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Acta Radiológica Portuguesa

versão impressa ISSN 2183-1351

Acta Radiol Port vol.33 no.2 Lisboa ago. 2021  Epub 31-Ago-2021

https://doi.org/10.25748/arp.22421 

Artigos Originais

Preditores de Sobrevivência e Margens Cirúrgicas Positivas em Doentes com Adenocarcinoma Ductal do Pâncreas: um Estudo Retrospetivo num Único Centro

Predictors of Survival and Positive Surgical Margins in Pancreatic Ductal Adenocarcinoma: a Single Center Retrospective Study

1Escola de Medicina, Universidade do Minho, Braga, Portugal.

2Serviço de Radiologia, Departamento de Imagiologia, Centro Hospitalar Universitário do Porto, Porto, Portugal

3Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) e Escola de Medicina, Universidade do Minho, Braga, Portugal.

4ICVS/3B’s, Laboratório Associado do Governo PT, Braga/Guimarães, Portugal.

5Serviço de Anatomia Patológica, Departamento de Patologia, Centro Hospitalar Universitário do Porto, Porto, Portugal.

6Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, Portugal.

7i3S, Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, Universidade do Porto, Porto, Portugal.


Resumo

24.

Introdução: O adenocarcinoma ductal do pâncreas é uma das principais causas de morte por cancro. Apresenta uma baixa sobrevivência mesmo na pequena proporção de doentes submetidos a cirurgia. O objetivo deste estudo foi avaliar o valor da TC pré- operatória na previsão do envolvimento das margens cirúrgicas e identificar características imagiológicas preditoras de sobrevivência nos doentes com adenocarcinoma pancreático ressecável.

25.

Métodos: Foram avaliados retrospetivamente 62 doentes com adenocarcinoma pancreático confirmado histologicamente e submetidos a ressecção cirúrgica entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2019. Os registos clínicos e as TC pré-operatórias foram revistos para recolha de dados clínicos e imagiológicos. Os dados foram avaliados com o teste do Qui- quadrado e regressão logística binária. A análise de sobrevivência realizou-se com recurso ao método de Kaplan-Meier, ao teste de Log-Rank e à regressão de Cox.

26.

Resultados: Dos 62 doentes incluídos no estudo, identificaram-se 35 com margens negativas e 27 com margens positivas. Na análise multivariada, o contacto vascular revelou- se preditor de margens cirúrgicas positivas. A sobrevivência média foi de 26,3 meses, sendo significativamente diferente entre os grupos com margens positivas e negativas. Na análise de sobrevivência, a densidade tumoral na TC (HR=0,985, p-value=0,035) e sinais imagiológicos sugestivos de envolvimento perineural extra-pancreático (HR=2,324, p-value=0,048) foram identificados como preditores de sobrevivência.

27.

Conclusão: A TC pré-operatória é uma ferramenta útil na previsão das margens cirúrgicas positivas e sobrevivência, podendo ajudar na identificação de doentes com tumores ressecáveis com pior prognóstico que possam beneficiar de outras estratégias terapêuticas.

Palavras-chave: Pâncreas; Análise de sobrevivência; Tomografia computorizada.

Abstract

32.

Introduction: Pancreatic ductal adenocarcinoma is one of the most common causes of cancer- related death. The overall survival is short even in the small proportion of patients who are eligible for surgical resection. The aims of our study were to assess the value of preoperative CT scan in the prediction of the surgical margin status and to identify imaging features that predict the survival of patients with resectable pancreatic adenocarcinoma.

33.

Methods: Our study included 62 patients with histologically confirmed pancreatic adenocarcinoma, who underwent surgery between January 1st 2010 and June 30th 2019. Medical records and preoperative CT images were reviewed in order to collect clinical and imaging data. Data was analyzed with the Chiquare test and binary logistic regression. Kaplan-Meier estimates, Log-Rank test, and multivariate Cox proportional hazards regression were used for the survival analysis. Results: From the 62 patients who underwent surgery, negative surgical margins were achieved in 35 of them and 27 patients had positive surgical margins. In the multivariate analysis, vascular contact was a predictor of positive surgical margins. The mean survival was 26,3 months, being significantly different between the two groups of surgical margins. In survival analysis, tumor density on CT (HR=0,985, p-value=0,035) and imaging signs of extra- pancreatic perineural involvement (HR=2,324, p-value=0,048) were identified as predictors of survival.

34.

Conclusion: Preoperative CT is a useful tool to predict positive surgical margins and survival. It helps to identify patients with resectable tumors but worse prognosis who can benefit from different therapeutic strategies.

Keywords: Pancreas; Survival analysis; Computer tomography.

Introdução

O cancro do pâncreas é uma das principais causas de morte por cancro, quer em homens, quer em mulheres.(1,2) O adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC) corresponde a 80% dos casos de cancro de pâncreas, seguindo-se os tumores neuroendócrinos.(1) O PDAC apresenta uma sobrevivência de apenas 5% a 5 anos,(3) pois em 80% dos doentes, ao diagnóstico, a doença já se encontra localmente avançada ou com metástases,(4,5) invalidando a hipótese de uma ressecção cirúrgica, o único tratamento potencialmente curativo.(6)

Para o diagnóstico e estadiamento de PDAC, a tomografia computorizada (TC) é a modalidade de imagem preferencial.(7) Por norma, o tumor pancreático é visível na TC como uma massa ou nódulo hipocaptante, quando comparada com o parênquima normal.(8)

Atualmente, a classificação de estadiamento mais aceite para o PDAC é a da National Comprehensive Cancer Network, que é baseada no sistema TNM9. Para além disto, é feita uma divisão dos tumores em não ressecáveis, ressecáveis e borderline, de acordo com a presença/ ausência de metástases e invasão vascular, o que condiciona a abordagem terapêutica.(3,10)

Classicamente, a primeira opção terapêutica para doentes com tumores ressecáveis era a ressecção cirúrgica com quimioterapia adjuvante. Da mesma forma, doentes classificados como borderline eram frequentemente tratados com cirurgia, dependendo da experiência do centro e, por vezes, recorrendo a ressecções cirúrgicas mais alargadas.(5) Porém, existe uma tendência crescente para a realização de quimioterapia ou quimioradioterapia neoadjuvante previamente à cirurgia, em particular nos tumores classificados como borderline. Contudo, atualmente ainda não é claro quais destes doentes poderão beneficiar mais desta abordagem.(3) Os avanços na área da Radiologia têm permitido um melhor diagnóstico e estadiamento do PDAC e, deste modo, uma melhor seleção dos doentes com doença ressecável que beneficiam de cirurgia.(11)

Com este estudo pretende-se avaliar o valor da TC pré-operatória na previsão do envolvimento das margens cirúrgicas e identificar características clínicas e/ou imagiológicas preditoras de sobrevivência em doentes com adenocarcinoma ductal pancreático.

Métodos

Estudo retrospetivo aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde do Centro Hospitalar Universitário do Porto. O estudo incidiu sobre a população de doentes submetidos a ressecção de adenocarcinoma ductal pancreático, entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2019. Foram incluídos no estudo todos os doentes com tumores considerados ressecáveis/borderline pela avaliação multidisciplinar e com diagnóstico anatomopatológico de adenocarcinoma ductal pancreático. Excluíram-se os casos em que a TC pré- operatória não estava disponível para consulta, apresentava limitações técnicas ou as imagens eram de fraca qualidade. Foram ainda excluídos todos os casos em que houve perda de seguimento ou o doente foi submetido a terapêutica neoadjuvante.

Dados clínicos

Para cada indivíduo foram registadas as seguintes variáveis de interesse: género, idade ao diagnóstico, valor analítico de CA 19.9 pré-operatório, tipo de ressecção cirúrgica realizada, estadio AJCC, status da margem cirúrgica (R0, R1 ou R2), intervalo de tempo entre o diagnóstico e a cirurgia e a sobrevivência (definida como tempo entre a data da cirurgia e a data de morte). Os óbitos foram atualizados à data de 19 de novembro de 2019.R0 corresponde a margem cirúrgica negativa. R1 representa a presença de células tumorais a ≤ 1 mm da margem cirúrgica. R2 denota envolvimento macroscópico da margem. R1 e R2 foram classificados como margem cirúrgica positiva.(10)

Dados imagiológicos

Para todos os 62 doentes, as imagens de TC foram revistas pelo mesmo radiologista, no Picture Archiving and Communication System. Os exames foram efetuados em equipamentos de TC de 16 ou 64 cortes, com alguma variabilidade nos equipamentos dado que alguns exames foram efetuados fora da instituição.

De modo a recolher dados imagiológicos relevantes de forma sistematizada, foi utilizado um relatório imagiológico estruturado adaptado do relatório resultante do consenso entre a Society of Abdominal Radiology e a American Pancreatic Association.(9,12,13) Este relatório foi simplificado e foram adicionadas outras características imagiológicas com valor prognóstico identificadas na literatura.

Assim, avaliaram-se as seguintes características imagiológicas: localização e tamanho da massa tumoral, valor de densidade média e rácio entre a massa tumoral e o tecido pancreático normal, sinais de metastização, de invasão dos gânglios linfáticos; contacto vascular, envolvimento da margem retroperitoneal, invasão duodenal e envolvimento perineural (extrapancreático).

O tamanho da lesão usado nos modelos do estudo foi obtido nas imagens de TC através do valor de medição (em centímetros) mais elevado obtido em um dos três planos ortogonais. A densidade tumoral foi calculada em unidades Hounsfield (HU) na fase portal, com recurso a uma região circular de interesse (ROI), localizada sobre a massa tumoral. Para o cálculo do rácio referido foi também colocada uma ROI no tecido pancreático normal. A metastização foi considerada positiva quando existiam lesões hepáticas metastáticas ou carcinomatose peritoneal na TC. A invasão de gânglios linfáticos foi considerada por critérios dimensionais (eixo curto superior a 10mm) ou presença de necrose central. O contacto vascular foi considerado positivo quando se verificou contacto com a AMS, VMS ou VP, independentemente do grau de envolvimento dos mesmos. O envolvimento da margem retroperitoneal foi considerado quando existia densificação dos planos de gordura do retroperitoneu adjacente ao tecido pancreático. A invasão duodenal foi considerada presente na TC quando o tecido tumoral tinha continuidade com a parede do duodeno, sendo este infiltrado tumoral de densidade semelhante ao tumor primário. O envolvimento perineural extra-pancreático foi considerado quando se verificava invasão de pequenos vasos peri-pancreáticos na aquisição em fase arterial da TC.

Análise estatística

Todas as análises estatísticas foram efetuadas com recurso ao Statistical Package for Social Sciences (SPSS)®, versão 25.0. Realizou-se uma análise descritiva das variáveis de interesse. Testou-se a associação entre variáveis qualitativas com o teste do Qui-quadrado. Foi usado o coeficiente phi (Φ) como medida de magnitude do efeito, considerando- se um efeito baixo para valores entre 0,10-0,30; efeito médio para valores de 0,30-0,50; e efeito alto para valores iguais ou superiores a 0,50(14). Relativamente às variáveis quantitativas, compararam-se os grupos com o Teste de Mann-Whitney. Criou-se um modelo preditivo de margens cirúrgicas, recorrendo à regressão logística binária.

Para a análise de sobrevivência usou-se o método de Kaplan-Meier e o teste de Log-Rank. Depois de uma análise univariada, os fatores prognósticos significativos foram incluídos num modelo de regressão de Cox. Para todos os testes, os resultados foram considerados estatisticamente significativos para valores de p ≤ 0.05.

Resultados

Neste estudo foram analisados 62 doentes, 30 homens e 32 mulheres, com idades ao diagnóstico compreendidas entre os 37 e os 85 anos (mediana de 69 anos, AIQ:62-76).A mediana do tamanho tumoral na TC pré-operatória é 3,0 cm (AIQ:2,2-3,8). O tempo médio de seguimento foi de 20,5±23,7(0,2-114,9) meses. No período de tempo incluído no estudo, faleceram 48 dos doentes, correspondendo a 77,4% dos casos. A taxa de mortalidade pós-operatória a 90 dias é de 8,1%. Das 62 intervenções cirúrgicas, 4 delas com recurso a ressecção vascular, obtiveram-se 35 com margens R0, 24 com margens R1 e 3 com margens R2.

As características clinicopatológicas (Tabela 1) e imagiológicas (Tabela 2) dos doentes foram resumidas, agrupadas de acordo com o resultado da ressecção do tumor pancreático (margens cirúrgicas negativas versus positivas).

Nos doentes com margens cirúrgicas positivas, existia contacto vascular na TC pré-operatória em 20 (74,1%) doentes e envolvimento da margem retroperitoneal em 18 (66,7%). Nos 35 doentes em que as margens cirúrgicas foram negativas, 10 (28,6%) tinham contacto vascular na TC e 12 (34,3%) doentes tinham sinais de envolvimento da margem retroperitoneal.

Tabela 1: Características clinicopatológicas dos 62 doentes com adenocarcinoma ductal pancreático, sujeitos a ressecção cirúrgica entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2019 e que foram incluídos no estudo. Os grupos foram divididos de acordo com o status da ressecção cirúrgica (margens cirúrgicas negativas versus positivas). 

72. 73. 74. 75. 78. 81. 84. 85. 86. 87. 88. 89. 94. 99. 104. 105. 108. 111. 114. 115. 117. 119.
Características dos doentesMargens cirúrgicas negativas N=35Margens cirúrgicas positivas N=27
Género 76. Masculino, n (%) 77. Feminino, n (%) 79. 14 (40,0) 80. 21 (60,0) 82. 16 (59,3) 83. 11 (40,7)
Idade (em anos)69 (AIQ: 63-77)70 (AIQ: 60-76)
Valores analíticos 90. CA 19.9 (U/mL) 91. Não disponível 92. CEA (ng/mL) 93. Não disponível 95. 114,8 (AIQ: 26,8-360,4) 96. 2 97. 3,1 (AIQ: 1,4-4,2) 98. 3 100. 167,9 (AIQ: 42,5-1372,5) 101. 5 102. 3,4 (AIQ: 2,3-5,3) 103. 7
Tipo de cirurgia 106. Duodenopancreatectomia cefálica, n (%) 107. Pancreatectomia distal, n (%) 109. 30 (85,7) 110. 5 (14,3) 112. 24 (88,9) 113. 3 (11,1)
Tempo entre TC e cirurgia 116. (dias) 118. 10 (AIQ: 6-27) 120. (AIQ: 5-21)

Os valores entre parêntesis encontram-se em percentagem, salvo indicação em contrário. AIQ: Amplitude Interquartil

Tabela 2: Características imagiológicas das TCs pré-operatórias, dos doentes submetidos a ressecção cirúrgica por adeno- carcinoma ductal pancreático. Os grupos foram divididos de acordo com o status da ressecção cirúrgica (margens cirúrgicas negativas versus positivas). 

126. 127. 128. 129. 134. 139. 144. 145. 146. 147. 148. 149. 156. 163. 170. 171. 172. 173. 174. 175. 176. 177. 178. 179. 180. 181. 182. 183. 184. 185. 186. 187. 188. 189. 190. 191. 192. 193. 194. 195. 196. 197. 198. 199. 200. 201.
Características dos doentesMargens cirúrgicas negativas N=35Margens cirúrgicas positivas N=27
Localização do tumor 130. Cabeça 131. Cabeça e corpo 132. Corpo 133. Cauda 135. 27 (77,1) 136. 1 (2,9) 137. 5 (14,3) 138. 2 (5,7) 140. 23 (85,2) 141. 0 142. 2 (7,4) 143. 2 (7,4)
Tamanho (cm) 2,5 (AIQ: 1,9-3,2)3,3 (AIQ: 2,5-4,0)
Estadio* 150. IA 151. IB 152. IIA 153. IIB 154. III 155. IV 157. 3 (8,6) 158. 8(22,9) 159. 6 (17,1) 160. 10 (28,6) 161. 6 (17,1) 162. 2 (5,7) 164. 1 (3,7) 165. 5(18,5) 166. 2 (7,4) 167. 12 (44,5) 168. 5 (18,5) 169. 2 (7,4)
Densidade tumoral (UH)60,0(AIQ: 40,0-72,0)51,0 (AIQ: 30,0-66,0)
Rácio densidade tumoral / densidade pancreática0,59 (AIQ: 0,43-0,76)0,50 (AIQ: 0,41-0,62)
Contacto vascular10 (28,6)20 (74,1)
Envolvimento da margem retroperitoneal12 (34,3)18 (66,7)
Envolvimento peri-neural extra-pancreático4 (11,4)6 (22,2)
Invasão duodenal13 (57,1)12 (44,4)
Metástases presentes3 (8,6)1 (3,7)
Atingimento ganglionar18 (51,4)16 (59,3)

Os valores entre parêntesis encontram-se em percentagem, salvo indicação em contrário.

*De acordo com a 8ª edição da AJCC. AIQ: Amplitude Interquartil

Modelo preditivo de margens cirúrgicas

Encontrou-se uma associação estatisticamente significativa entre contacto vascular e margens cirúrgicas positivas (χ2(1, n= 62)=12,636,p=0,001), classificando-se como uma associação de médio efeito (Φ=0,451, p=0,001). A associação entre o envolvimento da margem retroperitoneal na TC e as margens cirúrgicas positivas também é estatisticamente significativa (χ 2(1, n=62)=6,399, p=0,011), classificando-se como uma associação de médio efeito (Φ=0,321, p=0,011). Relativamente às variáveis quantitativas, testaram-se as diferenças entre os dois grupos, sendo estatisticamente significativo apenas para o tamanho (U=2,93; p=0,011;r= 0,32).

Com base nos resultados anteriores, testou-se o impacto das variáveis contacto vascular, envolvimento retroperitoneal e tamanho no resultado margens cirúrgicas positivas.

Como apresentado na Tabela 3, só uma das variáveis foi considerada estatisticamente significativa no modelo: o contacto vascular. Assim, doentes com contacto vascular visualizado na TC pré-operatória têm mais probabilidades de ter margens positivas na ressecção tumoral.

Tabela 3: Modelo preditivo de margens cirúrgicas positivas, em doentes com adenocarcinoma ductal pancreático, sujeitos a ressecção cirúrgica. 

213. 214. 215. 216. 217. 218. 219. 220. 221. 222. 223. 224. 225. 226. 227. 228. 229. 230.
Variávelp-valueExp(B)I.C. de 95% para Exp (B)
Contacto vascular0,0085,2071,533-17,687
Envolvimento retroperitoneal extra-pancreático0,0682,9970,922-9,740
Tamanho (cm) 0,3171,3980,726-2,691

Análise da sobrevivência

Foi efetuada uma análise de sobrevivência da população em estudo, obtendo-se uma sobrevivência média de 26,3± 4,6 meses. A taxa de sobrevivência a 5 anos é de 6,5%. Avaliou- se ainda a sobrevivência dos 2 grupos de doentes em estudo (Fig. 1). Doentes com margens cirúrgicas negativas tiveram uma sobrevivência média de 32,9 (95% CI: 19,2-46,7) meses, ao passo que os doentes com margens cirúrgicas positivas tiveram uma sobrevivência média de 16,5 (95% CI: 9.3-711) meses.

Figura 1: Curva de sobrevivência de Kaplan-Meier dos dois grupos em estudo: doentes com adenocarcinoma ductal pancreático submetidos a ressecção cirúrgica, separados de acordo com o resultado cirúrgico (margens cirúrgicas positivas versus negativas). A sobrevivência média global foi de 26,3± 4,6 meses. Doentes com margens cirúrgicas negativas tiveram uma sobrevivência média de 32,9 (95% CI: 19,2-46,7) meses e, nos casos em que as margens cirúrgicas foram positivas, a sobrevivência média foi de 16,5 (95% CI: 9.3-711) meses. 

Modelo preditivo de sobrevivência

Criou-se um modelo preditivo de sobrevivência para avaliar o impacto das variáveis em estudo na sobrevivência dos doentes com adenocarcinoma ductal pancreático. A escolha dos preditores a incluir no modelo baseou- se numa análise univariada, selecionando as variáveis: densidade tumoral (p=0,032) e envolvimento perineural extra-pancreático (p=0,029). Com base na literatura15, incluíram-se ainda no modelo as variáveis tamanho tumoral e presença de metástases. Como apresentado na Tabela 4, as variáveis densidade tumoral e envolvimento perineural extra-pancreático foram consideradas estatisticamente significativas no modelo.

Tabela 4: Modelo preditivo de sobrevivência em doentes com adeno- carcinoma ductal pancreático, sujeitos a ressecção cirúrgica, consideran- do os dados imagiológicos das TC pré-operatórias. 

246. 247. 248. 249. 250. 251. 252. 253. 254. 255. 256. 257. 258. 259. 260. 261. 262. 263. 264. 265. 266. 267. 268.
Variávelp-valueHRI.C. de 95% para HR
Densidade tumoral (UH)0,0350,9850,972-0,999
Envolvimento perineural extra-pancreático0,0482,3240,186-0,993
Metástases0,5701,3830,237-2,209
Tamanho (cm) 0,2730,8350,605-1,152

Para a densidade tumoral, o hazard ratio é de 0,985 (p=0,035; 95% CI: 0,972-0,999), pelo que valor de densidade tumoral superior é preditor de maior sobrevivência. (Fig. 2 e 3).

Quanto ao envolvimento perineural extra-pancreático, o hazard ratio é de 2,324 (p=0,048; 95% CI: 0,186-0,993), pelo que doentes com envolvimento perineural extra- pancreático na TC terão uma menor sobrevivência.

Figura 2: Doente do sexo masculino com 77 anos com adenocarcinoma ductal pancreático (pT3N1R1) e baixo tempo de sobrevida após a cirurgia (7 meses). Imagem de TC mostra neoplasia pancreática com baixo valor de densidade tumoral. 

Figura 3: Mulher de 81 anos com adenocarcinoma ductal do pâncreas (pT2N0R0), com elevado tempo de sobrevida após a cirurgia, atualmente viva e em seguimento clínico (31 meses de seguimento). Imagem de TC axial em fase venosa mostra neoplasia cefalopancreática com elevado valor de densidade tumoral, praticamente isodensa relativamente ao restante parênquima pancreático. 

Discussão

A TC tem um papel essencial na gestão dos doentes com adenocarcinoma ductal pancreático, permitindo o seu estadiamento e ajudando na classificação dos doentes conforme a sua ressecabilidade. Existe, contudo, significativa variabilidade na perceção de ressecabilidade do tumor(16) e uma tendência crescente na utilização de terapêutica neoadjuvante, aspetos que estão a mudar a forma como os dados imagiológicos são utilizados para otimizar a estratégica terapêutica decidida para cada doente. Assim, pretende-se que os dados imagiológicos da TC possam também ajudar a estratificar os doentes conforme o grau de probabilidade de obter margens cirúrgicas positivas, de forma a que doentes com maior probabilidade possam ser ponderados para terapêutica neoadjuvante.(3)

Segundo estudos anteriores, a percentagem de ressecções R1, pode variar entre 20 a 80%.(15,17) No presente estudo, 43,5% dos casos submetidos a cirurgia tiveram margens cirúrgicas positivas, sendo que esta definição inclui não só ressecções R1 como também R2. De referir ainda o facto de, neste estudo, terem sido incluídos todos os doentes submetidos a cirurgia como tratamento de primeira linha, incluindo alguns doentes inicialmente classificados como borderline, que apresentam tendencialmente maior probabilidade de apresentar margens positivas. Adicionalmente, a definição de tumores borderline tem vindo a variar ao longo do tempo, estando também algo dependente da experiência dos diferentes centros.(5)

A presença de sinais de contacto vascular na TC foi um preditor de margens cirúrgicas positivas, quer na análise univariada quer na multivariada. O grau de envolvimento dos vasos e a natureza do vaso afetado (arterial ou venoso) tem extrema importância na avaliação da ressecabilidade da lesão, de acordo com os critérios definidos pela NCCN.(7) Este dado foi também identificado em um estudo recente que mostra o envolvimento da veia portomesentérica como um preditor do envolvimento das margens, juntamente com o tamanho das lesões(10). No nosso estudo, o contacto vascular foi considerado positivo quando se verificou contacto com a AMS, VMS ou VP, independentemente do grau de envolvimento dos mesmos. Desta forma, é reforçada a importância do contacto vascular na avaliação da probabilidade de obter margens cirúrgicas negativas, independentemente do sistema de classificação utilizado.(18) Destacam-se ainda alguns casos com envolvimento venoso submetidos a ressecção vascular com obtenção de margens cirúrgicas negativas, aspeto que deverá ser considerado em estudos futuros, à medida que a percentagem de doentes submetidos a este tipo de ressecções mais extensas for aumentando. Apesar disto, persistem questões em aberto relativamente ao benefício deste tipo de cirurgias como tratamento de primeira linha, sendo que as guidelines mais rigorosas, nomeadamente as da American Society of Clinical Oncology, não recomendam a cirurgia em doentes com contacto venoso de qualquer grau.(19)

Quanto ao envolvimento retroperitoneal, vários estudos demonstraram que é um relevante fator preditor de margens cirúrgicas positivas.(20) Na análise univariada, o envolvimento retroperitoneal foi associado a margens cirúrgicas positivas, o que se explica pela relação anatómica próxima da superfície retroperitoneal com os vasos mesentéricos superiores.(21)

No que diz respeito aos gânglios linfáticos, não se verificou associação entre a sua invasão e as margens cirúrgicas, nem se provou que fosse um indicador de baixa sobrevivência, apesar de tal ser expectável.(21) Estes resultados devem-se, muito provavelmente, à baixa acuidade da TC para a deteção de metástases ganglionares.(3)

O CA 19.9 está estabelecido como um marcador de prognóstico e ressecabilidade.(7) Porém, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no valor de CA 19.9 nem CEA dos dois grupos, o que pode ser justificado pelo número significativo de doentes em que estes valores não estavam disponíveis (11,3 % no caso do CA 19.9). Tal, apesar de permitir a comparação entre os dois grupos, acabou por limitar a inclusão do valor de CA 19.9 no modelo preditivo de sobrevivência.

A sobrevivência a 5 anos foi de 6,5 %, o que é concordante com a literatura disponível em que a sobrevivência em doentes com ACPD operados surge, por norma, como inferior a 10%. Para a análise de sobrevivência, é essencial referir não só a inclusão de tumores classificados como borderline como a exclusão de doentes com perda de seguimento, o que poderia alterar o valor da sobrevivência.(22) A sobrevivência foi significativamente diferente entre os dois grupos do estudo, tendo o grupo com margens negativas uma sobrevivência média 16,4 meses superior ao grupo com margens positivas. Este resultado, apesar de alguma controvérsia que envolve o assunto,(15) vem reforçar os dados revelados por vários estudos que demonstram que as margens cirúrgicas positivas são um importante indicador de mau prognóstico.(26,27,28,29)

Ainda assim, e como o principal objetivo deste estudo se prende com a avaliação de marcadores prognósticos pré- operatórios, as variáveis estudadas foram também avaliadas pela sua influência na sobrevivência dos doentes, sendo este o endpoint final mais importante na avaliação prognóstica. Atualmente, grande parte dos marcadores prognósticos, nestes doentes, incluem apenas os achados pós-operatórios, quer cirúrgicos quer anatomopatológicos.(24)

Na regressão de Cox, concluiu-se que a presença de sinais sugestivos de invasão perineural extra-pancreática na TC é um preditor de menor sobrevivência, corroborando estudos prévios.(6,25) Quanto à densidade tumoral, um tumor com maior valor de densidade prediz uma maior sobrevivência, atestando resultados verificados noutros estudos relativamente a tumores isodensos, justificados com a biologia menos agressiva desses tumores.(24)

Este estudo apresenta, contudo, um conjunto de limitações. Por um lado, inclui um baixo número de doentes, que se distribuem por diferentes estadios e diferentes localizações dentro do pâncreas. Mas, por outro, foram estudados doentes de um período relativamente longo e de um centro com volume significativo de cirurgia hepato-bilio-pancréatica.

O estudo é retrospetivo, o que constitui também uma dificuldade limitando a recolha de algumas variáveis importantes. Contudo, esta limitação foi contornada pelo facto de vários parâmetros imagiológicos terem sido recolhidos após revisão das imagens e com recurso a um relatório imagiológico estruturado. Outra limitação a ter em conta é o facto de não ter sido avaliada a variabilidade intra e inter-observador para as variáveis imagiológicas, o que poderá ser particularmente relevante considerando a variabilidade encontrada na avaliação da ressecabilidade por diferentes radiologistas.(16)

De salientar ainda o facto de não terem sido contempladas as terapêuticas adjuvantes neste estudo, que também poderão ter influenciado a sobrevivência dos doentes.

Conclusão

A TC pré-operatória tem um papel estabelecido na decisão de ressecabilidade dos doentes com adenocarcinoma pancreático. É também uma ferramenta útil na identificação de doentes com neoplasia potencialmente curável com pior prognóstico após a cirurgia, permitindo reconhecer doentes com maior probabilidade de obter margens cirúrgicas positivas e menor sobrevivência. Considerando o uso crescente da terapêutica neoadjuvante neste contexto, a TC pode assumir um papel essencial na identificação dos doentes que beneficiem desta estratégia terapêutica.

Este estudo demonstra que os sinais de contacto vascular são particularmente importantes na previsão das margens cirúrgicas e que alguns dados imagiológicos recentemente explorados, como os sinais sugestivos de invasão perineural extra-pancreática ou o valor de densidade tumoral, podem ser cruciais para prever a sobrevivência dos doentes. Deste modo, torna-se cada vez mais premente uma descrição detalhada da TC pré-operatória. Para além da avaliação da ressecabilidade da lesão, é pertinente considerar a inclusão de outros dados relevantes nos relatórios estruturados, ainda que estes careçam de maior validação prospetiva que deverá ser posta em curso.

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Divulgações Éticas

Suporte financeiro: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsídio ou bolsa.

Recebido: 19 de Janeiro de 2021; Aceito: 22 de Fevereiro de 2021

Correspondência 297. João Amorim 298. Serviço de Radiologia 299. Departamento de Imagiologia 300. Centro Hospitalar Universitário do Porto 301. Largo Professor Abel Salazar 302. 4099-001, Porto, Portugal 303. email: joaoamorim@med.uminho.pt

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) e ARP 2021. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

Conflitos de interesse: Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.

Confidencialidade dos dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de doentes.

Protecção de pessoas e animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

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