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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-2176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.1 Lisboa jun. 2014

 

INTRODUÇÃO

Introdução

Hélder Carita*

Professor da Escola Superior de Artes Decorativas da Fundação Ricardo Espírito Santo e Silva e investigador integrado do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

 

 

Convidado para programar o número 1 da nova série dos Cadernos do Arquivo Municipal de Lisboa, decidi dedicá-lo à “Lisboa Joanina 1700-1755” ciente que este período da história da cidade continua a necessitar de uma cuidada revisão historiográfica baseada em novas fontes documentais.

Na realidade, poucos reinados como o de D. João V tiveram por parte da historiografia um tratamento tão crítico, radicando-se esta postura numa linha de liberalismo anticlerical iniciada por Alexandre Herculano e Oliveira Marques e repetida pelos historiadores de vertente republicana como Jaime Cortesão ou António Sérgio. Relatos de viajantes eivados de etnocentrismo foram tomados como paradigmas, verificando-se que muitas das suas observações diziam mais sobre os próprios autores do que verdadeiramente sobre a realidade em causa. Período acusado de despesista e de mentalidade beata submissa à Igreja, muitas destas visões são passíveis de um enquadramento alargado onde os direitos sobre o Brasil face às grandes potências europeias assumiam um significado crucial na estratégia da casa real e nos destinos do país.

Se a partir da obra de Silva Dias, Aires de Carvalho ou, mais recentemente, de Margarida Calado com seu estudo sobre “A Arte e Sociedade na época de D. João V” temos vindo a assistir a uma reabilitação do reinado, as novas perspetivas permanecem no domínio dos especialistas.

Nesta outra perspetiva, as sumptuosas embaixadas podem ser entendidas como verdadeiras ações de propaganda e uma eficaz estratégia de afirmação do país como grande potência marítima capaz de resistir aos avanços das armadas inimigas. As reformas das estruturas de administração do Estado onde, em 1736 e pela primeira vez, o cargo de secretário de Estado passa a reunir de forma concertada - negócios estrangeiros e guerra – são dados fundamentais para um novo entendimento do período.

Igualmente as encomendas a Roma e a estratégia de elevar Lisboa a sede patriarcal asseguraram a conivência e o incondicional apoio papal, que teve como corolário o Tratado de Madrid onde impusemos à Espanha as nossas condições, baseadas num direito romano de uti possedetis, ita possedeatis, que irá assegurar ao Brasil uma extensão territorial muito para além do definido no Tratado de Tortesilhas.

Se a construção do aqueduto é reconhecido como uma grande realização da época, colmatando uma falha da cidade que, desde o reinado de Filipe I, se tentava solucionar, Lisboa sofre um processo de renovação desmultiplicando-se em obras que, localizadas em pontos estratégicos, acabaram por conferir à imagem da cidade uma monumentalização de sentido barroco e fortemente cenográfico.

Lisboa transforma-se num grande estaleiro de obras acompanhadas pela supervisão do Senado da Câmara, nas figuras dos vedores de obras, arquitetos da cidade e mestres medidores como atesta a vasta coleção de Livros de Cordeamentos, guardada no Arquivo Municipal. Reunindo os pedidos de autorização para obras e as respectivas vistorias ao local, este corpo documental permite-nos de forma precisa acompanhar esta intensa atividade no seu quotidiano.

Zonas como o Rossio, o Campo de Santana ou o de Santa Clara sofrem processos de reestruturação urbana, a par de importantes eixos de desenvolvimento como a estrada da Cotovia para o Rato ou a rua das Janelas Verdes para Alcântara. Requalificando estes espaços, observamos a implantação de um conjunto de grandes palácios marcados pela adoção de novos esquemas de composição arquitetónica de assinalada erudição que, autonomizando-se nas morfologias urbanas e na envolvente, impõem um novo modelo de edificação barroca.

A par de um quadro arquitetónico de influência europeia, nomeadamente italiana, as artes decorativas como a azulejaria e a talha atingem neste período o seu momento áureo num quadro estético profundamente original e de magistral domínio técnico.

No campo da chamada arquitetura corrente, diversas zonas como o Bairro Alto, Santa Catarina ou Colina de Santana sofrem uma sistemática renovação nos seus antigos prédios dos séculos XVI e XVII, verificando-se a emergência de uma nova tipologia de edifício de rendimento cujas características estabelecem-se como matriz do que pouco tempo depois será considerado o prédio pombalino. As bases teóricas e a experiência performativa, subjacente às grandes opções do pombalino, radicam-se neste reinado anterior. Basta pensar que Manuel da Maia tinha, na altura do Terramoto, oitenta anos e, tanto Eugénio dos Santos como Carlos Mardel estavam no final das suas carreiras, falecendo ambos poucos anos depois.

Muitos dos tópicos enunciados aqui são os temas de investigação de vários artigos deste número. Na sua organização optei por reuni-los em áreas temáticas. Uma primeira parte reúne aspetos urbanísticos mais abrangentes ligando-os com temáticas da gestão municipal e da vida social. Numa segunda parte reúnem-se investigações mais específicas sobre arquitetura e manifestações da cultura artística.

Pela natural vocação desta revista para a investigação e divulgação do riquíssimo acervo documental do Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa decidiu-se criar uma secção especial designada Documenta. Aqui inclui-se a transcrição integral de documentos sobre a temática cuja relevância permite uma base de apoio aos investigadores. Deste conjunto não se pode deixar de referir, entre outros, a transcrição dos regimentos dos oficiais carpinteiros e pedreiros ou dos douradores e pintores pertencentes ao fundo Casa dos Vinte e Quatro.

A todos os autores e investigadores que aceitaram o convite para colaborar neste número presto os meus agradecimentos. Os seus textos irão contribuir, sem dúvida, para uma leitura mais precisa e documentada sobre a Lisboa do reinado de D. João V.

 

 

* Hélder Alexandre Carita Silvestre, professor da Escola Superior de Artes Decorativas da Fundação Ricardo Espírito Santo e Silva e investigador integrado do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

É doutorado em História da Arte Moderna – arquitetura e urbanismo pela Universidade do Algarve, com a tese intitulada Arquitectura Indo-Portuguesa na Região de Cochim e Kerala, modelos e tipologias do séc. XVI e XVII. Divide os seus domínios de investigação e publicação entre arquitetura, urbanismo e artes decorativas, sendo a arquitetura doméstica uma das suas áreas privilegiadas. Correio eletrónico:hc.atelier@clix.pt

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