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Acta Radiológica Portuguesa

Print version ISSN 2183-1351

Acta Radiol Port vol.34 no.3 Lisboa Dec. 2022  Epub Dec 30, 2022

https://doi.org/10.25748/arp.26856 

Perspectivas

Indicações para Utilização da Cintigrafia Óssea no Cancro da Mama

Indications for Bone Scintigraphy Use in Breast Cancer

Inês Próspero1 
http://orcid.org/0000-0003-0668-7993

Gonçalo Ferreira2 
http://orcid.org/0000-0001-9588-7203

Sarah Lopes3 

Cátia Ribeiro4 
http://orcid.org/0000-0001-8563-9580

1Médica Interna de Formação Específica de Medicina Nuclear, Serviço de Medicina Nuclear, Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, Porto, Portugal

2Médico Especialista em Medicina Nuclear, Serviço de Medicina Nuclear, Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, Porto, Portugal

3Médica Interna de Formação Específica de Oncologia Médica, Serviço de Oncologia, Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, Porto, Portugal

4Médica Especialista em Cirurgia Geral, Serviço de Cirurgia, Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, Porto, Portugal


Resumo

A cintigrafia óssea é um exame de imagem útil no cancro da mama por permitir a deteção de metástases com atividade osteoblástica. No entanto, a informação sobre as situações em que o seu uso está indicado encontra-se dispersa e a evidência que a suporta é limitada. O presente artigo procura rever e sintetizar as recomendações atuais para a requisição da cintigrafia óssea no estadiamento e seguimento de doentes com cancro da mama, bem como na monitorização da doença metastática, podendo constituir uma ferramenta útil na prática clínica, para que a aplicação deste exame se traduza em benefícios para o doente, simultaneamente com uma utilização racional de recursos de saúde.

Palavras-chave: Cintigrafia; Cancro da mama; Estadiamento tumor; Seguimento; Metástases.

Abstract

Bone scintigraphy is a useful imaging modality in breast cancer, by assessing the presence of metastasis with osteoblastic activity. Nevertheless, information on its appropriate use is sparse and the evidence supporting it is limited. The purpose of this article is to review and synthesize the current recommendations for ordering bone scintigraphy in the staging and surveillance of patients with breast cancer, as well as in monitoring metastatic disease. It aims to provide a convenient tool for clinical practice, so that bone scintigraphy use results in benefits for the patient, simultaneously with a rational consumption of health-care resources.

Keywords: Scintigraphy; Breast cancer; Tumor staging; Follow-up care; Metastasis.

Introdução

O osso é um dos locais mais comuns de metastização no cancro da mama, podendo ser o único local de doença em 28%-44% de doentes1. A cintigrafia óssea (CO) é um dos exames de imagem requisitados em doentes com cancro da mama, por permitir a deteção de metástases ósseas com atividade osteoblástica2. A sua acessibilidade, a capacidade para avaliar o corpo inteiro a um custo inferior ao de outros métodos de imagem e a elevada sensibilidade para a deteção de doença metastática ativa1,2 contribuem para o seu uso frequente na prática clínica.

Apesar da utilização generalizada da CO, faltam ensaios clínicos randomizados controlados que suportem as indicações para a sua aplicação no cancro da mama2. Atualmente, constata-se um recurso excessivo a exames de imagem em doentes com cancro da mama: no diagnóstico inicial, no seguimento de casos de cancro da mama não metastático e entre doentes com doença metastática3. O uso não apropriado de exames de imagem suscita problemas para os doentes e sistemas de saúde, nomeadamente: possíveis achados falsos positivos ou indeterminados, com consequente necessidade de exames de imagem adicionais, e potenciais atrasos no início do tratamento; exposição desnecessária do doente a radiação; e consumo desajustado de recursos3.

O presente artigo procura sistematizar as recomendações atuais para a requisição da CO no estadiamento e seguimento de doentes com cancro da mama e na monitorização da doença metastática, revendo as guidelines emitidas pelas principais sociedades internacionais de Oncologia e Medicina Nuclear.

Cancro da Mama não Metastático

Estadiamento

O estadiamento no cancro da mama precoce (estádios clínicos 0, I ou II) é dirigido à doença locoregional, uma vez que é raro haver metástases à distância assintomáticas nestes doentes4: a probabilidade de doença metastática é de 0,2% no estádio I e 1,2% no estádio II5. Os falsos positivos superam os verdadeiros positivos e podem atrasar o início do tratamento6. Assim, a CO não é necessária por rotina no estadiamento em doentes assintomáticos3,4, sendo recomendada apenas na presença de fatores considerados de maior risco, nomeadamente: gânglios axilares clinicamente positivos; tumores volumosos (por exemplo, (5cm); biologia agressiva (como o subtipo triplo negativo6); clínica (sinais ou sintomas) ou valores laboratoriais (nomeadamente um nível elevado de fosfatase alcalina2) sugestivos da presença de metástases4. Doentes com sintomas referidos ao osso devem ser investigados, com recurso a CO ou outros meios, dado que esses sintomas estão relacionados com uma maior prevalência de doença metastática2.

No cancro da mama localmente avançado (estádio III), a CO está indicada no estadiamento de todos os doentes, visto que a probabilidade de identificar doença metastática aumenta com o tamanho do tumor e envolvimento ganglionar2,3.

Seguimento

O seguimento de doentes tratados com intuito curativo consiste, de uma forma geral, em consultas regulares e mamografia anual4, sendo um dos objetivos detetar recidiva precoce locoregional ou um novo cancro da mama primário contralateral3. O objetivo da vigilância nestes doentes não é detetar doença metastática assintomática, pois não existe evidência de que a deteção precoce de metástases em doentes sem sintomas melhore os outcomes clínicos, como a sobrevivência global ou a qualidade de vida3.

Desta forma, em doentes tratados a um cancro da mama em estádio 0-III e que estejam assintomáticos, não são recomendados exames para deteção de recidiva à distância, pelo que a CO não está indicada por rotina no seguimento2,3. Em doentes com sintomas ou alterações no exame físico, devem ser realizados exames dirigidos para o problema em causa4,6.

A atual estratégia de seguimento suscita algumas questões: por um lado, faltam dados randomizados que suportem um protocolo definido para a vigilância; por outro, as recomendações para o seguimento têm por base estudos realizados numa época em que os procedimentos de diagnóstico eram menos sofisticados e o tratamento da doença avançada era menos eficaz, o que alerta para a necessidade de novos ensaios que reavaliem a estratégia de vigilância4.

Cancro da Mama Metastático

A CO faz parte do estadiamento inicial no cancro da mama metastático2,3,7. Se, no estadiamento, tiver sido realizada uma Tomografia por Emissão de Positrões com Tomografia Computorizada (PET/CT) com 18F-fluordesoxiglucose (FDG) que revele metástases ósseas, não é necessário realizar CO2,8. Se existirem lesões ósseas noutros exames de imagem, sem avidez para 18F-FDG em PET/CT, a CO pode ser considerada para avaliação do doente2.

Após o início do tratamento, o objetivo dos exames de imagem é guiar a intervenção terapêutica, de modo a maximizar a duração e a qualidade de vida3. Como a evolução clínica de doentes com cancro da mama metastático é variável, faltam dados sobre qual o exame de imagem a utilizar no seguimento destes doentes e com que frequência deve ser realizado3. A CO é o exame de escolha na avaliação de doentes que tenham apenas metástases ósseas7,9.

As guidelines NCCN (National Comprehensive Cancer Network() recomendam monitorizar a doença metastática através de Tomografia Computorizada e CO, com um intervalo de frequência dependente do tipo de terapêutica realizada (hormonoterapia ou quimioterapia)3. Consideram, assim, indicado realizar CO nos seguintes momentos: antes de iniciar uma nova terapêutica, como exame baseline; a cada 4 a 6 ciclos de quimioterapia; a cada 2 a 6 meses, em doentes sob hormonoterapia; no restadiamento, em caso de suspeita de progressão da doença, independentemente do intervalo de tempo em relação a estudos anteriores8. A frequência de monitorização deve ser adaptada ao caso individual de cada doente, podendo ser reduzida em doentes com doença estável de longa duração8.

Importa referir que a CO pode colocar problemas na avaliação de resposta precoce ao tratamento, pelo potencial aumento transitório de atividade (efeito flare) como resposta após o início de uma nova terapêutica7,8, o qual, se incorretamente interpretado como progressão da doença, pode conduzir a uma alteração inapropriada na terapêutica3. Considera-se existir um intervalo de 3 a 6 meses a partir do início do tratamento para que seja possível uma correta avaliação de resposta através da CO1.

Considerações Finais

As indicações para a utilização da CO no cancro da mama, de acordo com a evidência atual, são apresentadas de forma sintetizada na Tabela 1. Salienta-se que estas indicações constituem uma orientação, devendo ser adequadas ao caso particular de cada doente, segundo o raciocínio clínico.

O uso da CO deve ser também considerado em doentes que apresentem uma fratura patológica, permitindo pesquisar outras áreas de potencial fratura e clarificar a extensão da doença2. Em caso de dor óssea de novo ou elevação da fosfatase alcalina, a CO deve ser realizada para restadiamento da doença2.

Apesar do seu uso generalizado, reconhece-se que a CO apresenta limitações na especificidade diagnóstica e na sensibilidade e especificidade na monitorização da resposta ao tratamento1. O recurso a imagem híbrida SPECT (Tomografia Computorizada por Emissão de Fotão Único) com componente CT (SPECT/CT) pode aumentar a sensibilidade e, sobretudo, a especificidade, reduzindo os diagnósticos falsos positivos de metástases1. A PET/CT com 18F-FDG pode permitir uma avaliação mais precoce na monitorização de doença metastática de predomínio ósseo7, possivelmente aos 2 ou 3 meses após início de tratamento1; no entanto, são necessários ensaios prospetivos que determinem a sua repercussão nas decisões terapêuticas e na sobrevivência global7.

Por fim, importa salientar que a CO, bem como os restantes exames de imagem, só devem ser realizados se tiverem impacto nas decisões clínicas, ou seja, se vierem a alterar o curso do tratamento de forma a melhorar a sobrevivência e/ou a qualidade de vida do doente3. Assim, pretende-se que as orientações fornecidas neste artigo constituam uma ferramenta útil na prática clínica, para que a aplicação da CO se traduza em benefícios para o doente, simultaneamente com uma utilização racional de recursos de saúde.

Tabela 1: Indicações para realização de Cintigrafia Óssea (CO) no Cancro da Mama. 

Notas:

* Considerar requisitar CO para avaliação após fratura patológica.

† Se no estadiamento o doente tiver realizado uma PET/CT com 18F-FDG que revele metástases ósseas, não é necessário realizar CO.

‡ Na avaliação de resposta, ter em consideração o possível efeito flare nos primeiros 6 meses após início de uma nova terapêutica

References

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2. http://www.snmmi.org/ClinicalPractice/content.aspx?ItemNumber=15668. Appropriate Use Criteria for Bone Scintigraphy in Prostate and Breast Cancer. [ Links ]

3. Bychkovsky BL, Lin NU. Imaging in the evaluation and follow-up of early and advanced breast cancer: When, why, and how often? Breast. 2017;31:318-24. [ Links ]

4. Cardoso F, Kyriakides S, Ohno S, Penault-Llorca F, Poortmans P, Rubio IT, et al. Early breast cancer: ESMO Clinical practice guidelines for diagnosis, treatment and follow-up. Ann Oncol. 2019;30:1194-220. [ Links ]

5. Brennan ME, Houssami N. Evaluation of the evidence on staging imaging for detection of asymptomatic distant metastases in newly diagnosed breast cancer. Breast . 2012;21:112-23. [ Links ]

6. Cardoso F. 100 Perguntas Chave no Cancro da Mama, 2ª Edição. Permanyer, Lisboa, Portugal; 2017. [ Links ]

7. Gennari A, André F, Barrios CH, Cortés J, de Azambuja E, DeMichele A, et al. ESMO Clinical Practice Guideline for the diagnosis, staging and treatment of patients with metastatic breast cancer. Ann Oncol. 2021;32:1475-95. [ Links ]

8. Nccn.org. National Comprehensive Cancer Network. Breast Cancer (Version 2.2022).2022. [ Links ]

9. Lin NU, Thomssen C, Cardoso F, Cameron D, Cufer T, Fallowfield L, et al. International guidelines for management of metastatic breast cancer (MBC) from the European School of Oncology (ESO)-MBC Task Force: Surveillance, staging, and evaluation of patients with early-stage and metastatic breast cancer. Breast . 2013;22:203-10 [ Links ]

Divulgações Éticas

Suporte financeiro: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsídio ou bolsa.

Recebido: 28 de Março de 2022; Aceito: 05 de Julho de 2022

Correspondência Inês Próspero, Serviço de Medicina Nuclear, Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 4200-072 Porto, Portugal, e-mail: ines.prospero@ipoporto.min-saude.pt

Conflitos de interesse: Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.

Confidencialidade dos dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de doentes.

Protecção de pessoas e animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) e ARP 2022. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

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