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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versão On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.5 no.1 Lisboa jan. 2018

 

DESTAQUE

O princípio jurídico da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre Estados-membros na política de asilo da União Europeia. Anotação ao acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Sala), República Eslovaca e Hungria/Conselho da União Europeia (C-643/15 e C-647/15), de 6 de setembro de 2017

The principle of solidarity and fair sharing of responsibilities between the Member States on EU common asylum policy. Commentary to the judgment of the Court of Justice (Grand Chamber) of 6 September 2017, Slovak Republic and Hungary v Council of the European Union

 

Rita Lages0  

Faculdade de Direito da Universidade do Chile, C/ Pio Nono nº 1, Providencia, Santiago do Chile. E-mail: rlages@derecho.uchile.cl

 

RESUMO

O presente trabalho centra-se na análise do acórdão do Tribunal de Justiça, República Eslovaca e Hungria/Conselho da União Europeia (C-643/15 e C-647/15), de 6 de setembro de 2017, para a partir daquela refletir acerca da relevância que o tribunal atribui ao princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades, previsto no artigo 80.º do TFUE, aquando da sua mobilização argumentativa no âmbito da judicativa decisão concreta, e paralelamente discorrer considerações gerais acerca da natureza e conteúdo da referida norma-princípio. Assim, o trabalho divide-se em duas partes. A primeira analisa o acórdão à luz dos acontecimentos do verão de 2015, porquanto a decisão impugnada constituiu uma medida de ação imediata adoptada ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º do TFUE, que prevê um mecanismo de intervenção urgente, para responder à crise de refugiados que atingiu o seu ponto máximo naquele ano. A segunda centra-se no estudo do princípio da solidariedade e da partilha de responsabilidades que, desde a sua introdução pelo Tratado de Lisboa, teve uma discreta aparição nalguns poucos casos levados ao Tribunal de Justiça, os quais serão aqui também comentados.

 

Palavras-Chave: Princípio De Solidariedade * Partilha Equitativa De Responsabilidades * Artigo 80.º TFUE * Proteção Internacional * Crise Migratória E De Refugiados.

 

ABSTRACT

This article focuses on the analysis of the judgment of the Court of Justice (Grand Chamber) of 6 September 2017, Slovak Republic and Hungary v Council of the European Union, and from this reflect on the importance which the Court attaches to the principle of solidarity and fairness in sharing of responsibilities, as enshrined in Article 80 TFEU, when it is mobilized in the context of the judicial decision, and at the same time discuss general considerations about the nature and content  of the aforementioned principle. Thus, the article is divided into two parts. The first part examines the judgment in the light of the events of the summer of 2015, since the contested decision was an immediate action forseed in the European Agenda on Migration and adopted under Article 78 (3) TFEU, which provides for an emergency response mechanism in order to respond to the refugee crisis which peaked in that year. The second part focuses on the study of the principle of solidarity and the sharing of responsibilities which, since its introduction by the Treaty of Lisbon, has had a slight appearance in a few cases brought before the Court of Justice, which will be also discussed here.

 

Keywords: Principle Of Solidarity * Fair Sharing Of Responsabilities * Article 80 TFEU * International Protection * Migration And Refugee Crisis.

 

Sumário

I. Nota introdutória. II. O acórdão e a sua circunstância. III. O acórdão e o artigo 80.º do TFUE. IV. Conclusão.

 

0. Introdução 

Em 2017, vivemos a Primavera, o Verão e o Outono do nosso descontentamento. Os devastadores incêndios que consumiram, entre 1 de Janeiro de 2017 e 31 de Outubro último, um total de 442.418 hectares de espaços florestais, entre povoamentos (264.951 ha) e matos (177.467 ha)1, que mataram mais de uma centena de pessoas e feriram mais de três centenas, que destruíram habitações e instalações industriais em proporções inéditas, além de provocarem uma onda de consternação nacional, iluminaram um conjunto de omissões a que o Governo reagiu com um vasto leque de medidas, tanto no plano do ordenamento florestal como da protecção civil, quer no campo da prevenção como da fiscalização. Se é inegável que as tragédias foram fruto de uma conjugação de circunstâncias, humanas e climáticas, que agravou muito o risco e potenciou os danos2, a verdade é que a gestão do risco de incêndio revelou muitas fragilidades, as quais importa corrigir ponderadamente, uma vez que o quadro climático futuro — com extremar de secas e de ondas de calor — é propício à repetição de eventos como os deste Verão.

Como se verifica pela consulta aos múltiplos diplomas emanados do Governo, nos dois momentos de resposta emergencial, este é um problema com várias “frentes” — sociais, ambientais, económicas, jurídicas, administrativas. Na impossibilidade de analisar todas elas, vamos circunscrever-nos a um tema que tem merecido algum debate neste contexto, que está subjacente ao único diploma que não foi aprovado no pacote de Junho (o “Banco de Terras”), e que é sublinhado pela Comissão Técnica Independente (CTI) como uma prioridade: referimo-nos à função social da propriedade.

 

I. Nota introdutória

O recente acórdão do Tribunal de Justiça da União (TJ) no caso República Eslovaca e Hungria/Conselho1, e que ora nos propomos analisar, em virtude da intricada conjetura política em que se suscita a questão jurídica — a possibilidade de anulação de uma decisão do Conselho que estabelecia uma medida provisória no domínio da proteção internacional a favor de Itália e Grécia, com a adoção de um mecanismo temporário de recolocação obrigatória de 120 mil requerentes de tal proteção a partir daqueles dois Estados membros pelos restantes2 —, era um dos mais esperados do ano.

De resto, a leitura das conclusões do advogado-geral Yves Bot3 com enfáticas referências ao princípio da solidariedade na União (n.º 16 a 23), maxime ao artigo 80.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), e a crítica ao modo como certos Estados membros, incluídos os Estados peticionários, lidaram com a “crise migratória e de refugiados de 2015”4 (n.º 238 e 239) fundamentava essa expectativa.

Não pretendemos com o presente trabalho tratar do princípio da solidariedade na União Europeia, em geral, e no espaço de liberdade, segurança e justiça, em particular, de uma forma monográfica e ampla, dado que tal tarefa extravasaria em muito as limitações e propósitos próprios de uma anotação jurisprudencial. Tão só centraremos a nossa atenção no modo como o TJ, no acórdão comentado, mobiliza argumentativamente o princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades, previsto no artigo 80.º do TFUE, para chegar à solução jurídica no âmbito da judicativa decisão concreta, para a partir de aqui discorrer considerações gerais acerca da natureza e conteúdo da referida norma-princípio. Face ao anterior, e sem prejuízo da importância que revestem para a análise jurídica algumas das questões tratadas no acórdão, prescindiremos, nesta sede, de adentrar na discussão sobre a distinção entre ato legislativo e não legislativo, e as consequências processuais que dela decorrem, ou as especificidades do regime jurídico da proteção internacional e temporária no direito da União.

Estabelecido o anterior, o nosso comentário divide-se em duas partes. A primeira dedicada a analisar o acórdão à luz da sua circunstância, já que a decisão impugnada constitui uma medida de ação imediata prevista na «Agenda Europeia da Migração»5 e foi adoptada ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º do TFUE, que prevê um mecanismo de intervenção urgente, como resposta aos acontecimentos do chamado “Verão da migração”6 em conjunto com outras medidas destinadas a aliviar a pressão migratória sentida por alguns Estados-membros nas suas fronteiras externas (n 215 a 219 do acórdão). A segunda parte centra-se na análise que o TJ realiza do princípio da solidariedade e da partilha de responsabilidades que, desde a sua introdução pelo Tratado de Lisboa (artigo 63.º-B7), teve uma discreta aparição nalguns poucos casos levados ao TJ8. Esse é, precisamente, um dos motivos pelos quais o presente acordão constituía uma nova oportunidade para que o TJ pudesse elucidar sobre a natureza e conteúdo do mencionado princípio.

 

II. O acórdão e a sua circunstância

Os factos que contextualizam este caso e justificaram a adoção de um mecanismo solidário de recolocação temporária de refugiados são sobejamente conhecidos, a chegada à Grécia e Itália de milhares de refugiados, a maioria sírios, através das rotas do Mediterrâneo oriental e central, e de aí a travessia pelo corredor dos Balcãs ocidentais, via Macedónia, Eslovénia ou Croácia, em direção à Hungria e Áustria e destino final Alemanha9. Esta pressão migratória, num primeiro momento, deu lugar a desconcertadas respostas unilaterais dos Estados mais afetados que, sob pretexto de se encontrarem com uma situação de emergência migratória, também percebida como uma crise do controlo das fronteiras externas do espaço Schengen, estariam legitimados para adoptar medidas de exceção restritivas da liberdade de circulação; algumas delas permitidas pelo direito da União (v.g., a reintrodução temporária dos controlos de pessoas na passagem das suas fronteiras internas, prevista nos artigos 25.º a 35.º do Código das Fronteiras Shengen [CFS])10, outras não (v.g., o levantamento de fronteiras físicas de facto pela Hungria).  

Mais de dois anos depois destes acontecimentos, um dos elementos estruturantes do espaço de liberdade, segurança e justiça, e que «constitui uma das principais realizações da União» (considerando 22 do CFS), i.e., a livre circulação de pessoas, garantida através de um «modelo integrado de gestão das fronteiras» ( alínea c), do n.º 1, do artigo 77.º do TFUE) consistente na adopção de medidas comuns destinadas à ausência de controlos na passagem das fronteiras internas (alínea e), do n.º 2, do artigo 77.º do TFUE) e que tem na harmonização normativa dos controlos nas fronteiras exteriores a principal competência da União nesta matéria (alínea b), do n.º 2, do artigo 77.º do TFUE)11, continua sob pressão.

De resto, aliás, essa pressão fazia-se sentir já em 201112, na esteira dos movimentos migratórios provenientes da costa central africana no Mediterrâneo, em consequência da denominada «Primavera Árabe», debate sobre a governação do espaço Schengen para a fronteira (e a sua gestão13), lugar onde convergem, por via do controlo fronteiriço, as políticas comuns de vistos, imigração e asilo14, e que, do ponto de vista jurídico, se traduziu no surgimento, em relação a estas matérias, de uma legislação europeia quase sempre reativai.e., como resposta a uma crise súbita que urge resolver15 –, e muitas vezes contraditória ou inconsistente16 em virtude das fortes tensões desagregadoras a que estão submetidas as citadas políticas no âmbito do espaço Schengen resultantes do seu carácter híbrido que tradicionalmente conjugam elementos de supranacionalidade e intergovernamentalidade, e de uma incompleta harmonização normativa, com a consequente sobreposição de normas nacionais e da União17.

Destarte, ao mesmo tempo que se adoptam atos legislativos que institucionalizam a solidariedade operativa18, financeira19 e jurídica20 entre os Estados membros no espaço de segurança, liberdade e justiça (artigo 80.º do TFUE) —e que, portanto, pretendem reforçar, no plano do jurídico, o processo (político) de integração europeia, mediante esquemas de partilha equitativa de responsabilidades que promovam a cooperação efetiva entre Estados membros em benefício de políticas comuns de controlo de fronteiras, imigração e asilo, que só de esta forma se entende podem ser eficientes, e sob a lógica de confiança mútua no interesse comum21—, paradoxalmente, também se adotam medidas que reforçam o que poderíamos designar de “cláusulas de salvaguarda de soberania” nas fronteiras internas e externas. Por exemplo, as disposições que permitem a reintrodução dos controlos temporários e excepcionais nas fronteiras interiores (artigos 25.º, 28.º e 29.º do CFS)22, a acionar nas situações em que a confiança no funcionamento normal do espaço Schengen é questionada ou está sob ameaça23, ou ainda a possibilidade de controlos sistemáticos, recorrendo às bases de dados pertinentes, de todas as pessoas, incluídas as que beneficiam da livre circulação, na passagem das fronteiras externas24.

Em resumo, como reação às circunstâncias do Verão de 2015, o que começou por ser uma negociação intergovernamental acerca da distribuição do ónus da recepção e acolhimento de refugiados e dos custos associados a uma eventual reforma legislativa do SECA25, onde se insere a decisão impugnada, transformou-se numa crise de segurança do espaço Schengen26, cuja resolução passou preferencialmente, e louvando-nos da terminologia proposta por Bauman27, pela adoção de medidas tributárias de uma lógica de “entrincheiramento local” (local retrenchment), em detrimento da lógica de “responsabilidade global” (global responsability)28, que justificaram, no imediato,  como vimos, a suspensão parcial e temporal dos regime jurídico Schengen29, a adoção de uma reforma legislativa que não alcança a operar uma modificação de relevo na arquitetura jurídica existente das políticas de imigração e asilo, mas antes avança no desenvolvimento institucional e normativo do controlo migratório e da gestão das fronteiras30.

Adicionalmente, as soluções jurídicas ensaiadas para corrigir o que são vistas como “deficiências na arquitetura de Schengen”31 em consequência de situações de forte pressão migratória, agravada num cenário de crise económico-financeira32 que tem servido de “relevante argumento discursivo para não ampliar os direitos dos requerentes de asilo em atenção às implicações financeiras de tal passo”33, e de insegurança face ao fenómeno do terrorismo na Europa que levou a uma “securitarização” da imigração e da fronteira34, têm suscitado sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com a proteção de direitos  fundamentais e humanos35.

Pois bem, e regressando ao acórdão e à problemática que convoca, a invocação de argumentos próprios de um “estado de emergência permanente”36, justificado por razões de ordem pública e segurança interna em virtude de “um súbito afluxo de nacionais de países terceiros» (n.º 3 do artigo 78.º do TFUE) e responsável por exercer fortes pressões nos sistemas de asilo dos chamados «países de primeira linha” e originar sérias deficiências estruturais nos controlos das fronteiras externas meridionais, por sua vez, causadoras de movimentos secundários de deslocados no interior do espaço Schengen, foi o fundamento para a aprovação do mecanismo temporário de recolocação instituído pela decisão impugnada (artigo 1.º da Decisão (EU) 2015/1601)37. Mecanismo este que procede a uma repartição obrigatória entre os Estados membros de 120 mil pessoas necessitadas de proteção internacional e que, por isso, «constitui uma expressão da solidariedade entre os Estados membros» (n.º 16 das conclusões), porquanto se trata de uma medida provisória destinada a apoiar os estados italiano e grego, aliviando a pressão excecional exercida por elevados fluxos migratórios mistos sobre os seus respetivos sistemas nacionais de asilo e migração (considerando 26 da decisão impugnada).

Ora, precisamente, a alusão à emergência e excepcionalidade da situação migratória vivida nas fronteiras externas meridionais do espaço Schengen, em particular na Itália e na Grécia, permite ao TJ considerar que o n 3 do artigo 78.º do TFUE, além de constituir uma correta base jurídica para adoptar atos não legislativos dada a opção por um critério formal consagrado no TFUE (artigo 289.º), admite, em conjugação com o princípio do efeito útil da norma (n 75 do acórdão) – i.e.,  a adopção de medidas  provisórias a favor dos Estados-Membros confrontados com uma situação de emergência, caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros –, a sua interpretação em sentido lato, de forma a abranger medidas de acompanhamento de atos legislativos adoptados ao abrigo n.º 2 do artigo 78.º do TFUE, mas também medidas provisórias de carácter não legislativo, inclusive aquelas que derrogam temporalmente algumas disposições de atos legislativos (n.º 77 do acórdão), como é o caso da decisão impugnada relativamente a certas disposições do direito da União em matéria de asilo.

A opção pelo critério formal significa que um ato jurídico é considerado legislativo quando expressamente a base jurídica assim o determine, independentemente das caraterísticas do processo ao abrigo do qual tenha sido adotado o ato em questão ou o conteúdo que este revista (i.e., se o ato derroga temporariamente ou não um ato legislativo prévio). Ou, dito de outro modo, os atos jurídicos adotados ao abrigo de normas dos Tratados que não qualifiquem expressamente de legislativo o seu respetivo processo de adoção (já seja um processo legislativo ordinário ou especial) devem ser considerados atos não legislativos. É o caso, segundo o entendimento do TJ, do n.º 3 do artigo 78.º do TFUE (n.º 62, 64, 66 e 67 do acórdão).

Assim, perante a questão de saber se um ato não legislativo pode derrogar normas de atos legislativos previamente adotados, o TJ respondeu afirmativamente, sublinhando, no entanto, que as medidas derrogatórias devem ter um âmbito de aplicação temporal e material limitado (n.º 78 do acórdão)38, a fim de não ter nem por objeto nem por objetivo a substituição ou modificação permanente de disposições previstas em atos legislativos (n 79 do acórdão), e, também, quanto à substância, e ajustar-se ás exigências da adequação, necessidade e proporcionalidade ( n.º 212 e ss., 235 e ss., 267 e ss., 283 e ss. do acórdão).

 

III. O acórdão e o artigo 80.º do TFUE

O artigo 80.º do TFUE tem a sua origem no artigo III-268º do Tratado que estabelecia uma Constituição para a Europa. A leitura dos relatórios elaborados pelo grupo trabalho X «Liberdade, segurança e justiça»39, responsável pela redação do citado artigo, dá conta da dissensão, entre os seus membros, da inclusão deste princípio no domínio das políticas de controlo de fronteiras, imigração e asilo, da sua natureza jurídica e âmbito de aplicação. Para alguns, o reconhecimento expresso deste princípio no âmbito daquelas políticas era supérfluo e desnecessário dada já a existência de um princípio geral de solidariedade na União; para outros, o princípio deveria limitar-se a matérias de controlo de fronteiras e asilo ou a uma dimensão financeira40. Seja como for, a redação do artigo foi finalmente aprovada, sem modificações de relevo face à proposta original.

A normatização do princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados membros, com o seu reconhecimento expresso no TFUE e, como tal, a sua condução ao núcleo do Direito, permite reconhecer-lhe uma dimensão constitucional41 e faz do artigo 80.º do TFUE objeto susceptível de interpretação pela jurisprudência principialista do TJ.

Nesta ordem de ideias, a questão jurídica suscitada no acórdão República Eslovaca e Hungria/ Conselho, diretamente relacionada com a problemática da distribuição equitativa dos esforços e encargos relativos à recepção e acolhimento de pessoas carecidas de proteção internacional em situações de elevado afluxos migratórios, convocava o TJ a reflexionar sobre, por um lado, o conteúdo e alcance da solidariedade interestatal no âmbito da política de asilo, e, por outro lado, a sua susceptibilidade para ser fonte de obrigações jurídicas para os Estados membros.

Chegados aqui duas notas prévias impõem-se. Primeira, toda a leitura que se faça do artigo 80.º do TFUE está condicionada pela circunstância de que, no direito da União, a densificação material de um princípio geral de solidariedade, perante a ausência da sua consagração expressa nos Tratados, faz-se a partir da mobilização de outras categorias jurídico-normativas que contêm menções aquela, que vão desde referências preambulares42, passando pela alusão aos valores (artigo 2º in fine do TUE) e objetivos (n.º 3, parágrafos 2 e 3, e n.º 5 do artigo 3.º do TUE) até à invocação de normas dos Tratados sobre os mais distintos âmbitos de competência [v.g., económico (artigo 122.º do TFUE), energético (artigo 194.º TFUE), monetário (n.º 3 do artigo 136.º do TFUE), ação externa (artigos 21.º do TUE e 222.º do TFUE)] ou de outros princípios jurídicos da União (v.g., os princípios da cooperação leal e da subsidiariedade).

Segunda, a constitucionalização do princípio da solidariedade interestatal, operada pela referida disposição legal, por um lado, permite que este transcenda o âmbito do asilo (n.º 3 do artigo 67.º do TFUE), onde tradicionalmente aparece com as vestes de distribuição de encargos (burden-sharing)43, para ampliar-se à imigração e da gestão de fronteiras externas, e por outro, ao referir expressamente à repartição equitativa de responsabilidades (fair responsability-sharing)44, faz do artigo 80.º um princípio guia de justiça, e onde ambos conceitos (solidariedade e responsabilidade) aparecem juntos numa mesma norma, pela primeira vez nos tratados, como duas dimensões do mesmo princípio jurídico45, mas em que o primeiro seria a raison d’ être do segundo46.

O TJ, cedo, reconheceu a existência e a natureza jurídica vinculativa do princípio de solidariedade entre os Estados membros pertencentes a uma mesma «comunidade de direito»47 e que aquela é um dos seus pilares fundacionais48. Dessa jurisprudência inicial, o tribunal deriva da solidariedade o fundamento para um dever de respeito e assistência mútua entre Estados membros e União e outro de obediência ao direito da União, vinculando, assim, o princípio da solidariedade ao princípio da cooperação leal (n.º 3 do artigo 4.º do TEU)49. Deste modo, a solidariedade, definida em termos de reciprocidade50, requer dos Estados membros a cooperação mútua e a obrigação (positiva) de adotar medidas e de abster-se de tomar aquelas (obrigação negativa) que possam prejudicar o interesse comum traduzido na missão e objetivos da União, ainda que tal seja contrário aos seus interesses nacionais, garantindo-se, por via da lealdade, a eficácia do direito da União e, concomitantemente, o funcionamento do próprio sistema jurídico.

Por sua vez, numa série de recentes acórdãos, entre 2011 e 2017, onde o TJ é chamado a pronunciar-se sobre o regime de atribuição de responsabilidade pela análise dos pedidos de asilo criado pelo chamado «sistema de Dublim» e cujos problemas jurídicos suscitados pelos casos concretos justificava um pronunciamento à luz da relação entre o artigo 80.º e o artigo 78.º, ambos do TFUE, as referências jurisprudenciais à solidariedade no espaço de liberdade, segurança e justiça foram cautas.

Assim, no acórdão N.S e M.E. — decisão judicial de 2011 onde o artigo 80.º faz a sua estreia — o TJ limita-se a declarar que “[d]esde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, as disposições pertinentes em matéria de asilo são o artigo 78.º do TFUE, que prevê o desenvolvimento de um sistema europeu comum de asilo, e o artigo 80.º do TFUE, que relembra o princípio de solidariedade e partilha equitativa de responsabilidade entre os Estados membros”51 ou, ainda, que “o artigo 80.º do TFUE prevê que a política de asilo e a sua execução são regidas pelo princípio de solidariedade e responsabilidade equitativa entre os Estados membros”52.

Todavia, o reconhecimento do princípio da solidariedade como um elemento do sistema jurídico da União, em particular no domínio do asilo, não se traduziu na mobilização rétorico-argumentativa do artigo 80.º do TFUE como um possível fundamento da concreta decisão judicativa do TJ, chamado a interpretar, no acórdão N.S e M.E., a “cláusula de soberania” do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento Dublim II, nas situações em que o Estado membro responsável pelo pedido de asilo não respeita os direitos fundamentais do requerente de asilo que apresentou o pedido num outro Estado membro. Assim, à questão de saber se o Estado membro obrigado pelo direito da União a transferir o requerente de asilo devia assumir a responsabilidade pelo exame do pedido de asilo quando comprovadamente o Estado membro competente pela análise sujeite o requerente a um risco de violação dos seus direitos fundamentais, o tribunal, verdadeiramente, não invocou no seu discurso argumentativo o princípio de solidariedade para interpretar a “cláusula de soberania” e, menos ainda, para dele extrair fundamentadamente uma qualquer consequência jurídica concreta, fazendo descansar o seu juízo decisório, maiormente, no respeito pelos direitos fundamentais imposto pelo artigo 51.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) para determinar um limite ao poder de apreciação que o n.º 2 do artigo 3º do Regulamento confere aos Estados membros53 e justificar a sua competência para identificar outro Estado membro responsável ou examinar ele próprio o pedido54.

Parece-nos entanto que o tribunal poderia ter dado um passo mais e estabelecer o vínculo entre o artigo 80º do TFUE e o n.º 1 e 2 do artigo 67.º do TFUE e o artigo 51.º da CDFUE, pois a ideia de justiça subjacente à «partilha equitativa» pressupõe, no mínimo, o respeito pelos direitos fundamentais dos requerentes de asilo quando se encontrem sob a jurisdição do direito da União55.

No acórdão Halaf, de 2013, a resistência do TJ em convocar para o centro da análise jurídica do caso o princípio de solidariedade e responsabilidade equitativa entre os Estados membros é ainda mais notória. À questão prejudicial56 colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio búlgaro (Administrativen sad Sofia-grad) de saber se a exceção do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento Dublim II (“cláusula de soberania”)— que permite ao um Estado membro analisar um pedido de asilo apresentado por um nacional de um estado terceiro sendo outro o Estado responsável por força dos critérios enunciados no Capítulo III do citado Regulamento — deve ser interpretado à luz do artigo 80º do TFUE, de modo a permitir a um Estado membro assumir a competência para analisar dito pedido quando não concorre nenhuma das situações previstas na “cláusula humanitária” do artigo 15.º do mesmo Regulamento e o Estado membro responsável não tenha respondido a um pedido de retomada a cargo, o tribunal, omitindo qualquer referência à solidariedade, situa o seu eixo hermenêutico no contexto argumentativo da soberania, para dizer que a aceitação dos Estados membros da competência para analisar pedidos de asilo nas situações em que tal não é exigido pelo direito da União, reside numa prorrogativa soberana dos Estados membros de o decidirem “em função de considerações políticas, humanitárias ou práticas”57.

Parece-nos, porém, que o problema jurídico convocado pela questão prejudicial demandava, ou pelo menos justificava, uma outra reflexão do TJ acerca do artigo 80.º do TFUE58, ou seja, de que o tribunal podia e devia ter formulado um juízo decisório argumentativamente concludente e normativamente fundamentado com base (também) no princípio de solidariedade e partilha equitativa de responsabilidades entre Estados membros. Primeiro, a sua inclusão no tratado, em atenção, desde logo, ao texto da norma e aos seus trabalhos preparatórios59, vai muito além de uma intencionalidade programática, ao contrário do n.º 2 do artigo 67.º do TFUE60. De facto, parece ser hoje consensual entre a doutrina61 de que estamos perante um princípio susceptível de gerar obrigações jurídicas para os Estados membros nas matérias contidas no capítulo 2 (artigos 77.º a 79.º do TFUE). Segundo, sendo, então, um princípio do sistema jurídico da União, é fundamento de validade do direito secundário — composto por um conjunto de ordens normativas regulativas da praxis — na esfera do asilo, âmbito material onde se insere o problema jurídico concreto, e, por isso, dotado de força normativa; força essa que se vê, poderíamos dizer, “reforçada”, por ser ao mesmo tempo um valor (fundamento axiológico) e objetivo (fim) da União.

Em vista do anterior era de esperar que o TJ tivesse adentrado na discussão acerca do sentido e alcance do princípio de solidariedade e partilha equitativa de responsabilidades e, em seguida, tecido, à luz das exigências próprias do caso concreto, uma análise sobre o seu conteúdo normativo, no sentido de decompor que deveres de solidariedade concretos em matéria de asilo impõe o n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento Dublim III, em conjugação com o artigo 80.º do TFUE.

Em 2017, o TJ volta a ter a possibilidade de pronunciar-se acerca do artigo 80º do TFUE. Tendo por cenário a crise migratória de 2015 e os movimentos secundários de refugiados pela rota dos Balcãs Orientais, o tribunal, no acórdão Jafari, refere-se ao “espírito de solidariedade que, em conformidade com o artigo 80.º do TFUE, subjaz ao Regulamento Dublin III”62. Formulação ainda mais anfibológica que a do citado acórdão N.S. e M.E., porquanto, tal como sublinha Obradovic63, a expressão “espírito de solidariedade” é desprovida de valor jurídico.

Porém, a invocação do espírito de solidariedade entre os objetivos fundamentantes da criação de um sistema comum de critérios e mecanismos de determinação do Estado membro competente pela análise de um pedido de asilo num dos Estados membros por um nacional de um país terceiro64 — neste sentido, o sistema de Dublim constitui um exemplo de repartição normativa de responsabilidade (sharing norms ou normative sharing) —  foi justamente um dos argumentos utilizados pelo TJ para afirmar que o contexto de excepcionalidade migratória vivido em 2015 e que levou à suspensão de facto de algumas das regras do Regulamento de Dublim III por parte de Estados membros (in casu, Eslovénia e Croácia) que, confrontados com um afluxo maciço de requerentes de asilo que pretendiam transitar pelos seus territórios em direção a outros Estados membros (in casu, Áustria), toleraram por razões humanitárias a sua entrada, ainda que esta não cumprisse na íntegra as condições exigidas pela legislação nacional, não justificava uma interpretação menos estrita das normas do Regulamento de Dublim III cujo resultado pudesse ser o de «eximir da sua responsabilidade o Estado membro»65 competente, de acordo com o direito da União, de examinar o pedido de asilo.

Em outras palavras, no acórdão Jafari transparece a visão de uma solidariedade funcionalista e centrada no Estado66 enquanto elemento de salvaguarda do espaço Schengen e dos interesses dos Estados integrados67, que justifica, na base da cooperação leal, o cumprimento rigoroso das regras estabelecidas no Regulamento Dublim III, ainda que em detrimento dos direitos fundamentais dos requerentes de asilo68.

O acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho corresponde à última das decisões do TJ sobre o artigo 80º do TFUE. Ao contrário do advogado-geral, que enfaticamente eleva o princípio da solidariedade a um “valor fundador e existencial da União”69, presente nos Tratados e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e que “faz (...) parte de um conjunto de valores e de princípios que constitui o «alicerce da construção europeia»”70, o tribunal, na esteira da sua jurisprudência anterior71, continua a reservar ao 80º do TFUE um lugar nas margens da argumentação e fundamentação do seu juízo decisório.

Destaca-se, todavia, uma nota distintiva: o TJ assevera, de modo contundente, que o princípio de solidariedade e de partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados membros é um princípio diretor da política de asilo da União72, pondo fim à discussão sobre a natureza jurídica do princípio de solidariedade73 e, portanto, a possibilidade do artigo 80.º TFUE ser fonte de obrigações jurídicas74.

Em concreto, a predita afirmação permite ao TJ concluir que, se bem a decisão impugnada — i.e., a adoção de um mecanismo temporário obrigatório de recolocação de pessoas necessitadas de proteção internacional como resposta a uma situação de emergência causada por um maciço e súbito afluxo migratório — obedece a uma escolha eminentemente política que não lhe compete apreciar75, mas plenamente justificada pelas circunstâncias excecionais vividas no verão de 201576, o Conselho, uma vez adotada a decisão nos termos do n.º 3 do artigo 78º do TFUE, estava obrigado a  considerar o princípio de solidariedade e de partilha equitativa relativamente à necessidade de tal medida provisória para resolver a situação de emergência migratória que enfrentavam Itália e Grécia77 e aos critérios objetivos dessa repartição78.

Dito de outro modo, o artigo 80º do TFUE impõe ao legislador europeu uma obrigação positiva79, porquanto o conteúdo dos atos da União adotados no domínio das matérias contidas no capítulo 2 devem prever medidas solidárias de repartição equitativa de encargos e responsabilidades entre todos os Estados-membros. É, justamente, porque o artigo 80º do TFUE cumpre uma função de justiça que leva certos autores80 a defenderem a incompatibilidade do mecanismo de atribuição de responsabilidades previsto no Regulamento de Dublim III com a obrigação positiva imposta pela referida disposição do tratado, por não ser equitativo81. Isto porque, perante o princípio de que só um Estado membro é competente para analisar os pedidos de proteção internacional, o requisito geográfico do “Estado da primeira entrada” enquanto principal critério de atribuição de responsabilidades tem-se revelado, na prática, excessivamente oneroso para com aqueles Estados-membros  que pela sua condição geográfica de estado fronteiriço são destino de um maior número de refugiados e imigrantes que aqueles outros que não partilham dessa sua posição geográfica, mesmo nas situações em que não haja crises migratórias, a exigir algo ainda inexistente no atual SECA: a previsão de mecanismos solidários de repartição equitativa de responsabilidades em situações de “normalidade” migratória.

O que está em discussão no acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho, pelo contrário, é precisamente a solidariedade como um instrumento jurídico de exceção, cuja mobilização se justifica por razões de necessidade ou emergência82, de gestão de crises, em que a corresponsabilidade se converte em distribuição de sacrifícios83 e de correção de desequilíbrios decorrentes da aplicação da normativa da União em contexto de elevada afluência de refugiados, que se traduziu, nessas situações, numa maior pressão para os sistemas de asilo dos Estados-membros periféricos84.

Por outro lado, o TJ deduz do princípio de solidariedade a impossibilidade de os Estados membros recusarem, salvo quando a situação particular de cada Estado membro assim o justifique85, aceitar contingentes de recolocação, ainda que tal não seja do seu interesse86, pois só através da distribuição equitativa dos sacrifícios decorrentes de uma medida que afeta ao conjunto dos Estados-membros, como é o caso da decisão impugnada, se pode assegurar o equilíbrio entre todos os interesses presentes87.

 Em consequência, o tribunal afasta-se de uma concepção exclusivamente voluntarista da solidariedade (soft solidarity), defendida pelos Estados-membros demandantes e em coerência com a “solidariedade flexível”88 concebida pelos estados do “grupo de Visegrado”89 ao qual pertencem, para aceitar que aquela também possa ser imperativa (hard solidarity), quando consubstanciada numa medida concreta adotada de acordo a um procedimento legislativo previamente definido90, e que, portanto, o Conselho, dentro da ampla margem de apreciação de que dispunha, podia adotar um mecanismo temporário de recolocação obrigatória de refugiados, ainda que sem a unanimidade entre os Estados-membros, dada a emergência da situação e a impossibilidade de obter um consenso a curto prazo91.

Pese o acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho constituir um avanço, modesto decerto, na densificação do conteúdo material do princípio de solidariedade e partilha equitativa de responsabilidades entre Estados membros nos domínios do controlo de fronteiras, imigração e asilo, certo é que o TJ repousou o controlo jurisdicional da decisão impugnada sobre o princípio da proporcionalidade, circunscrito maiormente à questão de saber, por um lado, se o Conselho, ao adoptar a decisão impugnada, cometeu erros manifestos de apreciação quanto aos critérios definidos pelo [n.º3 doartigo 78.º do TFUE] para a sua adoção92 e, por outro, se o conteúdo da medida de recolocação se fundamentava à luz dos requisitos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito93.

Quanto ao artigo 80.º do TFUE, e ao princípio da solidariedade entre Estados-membros que nele se encontra consagrado, manteve-se fora do centro de gravidade do juízo decisório.

Perante ao dilema de, por um lado, cumprir com o dever moral e a obrigação dos Estados-membros de conceder proteção internacional a refugiados e requerentes de asilo94 e, por outro, satisfazer o interesse egoísta de reduzir ao mínimo o número de pessoas a quem conceder tal proteção95, a adoção da decisão impugnada parecia indicar que finalmente a resposta política e jurídica ao mencionado dilema — e à futura reforma do SECA — passaria pela prevalência de considerações de solidariedade e de equidade, com a adoção de mecanismos de repartição de responsabilidades, alguns já anteriormente propostos mas não aprovados96. Porém, a pouca eficácia do mecanismo temporário de recolocação97, devido à lentidão da maioria dos Estados-membros em recolocar as pessoas beneficiadas ou à expressa oposição de outros em assumir as obrigações decorrentes da decisão impugnada que, neste último caso, motivou a instauração pela Comissão de um procedimento por infração contra a República Checa, a Hungria e a Polónia, nos termos do artigo 258.º do TFUE, volta a evidenciar, tal como no passado98, a resistência dos Estados membros em adotar mecanismos permanentes e obrigatórios de solidariedade99. Ou seja, para a maioria dos Estados-membros a resposta aos elevados afluxos migratório mistos a que ciclicamente são expostos não passaria por reconhecer à União Europeia, e suas instituições, a competência para determinar unilateralmente medidas obrigatórias e permanentes de repartição do ónus das crises migratórias e dos custos das reformas legislativas associadas (lógica de «responsabilidade global»), e sim por ações nacionais, em função dos interesses de cada Estado em cada momento (lógica de «entrincheiramento local»).

 

IV. Conclusão

A questão jurídica suscitada no acórdão comentado — a eventual incompatibilidade com o direito da União da decisão do Conselho que estabelecia um mecanismo temporário de recolocação obrigatória de 120 mil requerentes de proteção internacional a partir da Itália e da Grécia pelos restantes Estados Membros — teve como pano de fundo a há muito debatida debatida solidariedade internacional e repartição equitativa dos encargos do acolhimento e da estadia de refugiados e requerentes de asilo, em situações de afluxos de larga escala, e as formas que aquelas assumiram na gestão da crise de refugiados.

Do ponto de vista do princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados-membros, o interesse do acórdão anotado reside no facto de o TJ afirmar, sem hesitação, que este é um princípio jurídico e, portanto, de que o artigo 80º do TFUE é fonte de obrigações jurídicas. Porém, como vimos — de resto, em coerência com jurisprudência anterior —, o mencionado manteve-se fora do centro de gravidade do juízo decisório. Isto porque a mobilização do princípio da solidariedade, no presente caso, continua a não ter uma relevância direta na aferição da concreta decisão judicativa, com o TJ a assentar no princípio da proporcionalidade o controlo de legalidade da atuação do Conselho para determinar se este, ao adoptar a decisão impugnada, cometeu erros manifestos de apreciação quanto aos critérios definidos pelo n.º 3 do artigo 78.º do TFUE para a sua adoção, por um lado, e, se o conteúdo da medida de recolocação se fundamentava à luz dos requisitos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, por outro.

O nosso entendimento é o de que, sem prejuízo de que o resultado a que o TJ tivesse chegado fosse similar —, i.e., de que a decisão (política) de recolocar durante dois anos a 120 mil pessoas nacionais de terceiros estados necessitadas de proteção internacional a partir de Itália e Grécia pelos restantes Estados-membros é conforme ao direito da União, pelo que os Estados demandantes estavam obrigados a recolocar o número de pessoas que lhes foi atribuído segundo o mecanismo solidário aprovado —, o problema jurídico convocado pela questão prejudicial justificava, para efeitos da sua adequada apreciação, que o artigo 80.º do TFUE abandonasse o lugar marginal que lhe tem sido destinado para assumir uma maior relevância ou centralidade na formulação de um juízo decisório argumentativamente concludente e normativamente fundamentado com base também no princípio de solidariedade e partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados-Membros.

 

 

NOTAS

0 Professora assistente da Faculdade de Direito da Universidade do Chile e investigadora do Centro de Direitos Humanos da mesma faculdade. Este trabalho corresponde a uma versão ampliada e melhorada de uma comunicação apresentada no I Encontro de professores de Direito da União Europeia que teve lugar nos dias 15 e 16 de dezembro de 2017 na Escola de Direito da Universidade Católica do Porto, campus Foz.

1 Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Sala), República Eslovaca e Hungria/Conselho da União Europeia (C-643/15 e C-647/15), de 6 de setembro de 2017, EU:C:2017:631.

2 Decisão (EU) 2015/1601 do Conselho de 22 de setembro de 2015, que estabelece medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da República Italiana e da República Helénica (JO L 248 de 25.09.2015, p. 80), a que, doravante, nos referiremos por «decisão impugnada».

3 Conclusões do Advogado geral (AG) Yves Bot apresentadas em 26 de Julho de 2017, República Eslovaca e Hungria/Conselho da União Europeia (C-643/15 e C-647/15), EU:C:2017:618.

5 A narrativa oficial das instituições europeias, à qual parecem aderir tanto o advogado-geral como o próprio TJ (nos 111, 113, 115, 117 y 252 das conclusões e 115 a 120 do acórdão, respectivamente), é a de que “[o]s sistemas de asilo dos Estados-Membros deparam-se atualmente com uma pressão sem precedentes” cuja solução passaria por desenvolver medidas financeiras, operativas e legislativas de emergência para esta e crises futuras em matéria de controlo de fronteiras, gestão de fluxos migratórios e luta contra a imigração irregular, mediante a cooperação com os Estados-Membros e países terceiros e através de mecanismos reforçados de solidariedade “que vieram para ficar” (Comissão Europeia, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões «Agenda Europeia da Migração», COM(2015) 240 final, 13.05.2015, p. 12). Porém, tal narrativa parece não encontrar uma total correlação com os dados existentes que indicam que (1) o número de refugiados e requerentes de asilo é menor em relação à população migrante total existente (7% a 8%), ou seja, os deslocamentos forçados são um fenómeno relativamente pequeno no âmbito das migrações globais, (2) a grande maioria de estes (cerca de 86%) vive em países em desenvolvimento não pertencentes à União e (3) a percentagem de novos refugiados e requerentes de asilos chegados durante a crise de 2015 (0,3% do total da população da União) continua a ser  inferior à que se conheceu em décadas anteriores (0,5% nos anos 90 durante a guerra dos Balcãs). H. Haas, “Myths of Migration: Much of What We Think We Know is Wrong”, Spiegel online, 21 de março de 2017. http://www.spiegel.de/international/world/eight-myths-about-migration-and-refugees-explained-a-1138053.html, (acedido em 3 de maio de 2018. Todos os textos eletrónicos citados foram acedidos pela última vez na data indicada, pelo que se dispensa doravante a sua referência expressa nas futuras entradas); N. Piçarra, “A União Europeia e «a crise migratória e de refugiados sem precedentes»: crónica breve de uma ruptura do sistema europeu comum de asilo 2016”, e-Pública, nº 2, 2016, p. 4; H. Postel, C. Rathinasamy e M. Clemens, “Europe’s Refugee Crisis Is Not as Big as You’ve Heard, and Not Without Recen Precedent”. Center for Global Development, 10 de setembro de 2015. https://www.cgdev.org/blog/europes-refugee-crisis-not-big-youve-heard-and-not-without-recent-precedent. Em segundo lugar, a migração internacional continua a não ser um fenómeno maciço, seja porque o número de entradas irregulares durante períodos de elevada pressão migratória é inferior ás estimativas oficiais (Haas, Spiegel online) ou porque o crescimento da população migrante desde 1960 se tem mantido estável em termos porcentuais e a aumentar em termos absolutos quase na mesma proporção que a população mundial. M. Czaika e H. Haas, «The Globalisation of Migration: Has the World become More Migratory?», International Migration Review 48, n.º 2, 2014, pp. 296 ss.; Haas, Spiegel online.

5 Comissão Europeia, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, Agenda Europeia da Migração (COM(2015) 240 final, de 13.5.2015), pp. 5 e 21.

6 A expressão é de S. Hess e B. Kasparek, “De- and Restabilising Schengen. The European Border Regime After the Summer of Migration”, Cuadernos Europeos de Deusto, n.º 56, 2017, pp. 47-77.

7 Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia (2007/C 306/01), publicado no JO C 306, de 17.12.2007.

8 Referimo-nos aos acórdãos de 21 de dezembro de 2011, N.S. e M.E., C-411/10 e C-493/10, EU:C:2011:865; de 30 de maio de 2013, Zuheyr Frayeh Halaf, C-528/11, EU:C:2013: 342 e de 26 de julho de 2017, Jafari, C-646/16, EU:C:2017:586. V., também, as conclusões apresentadas em 7 de fevereiro de 2017 pelo AG Paolo Mengozzi, X. e X., C-638/16, EU:C:2017:93 e em 8 de junho de 2017 pela AG Eleanor Sharpston, A.S./Eslovénia, C-490/16 e Jafari, C-646/16, EU:C:2017:443.

9 As conclusões do AG e o acórdão dão conta da dimensão numérica do fluxo migratório durante esse período, e para os quais remetemos (nos 111 a 115 das conclusões e 2, 115 a 120, 236 a 239 do acórdão).

10 Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de março de 2016 que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (codificação), publicado no JO L 77, 23.03.2016, p. 1.

11 Essa harmonização legislativa, ainda que parcial, é entendida como condição sine qua non e medida compensatória da existência do espaço Schengen, N. Piçarra, “Artigo 77º do TFUE”, in M. Lopes Porto e G. Anastácio, Tratado de Lisboa anotado, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 397 ss.].

12 Desse mesmo ano ver, entre outros, declaração do Conselho Europeu extraordinário de 11 de Março, EUCO 7/1/11 REV 1, Bruxelas, 20 de abril de 2011, pontos 9 e 10; Conclusões do Conselho Europeu de 24­ e 25 de Março, EUCO 10/1/11 REV 1, Bruxelas, 20 de abril de 2011, ponto 26; Conclusões do Conselho Europeu de  23-24 de Junho de 2011, EUCO 23/11, Bruxelas, 24 de Junho de 2011, pontos 10 a 20; Conclusões do Conselho da União Europeia sobre «Fronteiras, Migração e  Asilo», de 9 e 10 de Junho de 2011, pontos 4 e ss. Veja-se, ainda, a 3081ª reunião do Conselho de Justiça e Assuntos Internos, Luxemburgo, 11­-12 de Abril de 2011, Comunicado de imprensa 8692/11; 3085ª reunião do Conselho de Justiça e Assuntos Internos, Bruxelas, 12 de Maio de 2011, Comunicado de imprensa 1001/11;  3111ª reunião do Conselho de Justiça e Assuntos Internos, Bruxelas, 22­-23 de Setembro de 20 11, Comunicado de imprensa 14464/11.

13 Da leitura dos considerandos do Regulamento (UE) 2016/1624 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de setembro de 2016 relativo à Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira (JO L 251, 16.9.2016, p. 1) percebe-se que para o legislador europeu a gestão dos fluxos migratórios mistos (imigrantes e refugiados) com destino ao território da União passa, em grande medida, pela gestão, através do seu reforço, das fronteiras do espaço Schengen.

14 É na passagem da fronteira física que as políticas de imigração e asilo continuam a ter o seu momento crítico, pois é aí onde os Estados membros continuam a exercer o seu poder soberano de determinar quem entra nos seus territórios e, portanto, onde a conciliação do binómio liberdade/segurança se torna mais problemática.

15 Note-se que, como sublinham certos autores, no direito da União e nas legislações dos Estados membros relativas à imigração e controlo de fronteiras, o conceito de crise não aparece no sentido de um momento de ruptura, temporário e imprevisível, e que tradicionalmente podia servir de fundamento jurídico para justificar regimes de exceção constitucional, mas antes como um elemento estruturante do seu regime jurídico (Hess e Kasparek, Cuadernos Europeos de Deusto, p. 54), dando lugar, no direito da União, a medidas legislativas que preveem mecanismos jurídicos de emergência e de exceção para resolver situações duradouras, «thus making it possible to systematically undermined and lever the standards of international and european law without serious challenges to date», Hess e Kasparek, Cuadernos Europeos de Deusto, p. 66. Pois, e tal como sublinha a Comissão, «[a] pressão migratória externa é a “nova norma” para a UE e para os países parceiros» (Comissão Europeia, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho e ao Banco Europeu de Investimento relativa ao estabelecimento de um novo Quadro de Parceria com os países terceiros ao abrigo da Agenda Europeia da Migração, COM(2016) 385 final, de 07.06.2016, p. 6).

16 Sobre este particular, G. Cornelisse “What’s Wrong with Schengen? Border Disputes and the Nature of Integration in the Area without Internal Borders”, Common Market Law Review, vol. 51, 2014, em especial, pp. 768-769.

17 A transferência de competências nacionais para as instituições europeias em matéria de controlo de fronteiras, vistos, imigração e asilo, e a consequente competência daquelas para adoptar atos legislativos diretamente aplicáveis (regulamentos e diretivas), sujeitos ao método de tomada de decisão supranacional e aptos parar prevalecer sobre o direito interno, iniciada com o Tratado de Amsterdão, ficou concluída com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, responsável por simplificar os procedimentos de tomada de decisão e ampliar o âmbito das competências da União mediante uma revisão substancial dos atuais artigos 77.º a 80.º do TFUE. Neste sentido, K. Hailbronner e D. Thym, “Constitutional Framework and Principles for Interpretation”, in K. Hailbronner e D. Thym (eds.), EU Immigration and Asylum Law. A Commentary, 2.ª ed., Oxford/Baden Baden, C. H. Beck/Hart/Nomos, 2016, pp. 2-3.

18 Exemplo de solidariedade operativa entre os Estados membros em matéria de gestão das fronteiras externas é a agência Frontex (Regulamento (CE) n° 2007/2004 do Conselho, de 26 de Outubro de 2004, que criava uma Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas fronteiras externas dos Estados-Membros da União Europeia [JO L 349, 25.11.2004, p. 1], considerando 5 e artigo 1.º), recentemente substituída, mas mantendo o anacronismo pela qual é conhecida, pela Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira (Regulamento (UE) 2016/1624, op. cit., considerandos 10, 20 e artigo 5.º), que vê reforçado o seu mandato e competências após a crise de 2015. Igualmente inserida na lógica de dotar as agências do espaço de liberdade, segurança e justiça de mais competências, se encontra a proposta da Comissão de criar a Agência da União Europeia para o Asilo (COM(2016) 271 final, 4.5.2016, pp. 12, 16) e, assim, substituir o atual Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo ou «EASO» (Regulamento (UE) nº 439/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio de 2010 [JO L 132, 25.5.2010, p. 11]).

19 Exemplos de solidariedade financeira são os atuais “Fundo para a Segurança Interna: Fronteiras e Vistos” (Regulamento (UE) n° 515/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014 , que cria, no âmbito do Fundo para a Segurança Interna, um instrumento de apoio financeiro em matéria de fronteiras externas e de vistos, [JO L 150, 20.05.2014, p. 143] e “Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração” (Regulamento (UE) nº 514/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que estabelece disposições gerais aplicáveis ao Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração e ao instrumento de apoio financeiro à cooperação policial, à prevenção e luta contra a criminalidade e à gestão de crises, J[JO L 150, de 20.5.2014, p. 112] .

20 Os mecanismos de recolocação de requerentes de proteção internacional instituído pela decisão impugnada e pela Diretiva 2001/55/CE do Conselho, de 20 de julho de 2001, relativa a normas mínimas em matéria de concessão de protecção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e a medidas tendentes a assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados-Membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento (JO L 212, 07.08.2001, p. 12) são um exemplo de solidariedade jurídica. Ambas são medidas excecionais que têm por objetivo garantir uma repartição mais equitativa de pessoas carenciadas de proteção internacional. No primeiro caso trata-se de uma repartição obrigatória, temporalmente provisória (dois anos), quantitativamente limitada (a 160 mil pessoas) e geograficamente circunscrita (a dois estados membros beneficiários da medida e a requerentes de asilo de nacionalidades em relação ás quais a percentagem de decisões de concessão de proteção internacional adotadas em primeira instância é igual ou superior a 75%) segundo critérios objetivos previamente fixados (no artigo 4º da decisão impugnada) para fazer face a situações de emergência migratória caracterizadas por um súbito afluxo de requerentes de proteção internacional. No segundo caso é uma repartição voluntária que pode ser acionada apenas em situações de afluência maciça de pessoas deslocadas nacionais de países terceiros ou apátridas que não podem regressar aos seus países de origem em condições de segurança e duradoura, em especial por razões de conflito armado, violência endémica e violações sistemáticas ou generalizadas dos direitos humanos (artigo 2º da Diretiva 2001/55). Em síntese, o primeiro mecanismo de solidariedade apresenta um âmbito de aplicação temporal, geográfico e subjetivo mais limitado que o segundo. Ver, conclusões do AG Y. Bot, República Eslovaca e Hungria/Conselho, nos 257 e 258; ac. N.S. e M.E., nº 93 in fine; K. Hailbronner e D. Thym, “Legal Framework for EU Asylum Policy”, in K. Hailbronner e D. Thym (eds.), EU Immigration and Asylum Law. A Commentary, 2ª edição, Munique, Oxford, Baden Baden: C. H. Beck, Hart, Nomos, 2016, p. 1035; Piçarra, e-Pública, pp. 17-19.

21 Hailbronner e Thym, EU Immigration, p. 1044.         [ Links ]

22 Porque o acordo Schengen, na sua génese, assenta na convicção dos Estados membros de que o êxito (leia-se, a ausência de um elevado défice de insegurança) de um espaço de liberdade de circulação interna depende da efetiva existência de controlos compensatórios uniformes de pessoas nas fronteiras externas, juntamente com medidas de acompanhamento em matéria de vistos, imigração e asilo (artigos 7º e 17º do Acordo de Schengen de 1985), aquele vinculou, no plano jurídico, a liberdade de circulação e a imigração à segurança. Para um maior desenvolvimento deste argumento. T. Bunyan et al. “The Impact of the Amsterdam Treaty on Justice and Home Affairs”, Working Paper Civil Liberties Series, Bruxelas: Parlamento Europeo, 2000, p. 12, http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/etudes/join/2000/228145/IPOLLIBE_ET(2000)228145_EN.pdf. Percebe-se assim o impacto das crises migratórias na conformação jurídica da política europeia de gestão de fronteiras e do seu principal instrumento normativo, o CFS. Seja um exemplo, o capítulo II do CFS, relativo à reintrodução temporária dos controlos nas fronteiras internas, foi modificado dois anos depois do incidente diplomático entre Itália e França, a propósito da emissão pelo governo italiano de vistos de residência temporária por razões humanitárias a centenas de imigrantes tunisinos e a decisão francesa de reinstalar temporariamente, em abril de 2011, os controlos na fronteira terrestre comum a ambos países (Veintimiglia). Para mais detalhes, S. Carrera et al., «A Race against Solidarity. The Schengen Regime and the Franco-Italian Affair», CEPSLiberty and Security in Europe”, Bruxelas, 2011, http://www.ceps.eu, E. Guild, «Seguridad, terrorismo y asilo en el espacio Schengen», Anuario CIDOB de la inmigración 2015-2016, pp. 63-64. As modificações então introduzidas pelo Regulamento (UE) n.º 1051/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de outubro de 2013 que alterou o Regulamento (CE) n.º 562/2006 para estabelecer regras comuns sobre a reintrodução temporária do controlo nas fronteiras internas em circunstâncias excecionais [JO L 295, 06.11.2013, p. 1], a saber, a ampliação em razão do tempo e da matéria das restrições à liberdade de circulação, vão permitir que cinco Estados membros (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca e Suécia) reintroduzam, desde 2015, controlos nas suas fronteiras internas, primeiro de forma imediata ao abrigo do artigo 28º do CFS (ex artigo 25º), depois, uma vez esgotado o prazo máximo de dois meses (n.º 4 do artigo 28º do CFS), mantêm os controlos por mais seis meses de acordo com o artigo 25º, e, finalmente, acionam o artigo 29º do CFS, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 80º do Regulamento 2016/1624 (antigo artigo 26º introduzido ex novo pelo Regulamento 1051/2013), invocando motivos excecionais que colocam em risco o funcionamento global do espaço sem controlos nas fronteiras internas devido a deficiências graves e persistentes no controlo das fronteiras externas que pode estender-se até ao prazo máximo de dois anos. Para uma crítica ao mecanismo do artigo 29º CFS, N. Piçarra, “Rétablissement des contrôles aux frontières intérieures: Chronique d’une recommandation annoncée ou la flétrissure?”, EU Immigration and Asylum Law and Policy blog, 13.09.2016, http://eumigrationlawblog.eu/retablissement-des-controles-aux-frontieres-interieures/. Atualmente está em curso uma nova reforma ao CFS, com a Comissão a propor uma vez mais o alargamento dos prazos gerais de restrição da liberdade de circulação, nas situações do artigo 25º, de 30 dias para seis meses, para os períodos de prolongamento, e de seis meses para um ano, para o prazo máximo, e um alargamento extraordinário máximo de dois anos em caso de persistência para além de um ano de ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna, quando a ameaça invocada for suficientemente específica e corresponder a medidas nacionais excecionais, nomeadamente o estado de emergência. Comissão Europeia, Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as normas do Regulamento (UE) 2016/399 aplicáveis à reintrodução temporária do controlo nas fronteiras internas (COM(2017) 571 final, 27.9.2017). Acerca deste ponto, uma breve nota. Se bem a decisão de decretar e prolongar a reintrodução dos controlos das fronteiras internas está sujeita ao escrutínio prévio das instituições e dos outros Estados membros e também ao controlo de legalidade do TJ corre-se sempre o risco, tanto maior quanto mais longo é o período da reintrodução dos controlos, de que estas medidas excecionais de restrição, que se querem temporárias, perdurem para além da situação que as justificou em primeiro lugar. Por outro lado, parece-nos que a citada proposta da Comissão de prolongar os prazos de reintrodução de controlos internos vai no sentido de relativizar o primado da liberdade de circulação. Para uma visão igualmente crítica da reforma ao CFS, P. Berthelet, “La modification en cours du «Code frontières Schengen», la libre circulation comme exception?”, publicado em Groupement de Recherches «Réseau Universitaire européen Droit de l’Espace de liberté, sécurité et justice», 19.01.2018, http://www.gdr-elsj.eu/2018/01/19/frontieres/la-modification-en-cours-du-code-frontieres-schengen-la-libre-circulation-comme-exception/.

23 Se a abolição dos controlos nas fronteiras internas exige um certo nível de confiança quanto à capacidade e vontade dos Estados membros de controlar as suas fronteiras externas “que partilham da mesma responsabilidade de garantir que todas as regras de Schengen sejam aplicadas eficazmente segundo as normas comuns acordadas e com os princípios e regras fundamentais” (Conselho Europeu, Conclusões de 23 e 24 de Junho de 2011, Doc. EUCO 23/11, parágrafo 20), então a reintrodução dos controlos nas fronteiras internas em caso de ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna, já seja em virtude de uma persistente ameaça terrorista, como no caso da França desde os atentados de 2015, ou da «existência de deficiências graves no controlo das fronteiras externas» em relação ás fronteiras terrestres e marítimas gregas, requerida por Alemanha, Áustria, Dinamarca, Noruega e Suécia (Decisão de execução (UE) 2016/894 do Conselho de 12 de Maio de 2016, JO L 151, 08.06.2016, p. 8), devolve aos Estados-Membros, temporária e excepcionalmente, o poder de controlar na passagem da fronteira interna quem pode entrar ou não no seu próprio território (parágrafo 22 das citadas conclusões do Conselho).

24 Regulamento (UE) 2017/458 do Parlamento Europeu e do conselho de 15 de março de 2017 que altera o Regulamento (UE) 2016/399 no que diz respeito ao reforço dos controlos nas fronteiras externas por confronto com as bases de dados pertinentes (JO L 74, 18.3.2017, p. 1).

25 Conselho Europeu, declaração da reunião extraordinária de 23 de abril de 2015, EUCO 18/15; conclusões da reunião de 25 e 26 de junho de 2015, EUCO 22/15.

26 Conselho Europeu, Conclusões da reunião de 17 e 18 de dezembro de 2015, EUCO 28/15 e da reunião de 18 e 19 de fevereiro de 2016, EUCO 1/16. De resto, as orientações políticas definidas pelo Conselho Europeu nas referidas conclusões, em especial as de fevereiro de 2016, foram em grande medida acolhidas pela Comissão na sua Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho «Restabelecer Schengen - Um roteiro», Bruxelas, COM(2016) 120 final, 04.3.2016.

27 Z. Bauman, Europa: una aventura inacabada, trad. Luis Álvarez-Mayo, Buenos Aires, Losada, 2009, pp. 188-191.

28 Das nove iniciativas legislativas, de um total de 23, apresentadas pela Comissão, no âmbito da «Agenda europeia da migração», e já adotadas pelo Parlamento Europeu e o Conselho, podemos identificar como medidas tributárias de uma lógica de «responsabilidade global», para além da já mencionada decisão impugnada e do Reglamento que cria a Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira, o Regulamento (UE) 2017/1601 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de setembro de 2017, que institui o Fundo Europeu para o Desenvolvimento Sustentável (FEDS), a Garantia FEDS e o Fundo de Garantia FEDS (DO L 249, 27.9.2017, p. 1). Pendentes de aprovação final encontram-se a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria a Agência da União Europeia para o Asilo e revoga o Regulamento (UE) n.º 439/2010 (COM(2016)0271, 04.05.2016) e a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui o Quadro de Reinstalação da União e altera o Regulamento (UE) n.º 516/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, COM/2016/0468 final, 13.7.2016. Pode ainda incluir-se anda a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um mecanismo de recolocação em situações de crise e altera o Regulamento (UE) n.º 604/2013 [COM(2015) 450 final], 09.09.2015).

29 F. Schimmelfennig, “European Integration (Theory) in Times of Crisis. A comparison of the Euro and Schengen crises”, comunicação apresentada na Décima Quinta Conferência Bienal da Associação de estudos europeus-Estados Unidos (EUSA-USA), Miami, 4-6 de maio 2017, p. 11,https://www.eustudies.org/conference/papers/download/299.

30 Seja um exemplo a propósito do SECA, o citado e contestado critério geográfico do «Estado de primeira entrada» como princípio geral de atribuição de responsabilidade mantêm-se inalterado na última proposta legislativa da Comissão ao Regulamento Dublim, Comissão Europeia, Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos  Estados membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (reformulação), COM(2016) 270 final, de 04.05.2016, p. 42.

31 Comissão Europeia, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a preservação e o reforço de Schengen (COM(2017) 570 final, 27.9.2017), p. 2.

32 O elevado número de pedidos de asilo ocorrido num período de fortes restrições orçamentais, como consequência da crise económico-financeira de 2008, maxime nos Estados membros simultaneamente sujeitos a maior pressão de afluxos migratórios mistos e recessão económica, expôs as fragilidades do sistema europeu de asilo (SECA), caracterizado ainda por substanciais diferenças normativas nacionais de procedimento e condições de acolhimento dos beneficiários de proteção internacional. Neste sentido, F. Trauner, “Asylum policy: the EU’s ‘crises’ and the looming policy regime failure”, Journal of European Integration, vol. 38, n.º 3, 2016, pp. 313-314. Assim, o princípio geral estabelecido no Regulamento de Dublim III (Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26 de junho de 2013 que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (reformulação), JO L 180, de 29.06.2013, p. 31), pedra angular do SECA, que atribui a um único estado a competência para decidir o pedido de proteção internacional (n.º 1 do artigo 3º), em regra o «Estado da primeira entrada» (n.º 2 do artigo 3º) exerce uma carga desproporcionada sobre os “estados de primeira linha”, sujeitos a frequentes e elevados afluxos migratórios, como é o caso do grego (TJ, ac. N.S. e M.E., n.º 87), contribuindo, na prática, para perpetuar as insuficiências existentes nos sistemas nacionais de asilo de tais estados, incapazes de cumprir com as suas obrigações decorrentes do direito da União em matéria de procedimento, acolhimento e proteção dos direitos fundamentais dos requerentes de asilo.

33 Trauner, J Eur Int, p. 322 (tradução nossa). Ver, também, o exemplo dado na p. 316.

34 G. Campesi, “Migraciones, seguridad y confines en la teoría social contemporânea”, Revista Crítica Penal y Poder, n.º 3, 2012, p. 170 ss; V. Mitsilegas, “Immigration Control in an Era of Globalization: Deflecting Foreigners, Weakening Citizens, Strengthening the State”, Indiana Journal of Global Legal Studies, vol. 19, n.º 1, 2012, pp. 17 ss.; S. Leonard, “The Use and Effectiveness of Migration Controls as a Counter-Terrorism Instrument in the European Union”, Central European Journal of International and Security Studies, vol. 4, n.º 1, 2010, p. 34.

35 Dando conta de muitas de essas dúvidas, V. Mitsilegas, The Criminalisation of Migration in Europe. Challenges for Human Rights and the Rule of Law, Heidelberg/New York/Dordrecht/London, Springer Cham, 2015, especialmente, pp. 109 ss. Ver, ainda, os seguintes relatórios do Relator especial das Nações Unidas para os direitos humanos das pessoas migrantes, François Crépeau: Conselho de Direitos Humanos-Nações Unidas, Regional study: management of the external borders of the European Union and its impact on the human rights of migrants, 23º período de sessões, 24 de abril de 2013, A/HRC/23/46, pp. 10 ss; Banking on mobility over a generation: follow-up to the regional study on the management of the external borders of the European Union and its impact on the human rights of migrants, 29º período de sessões, 8 de maio de 2015, A/HRC/29/36, pp. 7 ss.

36 G. Agamben, Estado de excepção, trad. Miguel de Freitas da Costa, Lisboa, Edições 70, 2010, p. 13.

37 Prévia à decisão impugnada foi adotada a Decisão do Conselho (UE) 2015/1523, de 14 de setembro de 2015, que estabelece medidas provisórias a favor da Itália e da Grécia no domínio da proteção internacional (JO L 239, 15.09.2015, p. 146), entre elas, o mecanismo temporário de recolocação de quarenta mil pessoas necessitadas de proteção internacional.

38 Sendo que o TJ reconhece que o Conselho goza de uma margem de apreciação suficientemente ampla para, casuisticamente, determinar o período de vigência das medidas provisórias adotadas ao abrigo do n.º 3 do artigo 78º do TFUE em função das particularidades e da complexidade do caráter inédito da medida de provisória adoptada (n.º 92, 94 e 97 do acórdão).

39 Os diversos documentos de trabalho produzidos pelo grupo X relativo à «Liberdade, segurança e justiça» encontram-se disponíveis em:http://european-convention.europa.eu/EN/doc_register/doc_register0bef.html?lang=EN&Content=WGX.

40 Dando conta das várias opiniões discutidas, D. Vanheule, J. Selm e C. Boswell, The Implementation of Article 80 TFEU on the principle of solidarity and fair sharing of responsibility, including its’ financial implications, between the Member States in the field of border checks, asylum and immigration, Bruxelas, Parlamento Europeu, 2011, pp. 34-38.

41 Note-se que a existência de um princípio geral de solidariedade na União Europeia enquanto matriz axiológica do processo de integração europeu, e que encontra o seu fundamento normativo-constitucional nos atuais artigos 2º e 3º do TUE, precede a própria criação das então comunidades europeias. A. Bogdandy, “Founding principles”, in A. Bogdandy e J. Bast (eds.), Principles of European Constitutional Law, 2.ª ed., Oxford/Portland/Munique, Hart Publishing/Verlag CH Beck, 2009, pp. 53-54; R. Lages, “Um estudio preliminar sobre la solidaridad como valor y objetivo de la Unión Europea», in M. C. Silva Parejas e ECSA-Chile (ed.), América Latina y el Caribe – Unión Europea: el valor de la integración regional y el dialogo entre regiones,, Santiago de Chile, Lom, 2015, p. 50 ss; D. Thym e E. Tsourdi, “Searching for solidarity in the EU asylum and border policies: Constitutional and operational dimensions”, Maastricht Journal of European and Comparative Law, vol. 24, n.º 5, 2017, pp. 607-609.

42 Os preâmbulos do TUE (parágrafo 6) e da Convenção Europeia de Direitos Fundamentais da União Europeia (parágrafo 2) contêm alusões à solidariedade. Precisamente, as referências preambulares à solidariedade no Tratado de Paris que criou a já extinta Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), são mobilizadas argumentativamente pelo TJ para delas aferir a existência de um princípio jurídico de solidariedade. Sobre este ponto e para mais jurisprudência sobre a solidariedade no âmbito da CECA, E. Küçük, “An Elusive Political Statement or a Legal Principle with Substance?”, Maastricht Journal of European and Comparative Law, vol. 23, n.º 6, 2016, pp. 977-979.

43 O princípio da solidariedade e a repartição dos custos, inicialmente situado na discussão do orçamento e da política de coesão da União, num contexto argumentativo de redistribuição orientada a uma ideia de justiça social (K. Pantazatou, “Promoting solidarity in crisis times: Building on the EU Budget and the EU Funds”, Perspectives on Federalism, vol. 7, n.º 3, 2015, pp. 54 ss.), estendeu-se desde os inicios da construção do espaço Schengen ao domínio da justiça e assuntos internos, em especial do asilo, por, nas palavras de Küçük, necessidade funcional do mercado único sem fronteiras interiores (E. Küçük, “The principle of solidarity and Fairness in sharing Responsibility: More than Window Dressing?”, European Law Journal vol. 22, n.º 4, 2016, p. 449), e onde se começa a discutir, pela primeira vez na União, por impulso alemão, no início dos anos noventa, a necessidade de prever mecanismos que assegurassem uma repartição equilibrada entre todos os Estados membros do esforço assumido pelo acolhimento de milhares de refugiados e pessoas deslocadas da guerra dos Balcãs e dos encargos decorrentes desse acolhimento (para mais detalhes, E. Thielemann, “Between Interests and Norms: Explaining Burden-Sharing in the European Union”, International Journal of Refugee Studies  vol. 16, n.º 3, 2003, pp. 259-260).

44 É de recente uso o termo responsibility-sharing ou sharing of responsibilities, ao lado do tradicional burden-sharing, sem que, contudo, um e outro apareçam claramente definidos e diferenciados (é o caso, v.g., no seio da ONU, do recente “The global compact on refugees (zero draft)”, de 31 de janeiro de 2018, pp. 12-34). Todavia, há já certos autores que parecem assumir a tarefa da sua distinção, v.g., J. C. Hathaway, “A Global Solution to a Global Refugee Crisis”, European Papers, vol. 1, n.º 1, 2016, pp. 93-99, p. 98, introduz os conceitos de (human) responsibility-sharing e (financial) burden-sharing. Nesse sentido, assim o entendemos, o emprego do primeiro estaria reservado para a transferência de pessoas necessitadas de proteção internacional de um Estado membro da União para outro (“recolocação”) ou dos estados terceiros de destino ou trânsito para os Estados membros (“reinstalação”), por exemplo, através da concessão de vistos humanitários, permitindo-se assim a abertura de canais legais de entrada de refugiados para a União (European Union Agency for Fundamental Rights, “Legal entry channels to the EU for persons in need of international protection: a toolbox”, FRA Focus 02/2015, pp. 7 e 9); enquanto que o segundo aplicar-se-ia às medidas de apoio financeiro (e operativo, acrescentaríamos nós). Com anterioridade, Agnès Hurwitz, The Collective Responsibility of States to Protect Refugees, Oxford/Nova Iorque, Oxford University Press, 2009, pp. 147 ss. e pp. 150 ss., utiliza os termos physical burden-sharing e fiscal burden-sharing equivalentes, respectivamente, às duas categorias anteriormente mencionadas. Mais recentemente, outros autores, retomando a categorização elaborada por Gregor Noll, «Risky Games: A Theoretical Approach to Burden-Sharing in the Asylum Field», International Journal of Refugee Studies, vol. 16, n.º 3, 2003, pp. 242 ss., responsável por introduzir os conceitos de sharing norms, sharing money e sharing people, distinguem entre normative sharing, relativa à harmonização de normas jurídicas, financial sharing, com a criação de fundos financeiros, provenientes do orçamento, de apoio aos Estados, operational sharing, referente à coordenação de recursos técnicos e humanos, por exemplo, com a criação de agências comunitárias nestas matérias, e, por último, physical sharing, relativa à previsão de mecanismos de recolocação de requerentes de asilo por vários Estados, Thym e Tsourdi, MJ, pp. 618-619.

45 S. Morano-Foadi, “Solidarity and Responsability: Advancing Humanitarian Responses to EU Migratory Pressures”, European Journal of Migration and Law, vol. 19, n.º 3, 2017, pp. 230-231.

46 Vanheule, Selm e Boswell, The Implementation of Article 80 TFEU, p. 39;         [ Links ] V. Moreno-Lax, “Solidarity’s reach: Meaning, dimensions and implications for EU (external) asylum policy”, Maastricht Journal of European and Comparative Law, vol. 24, n 5, 2017, p. 751.

47 Expressão introduzida pelo acórdão de 23 de abril de 1986, Partido Ecologista – «Os Verdes»/Parlamento Europeu, 294/83, EU:C:1986:166, n.º 23.

48 Veja-se, os acórdãos de 10 de dezembro de 1969, Comissão/França, 6/69 e 11/69, EU:C:1969:68, n.º 16, de 7 de fevereiro de 1973, Comissão/Itália, 39/72, EU:C:1973:13, n.º 25; e de 7 de fevereiro de 1979, Comissão/Reino Unido, 128/78, EU:C:1979:32, n 9.

49 Para uma caracterização das relações entre os princípios da solidariedade, cooperação leal e confiança mútua, Thym e Tsourdi, MJ, pp. 612-618.

50 Ac. Comissão/Itália, 39/72, EU:C:1973:13, n.º 24; ac. Comissão/Reino Unido, n.º 12. A conceptualização da solidariedade sob uma lógica de reciprocidade entre os membros de uma comunidade mais ou menos definida — i.e., os Estados membros contribuem para a prossecução do bem comum e do funcionamento do sistema da União, sujeitando-se a certos ónus ou sacrifícios, com a pretensão de obter uma parte dos benefícios da integração político-jurídica —, permite afirmar que também na União Europeia a solidariedade como valor fundacional da integração europeia se afasta da noção de altruísmo. Sobre este ponto em particular, P. HILPOLD, “Understanding Solidarity within EU Law: An Analysis of the ‘Islands of Solidarity’ with Particular Regard to Monetary Union”, Yearbook of European Law, vol. 34, n.º 1, 2015, pp. 258-265. Por outra parte, outros autores veem na consagração do catálogo de valores da União positivado no artigo 2.º TUE a expressão de uma solidariedade cosmopolita, na medida em que esses valores (dignidade humana, respeito pelos direitos fundamentais, democracia, etc.), sendo partilhados pelos Estados membros, não são exclusivos destes, e, portanto, susceptíveis de configurar o acervo axiológico e jurídico de uma «comunidade jurídica global». MORENO-LAX, MJ, p. 746.

51 Ac. N.S. e M.E., n.º 10 (itálico nosso).

52 Ac. N.S. e M.E., n.º 93 (itálico nosso).

53 Ac. N.S y M.E y otros, n.º 64-69.

54 Ac. N.S y M.E y otros, n 107 e 108.

55 E. Karageorgiou, “The law and practice of solidarity in the Common European Asylum System: Article 80 TFEU and its added value”, European Policy Analysis, n.º 14, 2016, p. 5; Moreno-Lax, MJ, p. 758.

56 Ac. Halaf, n.º 25.

57 Ac. Halaf, n.º 37.

58 Quanto a nós, e acompanhando de perto a Küçük, Eur LJ, p. 464, o problema jurídico em causa, mais do que saber se a soberania é fundamento para que um Estado membro possa unilateralmente analisar pedidos de asilo fora das situações em que expressamente o Regulamento de Dublim dispõe que o deve fazer — resposta, de resto, mais ou menos evidente por força dos princípios gerais que regem o direito da União e o direito internacional —, era o de indagar se nessas situações em que parece existir uma margem de liberdade de atuação, a solidariedade do artigo 80.º TFUE pode ainda assim justificar uma obrigação dos Estados membros de analisar os pedidos de asilo e em que condições.

59 Não obstante terem sido propostas, durante as sessões do Grupo de trabalho X, várias emendas à redação do artigo 80º do TFUE que questionavam o carácter jurídico do princípio da solidariedade, a verdade é que a redação final da disposição em causa manteve-se, na sua essência, inalterada. Dando conta do conteúdo dessas propostas, Vanheule, Selm e Boswell, The Implementation of Article 80 TFEU, pp. 36-39.

60 J. Bast, “Deepening Supranational Integration: Interstate Solidarity in EU Migration Law», European Public Law, vol. 22, n.º 2, 2016, p. 292; E. Tsourdi, “Solidarity at work? The prevalence of emergency-driven solidarity in the administrative governance of the Common European Asylum Law”, Maastricht Journal of European and Comparative Law 24, n.º 5, 2017, p. 672.

61 Entre outros, Bast, European Public Law, pp. 292-293; Küçük, MJ, pp. 971 e 982; Küçük, Eur LJ, p. 464; Karageorgiou, European Policy Analysis, p. 6; Thym/Tsourdi, «Searching for solidarity», p. 672; Moreno-Lax, MJ, p. 751; H. Labayle, «La solidarité n’est pas um valeur: la validation de la relocalisation temporaire des demandeurs d’asile  par la Cour de Justice (CJUE, 6 septembre 2017, Slovaquie et Hongrie c. Conseil, C-643/15, C-647/15)», EU Migration Law Blog, 7 de setembro de 2017, http://eumigrationlawblog.eu/la-solidarite-nest-pas-une-valeur-la-validation-de-la-relocalisation-temporaire-des-demandeurs-dasile-par-la-cour-de-justice-cjue-6-septembre-2017-slovaquie-et-hongrie-c-consei/.

62 Ac. Jafari, n.º 100 (itálico nosso).

63 D. Obradovic, «Cases C-643 and C-647/15: Enforcing solidarity in EU migration policy», European Law Blog, publicado a 02.10.2017, http://europeanlawblog.eu/2017/10/02/cases-c-643-and-c-64715-enforcing-solidarity-in-eu-migration-policy/#more-3790.

64 Ac. Jafari, n.º 85 e 88.

65 Ac. Jafari, n.º 89.

66 V. Mitsilegas, «Humanizing solidarity in European refugee law: The promise of mutual recognition», Maastricht Journal of European and Comparative Law, vol. 24, n.º 5, 2017, pp. 721-739; e, do mesmo autor,  “Solidarity beyond the state: towards a model of solidarity centred on the refugee”, Open democracy, 16 setembro 2016, https://www.opendemocracy.net/valsamis-mitsilegas/solidarity-beyond-state-towards-model-of-solidarity-centred-on-refugee.

67 Ac. Jafari, n.º 85 in fine.

68 N. K. Šalamon, “CJEU rulings on the Western Balkan route: Exceptional times do not necessarily call for exceptional measures”, EU Migration Law Blog, 11 dezembro 2017, http://eumigrationlawblog.eu/cjeu-rulings-on-the-western-balkan-route-exceptional-times-do-not-necessarily-call-for-exceptional-measures/.

69 Conclusões, República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 18.

70 Conclusões, República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 19.

71 No acórdão X. e X./Bélgica, por exemplo, o TJ nem sequer mobiliza a norma-princípio do artigo 80.º TFUE, apesar de o advogado-geral Mengozzi mencionar nas conclusões que a sua interpretação do artigo 25.º do Código de Vistos, relativo à emissão de visto humanitário, “assegura, na devida proporção, o respeito pelo principío de solidariedade e partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados-membros”. Conclusões do AG Paolo Mengozzi apresentadas em 7 de fevereiro de 2017, C-638/16, X. e X./Bélgica, EU:C:2017:93, n.º 174.

72 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 291 in fine: “o princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados-Membros (...) rege a política da União em matéria de asilo”.

73 Entre certa doutrina existe o entendimento de que a solidariedade é um princípio político, e não jurídico. Entre outros, M. Klamert, The principle of Loyalty in EU Law, Oxford University Press, 2014, pp. 35-40; A. Mangas Martín e D. J. Liñán Nogueras, Instituciones y Derecho de la Unión Europea, 8ª edição, Madrid, Tecnos, 2014, p. 60.

74 Questão distinta é a de saber se o artigo 80.º TFUE configura uma base jurídica idónea para a adoção de atos jurídicos da União. Entre as instituições parece não existir consenso, pois se para o Conselho “o artigo 80.º TFUE não constitui uma base jurídica na acepção do direito da UE” (Conselho da União Europeia, Nota sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o Fundo para o Asilo e a Migração, Doc. 8256/14 ADD1, de 7 de abril de 2014, p. 1), para o Parlamento Europeu, tal disposição constitui uma «base jurídica adequada» (Parlamento Europeu, Resolução legislativa do Parlamento Europeu, de 13 de março de 2014, sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o Fundo para o Asilo e a Migração (COM(2011)0751 — C7-0443/2011 — 2011/0366(COD)), Anexo da resolução legislativa (JO C 378, 09.11.2014, p. 650). Por sua vez, a Comissão adopta uma posição ambígua, se bem é certo que não se opôs à não inclusão do artigo 80.º do TFUE nas propostas para a criação do fundo para o asilo e a migração ou do fundo europeu para os refugiados acautela “que tal não prejudica o seu direito de iniciativa quanto à escolha das bases jurídicas, em especial, a futura utilização do artigo 80.º do TFUE” (Comissão Europeia, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu em conformidade com o artigo 294.º, n.º 6, do TFUE relativa à posição do Conselho sobre a adoção de uma proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Decisão n.º 573/2007/CE que cria o Fundo Europeu para os Refugiados para o período 2008-2013 no âmbito do programa geral Solidariedade e gestão dos fluxos migratórios e que revoga a Decisão 2004/904/CE do Conselho («Programa conjunto de reinstalação da EU»), COM(2012) 110, de 9.3.2012, p. 4; Conselho da União Europeia, Doc. 8256/14 ADD1, p. 2). Entre nós, v. N. Piçarra, «Artigo 80.º do TFUE », in M. Lopes Porto e G. Anastácio (eds.), Tratado de Lisboa anotado, Coimbra, Almedina, 2011, p. 420.]

75 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 208 e 257.

76 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 242.

77 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 251 a 253.

78 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 329.

79 Bast, European Public Law, 293.

80 Küçük, Eur LJ, 457-463.

81 De resto, aliás, a própria Comissão, reconhece que o sistema de Dublim não foi pensado para ser um mecanismo solidário de partilha de responsabilidades, a justificar, por isso, a necessidade de reforma do Regulamento de Dublim III no sentido de prever instrumentos corretivos da repartição dos encargos de carácter complementar em relação ao sistema de Dublim. Comissão Europeia, Livro verde sobre o futuro sistema europeu comum de asilo, COM(2007) 301 final, pp. 11 ss.; Comissão Europeia, COM(2016) 270 final, p. 3.

82 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 291.

83 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 290, 291 e 343.

84 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 218, 329, 333 e 337.

85 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 294 e 297.

86Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 291 a 293.

87 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 290.

88 O princípio da solidariedade flexível, apresentado na Cimeira de Bratislava de 16 de setembro de 2016, permite aos Estados decidir em que condições especificas podem e desejam participar na gestão migratória, em função de vários fatores, como seja, por exemplo, o seu grau de desenvolvimento económico, sempre na base da voluntariedade, pelo que a previsão de mecanismos de partilha equitativa de responsabilidades entre Estados-membros jamais pode ser obrigatória. B. Nagy, “Sharing the responsibility or Shifting the Focus? The Responses of the EU and the Visegrad Countris to the Post-2015 Arrival of Migrants and Refuges”, Working Paper 17, Global Turkey in Europe, 2017, pp. 9 ss.

89 Criado em 15 de fevereiro de 1991, dele fazem parte Eslováquia, Hungria, Polónia e República Checa. Mais informação disponível em: http://www.visegradgroup.eu/.

90 Assim, Obradovic, European Law Blog.

91 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 246-249.

92 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 92, 124 e 133.

93 Ac. República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.º 212, 236, 245-246, 253.

94 Deve-se, contudo, recordar que «[t]he EU’s engagement with refugees did not start with an overwhelming obligation to ensure that the international protection obligations of the Member States were incorporated into the EU project, but rather as a side issue to the abolition of intra-Member State border controls on the movement of persons». Elspeth Guild, «Does the EU need a European Migration and Protection Agency?», International Journal of Refugee Law, vol. 28, n.º 4, 2016, p. 589.

95 Dando conta deste dilema muitos anos antes, A. Suhrke, no seu seminal trabalho, “Burden-sharing during Refugee Emergencies: The Logic of Collective Action versus National Action”, Journal of Refugee Studies vol. 11, n.º 4, 1998, pp. 396-415.

96 Em 2011, aquando das negociações sobre o Regulamento de Dublin, a Comissão propôs um “mecanismo de emergência (...) que permitiria a suspensão temporária de transferências de requerentes de asilo para Estados­-Membros cujos sistemas de asilo se encontrassem sujeitos a uma pressão forte e desproporcionada”. Porém tal recomendação foi rejeitada pela maioria dos Estados-membros. Conselho da União, Comunicado de prensa da 3111ª reunião do Conselho Justiça e Assuntos Internos, Bruxelas, 22-23 de setembro de 2011, 14464/11 (OR. en) PRESSE 320 PR CO 53, http://europa.eu/rapid/press-release_PRES-11-320_pt.htm.

97 Até 18 de abril de 2018, de um total de 98.255 mil, foram recolocadas 34.617 mil pessoas. Ver: https://ec.europa.eu/home-affairs/sites/homeaffairs/files/what-we-do/policies/european-agenda-migration/press-material/docs/state_of_play_-_relocation_en.pdf.

98 Vem de longe o dissenso ao nível intergovernamental e entre as instituições europeias acerca da necessidade da repartição equitativa de refugiados pelos diferentes países da União e a natureza obrigatória ou voluntária, permanente ou temporária dos respectivos instrumentos solidários. Assim, em 1994, a proposta da presidência alemã de criação de um mecanismo obrigatório de recolocação de pessoas deslocadas, como então se designavam, em função de critérios demográfico (percentagem do total da população da União), territorial (percentagem do tamanho do território da União) e económico (percentagem do produto interno bruto da União) não encontrou o apoio necessário entre os Estados no seio do Conselho (Conselho da União, Draft Council Resolution on Burden-sharing with Regard to the Admission and Residence of Refugees, 1 july 1994, Council Document 7773/94 ASIM 124, pp. 6-7), para dar lugar a uma outra proposta bem mais modesta, finalmente adotada sob a presidência espanhola (Conselho da União, Resolução do Conselho de 25 de Setembro de 1995 relativa à repartição dos encargos decorrentes do acolhimento e da estadia temporária das pessoas deslocadas (95/C 262/01), JO C 262, 07.10.1995, p. 1), que admitía a repartição de refugiados dependente da vontade dos Estados e de acordo a critérios de amplia formulação a ser explicitados segundo os casos concretos e um procedimento (Conselho da União, Decisão 96/198/JAI, de 4 de março de 1996, relativa a um procedimento de alerta e de emergência para a repartição dos encargos decorrentes do acolhimento e da estadia temporária das pessoas deslocadas, JO L 63, 13.3.1996, p. 10). Gregor Noll, Negotiating Asylum, the EU Acquis, Extraterritorial Asylum and the Common Market of Deflection, Haia, Kluwe Law International, 2000, pp. 291-297; Thielemann, International Journal of Refugee Studies, p. 260.

99 Consciente de que «[d]evido à instabilidade e aos conflitos constantes na vizinhança imediata da Itália e da Grécia, e às suas repercussões em termos de fluxos migratórios noutros Estados-Membros, é muito provável que continue a ser exercida uma pressão importante e crescente sobre os respetivos sistemas de migração e asilo, com uma proporção significativa dos migrantes a necessitar provavelmente de proteção internacional» (Decisão (EU) 2015/1601, op. cit., considerando 16), a Comissão propôs um mecanismo de recolocação «permanente», ou seja, não limitado no tempo (Comissão Europeia, Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um mecanismo de recolocação em situações de crise e altera o Regulamento (UE) n.º 604/2013 [COM(2015) 450 final], 09.09.2015). Todavia, a aprovação desta proposta continua paralisada no Conselho. Por sua vez, a Comissão, frente à falta de consenso entre os Estados-membros (recorde-se o episódio da carta enviada pelo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, aos estados membros, em dezembro de 2017, em que apelava ao abandono da referida proposta por considerá-la “divisiva e ineficaz” e que lhe valeu a oposição expressa do comissário europeu das migrações, Dimitris Avramopoulos. “Quotas de refugiados põem Avramopoulos contra Tusk”, Público, 14 de dezembro de 2017, https://www.publico.pt/2017/12/14/mundo/noticia/quotas-de-refugiados-poem-avramopoulos-contra-tusk-1795910), tem preferido a reinstalação a partir de terceiros países, com destaque para o acordo União Europeia-Turquia. Na última reunião do Conselho Europeu, os Estados-Membros, incluídos aqueles que se eram favoráveis à adoção de quotas obrigatórias de refugiados, parecem ter abandonado definitivamente essa possibilidade ao admitirem apenas a recolocação e a reinstalação voluntárias dos refugiados que venham a ser transferidos para os futuros centros controlados a criar nos Estados-Membros, acrecentando, no entanto, «sem prejuízo da reforma de Dublim». CONSELHO EUROPEU, Conclusões  da reunião do Conselho Europeu de 28 de junho de 2018, Bruxelas, 28 de junho de 2018, EUCO 9/18, CO EUR 9, CONCL 3, parágrafo 6, p. 2.