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Acta Radiológica Portuguesa

versión impresa ISSN 2183-1351

Acta Radiol Port vol.33 no.2 Lisboa ago. 2021  Epub 31-Ago-2021

https://doi.org/10.25748/arp.25299 

Artigos de Opinião

COVID-19: Para Além da Fase Aguda

COVID-19: Beyond the Acute Phase

1Serviço de Radiologia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Lisboa, Portugal


12.

14. 15.

No início da pandemia de COVID-19, em março de 2020, o foco da comunidade científica esteve centrado no conhecimento do novo coronavírus (SARS-CoV-2), no seu modo de transmissão, nas manifestações agudas da doença e no respectivo tratamento. Os decisores políticos foram obrigados a criar medidas de mitigação da sua disseminação, numa população mundial não imune, tentando minimizar o impacto na saúde pública e evitar o colapso dos serviços de saúde. Apesar desse esforço colectivo, o número de casos severos e críticos era avassalador, com uma repercussão muito acentuada nos hospitais e, em particular, nas unidades de cuidados intensivos (UCI), onde a atenção estava e esteve concentrada durante os meses iniciais e nas várias vagas pandémicas que se seguiram.

16.

Em agosto de 2021, o total de infectados por SARS-CoV-2 ultrapassou os 200 milhões em todo o mundo, dos quais cerca de 1 milhão em Portugal.(1) Um número indeterminado de todas as pessoas infectadas terá permanecido sempre assintomática e, de entre aquelas que adoeceram, a maioria terá desenvolvido sintomas ligeiros a moderados, 10-15% doença severa e 5% doença crítica.(2)

17. 18.

Inicialmente, pensou-se que os casos pouco graves e com seguimento em ambulatório, recuperariam da infecção sem sequelas. No entanto, logo na primeira vaga da pandemia, muitas das pessoas infectadas, algumas assintomáticas ou com casos ligeiros descreviam, de forma prolongada no tempo, sintomatologia diversa, por vezes imprevisível e cíclica, com importante compromisso da sua qualidade de vida. Nesses primeiros meses, constituíram-se grupos de doentes, particularmente nas redes sociais, com o intuito de partilhar informação e criar entreajuda. Em maio de 2020, o conceito ganhou projecção através de um artigo de opinião escrito por um professor de infecciologia, que descrevia uma “montanha russa de sintomas”, nas sete semanas após a sua infecção.(3) Nesse mês, o termo #LongCovid, foi usado pela primeira vez por uma doente, na rede social Twitter, pretendendo alertar a restante população, a comunidade científica e as várias instituições envolvidas na gestão da pandemia, para um problema que passou despercebido durante muito tempo, mas que se previa vir a ter importantes consequências a longo prazo.(3,4) Em agosto de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reuniu com representantes do grupo LongCovidSOS e concordou com a necessidade de reconhecer esta nova entidade e de promover investigação dedicada. Com base nessa intenção, foi estabelecido o código U09 na classificação da ICD-10 (International Classification of Diseases - 10ª revisão), como Condição Pós-COVID-19.(5) Até hoje, não existe uma designação unânime e consensual para esta nova entidade clínica, que é reconhecida como um conjunto de sintomas físicos e mentais, existentes quatro semanas ou mais após a infecção por SARS-CoV-2, isto é, passada a fase aguda, sabendo-se que, dependendo da severidade do quadro clínico inicial, o tempo de recuperação médio da doença é habitualmente de duas a três semanas. Constata-se que não há associação entre a severidade da doença aguda e os sintomas subsequentes.(2,5,6) Segundo o Instituto Nacional de Estatística Britânico, cerca de 20% das pessoas que testam positivo à COVID-19, tem sintomas por cinco ou mais semanas e 10% tem sintomas por doze ou mais semanas.(2,7) Sob este conceito abrangente, existem contextos clínicos diferentes, que importa considerar: casos de infecção assintomática e de doença aguda ligeira ou moderada, sem internamento hospitalar e casos de doença aguda severa ou crítica com internamento hospitalar, frequentemente em UCI.(5) Em todas as situações, pode desenvolver-se um quadro clínico pós-viral prolongado, com sintomatologia variável entre doentes e no mesmo doente, por vezes após recuperação inicial, de modo recorrente ou persistente, por tempo indeterminado.(5,6) As manifestações descritas são múltiplas, sendo as mais comuns: fadiga, dispneia, mialgias, artralgias, cefaleias, tosse, toracalgia, anosmia, disgeusia, diarreia, palpitações, alterações cognitivas frequentemente descritas como brain fog.(2) Alguns casos têm critérios de diagnóstico de Síndrome de Fadiga Crónica/ Encefalomielite Miálgica, condição habitualmente iniciada após infecção vírica, com sintomas debilitantes como intensa fadiga e dor músculo-esquelética, com agravamento pós-esforço.(8) Os doentes que tiveram doença aguda severa ou crítica, nomeadamente com pneumonia que evoluiu para Síndrome de Dificuldade Respiratória Aguda (SDRA), com internamento em UCI, podem sofrer de sequelas de órgão, essencialmente pulmonares e cardíacas e de Síndrome Pós-Internamento em Cuidados Intensivos, decorrente de longos períodos de ventilação mecânica, bloqueio neuromuscular e sedação, incluindo complicações cognitivas, psiquiátricas e físicas, como a neuromiopatia dos cuidados intensivos.(9,10)

19.

Perante a necessidade evidente de seguimento destes doentes, em contextos clínicos muito variáveis, foram sendo constituídas consultas de acompanhamento Pós- COVID-19, em todo o mundo, cuja principal característica é a agregação de especialidades de forma flexível, sendo desenhadas em função de cada quadro clínico. A multidisciplinaridade é, assim, indispensável, sendo as especialidades clínicas mais solicitadas a medicina geral, a medicina interna, a pediatria, a infecciologia, a pneumologia, a cardiologia, a neurologia, a psiquiatria, a medicina física e de reabilitação. Como muitos casos são clinicamente pouco relevantes e auto-limitados, aconselha-se uma abordagem conservadora nas primeiras quatro a doze semanas.(6)

20.

Como parte integrante da avaliação multidisciplinar, a Radiologia assume destaque no estudo de vários quadros clínicos associados à condição Pós-COVID-19, nomeadamente cardíacos e neurológicos, através do ecocardiograma, da tomografia computorizada (TC) e da ressonância magnética (RM).(5) No entanto, sendo a pneumonia a principal e mais frequente complicação da infecção por SARS-CoV-2, o maior contributo da Radiologia, no seguimento destes doentes, é na avaliação das complicações pulmonares e respiratórias.

21.

Atendendo à potencial gravidade da pneumonia a SARS- CoV-2, em alguns doentes, com evolução para SDRA, necessidade de oxigenoterapia de alto débito, ventilação não invasiva e invasiva, questiona-se a hipótese de virem a existir sequelas pulmonares, nomeadamente de tipo fibrosante. Admitem-se várias etiologias possíveis que podem contribuir para o desenvolvimento de fibrose pulmonar nestes casos, com destaque para a própria pneumonia vírica, para a fibrose pós-SDRA e para o trauma directo por ventilação mecânica.(11) Salienta-se que, para além da pneumonia e possível fibrose residual, existe outra importante causa de morbilidade pulmonar na COVID-19, decorrente da elevada prevalência de fenómenos tromboembólicos, com tromboembolismo pulmonar, essencialmente nos vasos segmentares e sub-segmentares e microangiopatia trombótica in situ no leito vascular pulmonar. Assim, é importante investigar outras possíveis complicações tardias, como a doença tromboembólica crónica e a hipertensão arterial pulmonar.(10,12,13,14)

22. 23.

A principal finalidade do seguimento de doentes que permanecem com sintomatologia respiratória após a fase aguda, é detectar atempadamente alterações residuais que possam indiciar complicações crónicas, susceptíveis de abordagem terapêutica mas, simultaneamente, evitar excesso de investigação e de exames complementares de diagnóstico, permitindo resolução espontânea dos casos de melhor prognóstico.(10) Com base em estudos prévios de outras epidemias a coronavírus, como a SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) em 2003 e a MERS (Middle East Respiratory Syndrome) em 2012, sabe-se que a maioria dos doentes infectados, tem alterações radiológicas aquando da alta, mas que cerca de dois terços tem resolução às doze semanas.(10) Os doentes com SARS, que desenvolveram lesões parenquimatosas e declínio funcional, na sua maioria melhoraram dois anos após o início da doença.(11) Assim, não se recomenda avaliação radiológica de rotina ou seguimento respiratório, em doentes sem pneumonia com expressão radiográfica ou naqueles em que se demonstrou a sua resolução completa em radiografia do tórax durante o internamento.(10)

24.

Para os doentes que tiveram pneumonia mais grave, existem vários protocolos de seguimento, que têm que se adequar à disponibilidade de cada centro. Como exemplo, a Sociedade Torácica Britânica (British Thoracic Society-BTS) adoptou dois algoritmos, consoante a gravidade em fase aguda e a condição clínica à data da alta, que define o início temporal do seguimento.(10) Os doentes que tiveram doença severa a crítica, fazem consulta de avaliação geral às 4-6 semanas e consulta presencial, com avaliação respiratória e radiografia do tórax, às 12 semanas. Se as alterações radiológicas regrediram e não houver sintomatologia, não é necessário prosseguir com o seguimento. Caso persistam alterações radiológicas e/ou clínicas, sugere- se a realização de avaliação complementar com provas de função respiratória, teste de marcha com oximetria e ecocardiograma, TC torácica volumétrica de alta resolução (TCAR) sem contraste e eventual Angio-TC torácica. Os doentes que tiveram doença ligeira a moderada, predominantemente seguidos em ambulatório, fazem uma radiografia do tórax, para análise comparativa, às 12 semanas. Se houve resolução das alterações radiológicas e não existir sintomatologia persistente ou de novo, termina o seguimento, o que é expectável que aconteça na maioria dos casos. Se persistirem alterações radiológicas significativas, é importante avaliar a sintomatologia acompanhante e realizar provas de função respiratória. Com base nos resultados, deverá ser considerada investigação adicional, nomeadamente teste de marcha com oximetria, ecocardiograma, TCAR sem contraste e eventual Angio- TC torácica. Em todos os casos, consoante as alterações detectadas, quer clinicamente quer nos vários exames complementares de diagnóstico, os doentes deverão ser encaminhados para as respectivas consultas dedicadas de pneumologia, medicina interna e cardiologia.(10)

25.

Os protocolos de TC torácica de seguimento, devem incluir avaliação volumétrica de alta resolução sem contraste endovenoso e com contraste endovenoso, quando há necessidade de avaliação das artérias pulmonares, em contexto de tromboembolismo. Considerando-se que a Angio-TC torácica subestima a doença trombótica periférica microvascular, frequente na COVID-19, a avaliação por Angio-TC de dupla energia com estudo da perfusão pulmonar, pode ser útil neste contexto.(12) Na leitura dos exames, é importante destacar os sinais de pneumonia organizativa, de fibrose incipiente, avaliando a presença de achados acessórios como a redução de volume lobar inferior em planos sagitais, de tromboembolismo residual, de alterações perfusionais e de sinais indirectos de hipertensão arterial pulmonar, como o diâmetro da artéria pulmonar acima de 30-31 mm ou um ratio artéria pulmonar/aorta ascendente superior a 1.1, sendo este um critério mais fiável perante fibrose pulmonar estabelecida.(13)

26. 27.

Existem muitos estudos efectuados e publicados de seguimento radiológico destes doentes, essencialmente efectuados aos 3 meses e em menor número além desse tempo, alguns até aos 6 meses. A maioria dos estudos descreve avaliação por TC torácica, habitualmente integrando as alterações clínicas e funcionais, através de provas de função respiratória.

28.

Os achados são relativamente uniformes, sendo as alterações mais comuns, as áreas de densificação em vidro despolido, as interfaces irregulares, a reticulação grosseira, as dilatações brônquicas e as bandas parenquimatosas.(15)

29.

Todos os estudos concluem que têm resultados inconclusivos quanto ao significado destas alterações, atendendo ao facto das avaliações serem demasiado precoces e algumas com amostras pequenas, sendo necessário seguir mais tempo os casos que não resolveram. Além disso, salienta-se que algumas alterações encontradas nos exames de seguimento, mesmo que sugiram componente fibrosante, podem traduzir apenas lesões residuais reversíveis irrelevantes ou, mesmo que permanentes, com pouco significado clínico. Para aferir a relevância clínica dessas alterações radiológicas, que é o objectivo último da sua interpretação, é fundamental fazer sempre a sua integração com a sintomatologia do doente e com as provas de função respiratória.(16)

30.

Compreende-se, agora, que a expressão da condição Pós-COVID-19 é muito significativa, com impacto nos doentes, na sociedade e nos serviços de saúde, que terão que lidar, por muito tempo, com o seguimento destes casos. Não sendo excepção, os Serviços de Radiologia devem estar preparados para um aumento do número de exames, decorrente deste novo contexto. Segundo a OMS, é fundamental dar prioridade à caracterização clínica dos doentes afectados, com o intuito de diagnosticar e adoptar um tratamento adequado.(3) Parte dessa tarefa, envolve a realização de estudos de seguimento a longo prazo, com grandes séries de doentes, para concluir acerca das implicações clínicas e funcionais das alterações encontradas e definir a melhor abordagem, tentando minimizar o seu impacto no futuro e evitar sequelas irreversíveis.

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