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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versión On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.4 no.3 Lisboa dic. 2017

 

DIREITO PÚBLICO

Notas sobre o conceito de acto administrativo da União Europeia

Notes about the European Union administrative act

 

Luís Filipe Mota Almeida1  

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
Alameda da Universidade – Cidade Universitária,
1649-014 Lisboa
E-mail: luisfilipemotaalmeida@gmail.com

 

RESUMO

Resumo: Este texto analisa algumas questões ligadas ao acto administrativo da União Europeia, defendendo-se que esta é uma figura com uma matriz regulatória essencialmente jurisprudencial e apela-se a um consenso para que se chegue a uma regulação europeia que permita alcançar uma noção uniforme desta figura.

 

Palavras-Chave: Acto administrativo da União Europeia; Direito administrativo da União Europeia; Artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia; Tribunal de Justiça da União Europeia; Estrutura institucional da União Europeia;

 

ABSTRACT

The text analises some questions about the European Union administrative act, arguing that this is a figure with an essentially jurisprudential regulatory matrix and appealing for a consensus to reach an european regulation to achieve a uniform notion of this figure.

 

Keywords: The European Union administrative act; European Union administrative law; article 288.º of Treaty on the Functioning of the European Union; Court of Justice of the European Union; European Union institutions.

 

Sumário

1- Introdução; 2- Em busca de uma base designatória e regulatória para o acto administrativo; 3- O conceito de acto administrativo da União Europeia e os seus elementos; 4- A classificação dos actos administrativos da união europeia; 5-Figuras afins; 6-Conclusão.

 

1. Introdução

O acto administrativo é um elemento fundamental na teoria geral do direito administrativo. Evidentemente que este é também um elemento incontornável no direito administrativo europeu2, falando-se, aqui, em acto administrativo da União Europeia. No entanto, no quadro do direito administrativo europeu este é um elemento que carece de uma maior densificação porque, por um lado, tal como sublinham XAVIER ARZOZ SANTISTEBAN3 e TOMÁS DE LA QUADRA-SALCEDO4, estamos a falar de um aspecto em que há um défice de densificação (que se justifica, nomeadamente, por se entender tradicionalmente que há uma menor responsabilidade das instituições da União na execução do direito da União Europeia e na gestão de políticas da União e porque há uma indiferenciação entre a função legislativa e a função executiva5) e porque, por outro lado, como assinala FUENTETAJA PASTOR6, estamos a falar um elemento recente já que a sua sistematização teórica e a construção do seu regime são recentes. Deste modo, não há dúvidas de que o acto administrativo da União Europeia tem sido “muito esquecido”7, pelo que queremos dedicar este artigo ao estudo deste relevantíssimo conceito de modo a dar um contributo para a sua densificação. Fá-lo-emos de uma forma que, tendo em conta o incontornável contributo da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (em diante TJUE), se foque essencialmente no plano da visão da doutrina sobre o tema.

 

2. Em Busca De Uma Base Designatória E Regulatória Para O Acto Administrativo

Existem duas questões prévias muito importantes que têm de ser analisadas. Em primeiro lugar importa olhar para a designação do acto administrativo. Embora, até possa parecer uma “não-questão”, a verdade é que este tem de ser, sem dúvida, o ponto de partida de análise desta questão, tanto mais porque é uma questão que desperta algumas divergências (ainda que nem sempre muito desenvolvidas). A verdade é que na doutrina existem, pelo menos, três definições de acto administrativo, sendo maioritária a designação acto administrativo comunitário8, são, também, utilizadas na doutrina as designações acto administrativo europeu9, acto administrativo eurocomunitário10 e acto administrativo da União Europeia11.

Pela nossa parte, apesar do mérito de todas as propostas de designação, parece-nos que a designação mais rigorosa é a que utiliza o termo acto administrativo da União Europeia por três razões essenciais. A primeira razão prende-se com o facto de o termo acto administrativo comunitário estar desactualizado, uma vez que o Tratado de Lisboa,  num contexto em que a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço já estava extinta desde 2002, fez com que a Comunidade Europeia fosse dissolvida na União Europeia, o que levou a que hoje só subsista a Comunidade Europeia da Energia Atómica12 e portanto, em nosso entender e face a isto, o termo acto administrativo Comunitário só faz, hoje, sentido em relação ao sistema jurídico existente antes do Tratado de Lisboa ou em relação aos actos administrativos praticados pela Comunidade Europeia da Energia Atómica (ou em relação ao seu sistema jurídico). A segunda das razões que queremos enunciar liga-se ao facto de sermos de opinião de dever ser, também, rejeitado o termo acto eurocomunitário por ser uma designação que, apesar de se sustentar em postulados válidos e interessantes, não tem uma suficiente implantação na doutrina e na jurisprudência do TJUE e, além disso, a complexidade do termo pode levar a confusões indesejadas e desnecessárias. Finalmente, em terceiro lugar o termo acto administrativo europeu também não faz sentido porque, por um lado, nem a União Europeia se trata de um sistema jurídico federal (ainda que haja uma inequívoca vocação nesse sentido), nem, por outro lado, (como veremos adiante) o acto administrativo analisado neste artigo se refere ao plano transnacional do direito europeu (nem numa lógica de direito comparado, nem numa lógica do agregado dos espaços de cooperação regional na Europa).

Em segundo lugar, importa olhar para a base regulatória do acto administrativo. Esta é uma busca que não se afigura fácil já que estamos a falar de uma base regulatória muito fragmentária. Desde já, diga-se que esta busca deve inequivocamente partir do direito positivo e da jurisprudência dos Tribunais da União, mas também não se pode esquecer o plano da doutrina13. Assim, temos de olhar para estes três planos. Quanto ao plano do direito positivo é aquele que se afigura mais complexo na medida que, como a generalidade da doutrina assinala, os tratados e o direito derivado da União nunca definem ou referem a noção de acto administrativo, sendo que, por um lado, os tratados focaram a sua preocupação em sistematizar os actos que podem ser adoptados pelos órgãos da União (regulamento, directiva, decisão, recomendação e parecer - que consta do artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, onde a referência aí feita a decisão leva alguma doutrina14 a reconduzir a este preceito a base regulatória do acto administrativo da União Europeia15), o que tem o mérito de distinguir os diversos níveis e formas de eficácia jurídica mas que traz algumas deficiências técnicas (já que está em causa um elenco incompleto - porque evidentemente que nem todos os actos previstos nos tratados são reconduzíveis às categorias de actos enunciadas - e aberto - porque os órgãos da União podem recorrer a formas de actuação diferentes ou atípicas16). O artigo 296.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia faz ainda referência à necessidade de uma motivação que se impõe aos actos normativos e aos actos administrativos e, além do mais, indirectamente pode retirar-se dos tratados a regulação jurisdicional dos actos administrativos (nomeadamente no quadro do recurso de anulação - artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia). Por outro lado, no plano do direito derivado, como sublinham FUENTETAJA PASTOR17 e NUNO PIÇARRA18, temos uma regulação oscilante entre o carácter sectorial (veja-se o caso das políticas europeias) e o carácter especializado (veja-se o caso da matéria organizativa e da regulação de determinados direitos), havendo a regulação de aspectos conexos ao acto administrativo da União Europeia, tais como o silêncio administrativo (em matéria de acesso a documentos ou do estatuto dos funcionários), rectificação de erros (ao nível das patentes e marcas) ou os recursos administrativos (ao nível das agências executivas e da função pública)19

O segundo plano é o da jurisprudência, que (naturalmente) assume aqui um papel crucial (que ficará claro com o desenvolvimento do artigo), estando em causa um papel que surge de forma prudente20 no contexto do controlo jurisdicional da actuação da administração mas que permitiu erigir alguns aspectos importantes do regime do acto administrativo da União Europeia, tendo uma dupla-inspiração que funde a forte tradição jurídica dos Estados-membros nesta matéria com os princípios gerais do direito (que foi algo que preservando os interesses da administração da União garantiu os direitos e os interesses dos sujeitos do direito administrativo da União Europeia21). 

Finalmente, temos um terceiro plano referente à doutrina que, ainda que inicialmente tenha rejeitado a existência do acto administrativo comunitário22, tem dado um contributo que apesar de ser embrionário e em construção tem contribuído indubitavelmente para a construção e densificação do acto administrativo da União Europeia. 

Uma nota final para sublinhar que, na linha do que defende ARZOZ SANTISTEBAN23, entendemos que, embora se caminhe num sentido de uma cada vez maior densificação do conceito de acto administrativo da União Europeia, a verdade é que há factores que justificam este “atraso”. Por um lado, existem factores estruturais que se prendem com o facto de ter existido uma tardia construção da administração da União Europeia, de existir uma certa diferenciação estrutural desta administração com o conceito tradicional de administração24 e o facto de existir uma regulação minuciosa do acesso à tutela jurisdicional no direito primário da União. Por outro lado, temos um factor metodológico-político já que há uma clara diferença dogmática entre as teorias gerais do acto administrativo nos diferentes Estados-Membros25, o que tem dificultado e sido um factor de bloqueio para que nesta matéria se consiga uma harmonização e uma visão comum. Assim, há uma situação paradoxal em que ainda que haja um certo atraso na teorização do acto administrativo, existe uma utilização abundante do acto administrativo pela administração da união26 que assim prolifera e assume uma importância prática central no direito administrativo da União Europeia. 

 

3. O Conceito De Acto Administrativo Da União Europeia E Os Seus Elementos

Feito este excurso preliminar, fica claro que a principal base definitória do acto administrativo deve ser retirada do labor da jurisprudência dos Tribunais da União e da doutrina, já que os tratados, como vimos não nos dão uma base suficientemente segura e densificada para desenvolver tal conceito. Deste modo, gostaríamos neste momento de neste ponto do artigo adoptar um conceito-base de acto administrativo da União e, posteriormente, fazer uma dissecação e análise por elementos (desse conceito).

Sublinhe-se que a decisão sobre este conceito-base não se afigura fácil porque a par de uma grande heterogenia definitória é possível identificar-se um confronto, em linha do que acontece nos ordenamentos-jurídicos dos Estados-Membros, entre concepções amplas e concepções restritas de acto administrativo da União27

Por um lado, temos um conjunto de autores que defende concepção com uma génese mais restritiva. TOMÁS DE LA QUADRA-SALCEDO28, seguindo o entendimento de ZANOBINI, afirma que o acto administrativo se refere a toda a manifestação de vontade, juízo, desejo ou comunicação, emanado de uma instituição europeia de carácter executivo no exercício de um poder administrativo. FAUSTO DE QUADROS29 entende o acto Administrativo da União Europeia como “o acto jurídico emanado dos órgãos da União Europeia no exercício da sua competência administrativa e que visa produzir efeitos jurídicos num caso concreto”. Esta definição é seguida de perto por LOURENÇO DE FREITAS30 que define o acto como sendo o acto jurídico unilateral praticado por um órgão comunitário no exercício da função administrativa e que visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. MARIA LUÍSA DUARTE31 entende o acto administrativo da União “qualquer manifestação de vontade emanada de um órgão da União Europeia, investido de poderes executivos, destinada a produzir efeitos jurídicos numa situação concreta em relação a um destinatário individual, que pode ser um Estado-Membro ou um qualquer outro sujeito de direito, pessoa física ou pessoa colectiva”. FUENTETAJA PASTOR32 afirma que o acto administrativo da União Europeia é “um instrumento jurídico de carácter e alcance singular que produz efeitos jurídicos, adoptado por a administração europeia no exercício de competência executiva”. 

No lado oposto temos uma concepção mais ampla em que podemos identificar ARZOZ SANTISTEBAN33 que define o acto como toda a medida ditada por uma autoridade comunitária, dirigida a regular, de forma vinculativa ou não, um assunto concreto em relação a um destinatário individual (seja ele um Estado-Membro ou um mero sujeito privado). 

Pela nossa parte, entendemos que o conceito-base de acto administrativo, face à falta de consolidação e maturação regulatória, jurisprudencial e doutrinária, não deve logo à partida ser demasiado fechado e conclusivo de modo a permitir que a opção por uma visão ampla ou restrita fique para a análise e concretização de cada um dos elementos do conceito. Assim, pela nossa parte entendemos que o acto administrativo da União Europeia deve ser entendido como sendo uma concretização individual e concreta emanada das entidades integrantes da estrutura institucional da União Europeia no exercício da sua competência administrativa.  

Dito isto, é agora o momento de passar à análise dos elementos formativos explícitos e implícitos do acto administrativo da União Europeia. Em primeiro lugar, devemos analisar o elemento subjectivo activo que vem, em nosso entender, trazer a necessidade de que o acto provenha das instituições que formalmente integram a estrutura orgânica34 da União, podendo estar em causa instituições, órgãos e organismos da União (como por exemplo as agências35)36. Note-se, por um lado, que, como vimos, embora alguns autores prefiram falar em administração da União Europeia, deve rejeitar-se essa visão porque embora nos tratados existam alusões dispersas referentes à administração37 neles não existe uma administração pública no sentido clássico do termo38. Mas, por outro lado, também excluímos, na linha do pensamento de ARZOZ SANTISTEBAN39 e de FUENTETAJA PASTOR40, os Estados-membros quando executam o direito da União Europeia porque aí está em causa um regime da competência dos Estados-Membros e formalmente um acto administrativo nacional. Assim, quanto a esta questão temos de identificar três planos “competenciais” deste elemento: Um plano referente à competência das instituições da União sobre a respeito das administrações nacionais dos Estados-Membros41; Um plano referente à competência inter-institucional (de uma instituição sobre outra); Um plano referente à distribuição de competências dentro das instituições (salvo a Comissão onde vigora um princípio de colegialidade, pode haver por exemplo a questão de se saber se numa agência a decisão cabe ao director ou ao conselho de administração).

Em segundo lugar, temos o elemento subjectivo passivo que em nosso entender, na linha do que defende a generalidade da doutrina42, implica que esteja em jogo um destinatário individual identificado como sujeito do ordenamento jurídico da União Europeia, podendo tais sujeitos ser um Estado-Membro ou um qualquer outro sujeito de direito, pessoa física ou pessoa colectiva (por exemplo uma empresa ou uma Autarquia Local). Desde logo, sublinhe-se que se a segunda parte do elenco de destinatários é pacífico, assim já não é em relação à primeira parte. A verdade é que esta não é uma questão fácil e é uma questão em que domina uma certa indefinição, sendo que a nossa visão é formulada em quatro pontos distintos. Num primeiro ponto, deve sublinhar-se que a razão de ser desta posição assenta na ideia de que, por um lado, os Estados-Membros como sujeitos do ordenamento jurídico da União são, no plano das matérias cedidas à competência das instituições da União, destinatários de direitos e de obrigações e de que, por outro lado, os tratados não estabelecem um regime diferenciado específico (na sua eficácia e função) para a decisão que tenha como destinatário um Estado-Membro43, sendo a única diferença aquela que consta do artigo 299.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia que inibe de força executória as decisões do Conselho e da Comissão (e de qualquer outro órgão administrativo) que imponham uma obrigação pecuniária aos Estados44. Num segundo ponto, deve assinalar-se que a jurisprudência do TJUE45 tem afirmado que quando um acto tem como destinatário um Estado-Membro dele podem resultar direitos a favor dos particulares quando o Estado-Membro ao qual se dirige o acto cumpre as respectivas previsões nele consagradas, sendo que esses direitos e esses efeitos do acto são invocáveis na medida que a obrigação consagrada no acto seja incondicional, suficientemente clara e precisa (de modo a ser susceptível de produzir efeitos directos nas relações estabelecidas entre os Estados-Membros e os particulares). Num terceiro ponto, deve sublinhar-se que o artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia fala numa decisão sem destinatário, mas nesse caso não estamos no plano do acto administrativo porque aí está em causa uma decisão com carácter geral46 o que não se coaduna com a ideia de concretização individual e concreta47 que caracteriza o acto administrativo. Finalmente, num quarto ponto, sublinhe-se que se estiver em causa uma decisão que tenha por destinatários todos os Estados-Membros também não estamos no plano do acto administrativo da União porque aí estamos num plano em que há uma subversão e incoerência do sistema já que o mais adequado era que nessa situação se utilizasse o regulamento ou a directiva uma vez que está em causa uma dimensão geral e abstracta48 e um “indiscutível carácter normativo”49

Em terceiro lugar temos de analisar e discutir a (eventual) existência de “um elemento jurídico-formal”50 reconduzível à necessidade de que o sujeito activo actue no exercício de um poder administrativo51 (revestido de autoridade pública), de uma competência administrativa52 ou de uma competência executiva53. Pela nossa parte, será preferível que se adopte o termo competência administrativa para, assim, se evitar algumas confusões terminológicas ligadas a conceitos e discussões doutrinárias existentes nos Estados-Membros. Este elemento é omitido por alguma doutrina, no entanto assume a maior importância porque, por um lado, temos mais um elemento diferenciador do regulamento54 e da actividade jurídica prosseguida ao abrigo do direito privado55 e porque, por outro lado, temos um elemento que chama a atenção para uma ideia básica de unilateralidade do acto administrativo que é pacífica quer no plano do direito dos Estados-Membros, quer no plano da União Europeia (onde, naturalmente, a produção de efeitos jurídicos não depende do consentimento do destinatário56, não sendo, contudo, incompatível com a sua participação ou de outros sujeitos na fase do procedimento57). Naturalmente, o que aqui está em jogo é uma ideia ligada ao elemento subjectivo activo (e nessa sede já aflorada) de que exista uma norma de competência que permita a prática do acto pelo sujeito activo no âmbito de “uma competência própria”58.

Em quarto lugar é importante analisar e discutir a eventual existência de um elemento intelectual59 ou de um elemento volitivo (a chamada vontade ou motivação). Este é um aspecto formal importante porque pode contribuir para o alargamento do conceito de acto administrativo já que se se rejeitar a exigência de um elemento volitivo e, consequentemente, a ideia de acto administrativo como declaração de vontade, isso pode levar a crer que o acto administrativo pode assumir uma forma vinculativa ou não60. Antes do Tratado de Lisboa61 existiam duas posições, por um lado, uns entendiam que a manifestação de vontade só era possível nas situações em que o poder atribuído ao órgão é um poder discricionária (porque só aí haveria uma margem de decisão), e, por outro lado, uma outra parte da doutrina entendia que o acto administrativo tem sempre um elemento volitivo porque é sempre mediado por a busca do interesse geral e por isso a administração nunca pode ser nem uma autómata (que se limita a aplicar a lei - no caso da competência vinculada) nem uma entidade sem limites (no caso da competência discricionária)62. O Tratado de Lisboa veio esclarecer esta matéria ao estabelecer (contrariamente ao que sucedia quanto ao artigo 253.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia) no primeiro parágrafo do artigo 296.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (quando se fala em “escolhê-lo-ão”) que existe efectivamente no acto administrativo a exigência de um elemento volitivo, exigência essa que tem aliás sido afirmada pelo TJUE63. Isto faz com que a exigência do elemento volitivo seja inquestionável e com que se tenha de rejeitar liminarmente a posição de ARZOZ SANTISTEBAN64 que ao defender que o acto não tem de ser uma declaração de vontade (e consequentemente pode ser vinculativo ou não, já que o que existe é uma lógica de realização da função Administrativa) está, em nosso entender, a subverter a letra do artigo 296.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que neste caso é clara), confunde o elemento volitivo com a força vinculativa do acto e esquece o importante fundamento desta exigência (que, como o TJUE já sublinhou65, visa garantir um controlo da validade do acto pelo Particular e, obviamente, facilitar o controlo jurisdicional). Portanto, pela nossa parte e seguindo FUENTETAJA PASTOR66 e LOURENÇO DE FREITAS67, entendemos que o elemento volitivo se trata de uma formalidade substancial68 ou essencial que deve ser adaptada ao acto e demonstrar inequivocamente o raciocínio do sujeito activo69 (o que, naturalmente, é algo que beneficia os particulares e facilita o controlo jurisdicional do acto), que deve ser notificada ao destinatário da decisão em simultâneo com a decisão desfavorável e, finalmente, a medida de densificação do raciocínio é determinada casuisticamente (é certo que não basta que exista a vontade ou motivação para que se cumpra a exigência deste elemento volitivo, tendo que ser relativamente densificada em função do conteúdo do acto, das circunstâncias em que ele é praticado, das normas jurídicas em jogo e dos interesses em jogo70)71.   

Em quinto lugar temos de sublinhar que é pacífico que existe no acto administrativo da União um elemento formal intrínseco que nos vem exigir que o acto seja escrito. Diga-se, aliás, que este elemento vem concretizar ou consolidar o elemento volitivo, devendo, portanto, assumir uma forma (escrita) idónea a essa consolidação. A proximidade entre os dois elementos é tal que o TJUE72 já afirmou que estes dois elementos são “um todo indissociável”, ainda que a existência de um não exclua o outro (sendo, pois, os dois elementos exigíveis). Note-se apesar disto que GIANDOMENICO FALCON73 faz eco de uma certa jurisprudência do TJUE74 em que se admite que possam haver actos administrativos da União sob a forma oral, porém, em nosso entender, esta posição não faz sentido e é contrária quer ao conceito de acto administrativo da União, quer aquele que vai sendo o entendimento actual da jurisprudência do TJUE75. Por outro lado, e na linha do que afirma FUENTEJA PASTOR76, parece-nos de excluir em virtude desta exigência de forma escrita a possibilidade de existirem actos implícitos (isto é, actos não formalmente exteriorizados, mas que resultam implicitamente de acções materiais ou actos administrativos do sujeito activo) já que estes não a assumem a forma expressa escrita77-78. Naturalmente aqui importa sublinhar que, seguindo FAUSTO DE QUADROS79, há que notar que, para já, estamos no momento da qualificação formal do acto e não no plano da análise dos efeitos jurídicos do acto e da sua impugnabilidade.  

Em sexto lugar temos de analisar o elemento linguístico que se reconduz à relevantíssima questão da língua do acto, sendo muito relevante atender à posição de FUENTETAJA PASTOR80 e da jurisprudência do TJUE para análise deste elemento, existindo aqui dois planos de análise. É, num primeiro plano geral, importante notar que a questão da língua do acto é tratada em diversas normas importantes, desde logo podemos destacar, a título de exemplo, o artigo 3.º do Regulamento n.º 1, de 15 de Abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (que nos vem dizer que nos vem dizer que os textos submetidos pelas instituições da União a um Estado-Membro ou a uma pessoa submetida à jurisdição de um Estado-Membro são redigidas na língua desse Estado) e o artigo 41.º, n.º 4 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (que nos vem dizer que todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas oficiais dos Tratados e o direito de obter resposta nessa mesma língua) que, no fundo, consagram uma obrigação da União e das suas instituições respeitarem a pluralidade linguística vigente na União e de se dirigirem aos cidadãos da União tendencialmente na língua da sua nacionalidade ou, pelo menos, numa das línguas oficiais da União. De sublinhar, no entanto, que, num plano mais geral, a jurisprudência do TJUE nesta matéria é relativamente rígida havendo situações em que negou a existência (apesar de existirem nos tratados muitas normas referentes a questões linguísticas) de um princípio geral do direito da União Europeia que assegure “a cada cidadão o direito a que tudo o que seja susceptível de afectar os seus interesses seja redigido na sua língua em todas as circunstâncias”81 e noutras situações em que afirmou que se a administração envia a uma pessoa submetida à jurisdição de um Estado-Membro82 um acto em língua diferente da desse Estado está a cometer uma irregularidade susceptível viciar o ato e o procedimento apenas no caso de essa utilização da língua trazer consequências prejudiciais ao destinatário83. Em nosso entender, este entendimento é demasiado rígido e deve ser combatido, desde logo porque, ao contrário do que tem sido afirmado pelo TJUE, existem bases suficientes para que se entenda que existe um princípio geral da União Europeia no sentido da não-discriminação em razão da língua (que decorre do artigo 21º, n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, conjugado com os artigos 20.º e 22.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o artigo 2.º Tratado da União Europeia), sendo que aliás as anotações à carta vêm sublinhar que se proíbem discriminações em razão da língua “praticadas pelas próprias instituições e órgãos da União, no exercício das competências que lhe são conferidas pelos tratados”84, como tal, parece claro que resulta deste princípio que as entidades da União quando praticam um acto têm a obrigação de utilizar a língua do Estado-Membro sob cuja jurisdição o destinatário o do acto ou (eventualmente) na língua em que se dirigiram às entidades da União, sendo que se não o fizer (independentemente de ser lesivo para o destinatário) haverá uma irregularidade.  Por outro lado, existem ainda os regimes linguísticos especiais para grupos específicos (funcionários) ou para o funcionamento interno da administração85, sendo que o TJUE86 já afirmou (e em nosso entender bem) que o Regulamento n.º 1 não se aplica às relações entre as instituições da União e os seus funcionários e agentes, estando os funcionários, outros agentes e os candidatos a esses lugares apenas sujeitos à jurisdição da União (no que respeita à aplicação das disposições do Estatuto) e, além disso, o artigo 6.º do Regulamento n.º 1 permite expressamente que as instituições possam determinar as modalidades de aplicação das regras de linguagem nas suas regras internas (para garantir o bom funcionamento interno das instituições da União)87.

Em sétimo lugar há que analisar um elemento ligado à natureza dos efeitos jurídicos produzidos pelo acto em face de um caso ou situação individual e concreto(a)88. Desde já queremos alertar que esta é uma área um pouco movediça, na medida em que, particularmente por via da jurisprudência do TJUE, tem-se (erradamente) verificado uma certa confusão e sobreposição com a figura do acto recorrível. As duas figuras não podem ser confundidas e aqui em nosso entender há que distinguir três planos distintos: o plano da natureza em sentido próprio (externa ou interna); o plano da vinculatividade dos efeitos jurídicos; e o plano do acto recorrível. Porém, num primeiro momento convém fazer um périplo pelas posições jurisprudenciais e doutrinárias que existem sobre a natureza dos efeitos jurídicos produzidos pelo acto, sendo de notar que em geral aqui domina uma total confusão e sobreposição de planos. Começamos este périplo por fazer uma breve síntese da jurisprudência relevante do TJUE nesta matéria (e que de resto de certa modo enforma a posição da generalidade da doutrina) onde tem dominado um certo alargamento do conceito de acto administrativo (por via processual)89, sendo de assinalar que num primeiro momento houve uma certa ampliação do acto administrativo impugnável (o que trouxe reflexos óbvios para o conceito substantivo de acto)90, num segundo momento houve um certo esbatimento da exigência de definitividade horizontal havendo uma concepção de acto impugnável assente na produção de efeitos jurídicos (dizendo que ora que um acto produz efeitos jurídicos relevantes quando é vinculativo e susceptível de afectar os interesses do autor, acarretando uma modificação da sua esfera jurídica91, ora que basta a produção de efeitos jurídicos, independentemente da forma e da natureza do acto92) e num terceiro momento há um alargamento do acto impugnável em função dos sujeitos com legitimidade havendo uma noção amplíssima quando está em causa um sujeito institucional93, continuando a jurisprudência do TJUE a ser bastante conservadora e restritiva no que respeita à legitimidade dos particulares. Prosseguindo o périplo no plano doutrinário, comecemos por referir que MARIA LUÍSA DUARTE94 sublinha que a produção de efeitos jurídicos resulta da manifestação de vontade e não da obrigatoriedade/vinculatividade do acto, sendo que, portanto, as recomendações e os pareceres são actos administrativos (ainda que não sejam recorríveis). PITTA E CUNHA95, ainda no quadro anterior ao Tratado de Lisboa, entende estarmos perante um acto juridicamente obrigatório, o que exclui, portanto, as recomendações e os pareceres. COLAÇO ANTUNES96 afirma que, apesar de estarmos nós numa área em que há uma grande oscilação da jurisprudência do TJUE, se mantém nos aspectos essenciais uma noção restrita de acto impugnável (em moldes próximos do acto regulador, na lógica alemã) e que os efeitos jurídicos em causa são efeitos jurídicos externos. FAUSTO DE QUADROS97, embora sem grande desenvolvimento, faz uma análise de um ponto de vista prático e entende que, por um lado, a recomendação assume um efeito persuasivo e quando assumir a forma de um acto que vincula o destinatário deve ser vista como acto administrativo definitivo (embora o artigo 263.º não a entenda como acto recorrível) e, por outro lado, o parecer só será acto administrativo definitivo se for um parecer conforme (no entanto, embora seja criticável, a verdade é que por via do artigo 263.º, n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia não é recorrível), sendo que quando nas restantes estamos perante um acto meramente consultivo ou opinativo (e não um acto administrativo definitivo), ora deste raciocínio podemos retirar que para o Sr. Professor  a vinculatividade é um elemento fundamental do acto administrativo havendo uma posição de base restritiva mas mais mitigada (já que ainda que admita que cabem no conceito de acto administrativo da União figuras que a doutrina restritiva clássica afasta liminarmente, a verdade é que continua a defender uma lógica de acto administrativo vinculativo). LOURENÇO DE FREITAS98 afirma que o que está aqui em causa é “primacialmente um acto que produz efeitos jurídicos vinculativos, acto decisório com eficácia externa”, exigindo-se uma definitividade material, sublinhando, porém, que a forma como a jurisprudência do TJUE tem entendido a definitividade material permite um alargamento do conceito de acto de modo a integrar figuras como actos de “soft law”, actos instrumentais opinativos, actos interpretativos, actos internos ou actos meramente confirmativos. Por fim, ARZOZ SANTISTEBAN99 afirma que o acto administrativo não se restringe ao conceito técnico de decisão, abrangendo, também, actos vinculantes (como a recomendação e o parecer) porque a vinculatividade do acto não é elemento fundamental do acto (sendo um mero elemento relativo e não suficientemente determinante), sendo que o que é relevante para que exista um acto administrativo basta que exista um instrumento para a realização de funções administrativas. Pela nossa parte, entendemos que o conceito de acto administrativo substantivo continua, como tradicionalmente se tem entendido, a ser o acto vin culativo e com uma eficácia externa, no entanto há que assinalar que o direito da União Europeia evoluiu de tal maneira que, hoje, actos ou medidas administrativas da União que não cabiam nesta visão tradicional cada vez mais vão cabendo já que assumem inequivocamente estas duas características-chave (é o caso, por exemplo, do parecer conforme e da recomendação) e além do mais, tal como acontece no plano dos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros e em linha com o pensamento de SABINO CASSESE100, em termos teóricos a referência aos actos administrativos internos (isto é, com eficácia interna) é algo ultrapassada já que, no quadro actual, cada vez mais fica claro que a maioria dos actos internos produz efeitos externos (já que há uma tendência para que todos os efeitos sejam externos e sejam uma fatia importante da actuação administrativa) estando, por essa razão, abrangidos pela noção substantivo de acto administrativo da União Europeia. Naturalmente nesta mudança a jurisprudência do TJUE deu um contributo decisivo na caracterização que foi fazendo em alguns arrestos destas figuras, no entanto também não é de esquecer a própria evolução das soluções consagradas nos Tratados, ainda que nem sempre constantes101 (veja-se, por exemplo, o caso dos pareceres do Parlamento Europeu, referido com desenvolvimento por FAUSTO DE QUADROS102). Por fim, importa sublinhar que, no quadro do direito administrativo da União Europeia, o conceito de acto impugnável é, evidentemente, mais amplo que o conceito substantivo de acto administrativo e abrange realidades que, no quadro actual, continuam a não caber no conceito de acto administrativo da União, o que, por um lado, não é problemático porque este controlo jurisdicional da actividade das instituições da União é absolutamente crucial e fundamental (tanto mais porque muitas vezes estão em jogo direitos dos particulares), permitindo um respeito das instituições pelo bloco de legalidade da União, mas, por outro lado, em nosso entender, seguindo ALEXANDER TÜRK103,este conceito de acto impugnável deve ser ainda mais alargado (nomeadamente quanto à legitimidade dos particulares) de modo a que haja um acesso pleno aos Tribunais da União e que haja um controlo jurisdicional pleno e efectivo destes actos, sem grandes e desnecessários limites. 

Finalmente, em oitavo lugar, importa sublinhar na esteira do pensamento de FUENTETAJA PASTOR104 que não constitui elemento do acto administrativo a indicação formal da vias de recurso do acto e dos respectivos prazos105, na medida que os Tratados em lado algum o impõem106. Está, portanto, em jogo um elemento facultativo ou eventual cuja existência está na esfera de discricionariedade do sujeito activo do acto e cuja ausência não traz qualquer consequência. 

 

4. A Classificação Dos Actos Administrativos Da União Europeia

Neste ponto gostaríamos de assinalar que alguns (poucos) autores107 optam por dedicar algumas linhas à classificação dos actos administrativos da União e, portanto, seguindo essa visão também dedicamos algumas linhas a este aspecto, analisando e criticando a tripla distinção realizada por estes autores, embora entendamos que este exercício tem uma utilidade mais teórica do que prática.

A primeira distinção feita por esta doutrina é entre actos vinculativos e não-vinculativos. Para esta doutrina108 esta distinção resulta do artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (e particularmente do quinto parágrafo) os actos administrativos não-vinculativos reportar-se-iam aos pareceres e as recomendações, sendo os actos vinculantes os demais. Em nosso entender, esta distinção é equívoca e ultrapassada já que se baseia numa ideia tradicional (de certo modo vertida no artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) de que os actos administrativos são só os que são vinculativos, sendo os pareceres e recomendações actos menores. A verdade é que como atrás sublinhámos, em linha com o que vem dizendo grande parte da doutrina e da jurisprudência do TJUE, no quadro actual já não se pode entender os pareceres (vinculativos) e as recomendações como actos menores, estamos perante verdadeiros actos administrativos da União Europeia e esta classificação não abona a favor do abandono dos preconceitos ortodoxos tradicionais. Diga-se que as mesmas reservas se nos colocam em relação à classificação proposta por FAUSTO QUADROS109 e que distingue entre actos obrigatórios (são os actos do conselho e da comissão) e não-obrigatórios (são as recomendações e os pareceres), já que é uma classificação tributária da que referimos anteriormente (ainda que mais aceitável).

A segunda classificação tem uma natureza orgânica, é defendida por TOMÁS DE LA QUADRA-SALCEDO110 e distingue entre actos da Comissão e actos do Conselho, porém sem nos alongarmos muito gostaríamos de dizer que esta classificação também nos parece de afastar na medida que, embora dos actos administrativos da Comissão e do Conselho assumam uma grande importância, a verdade é que, como assinalámos anteriormente, há uma multiplicidade de entidades da União que podem figurar como sujeitos activos do acto e nessa medida a distinção não se deve focar apenas nestas duas entidades mas em todas aquelas que têm a possibilidade de praticar estes actos.    

Por fim, a terceira classificação defendida pela doutrina111 distingue tem uma natureza conteudista e distingue entre actos constitutivos de direitos ou actos não constitutivos de direitos/declarativos. Sem explicar o sentido relativamente obvio da distinção que é similar à que existe no ordenamento jurídico nacional, a verdade é que, como bem sublinha FAUSTO DE QUADROS112, não existe (embora devesse existir) um regime densificado para os actos constitutivos de direitos (e em particular para a sua revogação), pelo que esta classificação não tem uma grande relevância prática mas é útil para chamar a atenção para a necessidade de construir um regime jurídico para estes relevantíssimos actos administrativos da União Europeia.

 

5. Figuras Afins

Decidimos dedicar este último ponto a uma breve enumeração e diferenciação do acto administrativo da União Europeia de certas figuras afins que ainda que até possam ser próximas têm de ser claramente diferenciadas.

A primeira diferenciação que tem de ser feita é entre o acto administrativo da União Europeia e o acto administrativo transnacional ou transterritorial113. O acto administrativo transnacional no seu sentido mais comum é, seguindo o pensamento de PAULO OTERO114, o acto que sendo praticado por um Estado (e no território desse mesmo Estado) produz efeitos jurídicos no território e ordemanento jurídico de outros Estados, à luz de um princípio do reconhecimento mútuo115-116. Note-se que, como assinalam FERNANDA PAULA OLIVEIRA e FIGUEIREDO DIAS117, o acto administrativo pode ser transnacional por referência a um critério subjectivo, havendo, portanto, um acto deste tipo quando estão em causa destinatários que se encontram em outros Estados ou quando estão em causa autoridades administrativas (por exemplo no domínio policial) que podem praticar actos administrativos no estrangeiro. No fundo, como bem sintetizam BOCANEGRA SIERRA e JAVIER LUENGO118, estão em causa actos administrativos que são eficazes em espaços territoriais mais amplos que os próprios do âmbito de vigência das normas materiais que aplicam. Desde logo diga-se que esta figura pode gerar confusões conceptuais com a figura do acto administrativo da União porque ela, como bem assinala JORGE SILVA SAMPAIO119, é uma figura cuja génese surge intimamente ligada ao direito da União Europeia (já que historicamente surgem para satisfazer as liberdades fundamentais da União Europeia) e ao processo de europeização dos direitos administrativos dos Estados-Membros da União (já que para que esta eficácia transterritorial se produza terá de haver uma certa proximidade entre o direito material do Estado de origem do acto e o do Estado de recepção do acto), porém é evidente que estamos perante figuras com uma diferença clara e que começa logo no facto de estarem aqui em jogo planos que envolvem sujeitos activos diferentes (nos actos administrativos da União estão em causa entidades integradas na estrutura da União Europeia, ao passo que nos actos administrativos transnacionais estão em causa Estados ou autoridades administrativas estaduais), o que traz uma moldagem que deixa bem claro que estamos perante duas figuras com uma natureza, elementos, requisitos e efeitos jurídicos bem distintos.

A segunda diferenciação que tem de ser feita é entre actos administrativos nacionais (dos Estados-Membros) e actos administrativos da União Europeia. O acto administrativo dos Estados-Membros que aplica o direito da União Europeia assume uma importância crucial na medida em que a execução do direito da União Europeia foi pensada como sendo da responsabilidade dos Estados-Membros, havendo, portanto, uma execução que em regra é indirecta120 (numa lógica de “federalismo de execução”121) em que as administrações nacionais actuam como titulares de competência de, em articulação com a administração pública da União Europeia, adoptar os actos necessários à execução das normas e políticas da União e que, evidentemente, segue o regime jurídico dos Estados-membros122, fazendo com que a administração dos Estados-Membros seja  “administração indirecta comunitária-europeia”123. Esta é uma figura que se insere num fenómeno de “europeização do direito administrativo”124 e que evidencia uma componente caracterizadora do direito administrativo da União Europeia como “um direito com diferentes níveis de decisão e aplicação”125. Deste modo fica claro que, embora com alguns paralelismos, estamos perante duas figuras que se encontram em planos distintos e que são bem distintas nas suas funções, natureza, elementos e regulação126.

A quarta distinção que tem de ser feita é entre os actos normativos e os actos administrativos da União Europeia. Sem nos alongarmos muito gostaríamos de deixar que neste aspecto seguimos plenamente a posição de LOURENÇO DE FREITAS127 e entendemos que o que se, por um lado, é verdade que estamos a falar de uma distinção um pouco esquecida pelos Tratados e que, portanto, tem trazido algumas dificuldades na construção de um conceito de acto administrativo da União, também é verdade que a doutrina tem recortado (e bem) um critério com base na indicação ou não de destinatário (com base no artigo 297.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia). 

A quinta (e última) diferenciação é entre contratos celebrados pela administração da União e regulamentos administrativos da União e actos administrativos da União Europeia. Naturalmente, tal como acontece no nosso ordenamento jurídico, estamos a falar em figuras muito próximas que assumem a característica comum de serem todas diferentes formas do agir administrativo da Administração Pública da União, havendo, pois, uma espécie de relação de tipo fraternal entre as três figuras. Por um lado, o acto administrativo é diferente do contrato (seja ele de direito público ou privado) não só porque (obviamente) aqui está em causa uma figura de natureza contratual e com uma regulação (distinta) mais densa, mas também porque aqui não existe a lógica impositiva e de unilateralidade subjacente ao acto administrativo. Por outro lado, a distinção entre acto e regulamento é crucial porque tem consequências em matéria contenciosa (nomeadamente no quadro do recurso de anulação) e deve ser feita, em linha com a doutrina maioritária128, com base na ideia de que o acto administrativo assume a função específica de visar a aplicação da norma a uma situação individual e concreta.

 

6. Conclusão

De tudo o que analisámos ao longo deste artigo ficámos com a sensação de que, no quadro actual, o acto administrativo da União Europeia, ainda que seja uma figura com enorme relevância prática, assume uma matriz regulatória essencialmente jurisprudencial. Em nosso entender, o estudo do conceito do acto administrativo da União Europeia e dos seus elementos deveria ser alvo de uma maior atenção por parte da doutrina e, particularmente, pela doutrina portuguesa (que, sublinhe-se, infelizmente, esquece-se até do estudo geral do direito administrativo da União Europeia), sendo que este estudo, em nosso entender, poderia trazer um maior e melhor desenvolvimento dogmático da figura.

Por fim, evidentemente que, na linha do que afirma SCHMIDT-ASSMANN129, o mais relevante é que haja um consenso para que se chegue a uma regulação europeia que permita alcançar uma noção uniforme de acto administrativo da União Europeia, definindo-se de forma mais densa a eficácia jurídica, a duração ou as possibilidades de impugnação dos actos administrativos da União Europeia, já que ainda que sejam aspectos que não se podem prefigurar para todas as situações, podem, apesar de tudo, ser objecto de um modelo relativamente harmónico130.

 

 

NOTAS

1 Mestrando em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

2 Sem nos alongarmos gostaríamos de sublinhar que entendemos, seguindo o pensamento de LOURENÇO VILHENA DE FREITAS e de NUNO PIÇARRA, que se trata do corpo de regras e princípios que regem a actuação das instituições e órgãos da União Europeia (ou da Administração Pública da União Europeia) no exercício do poder executivo sujeitos a regras de direito público - L. Vilhena de Freitas, Os Contratos de Direito Público da União Europeia no quadro do Direito Administrativo Europeu, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 19-20 e N. Piçarra, “A Eficácia Transnacional dos Actos Administrativos dos Estados-Membros como elemento caracterizador do Direito Administrativo da União Europeia”, in A. Athayde, J. Caupers e M. G. Garcia (coord.), Em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, Coimbra, Almedina, 2010, p 586.

3 X. Arzoz Santisteban, “El acto administrativo en el Derecho de la Unión Europea”, Revista de Derecho de la Unión Europea, n.º 19, 2010, pp. 71-72.

4 T. de la Quadra-Salcedo, “Acto Administrativo Comunitario”, in L. Alfonso, T. de la Quadra-Salcedo, A. Molina e A. de Noriega, Manual de Derecho Administrativo Comunitario, Madrid, Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, 2000, p. 193.

5 Assinalando, também, este aspecto L. Vilhena de Freitas, Direito do Procedimento Administrativo e Formas de Actuação da Administração – Parte Geral (Lições ao Curso de Mestrado), Lisboa, AAFDL Editora, 2016, p. 417.

6 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo Europeo (versão e-book), 1.ª edição, Pamplona, Civitas, 2014, pp. 255-256.

7 F. Quadros, “A relevância para o Contencioso Administrativo Nacional do Acto Administrativo Comunitário e do Acto Administrativo Nacional contrário ao Direito Administrativo Europeu”, in A. Athayde, J. Caupers e M. G. Garcia (coord.), Em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, Coimbra, Almedina, 2010, p. 1030.

8 Defendida por M. Chiti, Diritto Amministrativo Europeo, Milão, Giuffrè Editore,1999, p. 338, T. de la Quadra-Salcedo, Manual, p. 193, S. Sticchi Damiani, “Riflessioni sulla nozione di atto amministrativo comunitario dopo la tipizzazione degli «Atti di Esecuzione»”, Rivista Italiana di Diritto Pubblico Comunitario, XVII, 6, 2007, pp. 1197 e ss, P. Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Coimbra, Almedina, 2003, pp 950-951, R. A. Garcia, “El Acto Administrativo Comunitario: Imprecisión normativa, y luces y sombras al respecto en la doctrina del Tribunal de Justicia”, in L. Colaço Antunes e Sáinz Moreno (Coord.), Colóquio Luso-Espanhol: O Acto no contencioso administrativo (Tradição e Reforma), Coimbra, Almedina, 2005,  pp. 43 e ss e F. Quadros, Em Homenagem, p. 1029 e “O Acto Administrativo Comunitário”, in L. Colaço Antunes e Sáinz Moreno (Coord.), Colóquio Luso-Espanhol: O Acto no contencioso administrativo (Tradição e Reforma), Coimbra, Almedina, 2005, pp 950-951.

9 A. VON Bogdandy, J. Bast e F. Arndt, “Tipologia de los actos en el derecho de la unión europea. Análisis empírico y estructuras dogmáticas en una presunta jungla”, Revista de Estudios Políticos (Nueva Época), n.º 123, 2004, p. 25 e J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 255.

10 Defendida apenas em M. L. Duarte, Direito Administrativo da União Europeia, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 121, sendo a definição cuja justificação é menos óbvia. Embora a Sr.ª Professora não a explique podemos retirá-la de M. L. Duarte, União Europeia – Estática e Dinâmica da Ordem Jurídica Eurocomunitária, Coimbra, Almedina, 2011, em que afirma que a expressão “Eurocomunitário” faz eco de uma lógica de direito com base europeia mas com método comunitário de integração, sendo um termo que tem a origem e método em conta, unindo a dimensão europeia deste direito com a lógica comunitária.

11 Defendida em L. Vilhena de Freitas, Os Contratos de Direito Público da União Europeia no quadro do Direito Administrativo Europeu, Vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 29 e Direito do Procedimento, p. 416 e X. Arzoz Santisteban, RDUE, pp. 71 ss (ainda que alterne esta expressão com a expressão acto administrativo europeu). 

12 F. Quadros, Direito da União Europeia, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 27-28.

13 X. Arzoz Santisteban, RDUE, p. 76 e L. Vilhena de Freitas, Direito do Procedimento, p. 416.

14 Roberto Caranta, Giustizia amministrativa e diritto comunitario, Napoles, Jovene, 1992, p. 65, M. L. Duarte, Direito, p. 121 e F. Quadros, Em Homenagem, 2010, p.1030.

15 Pela nossa parte, evidentemente que este preceito é uma base reguladora importante mas que tem de se conjugar com as demais normas dos tratados e com os demais planos regulatórios que vamos referir, pelo que, quanto muito, está em causa uma base regulatória indirecta. Além do mais, como bem sublinham MÁRIO CHITI (M. CHITI, Diritto, p. 340) e ARMIN VON BOGDANDY, JÜRGEN BAST e FELIX ARNDT (A. VON Bogdandy, J. Bast e F. Arndt, REP(NE), pp. 25 ss), a verdade é que embora a decisão seja muitas vezes entendida como acto administrativo estamos perante figuras distintas e que têm de ser diferenciadas. Em sentido próximo: L. Vilhena de Freitas, Direito do Procedimento, p. 419.

16 X. Arzoz Santisteban, RDUE, p. 78.

17 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 256.

18 N. Piçarra, Em Homenagem, p. 595.

19 De notar ainda que a maior concretização talvez surja no Código Aduaneiro Comunitário (regulamento n.º 2913/92 do Conselho) que no seu artigo 4.º definia decisão como “qualquer acto administrativo de uma autoridade aduaneira em matéria de legislação aduaneira que decida sobre um caso concreto e que produza efeitos de direito relativamente a uma ou mais pessoas determinadas ou susceptíveis de serem determinadas”. 

20 F. Quadros, Em Homenagem, 2010, p. 1032.

21 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 256.

22 Por todos: M. Severo Giannini, “Profili di un diritto amministrativo delle Comunità Europee”, Rivista trimestrale di diritto pubblico, n.º 4, 2003, p. 979. Obviamente que esta posição está ultrapassada, mas tem de ser compreendida à luz do contexto em que foi formulada.

23 X. Arzoz Santisteban, RDUE, p.79.

24 S. Cassese, “Il diritto amministrativo europeo presenta caratteri originali?”, Rivista trimestrale di diritto pubblico, n.º 1, 2003, pp. 35 ss e L. Vilhena de Freitas, Os Contratos, Vol. II, p. 32 e Direito do Procedimento, pp. 417-418.

25 A. de Laubadère, J. C. Venezia e Y. Gaudemet, Traité de Droit Administratif, I, 15ª edição, LGDJ, 1999, p. 617. 

26 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 255.

27 L. Vilhena de Freitas, Direito do Procedimento, p. 423.

28 T. de la Quadra-Salcedo, Manual, p. 205.

29 F. Quadros, Colóquio, pp. 66-67.

30 L. Vilhena de Freitas, Os Contratos, Vol. II, p. 36 e Direito do Procedimento, p. 422.

31 M. L. Duarte, Direito, p. 121.

32 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 256.

33 X. Arzoz Santisteban, “La Revocación de los actos administrativos comunitários en la jurisprudencia comunitaria”, in F. Sosa Wagner (coord.), El Derecho Administrativo en el umbral del siglo XXI- Homenage al Professor Dr. D. Ramón Martín Mateo, tomo II, Valência, Tirant lo Blanch, 2000, p. 1628 e RDUE, p. 84.

34 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 257.

35 As agências da União Europeia são organismos criados pela União com o objetivo de desempenhar uma função de natureza técnica, científica ou de gestão específica. Diga-se que sendo as Agências uma figura relativamente recente, também recentemente se tem colocado perante nós a possibilidade de estas entidades praticarem actos administrativos, afastando-se da visão tradicional que existia das agências como um mero facilitador do diálogo Europeu e adoptando-se uma visão das agências como tendo funções de regulação. Com mais desenvolvimento: L. Vilhena de Freitas, Os Contratos, Vol. I, pp. 413-414 e M. Chamon, “EU agencies between Meroni and Romano or the devil and the deep blue sea”, Common Market Law Review, vol. 48, n.º 4, 2011, pp. 1055-1075.

36 Em sentido contrário F. Paes Marques, O Direito Administrativo Europeu (Implicações Gerais do Direito Comunitário no Direito Administrativo Português), Relatório Final apresentado no seminário de Direito Administrativo inserido no Curso de Mestrado da FDUL, ano lectivo de 2003/2004, p. 22 que parece entender que apenas o Conselho e a Comissão podem praticar actos administrativos, sendo que as restantes instituições só podem praticar actos quanto aos seus funcionários.

37 Veja-se, por exemplo, o artigo 339.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

38 L. Vilhena de Freitas, Os Contratos, Vol. II, pp. 31-33.

39 X. Arzoz Santisteban, RDUE, p. 80.

40 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 257.

41 Veja-se, por exemplo, o artigo 45.º, n.º 3, alínea d) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia que permite à Comissão a prática de actos administrativos que regulem as condições de permanência de trabalhadores num outro estado-membro depois de nele terem exercido actividade laboral ou o artigo 106.º, n.º 3 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia que permite à Comissão a prática de actos administrativos para fazer face às infracções à concorrência - L. Vilhena de Freitas, Os Contratos, Vol. II, p. 33 e Direito do Procedimento, p. 418..

42 M. L. DUARTE, Direito, p. 121, U. Mager, “Die staatengerichtete Entscheidung als supranationale Handlungsform”, Europarecht, nº 5, 2001, pp. 661-681, X. Arzoz Santisteban, RDUE, pp. 81-83, J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 257 e A. VON Bogdandy, J. Bast e F. Arndt, REP(NE), pp. 27 e 28.

43 X. Arzoz Santisteban, RDUE, p. 81.

44 M. L. Duarte, Direito, p.121.

45 Cf. Acórdãos do TJUE de 6.10.1970, proferido no processo n.º 9/70 (Caso Grad contra Finanzamt), de 21.10.1970, proferido no processo n.º 23/70 (Caso Haselhorst/Finanzamt) e de 10.11.1992, proferido no processo n.º C-156/91 (Caso Ernst Mundt/Schleswig-Flensburg), pesquisáveis em https://www.curia.europa.eu/.

46 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 257.

47 P. Pitta e Cunha, Direito Europeu – Instituições e Políticas da União, Coimbra, Almedina, 2006, p. 48.

48 X. Arzoz Santisteban, RDUE, p. 82.

49 J. Mota de Campos, A. Pinto Pereira e J. L. Mota de Campos, O Direito Processual da União Europeia – Contencioso Comunitário, 2ª edição, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, p. 917.

50 M. L. Duarte, Direito, p. 121.

51 T. de la Quadra-Salcedo, Manual, p. 205 e M. L. Duarte, Direito, p.121.

52 F. Quadros, Colóquio, pp. 66-67.

53 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 256.

54 T. de la Quadra-Salcedo, Manual, p. 206.

55 Neste caso podemos ver dois preceitos que têm exactamente o mesmo conteúdo e que constam do artigo 272.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do artigo 153.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica. 

56 L. Colaço Antunes, O Direito Administrativo Sem Estado - Crise ou fim de um paradigma?, Coimbra Coimbra Editora, 2008, p. 119.

57 Veja-se o Acórdão TJUE, de 4.10.1991, proferido no processo n.º C-117/91 (Caso Bosman contra comissão), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/.

58 Cf. Acórdão TJUE, de 22.04.1997, proferido no processo n.º C-395/95 (Caso Geotronics contra Comissão), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/.

59 É a expressão utilizada no Acórdão do TJUE, de 15.06.1992, proferido no processo n.º C-137/92P (Caso Comissão contra BASF), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/.

60 X. Arzoz Santisteban, RDUE, p.80.

61 Ainda sobre a questão no contexto dos anos 80 veja-se: J. Mestre Delgado, “La incidência de la jurisprudencia comunitaria sobre algunos aspectos básicos del derecho publico interno”, Revista Española de Derecho Constitucional, ano 8, n.º 22, 1988, pp. 335-336.

62 T. de la Quadra-Salcedo, Manual, pp. 206-207 e R. A. Garcia, Colóquio, pp. 51-53.

63 Cf. Acórdão TJUE, de 29.09.2011, proferido no processo n.º C-521/09P (Caso Elf Aquitaine contra Comissão), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/.

64 X. Arzoz Santisteban, RDUE, pp. 80-81.

65 Veja-se, por exemplo, Acórdão TJUE, 2.10.2003, proferido no processo n.º C-199/99P (Caso Corus UK contra Comissão), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/.

66 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 258.

67 L. Vilhena de Freitas, Direito do Procedimento, p. 428.

68 Cf. Acórdão TJUE, de 29.09.2011, proferido no processo n.º C-521/09P (Caso Elf Aquitaine contra Comissão), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/.

69 Cf. Acórdão TJUE, 14.10.2010, proferido no processo n.º C-280/08P (Caso Deutsche Telekom contra Comissão), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/.

70 Cf. Acórdão TJUE, de 3.07.1985 (caso Roland Abrías e outros contra Comissão) e Acórdão TJUE, de 11.07.2013, proferido no processo n.º C-439/11P (Caso Ziegler S.A. contra Comissão), pesquisáveis em https://www.curia.europa.eu/. Note-se que RICARDO ALONSO GARCÌA sublinha que a exigência da densificação da motivação é mais intensa, por exemplo, quando estamos perante um procedimento sancionatório, nos procedimentos onde a discricionariedade seja maior ou quando estão em jogo direitos fundamentais. Com mais desenvolvimento e referências à jurisprudência do TJUE: R. A. Garcia, Colóquio, pp 52-53.

71 De notar que embora haja uma grande proximidade do elemento volitivo com a parte dispositiva do acto, de tal modo que até se diz que as duas partes são um todo indivisível, a verdade é que estamos a falar de dois elementos distintos. Note-se, no entanto, quando existem dúvidas interpretativas ou ambiguidades na parte dispositiva pode recorrer-se e esclarecer-se as dúvidas recorrendo ao elemento volitivo. Com mais desenvolvimento e com referências jurisprudenciais: J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 260.

72 Cf. Acórdão do TJUE, de 15/06/1992, proferido no processo n.º C-137/92P (Caso Comissão contra BASF),.

73 G. Falcon, “La tutela giurisdizionale”, in M. Chiti e G. Greco, Trattato di diritto amministrativo europeo, 2.ª edição, Milão Giufrè Editore, 2007, p. 722.

74 Veja-se por exemplo o Acórdão do TJUE, de 9.02.1994, proferido no processo n.º C-316/82 (Nelly Kohler contra Tribunal de Contas das Comunidades Europeias), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/

75 Cf. Acórdão do TJUE, de 15.06.1992, proferido no processo n.º C-137/92P (Caso Comissão contra BASF), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/.

76 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 258.

77 Cf. Acórdão do TJUE, de 1.12.2010, proferido no processo n.º F-82/09 (Caso Nolin contra Comissão), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/

78 Em sentido oposto: L. Vilhena de Freitas, Direito do Procedimento, p. 428.

79 F. Quadros, Colóquio, p. 92.

80 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, pp. 258-259.

81 Cf. Acórdão do TJUE, de 9.09.2003, proferido no processo n.º C-361/01P (Caso Christina Kik contra IHMI), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/.

82 Que segundo o TJUE se afere com base no domicílio ou na sede social. 

83 Cf. Acórdãos do TJUE, de 15/07/1970, Proc.41/69 (Caso Chemiefarma contra Comissão) e de 15.03.2000, proferido no processo n.º T-25/95 (Caso Cimenteries CBR contra Comissão), pesquisáveis em https://www.curia.europa.eu/.

84 Anotação do presidium ao artigo 21.º em M. L. Duarte e C. A. Lopes, Tratado de Lisboa, 3.ª edição, Lisboa, AAFDL, 2014, p. 582.

85 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 259.

86 Cf. Acórdão do TJUE, de 05.10.2005, proferido no processo n.º T-203/03 (Caso Lars Bo Rasmussen contra Comissão), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/.

87 Uma nota complementar que tem ligação a este elemento é a autenticação do acto que, no fundo por razões de segurança jurídica e uniformidade, vem assegurar uma certa uniformidade entre o texto constante do acto adoptado e o texto constante da sua publicação ou notificação. J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 260.

88 Este aspecto, como já sublinhámos anteriormente, é relativamente, mas vamos aprofundá-lo mais adiante quando diferenciarmos os actos administrativos dos actos normativos. 

89 Este alargamento justificasse, segundo COLAÇO ANTUNES e LOURENÇO DE FREITAS, devido a dois factores. Por um lado, as alterações legislativas no quadro do Direito da União Europeia (veja-se o caso da “Directiva Recursos”). E por outro lado devido ao alargamento da União Europeia, ao qual aderiram a Dinamarca, o Reino Unido e Holanda, cuja tradição jurídica se afasta da tradição romano-germânica (dominante na União até este alargamento) e que se foi infiltrando no ordenamento jurídico da União por via da integração na estrutura da União de nacionais destes estados-membros (sendo especialmente relevantes os advogados-gerais com a nacionalidade destes Estados-Membros). L. Colaço Antunes, “Um tratado Francês lido em Alemão? O acto administrativo no Direito Comunitário e na sua Jurisprudência”, in L. Colaço Antunes e Sáinz Moreno (Coord.), Colóquio Luso-Espanhol: O Acto no contencioso administrativo (Tradição e Reforma), Coimbra, Almedina, 2005, p.  91 e L. Vilhena de Freitas, Os Contratos, Vol. II, p. 39 e Direito do Procedimento, p. 425.

90 Cf. Acórdão do TJUE, de 16.06.1966, Proc. 54/65 (Caso Compagnie Forges de Châtillon, Commentary & Neuves-Maiders contra alta autoridade da CECA), pesquisáveis em https://www.curia.europa.eu/.

91 Acórdão do TJUE, de 11.11.1981, proferido no processo n.º 60/81 (Caso IBM contra Comissão), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/

92 Cf. Acórdãos do TJUE, de 31.03.1971, proferido no processo n.º 27/70 (Caso Comissão contra Conselho (AETR)), pesquisável em https://www.curia.europa.eu/.

93 Cf. Acórdãos do TJUE, de 12.11.1991 (Caso França contra Comissão) e de 16/06/1993 (Caso França contra Comissão), pesquisáveis em https://www.curia.europa.eu/.

94 M. L. Duarte, Direito, p.122.

95 P. Pitta e Cunha, Direito, pp. 48-49.

96 L. Colaço Antunes, Colóquio Luso-Espanhol, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 89-98 e O Direito Administrativo, p. 119.

97 F. Quadros, Colóquio, pp. 67-68 e Em Homenagem, pp. 1030-1032.

98 L. Vilhena de Freitas, Os Contratos, Vol. II, pp. 36-40 e Direito do Procedimento, p. 426.

99 X. Arzoz Santisteban, RDUE, pp. 80-81.

100 S. Cassese, Le Basi del Diritto Amministrativo, Turim, Einaudi, 1989, pp. 247-248.

101 L. Vilhena de Freitas, Direito do Procedimento, p. 420.

102 F. Quadros, Em Homenagem, pp. 1031-1032. No entanto, em nosso entender neste caso estamos numa dimensão política e não perante um acto administrativo.

103 Alexander Türk, Judicial Review in EU Law, Cheltenham, Edward Elgar Publishing, 2009, p. 12.

104 J. A. Fuentetaja Pastor, Derecho Administrativo, p. 260.

105 Em sentido contrário: L. VILHENA DE FREITAS, Direito do Procedimento, p. 428.

106 No entanto, a Recomendação 4.10 constante do relatório do Parlamento Europeu de 12/11/2012 que contém recomendações à Comissão sobre uma Lei de Processo Administrativo da União Europeia (2012/2024(INI)) aponta para a necessidade de indicação das vias de recurso, pelo que aceitamos que a nossa posição em breve venha a cair por terra. Analisando mais desenvolvidamente o tema: A. F. Neves, “A articulação do CPA com a “Lei de Processo Administrativo da União Europeia””, in C. Amado Gomes, A. F. Neves e T. Serrão (Coord.), Comentário ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, Lisboa, AAFDL Editora, 2015, pp. 80-81.

107 Por todos: T. de la Quadra-Salcedo, Manual, pp. 207-210 e F. Quadros, Colóquio, pp. 69-70.

108 T. de la Quadra-Salcedo, Manual, p. 207 e F. Quadros, Colóquio, p. 69.

109 F. Quadros, Colóquio, p. 69.

110 T. de la Quadra-Salcedo, Manual, pp. 208-209.

111 T. de la Quadra-Salcedo, Manual, pp. 209-210 e F. Quadros, Colóquio, pp 69-70.

112 F. Quadros, Colóquio, p. 69.

113 Note-se que o termo transterritorial é defendido na doutrina apenas por COLAÇO ANTUNES (Veja-se L. Colaço Antunes, A Ciência Jurídica Administrativa, Coimbra, Almedina, 2010, p. 151). Pela nossa parte estamos com a maioria da doutrina e defendemos o termo transnacional porque nos parece que para além de ser aquele que está mais consolidado na doutrina, é também aquele que é mais rigoroso em termos científicos porque, como veremos melhor adiante, o acto administrativo transnacional em regra é aquele que produz efeitos para além do território do Estado-Membro que o pratica, mas há também um critério subjectivo de qualificação que atende à natureza dos sujeitos envolvidos.

114 P. Otero, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, Almedina, 2013, p. 525

115 Sendo que JORGE SILVA SAMPAIO entende, nesta linha de pensamento, que esta aceitação ocorre por via de uma norma de cariz internacional, europeia ou interna. J. Silva Sampaio, O Acto Administrativo pela Estrada Fora – Os Efeitos Transnacionais do Acto Administrativo, Lisboa, AAFDL, 2014, p. 69. Com mais desenvolvimento: N. Piçarra, Em Homenagem, p. 604 a 607.

116 Note-se que relacionado com esta matéria e particularmente com a existência de um reconhecimento mútuo por via de uma norma de cariz internacional está em voga na doutrina moderna a defesa da existência de um Direito Administrativo Global. No entanto, estamos de acordo com a posição de LOURENÇO DE FREITAS (L. Vilhena de Freitas, “Comment on Administrative Self-Regulation (“Innerecht”) and Global Administrative Law”, e-Pública – Revista Electrónica de Direito Público, n.º 6, Dezembro de 2015 – disponível na seguinte ligação: http://e-publica.pt/comment-administrative-self-regulation.html) que defende que o Direito Administrativo Global não é uma nova fonte de direito e que não pode ser confundido com o Direito Administrativo de fontes internacionais, já que isso “implica a decisão de uma acção administrativa global, com efeito directo sobre as pessoas sem a mediação do Direito nacional” e já que depende da existência de serviços públicos internacionais ou de um interesse público internacional ou transnacional (sendo que o direito administrativo global “também pode fundamentar uma acção administrativa ou, pelo menos, servir de limite internacional ou parâmetro para acção administrativa internacional ou nacional, e implica a existência de uma constituição multi-nível e legitimidade e governança global”).

117 F. P. Oliveira e J. E. Figueiredo Dias, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, p. 38.

118 R. Bocanegra Sierra e J. García Luengo, “Los Actos Administrativos trasnacionais”, Revista de Administración Pública, n.º 177, 2008, p. 11.

119 J. Silva Sampaio, O Acto Administrativo, pp. 66-70.

120 Sobre as causas e características desta execução que em regra é indirecta: L. Vilhena de Freitas, Os Contratos, Vol. I, pp. 271 e 272.

121 P. Otero, Legalidade, p. 471.

122 T. de la Quadra-Salcedo, Manual, p. 193 e F. Paes Marques, O Direito Administrativo, p. 21.

123 P. Otero, Legalidade, p. 470.

124 F. Quadros, Direito, p. 663.

125 M. L. Duarte, Direito, p. 69.

126 A propósito da regulação gostaríamos de deixar bem claro que ao acto administrativo da União em momento algum se aplicam as normas reguladoras dos actos administrativos nacionais (que no caso português seria a aplicação do CPA) porque naturalmente essa regulação confinasse à regulação da actividade administrativa das autoridades dos Estados-membros cujos efeitos se produzem intraterritorialmente. Naturalmente, que o acto administrativo da União em aspectos pontuais sofre influência de algumas normas reguladoras nacionais dos Estados-Membros mas não se deve confundir esta influência com a regulação. 

127 L. Vilhena de Freitas, Os Contratos, Vol. II, pp. 33 a 35.

128 M. L. Duarte, Direito, p. 122-123 e X. Arzoz Santisteban, RDUE, pp. 83-84.

129 E. Schmidt-Assmann, Das allgemeine Verwaltungsrecht als Ordnungsidee – Grundlagen und aufgaben der verwaitungsrechtlichen systembildung, 2.ª edição, Buch, Springer, 2006, p. 417.

130 Um primeiro passo para a construção de um modelo harmónico nesta matéria já foi dado a Recomendação 4 constante do relatório do Parlamento Europeu de 12/11/2012 que contém recomendações à Comissão sobre uma Lei de Processo Administrativo da União Europeia (2012/2024(INI)) que estabelece um conjunto de regras que governam as decisões administrativas e que têm a maior importância.