialização tem de ser, evidentemente, entendida em sentido contemporâneo. Quer dizer, com elevado conteúdo de conhecimento, com sustentabilidade ambiental, com capacidade de resposta à procura de proximidade e com qualificação da sociedade. Ou seja, uma reindustrialização que assuma a reorganização da sociedade perante vulnerabilidades bem conhecidas e relações de trabalho justas e dignas, constituindo-se como o mais poderoso mecanismo de inclusão social de que a nossa vida coletiva dispõe.

A terciarização das economias contemporâneas, ou seja, a prevalência dos serviços, não anulou a centralidade da produção material, de capacidade económica para dispor dos bens que constituem a base da vida quotidiana e do funcionamento das atividades económicas. Isso mesmo se mostra na estrutura de economias europeias muito diferentes.19 A convicção antiga de que os sistemas produtivos devem ser dotados de coerência, de uma articulação cuidada entre setores, enfim, de que a sua condição se deve apreciar através de uma matriz de relações intersectoriais, está hoje revigorada pelo que aprendemos em matéria de abastecimentos, de novas dependências e da geração de vulnerabilidades que julgávamos menores.

3.3. O problema de dependência: uma hipótese de regresso à política e a uma combinatória integração/autonomia

Numa economia periférica europeia, a dependência exprime-se na procura de emprego em mercados de trabalho estrangeiros, nos défices comerciais e no consequente endividamento externo. Mas, na verdade, não se limita a isso. O problema pode amplificar-se através dos mecanismos de governação económica em que aquela se integrou, do seu lugar no quadro político supranacional, como acontece com Portugal no ambiente europeu da UE e da UEM. A hipótese de que há um problema geral de dependência - económica, política, institucional e cultural - é razoável e há bastante matéria para a discutir. Ela traduz-se na assimetria de poderes face a outros intervenientes, na fraca influência que se alcança, no peso de soluções que consagram a sua situação periférica, em vez de a contrariar, e na inexistência de alternativas viáveis. A imaginação de uma vocação europeia, a que aludi no início, confronta-se assim com limites duros.

Em Portugal, a dependência financeira é a que melhor sintetiza o conjunto de problemas até aqui levantados. Se é certo que ela resulta da soma de circunstâncias ligadas à saída de população ativa para o exterior e de uma fragilidade produtiva não inclusiva, que não cria internamente valor suficiente, é também certo que, em si mesma, a dependência financeira resulta do conjunto de mecanismos institucionais e políticos pelos quais se optou (e que a cronologia e a evolução da curva do endividamento atrás referida sugerem com clareza). A dependência financeira conduz a uma posição política delicada no quadro internacional. Não é preciso aludir aos aspetos mais superficiais do problema. Basta lembrar que as caraterísticas comuns a vários países europeus os reconduzem à condição de espaços diferenciados, subalternos, tendo-se desde há muito perdido a noção, positiva, de que podiam ser o reflexo de modalidades de desenvolvimento específicas. A Europa do Sul é o exemplo de uma posição frágil. A heterogeneidade estrutural europeia reconverteu-se em fragmentação que passa a evidenciar lugares a que se atribuem qualidades e capacidades desiguais, desde logo a de credores e devedores.

A “governação económica europeia” constitui uma arquitetura pesada.20 É “um conjunto de disposições normativas que visam coordenar as variáveis macroeconómicas dos países centrando-se essencialmente nos défices orçamentais e nos níveis da dívida pública, a que haveria de se acrescentar a regulação bancária” (Reis, 2018: 192). O papel e o lugar de uma economia periférica aberta ao exterior são sempre dilemáticos, visto que os processos pelos quais se integrou são densos e contraditórios. No caso portugês, englobam simultaneamente processos positivos de inclusão próprios da dimensão europeia e restrições dolorosas e inibidoras. Durante o tempo longo já decorrido formou-se uma espessura material e institucional que gerou “fechamentos” decorrentes desse mesmo processo.

Importa, realmente, que discutamos a questão das fontes de poder e de legitimidade e das escalas onde elas se formam. É certeira a convicção de que, sendo Estado e nação “dois fenómenos políticos historicamente interligados”, é também aí que a ação coletiva e a capacidade institucional assentam (Rodrigues, 2022: 347). Acontece, no entanto, que as economias contemporâneas europeias - e, portanto, a portuguesa - montaram uma intrincada arquitetura institucional que vai muito para lá da abertura comercial e financeira e da mobilidade dos fatores de produção. Ela inclui mecanismos de governação económica, a constituição de blocos políticos dominantes e uma notória hegemonia ideológica e cultural. Para a reconstituição de capacidade de deliberação democrática relacionada com a reorganização da sociedade e da economia não parece fácil a simples contraposição de modelos do tipo integração vs. nação. Como Dani Rodrik (2000) mostrou, estamos perante “trilemas”. Por isso, embora se esteja consciente de que há uma “europa que nos deprime”, a rutura com essa ordem não é uma questão que aqui coloque. Adiro, aliás, à ideia de que “não vale a pena colocar uma questão intelectual a que não se está politicamente em condições de responder”, até por se saber que esta é uma rutura “demasiado custosa”, tanto em termos económicos como sociais e políticos.21 E que não corresponderia, em sim mesma, a uma alternativa aceitável. Há, isso sim, formas de “desglobalização parcial” que devem ser consideradas e que, no fundo, são combinatórias tensas da relação autonomia/integração.

Isto supõe a crítica séria do paradigma do cosmopolitismo rendido que tem imperado em Portugal, com poucas exceções, levando em consideração as novas possibilidades que as circunstâncias atuais abrem. Os ganhos de autonomia dentro do esquema da UE e, em particular da UEM, são obviamente difíceis de alcançar. Mas temos de continuar a ser agentes do nosso destino. É razoável pugnar por uma posição ativa e programática de dissenso em nome da não sujeição da provisão pública e das políticas industriais à política de concorrência, da necessidade de autonomia da política orçamental, da irrazoabilidade da “independência” do Banco Central Europeu na condução da política monetária. A construção de uma capacidade orçamental da UE que permita combinar balanças comerciais com saldos diferentes, num quadro de responsabilidade simétrica de devedores e credores que dê maior espaço às transferências destinadas a reequilibrar as suas grandes assimetrias estruturais, é essencial.

3.4. Um problema territorial: da unipolaridade a uma política para a rede urbana e as cidades médias

Uma inserção dependente, sujeita a constrições pesadas, e um conjunto limitado de possibilidades de organização não são neutras territorialmente. Nas últimas duas décadas, o conjunto de circunstâncias institucionais e económicas que passaram a prevalecer desencadearam uma assinalável convulsão territorial. O primeiro indicador disso mesmo foi um crescimento demográfico “explosivo” na Área Metropolitana de Lisboa (AML) e em especial a sua periferia.22 Esse indicador é complementado pela fragilização da outra área metropolitana, a do Porto, e pelo crescimento negativo, por vezes muito acentuado, de cidades médias relevantes ao longo do país e pela limitação das situações de estabilidade a um pequeno número de casos. Resulta daqui que o sistema urbano nacional, constituído por uma rede importante de núcleos com funções relevantes, está em notória fragilização.

A primeira década do novo século e as consequências da economia política da austeridade foram particularmente significativas. A aceleração da circulação financeira, a terciarização do sistema de emprego, o modelo de especialização e a presença de atividades que aumentaram o uso extensivo de mão de obra, algumas dimensões das dinâmicas imigratórias ou as evoluções do mercado imobiliário - tudo isto estimulado por uma economia com uma moeda comum europeia forte e mercados abertos de bens, serviços, pessoas e capitais - contam-se entre as razões que conduziram à referida unipolaridade.

Mas há ainda outra consequência: aquela afluência demográfica corresponde a uma forma de economia política em que se revela a degradação do próprio modelo produtivo da metrópole lisboeta. O seu crescimento do PIB tornou-se menor que o do país e ela passou a representar menos na criação de riqueza nacional. Tem uma dependência comercial de bens relativamente ao estrangeiro que é 1,8 vezes a do país e uma baixa industrialização. A sua produtividade estagnou ou decresceu e a diferenciação positiva relativamente à média diminuiu, o mesmo acontecendo com as remunerações e com o diferencial entre os salários médio e mínimo (Reis, 2022: 44-50).

O facto de a AML se ter constituído “no principal palco” de uma “transformação estrutural do país”, expresso num “declínio socioeconómico traduzido sobretudo na estagnação da produtividade e dos salários médios” (Caldas, 2022: 58), mostra bem que as formas de economia política adotadas têm, naturalmente, efeitos transversais e influenciam dimensões variadas da organização de um país. A “cidade-metrópole assumiu o papel de espaço-processo privilegiado […] [n]um regime de acumulação” e de internacionalização que desvaloriza o trabalho e promove os ativos patrimoniais, dirigindo-se à procura externa e desinteressando-se do país (Drago, 2022b: 13, 17). Por isso mesmo, a reversão ou redefinição dessa forma de economia política deve também estabelecer-se a partir destas dimensões. Uma política para as cidades médias, para uma estruturação capaz do sistema urbano centrada nas suas bases produtivas, é um instrumento contra a estreiteza do país e, ao mesmo tempo, em prol dos objetivos das políticas laborais e de emprego, da organização da provisão pública e da presença do Estado no território. Supõe, evidentemente, uma capacidade pública de planeamento que conjugue território e economia, vida urbana e emprego, criação de riqueza e formação de condições de vida.

3.5. Um problema democrático: uma alternativa de inclusão e valorização pública

As tendências de exclusão presentes no modelo económico periférico português são muito fortes. Tem-se procurado que elas sejam reequilibradas por políticas sociais (como se as transferências sociais pudessem substituir uma política económica capaz) e pela provisão pública. Mas os fatores problemáticos são persistentes e não se reduzem aos âmbitos delimitados que os definem. Tendem a transbordar para a esfera política e para a condição democrática. Quando isso se torna excessivo, a democracia, não apenas nas suas dimensões reais, mas também nas formais, fica em causa. O desligamento entre setores económicos, sociais e políticos acentua-se, com alguns a vincularem-se cada vez mais a interesses estratégicos transnacionais, enquanto outros concentram todas as debilidades da economia interna, sem que reste espaço para o que pode estruturar adequadamente o país. A possibilidade de soluções autoritárias, que estigmatizem grupos e classes sociais, que naturalizem as desigualdades, que capturem o Estado e que deslacem a sociedade torna-se plausível.

Em que aspetos se pode dizer que se acumulam riscos para a democracia? Primeiro, pela posição que o trabalho ocupa na sociedade e na economia. Está aqui em causa tanto as dimensões remuneratórias materiais como a desvalorização do trabalho e a perda da sua posição na repartição do rendimento. Depois, pelo descuido dos lugares de vida, sejam eles as periferias metropolitanas, as cidades médias em perda, os pequenos meios ou o que - de forma imprecisa e um pouco obscurantista - se chama “interior”. A geografia do esquecimento é consonante com a geografia do descontentamento (Guilluy, 2014; Rodríguez-Pose, 2018) e é frequentemente reforçada pela celebração ofensiva das “modas” - do que, sendo desenraizado e volátil, se elogia como inovador, emergente e fascinante (Web Summit, nómadas digitais, turismo da “classe ociosa”). Finalmente, porque o governo da causa pública escapa cada vez mais à deliberação democrática e ao espaço público, escapando-se para a esfera de ação de poderes não legitimados. Não é a simples contraposição democracia representativa/democracia participativa que está em causa, é a dimensão substantiva da democracia, que carece de uma vida material robusta e organizada.

Conclusão

A condição periférica é estrutural. Corresponde-lhe uma materialidade interna em que se estabelecem relações económicas e sociais diferenciadas, que aqui foram associadas a desequilíbrios fundamentais e a um lugar dependente. É isso que desencadeia mecanismos concretos de relacionamento com o contexto internacional. Tendo em conta estes dois planos, propôs-se a noção de funções de intermediação e analisaram-se as dimensões em que elas se exercem, consolidando a dependência e a perificidade europeia da economia portuguesa. Três tópicos se revelaram incontornáveis: os do emprego (volume e tipos) e do modo como eles implicam uma mobilidade internacional do trabalho intensa; os do sistema produtivo e da especialização e do desequilíbrio do comércio internacional de bens que daí decorre; os da inserção nos mercados de capitais e do endividamento.

Foi isto que levou a que, numa ótica prospetiva e propositiva, se procurasse identificar cinco problemas e cinco soluções: uma política de emprego e fixação de pessoas para contrapor ao problema demográfico e à condição de plataforma de circulação em que a economia portuguesa se tornou; uma política de reindustrialização e de aposta na criação de valor para contrariar o excesso de terciarização e a criação de emprego em setores de baixa capacidade empresarial e baixa produtividade; uma política de cidades com elevado conteúdo económico para combater a tendência de unipolaridade na metrópole lisboeta e o enfraquecimento do sistema urbano nacional; uma política de discussão crítica da governação económica europeia na busca do reforço das margens de autonomia nacionais que possam reorganizar o país em vista dos seus desequilíbrios; uma cultura de debate público e democrático que encare os grandes fatores de exclusão e impeça o esgotamento da democracia. A relação centro-periferia, sendo estrutural, está também em permanente transformação. Uma questão em aberto é, pois, o sentido que pode assumir. Positivo, como aqui se propõe? Nesse caso, resta saber como encarar a desejável redefinição das funções de intermediação desta economia com o exterior. Uma questão importante, e até agora pouco explorada, é ainda a das relações com outras periferias europeias e a dos atores que para elas podem contribuir.

Bem se sabe que o mundo encerra riscos crescentes de insustentabilidade multiescalar e que os capitalismos se afunilaram no poder financeiro - a ponto de a própria dimensão produtiva e industrial estar hoje subordinada a tal poder e à sua lógica transacional, rentista e especulativa. O primado da política, da economia política, da deliberação em vista de objetivos de bem-estar e de organização das sociedades, está hoje desafiado, urgindo reconstituí-lo. Em todo o caso, é necessário dispormos de interpretações e de propostas. Dando valor ao pluralismo e ao debate, este texto procura fazer isso.

Conflitos de interesse

O autor declara não existir quaisquer conflitos de interesse.

Financiamento

O autor não recebeu apoio financeiro para a investigação, autoria e/ou publicação deste artigo.

Agradecimentos

Devo a Ana Drago, João Rodrigues e Paulo Coimbra comentários e sugestões resultantes da leitura que fizeram de uma versão preliminar deste texto. Aqui fica o meu reconhecimento, que alargo a dois revisores anónimos, cuja sugestões muito úteis procurei incorporar no texto.

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1É o caso do NextGenerationEU, o instrumento criado para a recuperação, depois do grande impacto da pandemia.

2Chamo economia de plataforma àquela em que a circulação de pessoas, capitais e mercadorias é particularmente intensa, em detrimento de relações económicas orientadas por objetivos de organização e valorização dos recursos existentes, de redução das dependências e de cuidado com os residentes.

3Em termos gerais, defendo que uma economia periférica exerce funções de intermediação na medida em que disponibiliza às economias externas com que interage a superação dos desequilíbrios presentes nos seus sistemas produtivos, de emprego e financeiro, consolidando a condição de periferia dependente.

4O maior deles terá sido o do descuido das sujeições financeiras e o do enfraquecimento produtivo.

5A promoção de todas as formas de entrada de capitais, a opção turística, a desvalorização da produção e do trabalho, insistindo em setores pouco criadores de valor e em salários baixos.

6A população ativa chegou a abranger 5,5 milhões de pessoas. Em 2014 incluía menos 541 mil pessoas em relação a 2008 e, em 2021, menos 384 mil. O emprego atingiria também um máximo de 5,1 milhões em 2008, regredindo para 4,1 milhões em 2013 e fixando-se nos 4,8 milhões em 2021. Dados do INE consultados a 11.04.2023, em https://www.pordata.pt/portugal/populacao+ativa+total+e+por+sexo-28 e https://www.pordata.pt/portugal/populacao+empregada+total+e+por+sexo-30.

7O da democracia (1975-1983), o da integração europeia (1984-1993) e o da preparação da UEM e da adesão ao euro (1994-2002). Designo estes ciclos assim no meu livro sobre a economia portuguesa (Reis, 2018). Nesses períodos a taxa anual média de crescimento real do PIB foi, respetivamente, 2,5%, 3,0% e 3,0%. Já entre 2003 e 2019, ano anterior à pandemia, o acréscimo registado foi 0,7%.

8Dados consultados a 21.04.2023, em https://ec.europa.eu/eurostat/databrowser/view/tec00114/default/table?lang=en. Em 2000 o valor era 85% da média da UE.

9Cf. séries Longas da Economia Portuguesa, do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), desde 1948. Consultado a 21.04.2023, em https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=535669495&DESTAQUESmodo=2.

10Dados consultados a 16.04.2023, em https://datalabor.pt/data/-G3oKB24boD.

11Subutilização do trabalho é o “indicador que agrega a população desempregada, o subemprego de trabalhadores a tempo parcial, os inativos à procura de emprego mas não disponíveis e os inativos disponíveis mas que não procuram emprego” (cf. https://www.ine.pt/bddXplorer/htdocs/minfo.jsp?var_cd=0009357&lingua=PT, consultado a 16.04.2023). Dados consultados na plataforma do DataLABOR a 16.04.2023, em https://datalabor.pt/data/Xap9dBUCVpT?PORL1QsJs=5-I1cu4tM.

12Aqui considerada como a relação percentual entre a população ativa e a população residente.

13Segundo o INE (Contas Satélites do Turismo), o peso do turismo no Valor Acrescentado Bruto (VAB) da economia nacional era 8,1% em 2019. A retoma de 2021 colocou este valor em 5,8%. O peso no emprego, em 2019, era 9,6%. Neste mesmo ano, o consumo de turismo foi equivalente a 15,3% do PIB, superior ao da Espanha (12,4%) ou da França (7,5%), grandes destinos turísticos. Num ranking elaborado pelo World Travel & Tourism Council (2018), com dados de 2017, no contributo direto e no contributo total das viagens e do turismo para o PIB, Portugal tinha à sua frente Malta, Marrocos, Chipre e Grécia. No contributo direto para o emprego era superado por Malta e Grécia e no contributo total por Malta, Grécia e Chipre.

15Valores de 2019 em unidades Equivalentes a Tempo Completo (ETC).

16No final da década de 1990, a indústria ainda representava mais de 20% do VAB nacional. Esse valor caiu entre 2009 e 2013 para cerca de 13%, sendo 13,8% em 2020. Dados consultados a 16.04.2023, em https://www.pordata.pt/portugal/valor+acrescentado+bruto+total+e+por+ramo+de+atividade+(base+2016)-2293.

17Isso cabe por inteiro nas chamadas “estratégias de especialização inteligente” que enformam os sistemas de incentivos nos períodos de programação dos fundos comunitários.

18Refiro-me à nacionalização em julho de 2020 de 71,73% do capital social da Efacec Power Solutions, justificada pela “impossibilidade de exercício dos direitos inerentes às participações que correspondem à maioria do capital da empresa”, pelo “caráter fortemente tecnológico, inovador e exportador” desta empresa e por ser “uma referência internacional em setores vitais para a economia portuguesa” (Comunicado do Conselho de Ministros de 2 de julho de 2020 e Nota à comunicação social). Cf. https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/governo/comunicado-de-conselho-de-ministros?i=356 e https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/comunicado?i=governo-aprova-nacionalizacao-de-7173-do-capital-social-da-efacec, ambos consultados a 16.04.2023.

19É curioso observar que os países em que o emprego na indústria transformadora tem um peso superior à média da UE (16%) são países centrais (e excedentários) como a Alemanha (20% do seu emprego total) ou mesmo a Áustria, e países como a República Checa, a Eslováquia, a Eslovénia, a Hungria e a Bulgária. Dados consultados a 16.04.2023, em https://www.pordata.pt/db/europa/ambiente+de+consulta/tabela.

20Tal arquitetura teve o seu primeiro fundamento no Tratado da União Europeia (Tratado de Maastricht) de 1992, prosseguiu com o Pacto de Estabilidade e Crescimento de 1997, que abriu a terceira fase da UEM, reforçou-se com mais oito regulamentos - o 6-pack e o 2-pack - e com o Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação (Pacto Orçamental) de 2012. A partir daí, o Semestre Europeu passou a servir de instrumento de coordenação das políticas nacionais. Em 2022 iniciou-se a discussão sobre a reformulação dos mecanismos pelos quais se controlam os défices orçamentais e a redução da dívida no caso dos países mais endividados.

21Uso aqui os termos de João Rodrigues (2018) ao comentar uma posição diferente da sua.

22A população da AML cresceu 7,8% entre 2001 e 2021. Foi na sua periferia que esse crescimento se tornou particularmente intenso: a título de exemplo, o aumento da população de Mafra entre 2001 e 2021 foi de 59%, o de Alcochete de 47% e o do Montijo de 42%. Dados consultados a 16.04.2023, em https://www.pordata.pt/db/municipios/ambiente+de+consulta/tabela.

Recebido: 15 de Dezembro de 2022; Aceito: 20 de Fevereiro de 2023

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