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Tourism & Management Studies

versão impressa ISSN 2182-8458

TMStudies vol.10 no.Especial Faro dez. 2014

 

TURISMO - ARTIGOS CIENTÍFICOS

 

(Des)Centralização da gestão pública do turismo brasileiro: análise da participação dos atores privados no Conselho Nacional de Turismo

 

De(Centralization) of Brazilian tourism public management: Analysis of the involvement of private actors in the National Tourism Council

 

 

Pamela de Medeiros Brandão1; Mariana Baldi2; Marcus Alban3

1Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração, Núcleo de Pós-Graduação em Administração (NPGA), Av. Reitor Miguel Calmon, s/n - Vale do Canela – 40110-903 – Salvador/BA – Brasil, pamela_brandao@yahoo.com.br
2Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Administração, Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA), 91340-110 – Porto Alegre/RS – Brasil, mariana.baldi@ufrgs.br
3Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração, Núcleo de Pós-Graduação em Administração (NPGA), 40110-903 – Salvador/BA – Brasil, m.alban@uol.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo analisa a participação dos atores privados no processo de elaboração das políticas de turismo, a partir das intervenções realizadas no decorrer das reuniões do Conselho Nacional de Turismo, de 2003 a 2008. O estudo teve um corte seccional com perspectiva longitudinal e adotou o estudo de caso, permitindo aplicar a teoria de redes e o modelo de análise de redes sociais numa abordagem qualitativa. Através da pesquisa realizada, constatou-se que a participação dos conselheiros na formação da agenda governamental e na formulação da política nacional de turismo se dá simultaneamente, mas não simetricamente, pela atuação/intervenção destes nas reuniões e pela posse de recursos econômicos e organizacionais; e que embora o processo de elaboração dos Planos Nacionais de Turismo tenham sido resultado de uma complexa rede de atores públicos e privados, o Conselho Nacional do Turismo se caracteriza eminentemente como um conselho formado por maioria ativa de atores privados.

Palavras-chave: Análise de redes sociais, participação, descentralização, conselho nacional de turismo, plano nacional de turismo.


ABSTRACT

This study analyses the participation of private actors in the process of establishing tourism policy, through the discussions conducted during the National Tourism Council meetings from 2003 to 2008. The study was performed based on a cross sectional and longitudinal perspective, together with case study methodology, allowing the application of network theory and the social network analysis model in a qualitative approach. Throughout this research, it was found that the involvement of councillors in setting government agenda and in developing a National Tourism Policy takes place simultaneously, but not symmetrically. Councillors participate through their initiatives/discussions in meetings, as well as their possession of economic and organisational resources. In addition, although the process of establishing the National Tourism Plans has been the result of a complex network of public and private actors, the National Tourism Council is mostly functioning through the active participation of private actors.

Keywords: Social network analysis, involvement, decentralization, national tourism council, national tourism plan.


 

 

1. Introdução

No Brasil, muita coisa mudou com a passagem dos anos 80 aos anos 90. A luta contra o regime autoritário se completou e o país passou a conviver com um regime democrático dotado de normalidade procedimental e estabilidade institucional (Nogueira, 1998). A elaboração da Constituição Federal de 1988 e a publicação do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado resultaram na institucionalização da participação social na gestão das políticas públicas e na adoção do paradigma da administração gerencial. (Pinho & Sacramento, 2009). Essas mudanças contribuíram para a consolidação da democracia, mesmo que imperfeita, e para estimular as tentativas de implementar um Estado gerencial que garantisse eficiência à administração pública. Fato que resultou na implementação gradativa de diversos mecanismos participativos, como por exemplo, os conselhos e fóruns sociais.

No turismo, não foi diferente. Em meio à política neoliberal vigente, a importância econômica que a atividade adquiria impulsionava uma reorganização da política de turismo e uma redefinição do papel do Estado. A descentralização do poder do Estado na atividade turística passa a ser concebida como uma estratégia para ampliar os seus níveis de desempenho. Com essa intenção, foi criado o Ministério de Turismo (MTur) e instituído o Sistema Nacional do Turismo (SNT), estrutura administrativa em gênese mais democrática e participativa.

Esse processo tem suscitado interpretações de que esse sistema, através dos fóruns e conselhos de turismo que o compõe, tem promovido a descentralização e a democratização na Política Nacional de Turismo. O presente artigo apresenta uma interpretação distinta. Apesar de ser inegável os avanços e as mudanças na condução da política do Estado, não é claro em que medida esse modelo tem de fato contribuído para a consolidação de uma gestão democrática. Para avaliar essa questão, o artigo analisa a participação dos atores privados no processo de elaboração das políticas de turismo, a partir das intervenções realizadas no decorrer das reuniões do Conselho Nacional de Turismo (CNT), no período de 2003 a 2008. Apresenta-se dividido em cinco seções, sendo a primeira composta por essas considerações iniciais. A segunda discute brevemente conceitos inerentes a teoria de redes. Em seguida, apresenta-se os métodos e dados. Os resultados são apresentados e discutidos. E por fim, apresentam-se as considerações conclusivas.

 

2. Revisão de literatura

Sorensen (2007) define redes sociais como um conjunto de pessoas ou organizações ligadas através de relações sociais de um tipo específico, seja, por exemplo, por relações de amizade ou de transferência de fundos, ou ainda de negócios ou reputação, conforme identificadas por Powell e Smith-Doerr (1994). Dentro desse conceito, a rede social é compreendida como um conjunto de dois elementos centrais: os atores, que podem ser pessoas, organizações ou grupos; e por suas relações sociais – que ligam os atores por meio da interação estabelecida entre eles.

Os laços são os vínculos relacionais existentes entre os atores que são classificados por Granovetter (1973), segundo sua intensidade, quantidade de tempo despendido, intensidade emocional, intimidade e serviços recíprocos envolvidos na relação. A depender destes aspectos, são denominados como fortes – aqueles caracterizados por altos níveis de intimidade e proximidade, como por exemplo, os estabelecidos entre amigos, família ou pequenos grupos de atores –, ou como laços fracos, que são caracterizados por relações esparsas que envolvem um menor consumo de tempo e de emoções, menor intimidade e reciprocidade.

Embora os laços fracos manifestem níveis de proximidade e intimidade inferiores aos laços fortes, este mesmo ator, ratifica em seus estudos, a “força dos laços fracos” frente a sua importância para a manutenção da rede social, por possibilitar novos canais de acesso a informações, ideias e recursos. Assim, os laços fracos seriam fortalecidos pela diversidade de informações que os atores podem trazer para a rede, através dos contatos indiretos estabelecidos por meio de pontes. Esta constatação permitiu, posteriormente, que Burt (1992) construísse a teoria dos buracos estruturais, tidos por Powell e Smith-Doer (2003) como fronteiras naturais no espaço social.

Burt (1992) define buraco estrutural como o relacionamento entre dois atores não redundantes. Para este autor, quanto maior o número de contatos não redundantes (contatos desconectados), maiores são os números de buracos estruturais por contato e, consequentemente, maiores as perspectivas de benefícios promovidos pela rede – os de informação e de controle. Este autor observa que os contatos estabelecidos entre atores que compartilham laços fortes apresentam uma maior probabilidade de que as informações compartilhadas sejam as mesmas. Já os contatos entre os laços fracos, resultam em novos fluxos de informações diferenciadas que permitem ampliar a oportunidades de mobilidades dos atores e reforçar a coesão social.

Além da classificação pelos laços, as redes são analisadas segundo critérios de posicionamento dos atores (centralidade/periferia); e de densidade (redes densas e esparsas) (Burt, 1992). O posicionamento que um ator ocupa dentro de uma rede reflete no nível de importância deste ator, cujas medidas estão atreladas ao conceito de centralidade. A importância do ator é examinada perante três indicadores principais: o número de vínculos, a intermediação, e a rapidez (Guarnieri, 2008).

Assim, baseado no primeiro indicador, o ator central é aquele que possui um maior número de vínculos comparado aos demais atores. De modo que tendo o ator um maior grau de centralidade, ele será mais ativo no processo de disseminação de informações relevantes no desempenho da rede que ele compõe. Entretanto, o número de vínculos não é necessariamente determinante, visto que pode resultar em contatos redundantes. Baldi (2004, p. 47) define os contatos redundantes como “aqueles dirigidos às mesmas pessoas e, portanto, levam às mesmas informações e aos mesmos benefícios.”

Diante dessa limitação, apresenta-se o segundo indicador: a intermediação, na qual a centralidade está relacionada aos contatos indiretos estabelecidos através de pontes. As pontes são conexões estabelecidas entre um ator aparentemente periférico, mas que está ligado a subgrupos de atores importantes. O terceiro indicador refere-se à rapidez com que um ator interage com os outros. Trata-se da centralidade por proximidade, que reduz os custos do processo. Nesta perspectiva, quanto maior for a proximidade dos atores, maior será a probabilidade de coesão da rede.

Uma rede formada por grupos coesos é chamada de rede com alta densidade, pois dissemina informações relevantes e gera estruturas normativas e culturais, as quais têm efeito sobre o comportamento (Granovetter, 1985). Nesse ponto, se insere o conceito de densidade que está relacionado intrinsecamente à extensão e intensidade das conexões estabelecidas entre os atores da rede – quanto maior a interconexão, maior a densidade (Gnyawali & Madhavan, 2001). A rede é densa quando os atores imersos estão conectados de tal forma que geram informações mais refinadas, dirigidas a uma determinada questão. Já a rede esparsa (ou difusa), seria uma rede de atores desconectados ou com baixo nível de interconexão, com interesses diversos e que, como consequência, gerariam informações generalistas não necessariamente úteis (Sorensen, 2007).

Tanto as redes densas como as redes esparsas, apresentam vantagens e desvantagens para o desempenho das organizações, a depender do contexto em que estas organizações se inserem, tal como defendido por Rowley, Behrens e Krackhardt (2000) ao afirmar que as redes densas são mais vantajosas em ambientes estáveis e redes esparsas são mais benéficas em ambientes incertos. Na perspectiva de Sorensen (2007) as redes densas locais possibilitam que seja desenvolvida uma gestão conjunta para resolver problemas que afetam o nível de desenvolvimento, visto que são sustentadas por critérios de confiança, aprendizagem e de inovação. Entretanto, as redes esparsas também possuem uma relação positiva para o desempenho (Powell; Smith-Doer, 1994), pois oferecem novas informações possibilitadas pelo caráter não redundante dos contatos defendidos por Burt (1992), principalmente ao considerar a incerteza que envolve o ambiente competitivo (Rowley, Behrens & Krackhardt, 2000).

Ambas as considerações denotam a importância da construção de redes sociais que se refere, de acordo com Hall (1999), ao desenvolvimento de laços entre os atores, quer sejam organizações ou indivíduos, no qual se tornam mais formalizados para interesse de sustento recíproco. Já Braun (2004) complementa, definindo-a como organismos dinâmicos relacionados com atores de mudança contínua e fatores contextuais de inovação. Em outras palavras, “as redes são, constantemente, socialmente construídas, reproduzidas e alteradas como resultado das ações dos atores.” (Nohria, 1992, p. 7 apud Baldi, 2004, p. 50). De modo que, considerando que as relações sociais não acontecem no vácuo, as redes são formadas pela identidade e pela história tanto em nível individual quanto coletivo. Isso implica em um processo de construção permanente, no qual os “padrões de laços estabelecidos em uma rede provêm oportunidades e limitações porque influem no acesso das pessoas e instituições a recursos como informações, riqueza e poder.” (Wellman, 1983, p. 156).

Diante disso, torna-se relevante não apenas identificar as estruturas das relações entre atores, mas também analisar as propriedades destes atores e as posições por eles ocupadas. É preciso compreender como os laços são criados, como e porque são mantidos, que recursos fluem, e em que circunstâncias se utiliza um determinado tipo de laço (Powell; Smith-Doerr, 1994).

Para tanto, aplica-se a Análise de Redes Sociais. Essa ferramenta “permite identificar detalhadamente os padrões de relacionamento entre atores em uma determinada situação social, assim como as suas mudanças no tempo”, apresentando “[...] grande potencialidade para o estudo da relação entre público e privado na formulação e gestão de ações do Estado” (Marques, 1999, p. 46). O conhecimento sobre a estrutura e os processos da gestão pública, na perspectiva relacional, pode ser convertido em opniões úteis para o planejamento e desenvolvimento de destinos turísticos (Mazón, 2012). Ademais contribui para que os atores atuem no processo decisório da rede de modo participativo, auto-organizado, enraizado nas necessidades e vocações locais, respeitando a cultura e as realidades nas quais estão imersos.

 

3. Métodos e dados

a pesquisa realizada se classifica como teórico-empírica e adota o método de abordagem indutivo. Diante dos seus fins se caracteriza como sendo descritivo-exploratório. Como estratégia de pesquisa, foi utilizado o estudo de caso. O estudo adotou um corte seccional com perspectiva longitudinal, resgatando dados e informações sobre os relacionamentos entre atores que faziam parte da rede política do turismo brasileiro instituídos durante o período compreendido entre 2003 a 2008.

Trata-se, portanto, de uma análise de redes específicas cujo foco delimitou-se sobre os participantes do processo de decisão da Rede Política do Turismo Brasileiro e sobre suas relações. Foram considerados apenas os atores da Rede Política do Turismo que se encontram listados nos do PNT 2003/2007 e do PNT 2007/2010 (principais instrumentos da ação pública relativa ao turismo no Brasil e que refletem a Política Nacional do Turismo) como aqueles que contribuíram em seu processo de elaboração. Estes atores, por sua vez, compõem o Conselho Nacional de Turismo, de modo que este órgão passou a ser objeto de investigação.

O CNT é um órgão colegiado superior de assessoramento que compõe a estrutura básica e o Núcleo Estratégico do MTur que tem como desígnio implementar um modelo de gestão pública descentralizada e participativa. Congrega os representantes nacionais da maioria das entidades públicas e privadas que se encontram vinculadas à atividade turística no Brasil, e que compõem a sua rede política. Sua composição desde a instalação em 2003 até 2008 totalizou um conjunto de 78 atores públicos e privados, sendo que destes 30 participaram na formulação dos dois planos nacionais, 13 participaram apenas na formulação do primeiro plano, e 35 participaram apenas do segundo plano.

Diante dessa quantidade de atores do CNT, e considerando a necessidade de captar um padrão global e características estáveis do período de elaboração dos dois planos, optou-se pelo uso de uma amostra intencional, na qual se investigou apenas os atores que mantiveram sua participação em ambos os planos. Dessa forma, a amostra populacional investigada foi formada por 30 atores.

Para operacionalizar a pesquisa foi organizado um banco de dados com as 22 atas das reuniões do CNT realizadas ordinariamente a cada trimestre no período compreendido entre 2003 e 2008, disponibilizadas no site do Ministério do Turismo. Tais atas foram utilizadas como um referencial discursivo fundamental para alcançar os objetivos da pesquisa, e se consolidaram como um instrumento singular que retrata as interações sociais ocorridas antes e durante o processo de elaboração dos PNTs. Por serem documentos de domínio público possuem uma dimensão interna e externa, atrelada à lógica discursiva que marca a instância institucional.

Para analisá-las, adotou-se o método de análise de conteúdo seguindo as fases delineadas por Bardin (1977). Assim, inicialmente foram selecionadas as unidades de registro a serem utilizadas: a) personagens: no caso os atores públicos e privados que compõe o Conselho Nacional de Turismo e que fizeram parte da elaboração dos dois planos nacionais; b) acontecimento: todas as reuniões do CNT realizadas no período entre 2003 e 2008; c) documentos: 22 atas das referidas reuniões do CNT.

Selecionadas as unidades de registro, foram aplicadas regras de enumeração propostas pelo mesmo autor, tais como: a) Frequência simples (frequência da presença ou ausência dos atores); b) Números de intervenções realizadas por cada ator em cada reunião; c) Média Aritmética de intervenções (números de intervenções realizadas pelos atores durante todas as reuniões pelo número de reuniões realizadas); d) Direção (se a participação era direcionada à formulação do PNT).

 

Tabela 1

 

Com base nesta última regra, foram selecionados trechos das intervenções realizadas por cada ator, os quais eram inseridos em planilhas eletrônicas individualizadas (por cada reunião) e coletivas (todas as reuniões). Posteriormente, estes trechos foram agrupados por temáticas (em outra planilha unificada), e estes temas comparados com os macroprogramas do PNT. Dessa forma, foi possível verificar em que medida os problemas percebidos pelos conselheiros influenciaram no processo de elaboração da política.

Finalmente à luz das múltiplas fontes de evidências qualitativas que foram aplicadas neste estudo e de suas bases analíticas e empíricas, buscou-se dar um sentido mais amplo aos dados analisados, procedendo a interpretação dos mesmos e fazendo uma ponte entre eles e o conhecimento existente. Simultaneamente a todas estas fases de coleta, análise de dados e de fontes de evidências, foi utilizada a Teoria de Redes Sociais e o método de Análise de Rede Social que permitiu compreender a estrutura e o funcionamento da Rede Política do Turismo Brasileiro.

 

4. Resultados principais

4.1. Descentraliação e participação no conselho nacional de turismo

Analisando-se individualmente o número de intervenções realizadas por ator, durante as reuniões do Conselho Nacional do Turismo constata-se que há uma maior participação dos atores privados (427 intervenções) do que dos públicos (118 intervenções), com exceção para as indicações da presidência da República que ocupa o primeiro lugar do ranking com uma média de 2,36 intervenções por reunião realizada. Entretanto, quando avaliadas em blocos, verifica-se que os níveis de participações entre todos os atores públicos (média de 16,85 por ator) e privados (média de 17,79 por ator) não são destoantes, não existindo uma diferença significativa entre eles.

Cabe notar que embora os conselheiros indicados pela presidência possuam poder político e capacidade de influir em políticas públicas pela competência executiva, técnica e intelectual, eles não exercem funções públicas, nem mobilizam recursos públicos associados a essas funções. Por isso, não são considerados como atores em essência públicos. Diante disso, se subtraídas às intervenções das indicações da presidência do grupo formado pelos atores públicos tem-se apenas 66 intervenções, atingindo a uma média de 11 intervenções por ator e uma média de 0,5 intervenções de cada ator por reunião. Nesse caso apresenta-se com um percentual de 37,5% abaixo da média privada, indicando que o CNT é eminentemente um Conselho formado por maioria ativa de atores privados.

Sem embargo, a simples presença e a atuação de atores públicos e privados nas políticas públicas de turismo denotam que se tem buscado superar o dualismo contraditório entre o Estado e o Mercado, por meio da consolidação de espaços (fóruns e conselhos) nos quais possam se complementar, e assim avançar na eficiência da ação pública nas economias de mercado. Isso porque a sinergia entre o Estado e um sistema de mercado predominantemente privado, resulta “num elevado nível de produtividade da economia e numa acentuada dinâmica de crescimento econômico”. (Estêvão, 1999, p. 5). Contudo, a sinergia pressupõe também uma relação equilibrada e mais equitativa possível, sem a preeminência de nenhuma das partes.

Por isso, o resultado apresentado na Tabela 1 é inquietante. Se por um lado, a presença de atores privados nos processos decisórios das políticas mostra a preocupação com a eficiência, eficácia e efetividade da ação estatal, por outro lado a ausência de atores que representem os interesses da população local e o posicionamento periférico das classes profissionais na rede revela que essa sinergia não está alinhada a contento com as orientações pró-democratização. Isto porque a descentralização do poder estatal tem se convertido na centralização do poder do mercado, fazendo com que as ações governamentais estejam direcionadas para atender os interesses do capital.

Adentrando nessa análise, percebe-se que dentre o grupo de atores privados, as organizações da classe empresarial como: FNHRBS, ABAV, FBC&VB, ABIH, Braztoa, possuem altas médias de intervenções - o que pode revelar que a iniciativa privada possui interesses diretos com o crescimento da atividade, uma vez que este reflete no desempenho dos empreendimentos que representam, e vice-versa. As intervenções realizadas pela classe empresarial corroboram com a perspectiva de que a atividade turística é por essência de responsabilidade da iniciativa privada, cabendo ao Estado continuar a ser, tal como defendido por Peterson (2003), responsável pela gestão em uma última instância. Além disso, assim como já alertado por Santos (2002), o Estado não se configura como o único ator ativo neste processo, na medida em que as decisões de incluir ou excluir um problema na agenda governamental do turismo não parte apenas do Estado, mas sim, da negociação entre os atores públicos e não públicos.

Esse resultado explica em termos, o motivo pelo qual o turismo ainda é visto por muitos como uma atividade meramente econômica. Bem como também esclarece o fato de as propostas apresentadas pelos dois últimos planos nacionais possuírem um viés fortemente economicista. Esta assertiva é respaldada ainda pela mediana participação das associações de classe profissionais, tais como Contratuh, Abbtur, Fenagtur, que representam, em suma, os bacharéis, profissionais e trabalhadores do turismo. Ora, se os planos nacionais possuem um viés economicista, e se estes profissionais estão participando de forma mediana, mas positivamente em relação a outros atores, então por que seus interesses não estão representados nos planos‌ Será apenas porque intervieram em menor quantidade de vezes do que os atores privados‌ Ou será ainda, e em maior proporção, porque as suas relações de poder são diferenciadas‌

Decerto, a existência de diferenças de poderes, interesses, ideologias e níveis de interação, tal como argumentado por Souza (2006), são mais decisivas no processo de elaboração das políticas públicas do que a presença ou ausência de determinados atores. Visto que alguns ocupam posicionamentos mais centrais do que os outros dentro da rede, quer seja pela densidade de suas relações internas ou externas a sua composição. Bem como pelos recursos que trazem ou poderão trazer para a rede, e assim sendo atender as expectativas de crescimento almejada, expressas nas metas traçadas pelos Planos Nacionais de Turismo investigados.

Visto isso, verifica-se que as associações de classe empresarial (representando o mercado) possuem uma maior centralidade na rede do que as associações de classe profissional, não apenas por terem realizado um maior número de intervenções durante as reuniões no Conselho, mas sim e, sobretudo, por apresentarem maiores perspectivas de contribuir, numa visão restrita e imediatista, para crescimento econômico da atividade turística. A centralidade das associações de classe empresarial da rede política do turismo pode ser justificada baseando-se em dois critérios principais elencados por Wasserman e Faust (2007): pelo reconhecimento da importância do ator para a realização de uma determinada ação, e pelo seu poder de influência. Ambos os critérios estão vinculados ao poder econômico que essas entidades possuem. Dessa forma, suas reivindicações são aceitas pelo poder público (leia-se Ministério do Turismo) em maiores proporções e, uma vez aceitas, são conduzidas às instâncias deliberativas superiores, com a finalidade de encontrar soluções imediatas por meio de negociações e articulações com outras esferas governamentais. Se o Estado não dispõe de recursos econômicos para fomentar a atividade turística, então as ações do Ministério do Turismo raramente vão contra o interesse do capital (a classe empresarial).

Outro fator também elencado por Wasserman e Faust (2007), diz respeito à facilidade de contato com os outros atores da Rede. Considerando que a maioria dos atores que compõe o CNT são representantes do trade turístico, então maiores serão as facilidades de contatos entre atores que possuem vínculos entre si, e que compartilham interesses comuns. Os vínculos existentes entre estes atores são resultado de laços imersos (Borgatti & Foster, 2003) desenvolvidos ao longo do tempo, em prol de angariar benefícios mútuos, conforme pode ser observado através da identificação de parcerias e acordos de cooperação, os quais tendem a ser pautados por critérios de confiança, pois dificilmente um representante da classe empresarial irá contra os interesses do grupo.

Contudo, ainda que os recursos econômicos sejam decisivos para influenciar o poder de influência dos atores privados dentro do CNT e fora dele, não são determinantes, uma vez que o poder se estabelece no seio das relações sociais, revelando características relacionais e intencionais. O poder organizacional – que engloba o conhecimento específico da atividade turística, a capacidade técnica de executar projetos, a capacidade de liderança e de articulação política, a personalidade dos atores, dentre outros aspectos – também se apresenta como um elemento decisivo.

Dessa forma, verificou-se que a participação dos conselheiros do CNT na formação da agenda de atuação dos poderes públicos e na formação da política nacional de turismo (formulação do PNT e definição de seus objetivos) se dá simultaneamente, mas não simetricamente, pela atuação/ intervenção destes nas reuniões e pela posse de recursos econômicos e organizacionais. Foi percebida uma relação regular entre a posse de determinados recursos e a capacidade de influenciar o processo decisório (Fuks & Perissinotto, 2006), levando a confirmar que as associações de classe empresarial, detentoras recursos organizacionais e econômicos em maior proporção do que as associações de classe profissional possuem um maior poder de influência na rede. A posse de recursos está direta e proporcionalmente associada ao poder econômico e organizacional, que por sua vez reflete na capacidade que cada ator possui, enquanto entidade, em contribuir para o cumprimento das metas expressas nos PNTs. Quanto maior for o poder econômico e organizacional maior será o poder de influência destes atores: quer seja no processo de tomada de decisão, quer seja na formação da agenda governamental. Bem como mais centralizado este ator estará posicionado na Rede.

A predominância da participação da iniciativa privada, âmbito nacional, é entendida ainda como resultado da concepção do turismo como atividade econômica. A supremacia do poder de influência das entidades empresariais estimula o crescimento econômico da atividade turística e contribui para que as metas traçadas pelo PNT sejam cumpridas, principalmente porque seus investimentos (oriundos do crédito ofertado pelos organismos financeiros públicos) resultam em melhores condições competitivas do produto turístico nacional, no aumento do fluxo turístico e na geração de divisas. Isso permite a legitimação de seu poder, na medida em que passa a ser aceito pela maioria dos atores envolvidos, notoriamente pelo poder público. Entretanto, mesmo que o setor privado detenha um maior poder de influência na operacionalização da atividade turística, a parte da gestão depende muito do poder público, especificamente para a realização de investimentos públicos de infraestrutura de acessibilidade e de saneamento, garantindo as condições para o desenvolvimento da atividade, ainda que ela seja realizada pelo setor privado.

É possível concluir que, a depender dos atores envolvidos, os recursos econômicos são mais ou menos determinantes do que os recursos organizacionais, pois quando se trata das relações de poder entre os atores públicos e privados, percebe-se que os atores públicos, embora em menor número e com menos recursos econômicos (diretos) impactantes para o crescimento da atividade turística, apresentam significativo poder de influência política em função do poder organizacional que detém - quer seja no que se refere às competências técnicas da equipe ministerial, quer seja pela habilidade de articulação política do MTur e demais atores públicos. Do mesmo modo, outras entidades que não possuem recursos econômicos tiveram, ou não, poder de influência na rede a depender da participação ativa no Conselho, mas, sobretudo, da capacidade de articulação e intermediação, mesmo que essa capacidade, em alguns casos, também possa ser resultado do poder econômico e organizacional.

A Federação Brasileira de Convention & Visitors Bureaux, por exemplo. O poder de influência desse ator no processo de elaboração das políticas públicas de turismo resulta tanto da participação no Conselho (4º ator com maior nível de intervenção nas reuniões), quanto do poder econômico e do poder organizacional que possuem. Trata-se de uma entidade que se destaca pela transversalidade de suas ações, bem como pelo papel de intermediação da rede, articulando as demandas das entidades privadas com as representações governamentais e as representações dos trabalhadores. A ABEOC também se encontra em situação similar, porém a capacidade de articulação e a reciprocidade se revelam como sendo mais decisivos do que os níveis de participação no Conselho, dado que ocupa o 19º lugar no ranking com uma média de intervenções de 0,40.

De forma corolária, a efetividade da participação dos membros do CNT nas políticas públicas de turismo, não pode ser avaliada apenas pelo número de intervenções realizadas durante as suas reuniões, mas, sobretudo, pelos seus direcionamentos, inferindo em que medida os temas abordados pelos conselheiros nas reuniões estão incluidos nos macroprogramas propostos pelos PNTs. Seguindo essa linha de análise, identificou-se que as temáticas das intervenções realizadas pela rede refletiram-se no processo de elaboração de programas e ações estratégicas, e passaram a compor o PNT 2007/2010. Analisando os macroprogramas do PNT 2003-2007 e do PNT 2007-2010, observou-se modificações notáveis, tais como o acréscimo de novos objetivos específicos e de novos programas no PNT 2007-2010 decorrentes das demandas levantadas no CNT durante o período investigado.

Os atores do CNT foram responsáveis por prognosticar e apontar os principais desafios relativos ao desenvolvimento da atividade turística, os quais nortearam e orientaram a elaboração das propostas contidas em seus macroprogramas e programas. No entanto, cabe ressaltar que tais apontamentos mostraram-se setorizados e imbricados na lógica do autointeresse. Essa constatação, não se revela como um fator no todo negativo, visto que os interesses desses remeteram-se, em sua maioria, aos interesses do turismo em geral.

A grande maioria dos problemas percebidos e discutidos pelos atores públicos e privados durante as reuniões foram efetivados em política, por meio da inclusão nos macroprogramas e nos programas contidos no PNT. Como exemplos da intervenção dos conselheiros que se refletiram no PNT 2007/2010 cita-se as demandas referentes a: melhoria dos sistemas de transportes, que resultou na criação do Macroprograma Logística de Transportes; a necessidade de criar um Sistema de Informações Turísticas que foi incorporado no Macroprograma de Informações e Estudos Turísticos; à regulamentação e normatização da atividade que foi incorporada no Macroprograma de Qualificação dos Equipamentos e Serviços e resultou também na aprovação da Lei Geral do Turismo; a importância de se investir mais na comercialização e na promoção do turismo interno que foram consideradas no Macroprograma de Promoção e Apoio a Comercialização, dentre outras.

Porém, no que se refere ao conteúdo das intervenções, existe uma supremacia e diversidade de problemas abordados pelos atores privados. A supremacia privada se justifica pelo fato de estes atores se encontrarem mais próximos da atividade turística do que os atores públicos, em termos de operacionalização. Ao vivenciarem a realidade inerente ao setor que representam, utilizam-se das reuniões para relatar diagnósticos de sucesso ou de fracasso, na busca de uma intervenção pública que garanta melhores níveis de desempenho. Também é reflexo das médias de intervenções realizadas pelos mesmos, as quais também foram superiores à média pública.

 

5. Conclusões

A Política Nacional do Turismo com a adoção do modelo de gestão descentralizada e participativa atingiu resultados consideráveis e que não podem ser rejeitados, principalmente no que se refere à criação de fóruns e conselhos nacionais, estaduais e municipais de turismo. No entanto, a estrutura e o funcionamento dessas instâncias baseiam-se num sistema hierárquico que resulta na centralização de poder privado. Ao mesmo tempo em que o modelo de descentralização significou a abertura para uma gestão mais participativa, significou também a redução do poder do Estado em favor do poder do mercado. O mercado tem se consolidado como um dos atores centrais e de maior poder de influência na elaboração dos Planos Nacionais de Turismo.

Em âmbito nacional, a participação dos conselheiros na formação da agenda governamental e na formulação da política nacional de turismo se dá simultaneamente, mas não simetricamente, pela atuação/intervenção destes nas reuniões e pela posse de recursos econômicos e organizacionais; e que embora o processo de elaboração dos Planos Nacionais de Turismo tenham sido resultado de uma complexa rede de atores públicos e privados, o Conselho Nacional do Turismo se caracteriza eminentemente como um conselho formado por maioria ativa de atores privados.

A supremacia do poder de influência das entidades empresariais estimula o crescimento econômico da atividade turística e contribui para que as metas traçadas pelo PNT sejam cumpridas, principalmente porque seus investimentos resultam em melhores condições competitivas do produto turístico nacional, no aumento do fluxo turístico e na geração de divisas. Todavia, resulta também na exclusão de temáticas de interesse coletivo na formação da agenda governamental, na marginalização das entidades profissionais (associações e sindicatos), na exclusão social, bem como em todos os efeitos subsequentes que descaracterizam uma gestão participativa e democrática.

 

Referências

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Processo do artigo
Submetido: 24 junho 2012
Aceite: 30 novembro 2012