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Acta Radiológica Portuguesa

Print version ISSN 2183-1351

Acta Radiol Port vol.33 no.1 Lisboa Apr. 2021  Epub Aug 18, 2021

https://doi.org/10.25748/arp.24467 

In Memoriam

DR. TELO DE MORAIS (1929-2021)

Prof. Doutor Henrique Vilaça Ramos


No dia 9 de Janeiro de 2021 faleceu o nosso distinto Colega, Dr. José Carlos de Carvalho Telo de Morais (Fig. 1).

Figura 1: Dr. Telo de Morais 

Nascido em 2 de Junho de 1929, em Viseu (freguesia de Abravezes), fez ali os seus estudos até ingressar na Universidade de Coimbra, onde se licenciou em medicina com boa classificação, em 1952. No início do ano imediato, ingressou nos Hospitais da Universidade de Coimbra para a especialização no que, ao tempo, era designado roentgendiagnóstico, onde teve como mentores António Fonseca e Álvaro Martins, este último um dos presidentes da nossa SPRMN. Durante esse período, exerceu também funções nas Caldas da Cavaca, nas épocas termais. Terminado o estágio em 1956 e dado que os exames para especialista pela Ordem dos Médicos, então com competência exclusiva para o efeito, só ocorriam em anos alternados, teve um compasso de espera de um ano que, para seu sustento, dedicou à prática da medicina sanitária em Castelo Branco. Realizado depois com pleno êxito o exame de titulação como especialista, foi contratado como radiologista eventual pelo serviço de radiologia onde se tinha formado e, em 1959, como médico radiologista do quadro do mesmo serviço, após concurso público nacional, onde obteve a classificação máxima. Em 1979, concorreu a chefe de serviço do referido hospital, tendo sido aprovado com a classificação de 19 valores. Merece também referência que, além de outras funções hospitalares, desempenhou o cargo de vice-presidente da Comissão Médica Hospitalar, criada por decreto de 1988, que integrava todos os directores de Serviço, apesar de ele próprio não ser o director de serviço, o que prova o prestígio que alcançara.

Desde o início da sua vida hospitalar que a sua inteligência e dedicação se evidenciaram, levando a que um prestigiado professor da sua Escola o tivesse incentivado a dedicar- se também à carreira universitária, mas não o seduziu essa perpspectiva, apesar de ter dado depois excelente colaboração à tarefa docente do serviço. A circunstância de não ter procurado o doutoramento foi o único motivo que nunca permitiu que assumisse a direcção do seu serviço de radiologia.

Nos anos setenta do século passado, foi colocado à frente da extensão do serviço da radiologia no bloco hospitalar de Celas, onde se concentravam diversas especialidades, entre elas a de pneumologia, o que viria a ser decisivo para no seu ulterior percurso profissional. Dirigia aquele serviço o Prof. Robalo Cordeiro (pai), homem de elevada craveira intelectual e de notável dinamismo, cuja intensa actividade científica era reconhecida dentro e fora das nossas fronteiras,

com o qual Telo de Morais colaborou eficazmente. Numa era em que não se dispunha ainda da TAC e em que o diagnóstico radiológico assentava quase exclusivamente na radiografia e na tomografia linear, Telo de Morais adquiriu um conhecimento invejável e desenvolveu meritória actividade científica, nomeadamente de investigação em projetos do Instituto Nacional de Investigação Científica, actividade plasmada em publicações, conferências, mesas- redondas, etc. Não admira, pois, que o seu valimento viesse a ser reconhecido pelo American College of Chest Physicians, que o integrou na galeria dos seus fellows. Como quase todos os da sua geração, teve a sua vida profissional interrompida dois anos pela prestação de serviço militar, que decorreu em Angola. Por decisão própria, aposentou-se em 1997, quando quer a saúde, quer o seu saber, lhe teriam permitido continuar a sua meritória acção hospitalar.

Dentro do seu hospital (e não só), era frequentemente procurado por clínicos de diversas áreas para esclarecer as suas dúvidas radiológicas, tendo sempre encontrado nele o atendimento mais cordial e o conselho avisado e sensato.

Muito empenhado no ensino pós-graduado, parte desse seu labor ficou documentado com a publicação, em quatro tomos largamente difundidos, dos temas apresentados nas reuniões científicas do serviço, o que lhe exigiu intenso trabalho de correcção para que os textos alcançassem a qualidade que almejava. A sua acção na formação dos especializandos deixou marca impressiva em sucessivas gerações de colegas que lhe ficaram devendo ensinamentos na área técnico- científica e também na relação médico-doente, de que era um excelso cultor, tendo pertencido ao Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médica, durante 14 anos.

Na linha desta sua postura humanista se inscreve o seu interesse por temas bioéticos, tendo sido um dos fundadores da primeira instituição dedicada à bioética em Portugal, o Centro de Estudos de Bioética, interesse traduzido também na sua intervenção em dois congressos que ficaram para a história da nossa bioética, promovidos pela Associação do Médicos Católicos Portugueses, um intitulado Cérebro e Espírito e o outro Da Vida à Morte, ambos nos anos oitenta.

Para o grande público, porém, o nome de Telo de Morais, fica ligado às artes, muito em especial à pintura. Na sua juventude, começou ele próprio a pintar, com uma clara inclinação para o futurismo, mas acabou por não dar seguimento a esta vocação, quiçá por não acreditar no seu próprio génio. Passou então a dedicar-se ao estudo e ao colecionismo da pintura portuguesa, adquirindo nela superior conhecimento e reunindo um conjunto de telas de grande valia. Sempre preocupado em melhorar o seu acervo pictórico, mas limitado às paredes da sua casa que, no entanto, albergava cerca de três centenas de telas, não perdia ocasião para se desfazer do que lhe parecia ser menor gabarito se lhe surgia a oportunidade de o substituir por uma tela que mais apreciasse, com o que a qualidade da sua colecção se foi enriquecendo cada vez mais. É sabido que esta preciosa colecção foi doada, há já mais de vinte anos, à Câmara Municipal de Coimbra, que a alberga no seu Museu do Chiado, e com ela doou os seus móveis de maior valor, as pratas e as porcelanas mais preciosas, que com tanta paixão tinha coleccionado também ao longo da sua longa vida. Doar quando se morre será meritório, mas muito mais o é quando se doa em vida tudo aquilo que a pessoa vai juntando ao redor de si e que, de certo modo, constitui a extensão do seu mundo íntimo. Feita a doação, continuou a rodear-se de pintura, agora privilegiando a arte portuguesa do último meio século, constituindo assim nova coleção, demais de duas centenas e meia de telas, que também já cedeu ao mesmo Município por um valor simbólico. Em tudo isto o acompanhou, com igual desprendimento, a sua Mulher, numa exemplar simbiose conjugal.

Esta curta nota não permite aludir ao muito mais em que abundou a sua vida tão cheia, desde as publicações e conferências sobre pintura até aos livros de poesia (musa que o encantou no outono da vida), ou desde o seu gosto de enófilo sabedor à actividade cinegética que tanto apreciava.

O que recordo deste meu querido Amigo, mais do que tudo o que profissionalmente lhe fiquei devendo, foi o seu exemplo de alma franciscana, a generosidade que prodigalizava com mãos largas a tantos desfavorecidos, escondendo com uma mão o que ia dando com a outra, pelo que muito do que fez ficará para sempre oculto no coração dos que socorreu. E se me é permitida uma incursão ao que terá sido o núcleo mais profundo do seu ser, tenho a convicção de que ele reside na sua fé de católico esclarecido a comandar todo o seu percurso.

A SPRMN perde no Dr. Telo de Morais um dos seus mais distintos membros e apresenta à Srª D. Maria Emília Telo de Morais e restante Família todo o seu pesar

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