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Acta Radiológica Portuguesa

Print version ISSN 2183-1351

Acta Radiol Port vol.34 no.1 Lisboa Apr. 2022  Epub Apr 29, 2022

https://doi.org/10.25748/arp.27065 

Artigos de Opinião

Subespecialização em Radiologia: Indispensável e Gratificante

Subspecialization in Radiology: Indispensable and Rewarding

1Radiologista Abdominal, Centro Hospitalar Universitário de São João, Porto, Portugal

2Sub-Director da Radiologia, Unilabs


Resumo

O tema da subespecialização em Radiologia não é novo. Contudo, tendo em conta a evolução da Radiologia (e a sua ubiquidade), das outras especialidades e da Medicina em geral, talvez nunca tenha sido tão relevante discuti-lo. Neste artigo tenta-se refletir sobre a importância, premência e vantagens da subespecialização na nossa especialidade, abordando-se igualmente determinadas dificuldades que lhe estão associadas, bem como algumas potenciais soluções para as mesmas. Por fim, faz-se ainda uma breve reflexão sobre os meios necessários à implementação da subespecialização na Radiologia Portuguesa. Todos os pontos de vista são pessoais e resultam em grande parte de uma vivência de 7 anos a trabalhar num serviço de Radiologia subespecializado.

Palavras-chave: Subespecialização; Controlo de qualidade; Educação médica.

Abstract

The subject of subspecialty in Radiology is not new. However, given the evolution of Radiology (and its ubiquity), of other specialties and of Medicine in general, it has perhaps never been so relevant to discuss it. In this article I try to reflect on the importance, urgency and advantages of subspecialization in our specialty, also addressing certain difficulties associated with it, as well as some potential solutions. Finally, there is also a brief reflection on the necessary means for the implementation of subspecialization in Portuguese Radiology. All points of view are personal and are largely the result of a 7-year experience working in a sub- specialized Radiology Department.

Keywords: Subspecialization; Quality control; Medical education.

Figure 1: Luís Guimarães 

O tema da subespecialização em Radiologia apaixona-me. Parece-me, inclusive, que pode ser a chave para o futuro da nossa especialidade em Portugal. Foi por isso com muito gosto que aceitei o convite para escrever este artigo de opinião.

Em primeiro lugar, gostava de definir subespecialização, tarefa difícil, porque há vários modelos/graus de subespecialização. Entre 2014 e 2021 tive a oportunidade de trabalhar num serviço de Radiologia “100% subespecializado”, ou seja, um serviço dividido em secções (cardiotorácica, abdominal, musculoesquelética, etc.), cada uma com um corpo diretivo, que se organiza de forma autónoma relativamente às outras secções no que diz respeito às componentes clínica, educacional, investigacional e administrativa. Cada radiologista interpreta exclusivamente exames duma determinada área anatómica, mesmo no serviço de urgência. Considero que este é o cenário ideal, mas dependendo dos recursos e circunstâncias, pode haver outros modelos de subespecialização. Alguns exemplos incluem o funcionamento em secções como acima descrito exceto para o serviço de urgência, a subespecialização individual não organizada em secções (geralmente fruto do esforço voluntário do subespecialista em causa), entre outros.

Em segundo lugar, parece-me também relevante esboçar um resumo das que são, na minha opinião, as principais vantagens e desvantagens da subespecialização em Radiologia. A primeira vantagem prende-se com as possibilidades que abre para que cada radiologista atinja - na sua área de subespecialização - níveis clínicos/educativos (e investigacionais onde possível) significativamente superiores aos que esse mesmo radiologista conseguiria atingir se não fosse subespecializado. A vastidão (crescente) do conhecimento existente em cada área, a complexidade do nosso trabalho, a dificuldade em obter experiência em casos raros/complexos e a indispensabilidade de interação frequente com clínicos para aquisição de critério, aliadas às limitações humanas comuns a todos nós, fazem com que seja para mim claro que um determinado radiologista produzirá um trabalho significativamente melhor se se subespecializar do que se não o fizer. Aliás, esta vantagem é conhecida há mais de 30 anos, como já descrito num artigo de opinião da AJR em 1990.1 Queria deixar muito claro que não estou a dizer que os radiologistas subespecializados são melhores que os não subespecializados, ou que têm mais mérito seja de que tipo for. O que digo é que para um mesmo radiologista, comparando o cenário em que se subespecializa versus aquele em que não se subespecializa, naturalmente o trabalho produzido terá melhor qualidade se tiver oportunidade de se subespecializar e de trabalhar apenas nessa área. Aliás, é este o racional por detrás da subespecialização, sem o qual não faria sentido.

Daqui derivam várias consequências. A mais importante, na minha opinião, é o benefício para os doentes. Se todos os radiologistas de um serviço forem subespecializados e se cada radiologista só interpretar exames da sua área de subespecialização, de 100 doentes que façam exames nesse serviço, 100 receberão relatórios subespecializados. Se só 50% dos radiologistas forem subespecializados, ou se só 50% dos exames interpretados por radiologistas subespecializados forem da sua área de subespecialização, 50% dos doentes receberão relatórios de qualidade potencialmente inferior à que teriam se fossem interpretados pelos mesmos radiologistas, mas subespecializados. Digo doentes, mas podia dizer colegas nossos, clínicos/ cirurgiões, porque é aqui de suma importância referir que estes tomarão decisões cruciais com base nos referidos relatórios.

Outra vantagem é a dinâmica criada dentro de cada secção, que resulta numa melhoria contínua de cada radiologista e numa superior satisfação profissional, aspeto este muitas vezes pouco considerado. Quando todos os radiologistas dum serviço são subespecialistas, é-lhes mais fácil evoluir continuamente na sua área, uma vez não têm que dedicar tempo a aprender/ganhar experiência numa multiplicidade de campos. Ao fazerem-no todos os radiologistas, e à medida que cada um vai partilhando as suas descobertas e experiências clínicas na área com os seus colegas subespecialistas, gera-se uma corrente de crescimento que é mais difícil desenvolver na ausência de subespecialização, dada a dispersão.

Uma outra vantagem prende-se com a formação dos internos. Num serviço subespecializado, os internos aprendem com subespecialistas em todas as valências. O conhecimento, experiência e critério clínico que lhes são comunicados por subespecialistas é, em princípio, superior ao que seria dado pelos mesmos radiologistas se não fossem subespecializados ou por esses radiologistas em áreas que não a da sua subespecialização, com óbvio benefício para a formação dos radiologistas do futuro.

Há bastantes mais vantagens, mas terminaria esta parte com uma última que me parece muitíssimo importante: o tipo de interação com os clínicos que a subespecialização possibilita. Como dizia acima, faz parte do conceito de subespecialização a interação frequente com os clínicos/ cirurgiões das respetivas áreas de diferenciação, sobretudo - mas não só - nas reuniões multidisciplinares. Dessa interação resulta para o Radiologista uma aprendizagem clínica que, quando conjugada com o nosso conhecimento radiológico, nos dá uma capacidade singular de participar nos processos de decisão relativamente ao plano de tratamento dos doentes. Não é raro que, em sede de reunião multidisciplinar, a melhor decisão relativamente à abordagem de um doente seja sugerida pelo radiologista, que além do conhecimento clínico adquirido, tem uma perceção única da patologia do doente e respetiva evolução devido ao conhecimento que tem das imagens. Verificando- se isto, os clínicos/cirurgiões ganham um respeito enorme pela Radiologia e pelos Radiologistas, que passam a considerar como parceiros absolutamente indispensáveis e de elevadíssimo valor para eles e para os doentes. O valor da Radiologia - que noto tantas vezes questionado no nosso país - passa, assim, a ser inequívoco, o que é crucial para a nossa especialidade. Não resisto a partilhar um episódio que nunca mais esquecerei. O Toronto General Hospital é o maior centro de transplante de adultos da América do Norte. O Dr. Paul Greig foi um dos principais pilares desse programa de transplantação de renome durante décadas. Por coincidência, tive a sorte de ser o radiologista abdominal destacado para participar na reunião de grupo hepatobiliar na semana em que ele se reformaria. Como é natural, no fim da reunião, conversámos pessoalmente, mais do que o habitual, e nessa troca de impressões ele perguntou-me se eu sabia qual tinha sido, na sua opinião, o maior avanço da medicina na sua área nos últimos 30 anos. Perante o meu silêncio, afirmou, sem titubear, que tinha sido a Radiologia e a capacidade que os radiologistas com que ele trabalhara (subespecializados), durante décadas, tinham para lhe dar as respostas de que ele precisava, e assim implementar as decisões certas para os doentes, com aumentos de sobrevida (difíceis de medir, mas reais) e redução da morbilidade. É esta a nossa importância, pelo menos quando nos subespecializamos: sermos uma das revoluções mais importantes da Medicina dos últimos 30 anos. Não é coisa pouca…

Como em tudo na vida, há também desvantagens e dificuldades, e não são fáceis de superar.

Uma delas prende-se com a necessidade de um determinado número de radiologistas para que a subespecialização seja possível. Num serviço com menos de 10 radiologistas (talvez a maioria no nosso país), é muito difícil ter os radiologistas a fazer só uma ou duas áreas, por motivos óbvios. No entanto, mesmo estes serviços beneficiam que haja subespecialização noutros serviços de Radiologia que sejam maiores, não só porque podem ter os seus internos a treinar com subespecialistas (doutros serviços), mas também porque podem recorrer aos serviços de um subespecialista para uma opinião ou ajuda em casos mais difíceis, se for necessário. Os serviços não subespecializados já existem. Os que não existem (ou existem poucos) são os subespecializados, mesmo em locais com um número de radiologistas que o permitiria, e são estes que é preciso ajudar a criar, na minha opinião.

Outra dificuldade relaciona-se com as dificuldades organizativas que a subespecialização cria, mesmo num departamento com número suficiente de radiologistas. Do ponto de vista administrativo, é muito mais difícil fazer escalas quando cada radiologista só faz determinadas áreas. Esta é uma dificuldade inicial que só se ultrapassa se se acreditar verdadeiramente nas vantagens da subespecialização. Contudo, uma vez criadas as dinâmicas necessárias, tudo se faz; mas, no início, compreensivelmente, pode ser desmoralizador para quem tem que gerir estas questões organizacionais.

A última dificuldade a que me queria referir, muito relevante, prende-se com a prática da Radiologia privada, que é uma parte importante e indispensável da prática profissional da maioria de nós. Salvo raras exceções, vivemos numa realidade em que o valor da subespecialização é subapreciado por quem administra a Radiologia privada, desde as estruturas diretivas propriamente ditas, até às pessoas que coordenam unidades. A maioria destas estruturas e pessoas viveram durante muitos anos numa realidade em que todos os radiologistas eram generalistas, “faziam tudo”. Na prática diária, estas estruturas e as pessoas que nelas trabalham sofrem muitas pressões para “desenrascar” várias situações nas quais é aparentemente vantajoso que o radiologista disponível faça sempre o que lhes é necessário. Isto é compreensível, deve-se a motivos de variada ordem, incluindo de natureza histórica. Contudo, se acreditarmos na subespecialização, há que tentar mudar mentalidades. E não cabe a quem não é radiologista entender o valor da subespecialização ou liderar a mudança; cabe aos radiologistas, que depois precisam do apoio das mais variadas estruturas diretivas. Nos últimos tempos, tenho-me apercebido duma mudança muito significativa na perspetiva dessas estruturas diretivas, relativamente à importância da subespecialização, mudança que me enche de esperança e otimismo. Mas a liderança do processo e a mobilização para a mudança caber-nos-ão sempre a nós, radiologistas, que só nos empenharemos nessa mesma mudança se realmente acreditarmos no seu valor. Para mim é claro que a evolução da Radiologia pede uma dedicação exclusiva ou pelo menos maioritária a uma determinada área. Quando assim evoluirmos, os radiologistas que serão mais solicitados não serão os que estão mais disponíveis, mas os que acrescentam mais valor.

Ainda na Radiologia privada, noto também que muitos de nós, radiologistas, temos algum receio de nos dedicarmos apenas a uma ou duas áreas, o que é também compreensível. Este aspeto deve-se a múltiplos fatores. Um deles relaciona-se com o receio de que isso possa traduzir-se em menos oportunidades profissionais, por nos tornamos menos capazes de interpretar exames de outras áreas que não a da nossa subespecialização. Mas deve-se também ao facto da maioria de nós não termos tido a oportunidade de experimentar, na primeira pessoa, a realidade que é a prática da Radiologia num contexto de subespecialização. Falo por experiência própria. Apesar de desde há muito acreditar na subespecialização, antes de viver nesse contexto, a minha crença era muito teórica, vaga, e por consequência eu acabava por praticar Radiologia essencialmente não subespecializada, interpretando exames das mais variadas áreas. Sem se experimentar a diferença

- incluindo a muito superior satisfação profissional que a subespecialização proporciona - compreendo a dificuldade que é perceber bem os reais benefícios, o que considero ser uma das dificuldades da implementação da subespecialização. Tendo em conta estes aspetos, parece- me que a evolução para a subespecialização passa também pela manifestação de vontade por parte das estruturas diretivas dos grupos privados, pela garantia que não há uma perda de vencimento e, sobretudo, pela oportunidade de experimentar na primeira pessoa uma realidade em que há subespecialização - tarefa difícil, sem dúvida, mas factível, como tem sido factível em muitos outros locais nas últimas décadas. Por outro lado, sempre haverá muitos radiologistas generalistas, uns por opção (totalmente legítima), outros porque as circunstâncias a isso obrigam. A razão por que menciono a necessidade de radiologistas subespecialistas é porque os generalistas já são a maioria, os subespecialistas é que ainda são relativamente poucos e insuficientes, pelo que é no seu desenvolvimento que é importante apostar. E como é que um Radiologista se torna subespecializado? A cobertura deste tópico vai para além do âmbito deste artigo, e só por si daria para um artigo inteiro. Teceria apenas umas notas muito breves. A primeira é a de que um ano de treino mais intenso numa área - seja de que forma for - fellowship, último ano do internato, etc. - é uma grande ajuda e um excelente começo; mas, só por si, não torna um radiologista num subespecialista. O radiologista torna-se verdadeiramente subespecialista quando tentar formar-se continuamente durante anos numa área e, sobretudo, quando durante anos lida com uma determinada área de interesse e interage com os clínicos/ cirurgiões dessa área. Assim, é crucial o desenvolvimento de planos de formação com a subespecialização em mente - e gostava aqui de fazer um ato de louvor ao Colégio de Radiologia pelo seu recente esforço na atualização do currículo de formação em Radiologia, agora com um enorme foco na subespecialização - mas é também essencial que os radiologistas tenham a possibilidade de trabalhar exclusivamente (ou perto disso) na sua área de dedicação, comunicando assim frequentemente com os nossos colegas clínicos/cirurgiões em reuniões formais e informais. Finalmente, parece-me também essencial disponibilizar oportunidades de formação contínua para todos aqueles que decidam apostar na subespecialização. Estas podem provir duma multiplicidade de fontes, incluindo as sociedades científicas e as instituições em que trabalhamos.

Em resumo, e como é fácil de perceber, sou de opinião que a subespecialização de uma parte da Radiologia Portuguesa é da maior importância, sendo, inclusive, a melhor resposta para muitas das “crises” por que a nossa especialidade vai passando em Portugal. Sei que o caminho não é fácil, não só devido às dificuldades intrínsecas ao processo, mas também porque qualquer mudança gera desconforto. Contudo, acredito firmemente que este é o caminho e estou à disposição para dedicar os próximos anos da minha vida profissional empenhado em que este processo se concretize. Sei que há muitos outros de nós que estão no mesmo barco. Quantos mais formos, melhor, porque juntos somos sempre mais fortes. Vamos lá!

Referências

1. Capp, MP. Subspecialization in radiology. American Journal of Roentgenology. 1990;155:451-4. [ Links ]

Correspondência Luís Guimarães Serviço de Radiologia Centro Hospitalar Universitário de São João Alameda Prof. Hernâni Monteiro 4200-319 Porto, Portugal e-mail: luis.s.guimaraes@gmail.com

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